ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Diálogos entre educação não escolar e pedagogia: uma
experiência de participação
Dialogues between non-school education and pedagogy: an experience of
participation
Diálogos entre la educación y la pedagogía no escolar: una experiencia de
participación
Simone Martiningui Onzi
*
Daianny Madalena Costa
**
Resumo
Este artigo é resultado de uma pesquisa que objetivou investigar a possibilidade de, por meio de uma
gestão pedagógica participativa, articular a construção de práticas pedagógicas significativas em um
espaço de educação não formal, que traduzissem a construção coletiva de um projeto pedagógico
para o espaço educacional em que se realizava o Programa Recriar campo empírico do estudo. A
metodologia utilizada caracterizou-se por uma abordagem qualitativa, tendo em vista o caráter par-
ticipativo e propositivo da investigação. Logo, para sua condução, adotou-se o método da pesquisa
ação, pois oferece as condições necessárias para uma construção coletiva. Os sujeitos da pesquisa
formaram um grupo de pessoas, que foi denominado “Comitê do Programa Recriar”, que se reuni-
ram para dialogar participativamente e construir o projeto pedagógico para o estabelecimento. Nesse
processo, foi percebido que diálogo sofre suas contradições entre silêncios e empoderamento que
se verificam a partir dos diversos lugares ocupados pelo conjunto dos membros que compõem o
Recriar. Por fim, como resultado, o estudo indicou que é possível pensar, de forma coletiva, práticas
pedagógicas significativas para o Programa Recriar, configurando objetivos, intencionalidades e mo-
dos de ação que busquem promover a formação integral do ser humano, uma das finalidades da
educação não formal.
Palavras-chave: gestão participativa; práticas pedagógicas; educação não formal.
Recebido em: 10/01/2020 Aprovado em: 07/06/2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i1.10542
ISSN on-line: 2238-0302
*
Mestra em Gestão Educacional. Especialista em Gestão do Social. MBA em Marketing. Especialista em Gestão Estratégica
em Educação. Docente do Curso de Pedagogia na modalidade Presencial e Semi-Presencial e coordenadora do espaço de
Brinquedoteca do Centro Universitário da Serra Gaúcha. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1040-5189. E-mail:
simoneonzi@gmail.com
**
Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Professora do Programa de Pós-Graduação
em Gestão Educacional (Unisinos). Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7045-0259. E-mail: daiannycosta@hotmail.com.
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Abstract
This article is the result of a research that aims to investigate the possibility of, through participatory
pedagogical management, articulate the construction of meaningful pedagogical practices in a non-
school education space, which translate the collective construction of a pedagogical project for the
educational space in which the Recreate Program takes place - the empirical field of study. The
methodology used was characterized by a qualitative approach, in view of the participatory and prop-
ositional character of the research. Therefore, for its conduct, the action research method was
adopted, as it offers the necessary conditions for a collective construction. The research subjects
formed a group of people, which was called the “Recreate Program Committee”, who met to engage
in a participatory dialogue and build the pedagogical project for the establishment. In this process,
it was noticed that dialogue suffers its contradictions between silences and empowerment - which
are verified from the various places occupied by the set of members that make up the Recreate.
Finally, as a result, the study indicated that it is possible to think, collectively, significant pedagogical
practices for the Recreate Program, setting objectives, intentionalities and modes of action that seek
to promote the integral formation of human beings, one of the purposes of non-formal education.
Keywords: participatory management; pedagogical practices; non formal education.
Resumen
Este artículo es el resultado de una investigación que tuvo como objetivo investigar la posibilidad de,
a través de la gestión pedagógica participativa, articular la construcción de prácticas pedagógicas sig-
nificativas en un espacio educativo no formal, que se traducen la construcción colectiva de un
proyecto pedagógico para el espacio educativo en que tiene lugar el Programa Recreate - el campo
de estudio empírico. La metodología utilizada se caracterizó por un enfoque cualitativo, en vista del
carácter participativo y proposicional de la investigación. Por lo tanto, para su conducta, se adoptó
el método de investigación de acción, ya que ofrece las condiciones necesarias para una construcción
colectiva. Los sujetos de investigación formaron un grupo de personas, llamado "Comité del Pro-
grama Recreate", que se reunieron para entablar un diálogo participativo y construir el proyecto
pedagógico para el establecimiento. En este proceso, se observó que el diálogo sufre sus contradic-
ciones entre los silencios y el empoderamiento, que se verifican en los diversos lugares ocupados por
el conjunto de miembros que componen el Recreate. Finalmente, como resultado, el estudio indicó
que es posible pensar, colectivamente, prácticas pedagógicas significativas para el Programa Recreate,
estableciendo objetivos, intencionalidades y modos de acción que buscan promover la formación
integral de los seres humanos, uno de los propósitos de la educación no formal.
Palabras clave: gestión participativa; prácticas pedagógicas; educación no formal.
Introdução
Consideramos que há, na educação uma intencionalidade na ação, no ato de
participar, de aprender e de compartilhar saberes e, no que diz respeito às suas finali-
dades e objetivos. Defendemos, por isso, a viabilidade de potencializar fazeres para que
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os indivíduos, inconclusos, façam-se e tornem-se cidadãos - do, com e no mundo; por
meio da educação, homens e mulheres fazem-se e refazem-se (FREIRE, 2000). E, é
nesse sentido, que compreendemos que tais “processos intencionais de aprendizagem
deixa de ser uma responsabilidade exclusiva dos sistemas escolares, passando a ser equa-
cionada em função de uma pluralidade de tempos, lugares e de exigências de
conhecimento” (BAPTISTA, 2008, p. 8). Ademais, confirmamos a importância de ha-
ver uma articulação em seu caráter proposital, propositivo, a partir da participação. Por
isso, nossa pesquisa, manifestou-se como aporte acerca da alternativa viável da educação
não formal, ancorada nos princípios da pedagogia social, tornar sua intencionalidade e
seus objetivos pedagógicos a partir de práticas educativas construídas coletivamente.
Práticas essas que se apresentaram como práxis, porque partiram não de um mero
exercício de influências, mas pelo contrário, de um fazer comprometido, ético e inten-
cional (FRANCO, 2003). Assim, é pela práxis que compreendemos todo ato educativo,
quando atrelado à inexorável potência de “ser mais”, de ir e ser além, de transformar-
se (ROSSATO, 2008).
Dessa forma, o presente artigo se origina de um recorte da pesquisa realizada para
a conclusão do curso de mestrado, na modalidade profissional, e teve como principal
objetivo, elaborar um plano de ensino baseado em vivências de participação sobre as
questões que envolviam o cotidiano de um empreendimento social que se fundava no
propósito de contribuir para a formação de cidadãos e cidadãs conscientes de seu tempo
- cidadãos ativos na sociedade. Portanto, justificou-se uma gestão pedagógica voltada
para a participação, que iria pensar essas práticas de forma coletiva, levando em consi-
deração a mobilização de ideias e ideais de todos os sujeitos que ali eram parte
interessada e que contribuíam para o desenvolvimento do espaço não formal de educa-
ção, escopo desta pesquisa.
É no processo de construção coletiva que acontece o repensar sobre a prática,
com a oportunidade de combinar o fazer pedagógico com a reflexão. E pensar sobre ela
implica buscar alternativas para a mudança e tomar decisões, consolidando a ação pe-
dagógica numa práxis transformadora e significativa (DALBERIO, 2008). Logo, esses
momentos de discussão, ao serem organizados e planejados, possibilitaram a escuta do
ponto de vista de cada sujeito e suas concepções frente às práticas pedagógicas que eram
desenvolvidas, bem como objetivos e metas que se pretenderam alcançar, e como ocor-
reria um processo de avaliação.
