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ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 27, n. 1, Passo Fundo, p. 5-8, jan./abr. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ESPAÇO
PEDAGÓGICO
EDITORIAL
O campo da educação vem se tornando, cada vez mais, objeto de disputas en-
volvendo diferentes agentes com projetos e interesses distintos, muitos dos quais
alheios à própria educação. A construção de direitos, dentre os quais o da Educa-
ção, é resultante de intensas disputas históricas no Brasil, desde a década de 1920.
Os direitos sociais conquistados