Assim, se a educação não formal é “um modo de educar construído como resul-
tado do processo voltado para os interesses e necessidades dos que dela participam”
(GOHN, 2010, p. 19), torna-se fundamental que a gestão pedagógica se efetive de
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forma participativa, ou seja, que todos os atores implicados com a instituição possam
se envolver, colaborar e partilhar do processo de construção do plano de ensino.
A educação não formal como práxis educativa: caminhos partici-
pativos
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em seu primeiro
artigo (BRASIL, 1996), define o conceito de educação como aquele que abrange “pro-
cessos formativos que se desenvolvem na vida familiar, nas convivências humanas, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações
da sociedade civil e nas manifestações culturais”, abrindo, assim, um caminho institu-
cional aos processos educativos que ocorrem em espaços não formais de educação
(GOHN, 2010).
Assim, nesse estudo, conceituamos educação não formal como um,
processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a cidadania, entendendo o político
como a formação do indivíduo para interagir com o outro em sociedade. Ela designa um con-
junto de práticas socioculturais de aprendizagem e produção de saberes, que envolve
organizações/instituições, atividades, meios e formas variadas, assim como uma multiplicidade
de programas e projetos sociais (GOHN, 2010, p. 33).
Dessa forma, os espaços não formais de educação possibilitam o desenvolvimento
de alguns objetivos que lhes são específicos, voltados para as singularidades das práticas
desenvolvidas nesses locais, ressaltando que o “aprendizado gerado e compartilhado da
educação não formal o é espontâneo porque os processos que o produz têm intenci-
onalidade e propostas” (GOHN, 2010, p. 16).
Posto isso, é importante ressaltar que a conceituação de educação é um fenômeno
complexo e heterogêneo, com uma diversidade de práticas e processos formativos. Por
isso, buscando romper o paradigma de setorização da educação, em que o “ensino for-
mal é o momento em que a educação se sujeita à pedagogia” (BRANDÃO, 2007, p.
26), é que, neste estudo, abordamos as diferentes modalidades de educação não como
gêneros díspares, mas sim que se complementam dentro da multiplicidade educativa.
Além disso, perguntamos sobre quem são os autores(as) e protagonistas das trans-
formações pedagógicas que ocorrem no interior da educação não formal em especial
do programa Recriar (objeto de estudo dessa pesquisa)? Noutras palavras, procuramos
analisar se os espaços de participação existentes no contexto do Recriar podem viabilizar
as mudanças necessárias para aprofundar-se como um instituído, no qual aposta sua
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comunidade, desenvolvendo-se e tornando-se cada vez mais coletivo, a favor de quem
se destina.
Logo, sabendo-se da importância da educação não formal torna-se relevante para
modificar esse cenário, superar o desafio de, nessa era globalizada, construir e imple-
mentar processos educativos no interior de grupos, associações, movimentos sociais etc,
os quais contemplem a autonomia, que explicitem as diferenças entre ocupar espaços
públicos somente, e ocupá-los com visão crítica de mundo (GOHN, 2010).
Dessa forma, ao abordarmos a construção e implementação de processos educa-
tivos, falamos inevitavelmente da intencionalidade pedagógica e da Pedagogia por trás
das ações que serão realizadas nos espaços de educação não formal. Segundo Libâneo
(1998, p. 28),
o pedagógico perpassa toda a sociedade, extrapolando o âmbito escolar formal, abrangendo esfe-
ras mais amplas da educação informal e não formal. Apesar disso, não deixa de ser surpreendente
que as instituições e profissionais cuja atividade está permeada de ações pedagógicas desconheçam
a teoria pedagógica.
Portanto, “pode-se dizer que a Pedagogia inventa as práticas educativas e seus
processos. Isso significa que onde houver educação intencional devidamente plane-
jada - os conhecimentos pedagógicos serão acionados” (FABRIS; DAL´LGNA;
KLAUS, 2013, p. 12).
Congruente às ideias defendidas por Fabris, Dal´lgna e Klaus (2013), Libâneo
(1996, p. 117) afirma que
em todo o lugar onde houver uma prática educativa com caráter de intencionalidade há aí uma
pedagogia [...]. Pedagogia é uma área de conhecimento que investiga a realidade educativa, no
geral e no particular [...]. Pedagogo é o profissional que atua em várias instâncias da prática edu-
cativa, direta ou indiretamente ligadas à organização e aos processos de transmissão e assimilação
ativa de saberes e modos de ação [...]. Em outras palavras, pedagogo é o profissional que lida com
fatos, estruturas, contextos, situações, referentes à prática educativa em suas várias modalidades
e manifestações.
Assim, uma vez que os espaços não formais de educação desenvolvem práxis edu-
cativas com intencionalidade, pode-se compreender que também são espaços de
Pedagogia e que por consequência necessitam de pedagogos para, junto aos demais
sujeitos que atuam ou participam dessas práxis, pensar as ações pedagógicas que ali
serão desenvolvidas. Conforme Libâneo (1996, p. 128),
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o pedagogo entra naquelas situações em que a atividade docente extrapola o âmbito específico da
matéria de ensino: na definição de objetivos educativos, nas implicações psicológicas, sociais,
culturais de ensino, nas peculiaridades do processo de ensino e aprendizagem, na detecção de
problemas de aprendizagem entre alunos, na avaliação etc. O pedagogo entra, também, na coor-
denação do plano pedagógico e planos de ensino, da articulação horizontal e vertical dos
conteúdos, da composição das turmas, das reuniões de estudo, conselho de classe etc.
Logo, o pedagogo é quem “lida com os meios intelectuais e técnicos que possi-
bilitam o ensino e a aprendizagem de modo ótimo” (GHIRALDELLI JR, 2007, p. 12).
Nesse cenário educativo e pedagógico, para a educação não formal cabem os processos
educativos que ocorrem fora das escolas, em situações organizacionais da sociedade ci-
vil, ações coletivas referentes ao terceiro setor da sociedade, abrangendo movimentos
sociais, organizações não governamentais e entidades sem fins lucrativos da área social
e ainda projetos comunitários e sociais (GOHN, 2011).
Por isso, nesses espaços é fundamental delinear práticas educativas que conside-
rem o “mundo em que vivem”, os sujeitos que dali participam, ou seja,
qualquer que seja o caminho metodológico construído ou reconstruído, é de suma importância
atentar para o papel dos agentes mediadores no processo: os educadores, os mediadores, assesso-
res, facilitadores, monitores, referências, apoios ou qualquer outra denominação que se dê para
os indivíduos que trabalham com grupos organizados ou não. Eles são fundamentais na marcação
de referenciais no ato de aprendizagem, eles carregam visões de mundo, projetos societários, ide-
ologias, propostas, conhecimentos acumulados etc. Eles se confrontarão com outros participantes
do processo educativo, estabelecerão diálogos, conflitos, ações solidárias etc. [...] Por meio deles
podemos conhecer a visão de mundo que estão construindo [...] (GOHN, 2010, p. 47).
Assim, as inquietações iniciais têm a ver, primeiramente, com os espaços de par-
ticipação - o que os caracteriza? E o que vem a ser participação? Por isso, compreendida
muitas vezes, por conceituar como consentimento, - atribuição da autoridade em con-
sultar sobre um assunto determinado, não significando decisão na execução final, mas
somente uma prerrogativa que compete à autoridade hierarquicamente superior. A essa
forma designamos como “pseudoparticipação”. Aqui estaremos nos filiando, ao con-
trário, à concepção pretendida por Gohn (2001), denominada “democrático-radical”
que postula a participação para fortalecer a sociedade civil a partir de seu caráter plural
e da criação de uma nova cultura de dividir responsabilidades (GOHN, 2001). Essa
participação apontará uma nova realidade social e terá a comunidade como parceira,
pois será coautora na transformação social. Participação aqui, portanto, se articula com
cidadania.
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A educação, por sua vez, pode nos remeter à possibilidade efetiva de homens e
mulheres refletirem sobre si e seus contextos, e construírem uma experiência que pro-
mova a cidadania, por isso, a participação possibilita a compreensão de que quanto
mais se exercita a discussão coletiva, mais se capacitam seus diversos segmentos para a
busca de respostas à própria práxis educativa.
Assim, torna-se possível “dar um significado a vida dos sujeitos” quando sugere-
se a transformação da realidade desses, que, segundo Garcia (2005), é uma das inten-
ções da educação não formal, a qual tem o compromisso de favorecer e oferecer
diferentes possibilidades de exercício de diálogos e vivências. Assim, identificando quais
dimensões que farão parte da construção de uma proposta de aprendizagem não formal,
elas podem, segundo Severo (2015a, p. 573), adquirir caráter de prática pedagógica
quando
suas intencionalidades são explicitadas e configuram modos de ação sistematizados com base
numa concepção pedagógica que relaciona finalidades e metodologias educativas, atuando como
elemento mediador da sua realização como atividade humana inserida em múltiplos contextos.
Dessa forma, nos espaços de educação o formal a elaboração de uma metodo-
logia que leve em conta seu desenvolvimento por meio das práticas pedagógicas e suas
intencionalidades, dependerá, segundo Gohn (2011), “da capacidade de sistematizar
os processos de interação e aprendizagem, compreendendo os sujeitos pensantes/falan-
tes no interior dos processos sociais em movimento dentro das instituições”.
Logo, a prática pedagógica realiza-se por meio de sua ação científica sobre a práxis
educativa (metodologia), “visando compreendê-la, explicitá-la a seus protagonistas,
dar-lhe suporte teórico, teorizar com os atores, transformá-la mediante um processo de
conscientização de seus participantes” (FRANCO, 2012, p. 169). Por isso, para Xavier
e Fernandes (2008, p. 258), é possível “afirmar que a aula em espaços o formais é
um movimento de reflexão e ação que permeia todos os momentos interativos do su-
jeito ao longo de sua vida, nos quais as ações de educar, ensinar e aprender são
inseparáveis”. Em outras palavras, é possível dizer que na educação não formal
o trabalho pedagógico ocorre de forma colaborativa e mais orientada por valores humanos do
que por valores econômicos, respeita a diversidade e a pluralidade de ideias, valoriza os conheci-
mentos prévios dos sujeitos envolvidos no processo educativo, preocupa-se com o que é
significativo para eles, respeita o tempo e as possibilidades de cada um e prima pelo cuidado nas
relações de ensino (XAVIER; FERNANDES, 2008, p. 260).
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Nesse cenário, o conhecimento pedagógico é construído e aplicado em diálogo
com as demandas da prática, buscando produzir a reflexidade, consistindo assim em
um modo de intervenção, que é organizado e fundado baseado nos princípios que nor-
teiam os espaços não formais de educação (SEVERO, 2015b). Refere-se, dessa forma,
a um processo sociocultural e histórico que ocorre de modos distintos e por meio de
pedagogias próprias de cada cultura e local (GOHN, 2014).
Diante disso, segundo Severo (2015b, p. 229),
o potencial transformador das práticas pedagógicas em espaços não formais não se limita ao es-
paço/tempo imediato que a restringe. Quando uma prática consegue alcançar um significado
formativo para seus autores, os objetivos de desempenho individual, grupal, institucional ou so-
cial que a informam se conectam mais efetivamente entre si, configurando uma rede de
combinação de resultados que produzem transformações em cadeia e em movimento mútuo. Ou
seja, as pessoas se desenvolvem e desenvolvem o meio em que estão inseridas reciprocamente,
fazendo com que os resultados obtidos em um primeiro momento sejam tomados estrategica-
mente como base para a conquista de novos resultados que podem se reproduzir em escala
institucional, comunitária e social.
Percebe-se, assim, que, para uma prática pedagógica ser transformadora e signi-
ficativa, precisa ter sentido para os sujeitos participantes do processo, desde sua
elaboração até sua execução. Dessa forma, quando o educador leva em conta os saberes
da experiência de mundo dos educandos, de suas experiências de vida, o educando é
capaz de estruturar a própria aprendizagem, posto que o novo conhecimento teve sen-
tido para ele (FREIRE, 2008).
Isso posto, descortina-se o vínculo entre a prática pedagógica e a realidade social:
conjugar o verbo aprender a aprender com o aprender a viver. Aprende-se ensinando,
participando, vivenciando sentimentos, tomando atitudes, escolhendo procedimentos.
Ensina-se aprendendo pelas experiências proporcionadas, pelos problemas criados, pela
ação desencadeada. O processo da aprendizagem é um processo global (ARROYO,
1994). Sendo assim, “a aprendizagem torna-se significativa porque os conteúdos, pro-
cedimentos e recursos são selecionados cuidadosamente e os participantes estão
interessados, colaboram e se mostram felizes” (XAVIER; FERNANDES, 2008, p.
249).
Por isso, entendemos que a educação não formal, quando desenvolve práticas
pedagógicas significativas, está propondo uma dinâmica educativa ampliada, em que
as pessoas tenham oportunidade de aprender para se situarem de forma melhor quanto
aos seus objetivos e para que a socialização de saberes e práticas pedagógicas, políticas
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e culturais implique um contexto de maior participação e conscientização social
(SEVERO, 2015b).
Em suma, compreende-se que, para dar significado às práticas pedagógicas em
espaços não formais de educação, é preciso identificar suas intencionalidades e propó-
sitos, por meio dos conhecimentos e das experiências das partes envolvidas nesses
espaços. Para isso, se faz necessário potencializar a gestão, para que saiba ouvir, de forma
a suscitar um processo reflexivo, que busque, por meio da participação e construção
conjunta, a transformação da realidade.
Nesse cenário, é pelo compromisso e em nome da construção de uma sociedade
democrática e da promoção de maior envolvimento das pessoas nas organizações sociais
em que atuam, com as quais se relacionam, e das quais dependem, que se favorece a
realização de atividades que possibilitam e condicionam a participação (LÜCK, 2011).
Essa participação, segundo Lück et al. (2012, p. 18-19), caracteriza-se
por uma força de atuação consciente, pela qual membros de uma unidade social se reconhecem
e assumem seu poder de exercer influência social, de sua cultura, e de seus resultados, poder esse
resultando de suas competências e vontade de compreender, decidir e agir em torno de questões
que lhe são feitas.
Assim, para colocar em prática esse processo participativo, segundo Gandin
(1994, p. 136), “não é suficiente pedir sugestões e aproveitar aquelas que pareçam sim-
páticas ou que coincidam com pensamentos ou expectativas dos que coordenam: é
necessário que o plano se construa com o saber, com o querer e com o fazer de todos”.
Nessa perspectiva, ainda vale ressaltar que, segundo Libâneo (2004, p. 328), “a
participação proporciona melhor conhecimento dos objetivos e das metas, da sua es-
trutura organizacional e da dinâmica, de suas relações com a comunidade, e propicia
um clima de trabalho favorável à maior aproximação entre os sujeitos”. Ou seja, uma
vez que se assume o compromisso de participar, a possibilidade de uma ação na pers-
pectiva de construção coletiva exige a presença de toda a comunidade escolar nas
decisões do processo educativo, resultando na democratização das relações e interven-
ções que acontecem na escola, contribuindo para o aperfeiçoamento administrativo-
pedagógico (HORA, 1994). Todavia, essa democratização dependerá do engajamento
das partes interessadas no desenvolvimento de um espaço “pensado por todos e para
todos”. Para Lück (2011, p. 47),
o engajamento representa o nível mais pleno de participação. Sua prática envolve o estar presente,
o oferecer ideias e opiniões, o expressar o pensamento, o analisar de forma interativa as situações,
o tomar decisões sobre o encaminhamento de questões, com base em análises compartilhadas e
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envolver-se de forma comprometida no encaminhamento e nas ações necessárias e adequadas
para a efetivação das decisões tomadas. Em suma, participação como engajamento implica en-
volver-se dinamicamente nos processos sociais e assumir a responsabilidade por agir com
empenho, competência e dedicação visando promover os resultados propostos desejados.
Logo, diante do engajamento dos sujeitos envolvidos em um ambiente educaci-
onal que promove participação, torna-se possível construir conhecimentos a partir de
práticas escolares coletivas, fomentando essa concepção como processo fundamental,
que sustenta e faz avançar a gestão da escola e a qualidade do trabalho educacional
(LÜCK, 2011).
Nesse sentido, para Freire (1985, p. 14), é preciso “pensar como as ideias se con-
cretizam nas ações e na mente dos indivíduos ou dos grupos, para interpretar a realidade
e decidir transformá-la, ou não transformá-la”. Além disso, para Streck e Adams (2006,
p. 115), “os lugares de participação são também - e quem sabe, sobretudo espaços de
aprendizagem da cidadania”.
O homem não pode participar ativamente na história, na sociedade, na transformação da reali-
dade se não for ajudado a tomar consciência da realidade e da sua própria capacidade para
transformar [...]. Ninguém luta contra forças que não entende, cuja importância não meça, cujas
formas e contornos não discirna; [...] Isto é verdade se se refere às forças da natureza [...] isto
também é assim nas forças sociais [...]. A realidade não pode ser modificada senão quando o
homem descobre que é modificável e que ele o pode fazer (FREIRE, 1977, p. 48).
No que diz respeito à gestão pedagógica participativa em um espaço não formal
de educação, é preciso pensar a construção de suas práticas educativas baseada na rela-
ção de que a teoria advém não só, mas também, dos sujeitos que desse local participam,
de suas experiências e realidade. Dito de outro modo, é conceber uma educação como
objeto dos movimentos e dos processos participativos, do mesmo modo como um con-
junto sistemático de concepções, imagens e comportamentos que se desenvolvem no
interior de um grupo social determinado, revelando a compreensão dos significados
estabelecidos pelos sujeitos e a maneira como isso é incorporado nas práticas pedagógi-
cas desses espaços (PEREIRA, 2015). Em suma, para Freire (1985, p. 31),
[...] é preciso estabelecer um diálogo entre nossas diferenças e nos enriquecermos nesse diálogo.
Assim, [...] não podemos julgar a cultura do outro através dos nossos valores, mas sim aceitar que
existem outros valores, aceitar que existem as diferenças e aceitar que, no fundo, essas diferenças
nos ajudam a compreender a nós mesmos.
Diante disso, a gestão, ao desenvolver uma cultura participativa nova, implica a
criação de coletivos compartilhados de diferentes formas e que desenvolvem saberes
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não apenas normativos, mas saberes que orientam as práticas sociais, que constroem
novos valores, a partir de um grupo de pessoas diferentes com metas iguais. Isso tudo
está no campo da educação não formal (GOHN, 2006). Assim, compreende-se que a
gestão pedagógica participativa é fundamental, “pois é assim que todos os envolvidos
no processo educacional da instituição estarão presentes nas decisões e construções pro-
postas (planos, projetos, programas e ações) como no processo de implementação,
acompanhamento e avaliação” (LIBÂNEO, 2004, p. 316).
Metodologia
Neste momento, traremos o caminho metodológico percorrido. Aqui estará di-
vidido em duas subseções: a contextualização do campo empírico e o Delineamento da
Pesquisa.
Contextualização do Campo Empírico
O Instituto Adelino Miotti (IAM) é uma associação sem fins lucrativos que atua
como espaço de educação o formal e desenvolve ações sociais educativas desde sua
inauguração, em outubro de 2011. O IAM é mantido pelo Grupo Soprano, sendo o
alicerce no desenvolvimento das ações de responsabilidade social das empresas. Loca-
liza-se na cidade de Farroupilha, interior do Rio Grande do Sul. Entre as ações que a
instituição desenvolve, destaca-se o Programa Recriar, que objetiva oportunizar uma
formação pessoal e profissional para jovens de 16 a 18 anos, qualificando-os para o
mundo do trabalho e para a vida, possibilitando assim que se tornem profissionais bem-
sucedidos no mercado atual e cidadãos ativos na sociedade. Em 2016, ano que o Insti-
tuto completou cinco anos de atividades, o Recriar ganhou um prêmio como uma das
melhores práticas de responsabilidade social, entre cases nacionais e internacionais que
participaram do Encontro Sul-Americano de Recursos Humanos (ESARH).
O Programa atende jovens em situação de vulnerabilidade social da comunidade
de Farroupilha (RS), sendo o único programa na cidade que oferece atividades nos
turnos da manhã e da tarde e oferece como práticas pedagógicas as seguintes atividades:
Curso técnico profissionalizante no Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI) (turno da manhã); Formação para a Vida; Português Instrumental; Inglês;
Informática; Educação para a Saúde e Atendimento às tarefas escolares (turno da tarde).
No turno da noite, os jovens frequentam o Ensino Médio Regular. Todas as atividades
oportunizadas pelo Recriar são gratuitas, bem como transporte, alimentação e uni-
forme.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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O Recriar desenvolve sua metodologia pedagógica contando com a duração de
dois anos para a realização das atividades. Porém, a partir de 2018, atendendo às exi-
gências de readequação de sua carga horária, o Recriar passou a ter somente um ano de
extensão. Como consequência disso, a metodologia pedagógica, estrutura e funciona-
mento do programa precisaram ser reconstruídos e reformulados para atender essa nova
realidade. Surgiu assim, a oportunidade (necessidade) de escrever um novo plano de
ensino, que pode ser realizado de forma participativa, gerando significado, pois contou
com todos os sujeitos envolvidos no programa (alunos, participantes egressos, gestão
da instituição, representante da mantenedora, pais de alunos...), tanto no processo de
construção, como de implementação do plano de ensino.
Delineamento da Pesquisa
A pesquisa realizada caracteriza-se como uma abordagem qualitativa, tendo em
vista seu caráter participativo e propositivo no que tange à construção coletiva de prá-
ticas pedagógicas significativas para o Programa Recriar campo empírico deste
estudo. Para Gil (2008, p. 272), por meio do método qualitativo, o investigador entra
em contato direto e prolongado com o indivíduo ou grupos humanos, com o ambiente
e a situação que está sendo investigada, permitindo um contato de perto com os infor-
mantes.
Assim, a metodologia qualitativa possibilita uma maior aproximação entre pes-
quisador e sujeitos participantes do estudo. Para Creswell (2014, p. 52), “conduzimos
pesquisa qualitativa quando desejamos dar poder aos indivíduos para compartilharem
suas histórias, ouvir suas vozes [...]”. Essa aproximação torna possível a compreensão e
significação de diferentes ideias e visões elencadas pelos partícipes da pesquisa.
Para a condução da investigação, utilizaremos o método da pesquisa-ação. Thi-
ollent (2011, p. 14) define pesquisa-ação como:
[...] um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associ-
ação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo
e participativo.
Isso evidencia que a escolha deste método permite a construção do conhecimento
com a participação de todas as partes interessadas, porque compreende a “pesquisa
como apropriação dos próprios sujeitos envolvidos e a “ação” como aplicação desta,
com intuito de modificar a situação atual. Dessa forma, “a pesquisa-ação é uma técnica
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Diálogos entre educação não escolar e pedagogia: uma experiência de participação
234
de intervenção coletiva e, portanto, uma técnica de mudança social” (DIONNE, 2007,
p. 75).
Neste estudo, o espaço de educação não formal foi o Programa Recriar, a gestão
pedagógica participativa foi compreendida pela articulação entre a coordenação peda-
gógica e pelos representantes de todas as partes interessadas do programa, que, juntos,
colaboraram na elaboração de um novo “plano de ensino”, visando o desenvolvimento
de práticas pedagógicas significativas. Esses sujeitos, que julgamos terem relevância para
este estudo, foram aqueles reconhecidos como pessoas que valorizam o programa e de
alguma forma o influenciam. A este grupo denominamos de Comitê do Programa Re-
criar (CPR), composto pelos seguintes atores: presidente e vice-presidente do Instituto
Adelino Miotti, coordenadora pedagógica da instituição, coordenadora de recursos hu-
manos da empresa Soprano (mantenedora do Instituto), dois alunos egressos do
programa, um aluno representante da turma que atualmente participa do Recriar, res-
ponsáveis (pai e mãe) de um aluno egresso do programa e professores que ministram
as demais atividades ofertadas pelo programa.
Assim sendo, a pesquisa efetivou-se através de reuniões quinzenais, com carga
horária de duas horas por encontro e iniciou-se em março de 2017, estendendo-se até
setembro do mesmo ano. Dessa forma, a intervenção coletiva aqui proposta ocorreu na
medida em que as reuniões aconteceram e novos conhecimentos foram elaborados pe-
los participantes, mediante a dialogicidade e estudos realizados nos encontros. Com o
registro destes novos conhecimentos, a gestão pedagógica delineou o novo plano para
o programa, validando-o com os partícipes, em todas as suas etapas e, quando foi con-
cluído, propôs a mudança na prática com os jovens que participavam do Recriar, em
2018.
Diante disso, a abordagem qualitativa como metodologia que compôs este es-
tudo, objetivou construir, por meio da pesquisa-ação, um movimento que reconheceu
a importância da participação, mediante as percepções do que cada sujeito tinha a dizer
e contribuir, fortalecendo o processo de construção de práticas pedagógicas significati-
vas a partir da experiência, da escuta, de conhecimentos empíricos e epistemológicos.
Na coleta de dados, foram utilizadas as técnicas de observação participante e a
criação de um diário de pesquisa para registro das ideias mais significativas de cada
encontro. Para a análise de dados, foi adotada a técnica de análise de conteúdo.
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Caminhos da Gestão Pedagógica Participativa
A presente pesquisa buscou investigar, por meio de uma gestão pedagógica par-
ticipativa, a possibilidade de articular a construção de práticas pedagógicas significativas
para o Programa Recriar, que traduzissem a visão coletiva do CPR. Diante dessa pro-
posta e analisando também o problema apresentado, bem como os objetivos específicos
desse estudo, consideramos importante abordar o percurso percorrido pelo Comitê nas
reuniões que proporcionaram as “descobertas” que realizamos nessa pesquisa.
Assim, a partir do momento em que foram efetuados os convites para a partici-
pação no CPR, houve um grande engajamento dos sujeitos em todas as etapas do
processo e foi perceptível o interesse do coletivo para que tivéssemos sucesso ao longo
do desenvolvimento do percurso estabelecido para o estudo. Dito isso, consideramos
importante ressaltar também que, durante o itinerário foi necessário superar diferentes
desafios que fizeram parte da construção de uma relação sólida de respeito e confiança
entre os participantes. Por isso, consideramos relevante explicitarmos neste momento
o crescimento e desenvolvimento do grupo e sua contribuição para o Programa Recriar
com o resultado desse trabalho, pois, conforme afirma Lück (2011) formas e pensa-
mentos distintos direcionados aos mesmos fins cumprem um papel essencial na
formulação de metas, formas de ação e opções de desenvolvimento futuro.
Dessa forma, após os convites individuais para participação, iniciamos as reuni-
ões coletivas em 01/03/2017. Nesse primeiro momento, os sujeitos apresentaram-se
para o grupo e relataram suas expectativas em relação ao CPR,
Espero ver o processo como um todo e o resultado final (Sujeito 4).
Oferecer meu máximo e acreditar, aprendendo com as atitudes diferentes (Sujeito 3).
Sinto-me emocionada em poder continuar fazendo parte de algo tão importante como foi para
o meu filho ter participado do Programa Recriar (Sujeito 9).
Quero poder ajudar outras pessoas, assim como fui ajudado (Sujeito 8).
Quero ajudar a transformar o Recriar, para dar oportunidade a outros jovens (Sujeito 7).
Quero ver a reescrita a várias mãos e pensamentos, enriquecer o trabalho, sei que não vai ser fácil
(Sujeito 2).
Nesse mesmo encontro, abordamos as expectativas e receios do grupo e constru-
ímos de forma coletiva o conceito de participação para os integrantes do CPR. Além
disso, foi explicitado o objetivo do Comitê ter sido formado e o percurso que o grupo
teria pela frente. Ao final do encontro, um dos participantes trouxe a seguinte fala: “o
que vamos fazer aqui é quase como escrever um projeto pedagógico de uma escola
(Sujeito 5). A fala desse sujeito é ancorada por Freire (1985, p. 38) quando afirma que
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Diálogos entre educação não escolar e pedagogia: uma experiência de participação
236
“o ponto de partida de um Projeto Político-Pedagógico, tem de estar exatamente nos
níveis de aspiração, nos níveis dos sonhos, nos níveis de compreensão da realidade e
nas formas de ação dos grupos”.
Além disso, como o estudo proposto dependia de uma participação efetiva do
CPR, logo no primeiro encontro, consideramos necessário e importante que fossem
apresentados os conceitos de participação abordados na fundamentação teórica deste
estudo oportunizando um momento de reflexão individual aos participantes e de diá-
logo coletivo sobre as percepções em relação aos conceitos apresentados. Com essa
perspectiva, apresentamos excertos dos conceitos de participação deck et. al (2012)
1
;
Gandin (1994)
2
; Silva (2006)
3
e Bordenave (1994)
4
, que foram entregues aos partici-
pantes em um pedaço de papel para que fizessem uma leitura e reflexão individual e
depois, de forma voluntária, realizamos a leitura coletiva de todos os conceitos, sociali-
zando as opiniões formadas pelos indivíduos. Foi um momento que ocorreu a
participação de todos, gerando a oportunidade de os sujeitos da pesquisa relatarem o
que consideram, baseado nos conceitos teóricos, ideias debatidas e percepções indivi-
duais, que para eles seria o “participar” necessário para o Comitê do Programa Recriar.
Participação de todos, de quem faz parte, de quem trabalha (Sujeito 1).
Participar de algo novo, coletivo com visões diferentes e pessoas diferentes (Sujeito 8).
Intensidade para que o trabalho ocorre de forma harmoniosa, tem que ser feito por todos para
ser participação (Sujeito 9).
Participar é atuação consciente, compreender, decidir, agir, influenciar (Sujeito 4).
Expor minhas ideias, contribuir, respeitar (Sujeito 5).
Participar é contribuir com a ideia de todos, formando um coletivo de experiência que podem
ser traduzidas, posteriormente, como conhecimento (Sujeito 4).
Trazer o meu conhecimento e o de cada um para o coletivo (Sujeito 6).
Coletivo com muitas cabeças pensando, buscar algo, é ir além de estar apenas presente (Sujeito
2).
Nesse cenário de troca coletiva, cada relato dos sujeitos, elucida o olhar de Gan-
din (1994), ao afirmar que ao relacionarmos fundamentos teóricos e ideias
transformadoras de ordem pessoal, estamos gerando uma dinâmica de participação, na
medida em que os sujeitos sentem que sua contribuição é um procedimento normal
adotado pelo grupo.
Dessa maneira, objetivando que todos os participantes pensassem o processo de
construção coletiva que viria nos próximos encontros, o CPR construiu, unindo as falas
de todos e concepções teóricas, o seguinte conceito para participação:
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Participação, para o CPR é, apoiar e contribuir na construção do conhecimento coletivo de forma
consciente, dialogando, analisando, influenciando, produzindo e atuando na elaboração de uma
proposta de ensino que esteja alinhada com as expectativas de todas as partes interessadas. (CPR)
Nessa fala coletiva, percebe-se que o CPR se comprometeu a exercer a tolerância,
que para FREIRE (1985, p. 27), não significa de maneira nenhuma a abdicação do
que te parece justo, do que te parece bom e do que te parece certo. [...] O tolerante não
abdica dos seus sonhos pelo qual luta intransigentemente, mas respeita o que tem sonho
diferente do dele”.
Durante todo o período em que foram realizadas as reuniões, foi perceptível por
meio da observação participante e das falas dos sujeitos, que o diálogo respeitoso e
tolerante foi utilizado durante os encontros, mesmo quando as ideias apresentadas não
eram convergentes. Ou seja, o CPR utilizou-se do diálogo para olhar o mundo (na
perspectiva da pesquisa, o mundo do Recriar) e a própria existência em sociedade como
processo, algo em construção, como realidade inacabada e em constante transformação
(FREIRE, 1993). Vejamos abaixo, um exemplo desses momentos dialógicos,
Para mim, a vivência de maior significado foram os funcionários que vieram contar suas histórias
de vida, que começaram como a gente, acho que isso teria que ter mais, palestras com histórias
de vida vencedoras. (Sujeito 7).
Eu concordo, também achei importante, só que eu penso o seguinte, só visto histórias de sucesso,
‘cara’, nos deixa sem ver o outro lado, de quem ‘pena’ para conseguir as coisas. (Sujeito 8).
Mas peraí, o cara que teve sucesso também passou por dificuldades, deve ter ‘penado’ para muitas
coisas. (Sujeito 7).
Pois é, pode ser que tu tenha razão, então acho importante anotar para quando esses ‘caras’ virem
aqui, falar também das dificuldades, para que os alunos vejam que eles são serem humanos (risos).
(Sujeito 8).
Além desse cenário, explorando outros momentos participativos em que foi in-
dispensável o respeito pela “ideia diferente” se faz necessário destacar uma das reuniões
de grande importância para o CPR e por consequência para o nosso estudo: o encontro
em que tivemos a participação dos parceiros e professores convidados, que ministravam
algumas das atividades ofertadas anteriormente pelo Programa Recriar. Aqui destaca-
mos duas situações importantes: a participação efetiva das organizações parceiras que
estão ligadas ao setor da indústria (assim como a mantenedora do IAM) que sugeriram
uma interface de atividades voltadas às necessidades do “mercado de trabalho” para
aplicarmos no Programa Recriar e a preocupação dessas em manter a parceria e a reali-
zação das atividades, visto que a mantenedora do programa é uma indústria de grande
porte que auxilia financeiramente também a manutenção desses parceiros.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Diálogos entre educação não escolar e pedagogia: uma experiência de participação
238
Em relação a estas situações, evidenciamos as seguintes falas,
Nós, enquanto instituição, devido a nossa parceria de anos, sabemos que o Recriar muda e resgata
a vida do jovem, que oportuniza coisas que não percebemos em outros programas socioeducaci-
onais. [...] Já que vamos formar alunos todos os anos, precisamos pensar em um processo mais
dinâmico e profissionalizado, que desenvolva postura, disciplina, comportamentos adequados
nos ambientes da empresa, com estratégias de planejamento e meta de vida, quem sabe até um
coaching? Nisso, podemos ajudar vocês (Sujeito 10).
Até no processo seletivo, quem sabe ao invés de fazer entrevista individual para conhecer o can-
didato, fazer uma dinâmica coletiva, com uma estratégia, ali já saberíamos quem teria melhor
desempenho em algumas atividades (Sujeito 11).
[...] Também poderiam elencar metas para irem alcançando durante o ano, planejar bem o que
deverá fazer nesses 10 meses (Sujeito 10).
O posicionamento do restante do grupo foi um silêncio contemplativo e de res-
peito à opinião mencionada. Não houve comentários imediatos que concordassem ou
discordassem das temáticas abordadas por esses parceiros, cabendo ressaltar também
que, os demais convidados externos ao Comitê, se mantiveram pensativos-observado-
res. A pesquisadora anotou a sugestão da mesma forma que fez com todos os outros
participantes e questionou se alguém gostaria de complementar ou comentar sobre as
ideias levantadas. Também não houve resposta do grupo. Assim, percebemos um “es-
tranhamento” entre o conceito de participação elaborado pelo CPR e a sua prática,
revelando que existe um caminho a percorrer entre conceituar a “participação” e viven-
ciar a “participação” de acordo com o conceito estabelecido.
Contudo, compreendemos também que o silêncio, se observado com um olhar
singularizado, não deixa de ser uma forma de participação. É o que afirma Orlandi
(1993), quando retrata que há um modo de estar em silêncio que corresponde a um
modo de estar em sentido, que já não é o silêncio, mas “pôr em silêncio” e nos mostra
que há um processo de produção de sentidos silenciados que nos faz entender a dimen-
são do não dito. Ou seja, na situação que relatamos, o silêncio foi uma forma de não
mostrar abertamente o descontentamento imediato dos sujeitos em relação à proposta
elencada pelo parceiro. Essa percepção fica clara, pois, no encontro subsequente, a reu-
nião foi aberta com as sugestões trazidas anteriormente pelos parceiros, e ao resgatar o
relato daqueles ligados ao setor da indústria, o retorno do CPR foi
Eu não concordo com isso de colocar metas, se teve uma coisa que aprendi no Recriar é que
somos todos diferentes e se tivermos as mesmas metas como vamos perceber as individualidades
de cada um? (Sujeito 6).
Mas aquilo que foi dito de ter um planejamento de vida acho importante, pois fará os educandos
pensarem no futuro, eles não precisam definir um planejamento de vida fechado, a exemplo de
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vou me formar em engenharia de produção daqui a 5 anos, mas poderíamos contar com a ideia
de quero ter uma graduação completa daqui a 7 anos e pensar como fará para chegar lá. Isso, na
minha opinião, é de muita valia para os jovens que virão (Sujeito 1).
Outra coisa, eu nunca teria passado na seleção do Recriar se tivesse essa tal de dinâmica de grupo,
lembram como eu era tímido? Às vezes ainda sou e o que perdi de timidez aprendi aqui... Não
acho justo isso de dinâmica não, é ‘tipo’, querer ficar só com os melhores? (Sujeito 8).
Na sequência destas falas a pesquisadora questionou o porquê não terem se ma-
nifestado no dia em que foram colocadas a sugestões pelos parceiros. A resposta do
grupo foi por meio da fala do Sujeito 4, aceita por todos os participantes, “acho deli-
cado nos posicionarmos em desfavor de um parceiro que nos auxilia de forma gratuita
no IAM, talvez entendam de forma errônea e percamos a parceria”. Aqui, mais uma
vez, fica em evidência a limitação do diálogo tão relevante para o processo participa-
tivo mediante o receio dos demais participantes, que não se sentiram à vontade para
participar, optando por não se posicionarem, imediatamente, em momentos impor-
tantes. Sobre a limitação da participação, Benello e Roussopoulos (1971, p. 280),
afirmam que
talvez seja necessário ver a democracia participativa como uma utopia, no sentido de que ela não
é completamente realizável, dadas as várias limitações sociológicas e psicológicas, mas em vez
disso realizável apenas em passos, e certamente valiosa como instrumento para lidar com proble-
mas como educação [...].
Outro fato presente no encontro com os parceiros que merece nossa análise é a
predisposição neoliberal e visão corporativista do parceiro relacionado anteriormente,
tendo em vista a busca pela inclusão de práticas pedagógicas voltadas para a formação
profissional. Para Streck e Adams (2006, p. 108), em função da cultura política, as
organizações como o Instituto Adelino Miotti são permeadas por contradições e que,
encontrar um equilíbrio entre os diferentes interesses é uma tarefa árdua, pois
as organizações da sociedade civil vivem, em geral, a tensão entre certa tendência ao corporati-
vismo e a relação pública, tendo presente os interesses maiores do conjunto da sociedade. Como
garantir uma mínima equidade, que não deixe de fora os setores desorganizados e contribua para
privilegiar certos setores mais organizados?
Além disso, em algumas situações a educação (no sentindo de formação) perde
espaço para a intenção neoliberal de individualização dos sujeitos e da extensão de suas
ações, de forma a responsabilizá-los, individualmente, pela sua própria formação. Dessa
maneira, valoriza-se somente a formação que contribui para a inserção e manutenção
no mercado de trabalho (indivíduo produtivo e consumidor), mas não para a formação
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Diálogos entre educação não escolar e pedagogia: uma experiência de participação
240
cidadã e para a constituição de um pensamento crítico (AFONSO, 2001). Entretanto,
o posicionamento reflexivo do Comitê, demonstra uma postura ponderativa, ao anali-
sar que sugestões realmente vincular-se-iam ao objetivo a que se propõe o Programa
Recriar, a partir de 2018.
Em relação aos momentos participativos, entendemos que é significativo destacar
também a participação que ocorreu de forma externa às reuniões, nos momentos de
estudo dirigido fora dos encontros presenciais. Nesse cenário, exigiu-se um engaja-
mento, num primeiro momento individual, ao realizarem as leituras prévias e
posteriormente coletivas, pois, para apresentação do que foi compreendido nos estudos,
os participantes o fizeram em duplas, ou seja, foram necessários encontros além das
nossas reuniões para preparação das informações que seriam apontadas ao grupo.
Seguindo o nosso percurso, estudamos e elaboramos os valores, princípios e ob-
jetivos que o Programa Recriar começou a fomentar em 2018. Dando sequência aos
encontros, os participantes debateram sobre o que consideram práticas pedagógicas sig-
nificativas com estudos dirigidos abordando alguns conceitos teóricos.
Na sequência, dialogaram sobre as possibilidades de construção dessas práticas e
de que forma propõem que isso seria efetivado, elaborando de forma espontânea e co-
letiva, um conceito para prática pedagógica significativa que foi utilizado para pensar
essas ações para o Programa Recriar. Esse processo foi o mais longo e por consequência
o mais produtivo, com um grande número de opiniões colaborativas. Dionne (2007,
p.34), ressalta a importância desses momentos de troca, as contribuições dos sujeitos é
que fomentam a pesquisa, pois
a elaboração e a partilha dos conhecimentos ocorrem em relações de convivência que incitam, ao
mesmo tempo, o pesquisador a coletar os conhecimentos derivados da ação e o ator a contribuir
diretamente para a produção de conhecimento. A divisão social do trabalho profissional entre o
pesquisador e o participante-ator tende a desvanecer-se, tornando-se um coletivo engajado em
uma mesma intervenção.
Dessa forma, a intervenção coletiva aqui proposta se deu na medida em que as
reuniões foram avançando e novos conhecimentos foram elaborados pelos participan-
tes, mediante a dialogicidade, o debate e os estudos dirigidos, realizados nos encontros,
delineando assim, as práticas pedagógicas significativas que foram propostas para serem
desenvolvidas pelo Programa Recriar a partir de 2018 conforme proposta desta pes-
quisa. Com o registro desses novos conhecimentos, o CPR, ao longo dos encontros,
desenhou e concebeu o novo projeto pedagógico para o Programa Recriar, sendo este
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validado pelos partícipes em todas as suas etapas, bem como aprovado em sua versão
final no último encontro do CPR. O quadro a seguir, resume as práticas pedagógicas
definidas pelo Comitê:
Quadro 1 Práticas Pedagógicas do Programa Recriar
Eixo Temático
Objetivo
Carga
Horária
Formação para a
Vida
Oportunizar momentos de reflexão, construção e/ou reconstrução
acerca dos valores morais e éticos que nos formam enquanto ser hu-
mano, propiciando o desenvolvimento humano dos educandos para
a formação de um cidadão ativo na sociedade, praticando os apren-
dizados adquiridos no Programa Recriar, também na escola, família
e na sociedade.
430h
Estratégias de
Comunicação
Oral e Escrita
Aplicar adequadamente estratégias de comunicação oral e escrita, em
diferentes situações em que se exerce o uso da linguagem.
80h
Língua
Estrangeira:
Ings
Propiciar aos educandos a oportunidade de aprender e exercitar no-
ções básicas em idiomas de abrangência universal, despertando a
motivação e a curiosidade por línguas e culturas estrangeiras.
80h
Informática e
suas Tecnologias
Desenvolver e estimular as potencialidades e habilidades dos educan-
dos perante a prática informatizada, ampliando os conhecimentos no
uso de ferramentas tecnológicas.
60h
Educação para a
Saúde
Proporcionar a reflexão sobre a saúde física e mental, a cooperação e
a convivência, respeito a limites, regras e normas, contribuindo para
o desenvolvimento das relações inter e intrapessoal e para obtenção
de uma maior qualidade de vida.
70h
Hora do Estudo
Oportunizar um momento destinado ao estudo do conteúdo da es-
cola formal, buscando estratégias que auxiliem os educandos na
aprendizagem, sanando as dificuldades encontradas na construção do
conhecimento.
80h
Total de Carga Horária Anual: 800h
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base nas contribuições do Comitê do Programa Recriar
Em nenhuma das etapas, o CPR demonstrou perder o foco, compreendendo que
era necessário qualificar-se para tomar algumas decisões e que “se aceitamos fazer parte
desse grupo, temos que abraçar a causa, assim aprendemos mais também” (Sujeito 4),
o que representa o compromisso do Comitê com a proposta. Portanto, a ação partici-
pativa hábil em educação é orientada pela promoção solidária da participação por todos
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Diálogos entre educação não escolar e pedagogia: uma experiência de participação
242
[...] tomando decisões em conjunto orientadas por esse compromisso [...](LÜCK,
2011, p. 51). Enfim, o CPR demonstrou maturidade em compreender que, como nos
assegura Lück (2011, p. 17), “a ideia de gestão participativa é um trabalho associado
de pessoas analisando situações, decidindo sobre seu encaminhamento e agindo sobre
elas em conjunto”.
Assim, com o passar das reuniões, o CPR foi criando uma sintonia, que ocorreu
por meio da troca de diferentes experiências e ideias, em que o grupo “sentiu-se à von-
tade para falar e escutar (Sujeito 1)”, exercitando a “aprendizagem do escutar e não
apenas ouvir” (Sujeito 5), conhecendo “a essência dos credos individuais e como isso
se transforma quando ocorre a intervenção do coletivo” (Sujeito 4) e percebendo assim,
a “importância e contribuição do conhecimento e do pensamento de cada um” (Sujeito
9) em busca da construção das práticas pedagógicas do Recriar vista como “a oportu-
nidade de fazer a diferença na vida desses educandos, mesmo que eles não saibam
(Sujeito 2). Essas contribuições dos participantes do Comitê refletem que o processo
participativo, é decisivo para que o grupo se constitua e se mantenha como tal.
Ou definitivamente se aposta na responsabilidade coletiva, fazendo com que o grupo responda
como um todo pelas ideias e resoluções em que acredita e endossa, ou se permanecerá nas soluções
intermediárias, em que certa esfera de poder mantém-se inatingível (HORA, 1994, p. 91).
Por fim, pode-se concluir que o Comitê do Programa Recriar foi um grupo que
buscou utilizar, sempre que possível, o diálogo como posicionamento participativo,
oportunizando a pesquisadora a possibilidade de observar a participação dos sujeitos
integrantes desse estudo, gerando um sentimento de objetivo atingido no que diz res-
peito à participação do grupo em sua totalidade, em que cada indivíduo teve sua parcela
de poder e a soma dessas parcelas formou o coletivo das práticas pedagógicas significa-
tivas.
Considerações finais
No presente estudo afirmou-se o diferencial de uma gestão pedagógica participa-
tiva em espaços não formais, que fomentem os objetivos específicos e intencionalidades
nas ações educativas que se propõem desenvolver. Nesse cenário, os sujeitos da pesquisa
delinearam as práticas pedagógicas para o Programa Recriar com uma visão de “reali-
dade que pode ser transformada”, porém que demanda constante reflexão de suas
intencionalidades. Pode-se dizer então que os conhecimentos pedagógicos foram acio-
nados nesse estudo como elemento motivador de uma gestão e de uma práxis,
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conduzindo-a e instigando-a por meio do aprofundamento teórico e da intervenção
reflexiva (PIMENTA, 2012).
Contudo, as organizações que atuam com educação não formal ainda galgam o
reconhecimento do seu espaço como uma modalidade educativa que produz um con-
junto de saberes variáveis e flexíveis, objetivando o desenvolvimento de processos
pedagógicos e de formação para a cidadania, nos aspectos culturais, políticos e sociais.
Segundo Severo (2015b, p. 95) são esses processos pedagógicos “que vão imprimir sen-
tido aos processos educativos não formais, organizando-os através de uma abordagem
complexa que compreende um amplo espectro de variáveis [...]”.
Dessa forma, tratando-se de um estudo qualitativo, no qual o método de inves-
tigação utilizado foi a pesquisa-ação e sua premissa de intervenção coletiva, foi
fundamental para o resultado conquistado com esse trabalho, a participação ativa dos
sujeitos, que juntos, formaram o Comitê do Programa Recriar, no intuito de oportu-
nizar o pensar pedagógico de forma cooperativa.
Em relação à gestão participativa, destaca-se a partilha de vivências, estudos diri-
gidos e escuta qualificada que o CPR empreendeu durante os encontros. Isso foi
possível, pois o grupo promoveu dialógicos engajados, buscando sempre o interesse
comum para a construção de um trabalho coletivo. Aqui cabe destacar também a for-
mação heterogênea do grupo, com uma faixa etária entre 16 e 70 anos, homens e
mulheres com diferentes níveis de escolaridade e experiências pessoais e profissionais.
Esse caráter diverso do Comitê oportunizou o compartilhamento de responsabilidades,
numa articulação dinâmica e ativa dos sujeitos em que foi possível reconhecer, inclu-
sive, os momentos que o próprio grupo percebeu como necessário e importante ampliar
seus conhecimentos científicos para posteriormente seguir com o desenvolvimento dos
princípios, valores e objetivos do Recriar. É importante ressaltar também que o silêncio
também fez parte de alguns momentos de participação, trazendo diferentes sentidos ao
“não dito”, mas de alguma forma, houve sempre a retomada daquilo que necessitava
ser trazido novamente e discutido.
Consoante ao compromisso participativo do grupo somaram-se as reflexões ema-
nadas dos encontros e das necessidades evidenciadas pela troca coletiva, possibilitando,
por meio da flexibilidade existente na educação não formal, o encontro de diferentes
saberes e a proposição, em conjunto, do delineamento fundamentado do projeto peda-
gógico do Programa Recriar. Nesse cenário, fortaleceu-se a importância de tornar clara
e entendida em seus desdobramentos as intencionalidades pedagógicas apresentadas,
bem como os seus rumos, os seus objetivos, a sua abrangência e as perspectivas de sua
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Diálogos entre educação não escolar e pedagogia: uma experiência de participação
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atuação, além de organizar, de forma articulada, todos os aspectos necessários para a
sua efetivação.
Enfim, é importante destacar também o papel humanizador da proposta peda-
gógica que o CPR delineou para o Recriar, pois compreendeu a formação humana no
âmbito dos valores éticos e de solidariedade, no respeito às diferentes opiniões, e às
formas de ser, pensar e estar na sociedade. Buscou-se assim, oportunizar momentos de
aprendizagem significativa para os sujeitos participaram do Recriar e aos que virão.
Em suma, esse trabalho retrata que é possível pensar, de forma coletiva, práticas
pedagógicas significativas para espaços de educação não formal, configurando objeti-
vos, intencionalidades explicitadas e modos de ação que busquem promover a missão
para a organização que busca concretizar-se como espaço de transformação social.
Notas
1
Participação caracteriza-se por uma força de atuação consciente, pela qual membros de uma unidade
social se reconhecem e assumem seu poder de exercer influência social, de sua cultura, e de seus resul-
tados, poder esse resultando de suas competências e vontade de compreender, decidir e agir em torno
de questões que lhe são feitas (LÜCK, 2012, p. 18-19).
2
Participação significa não apenas contribuir com uma proposta preparada por algumas pessoas, mas
representa a construção conjunta (GANDIN, 1994, p. 28).
3
Participação é uma modalidade de produção de conhecimento coletivo a partir de um trabalho que
recria, de dentro para fora, formas concretas de pessoas, grupos e classes populares participarem do
direito e do poder de pensar, produzir e dirigir os usos do saber a respeito de si próprios (SILVA, 2006,
p. 129).
4
Participação significa objetivamente estar incluído na criação do conhecimento, de um novo conheci-
mento, participação na determinação de necessidades essenciais da comunidade, participação na busca
de soluções e, sobretudo, na transformação da realidade. Participação de todos aqueles que tomam
parte no processo de educação e desenvolvimento. (BORDENAVE, 1994, p. 32)
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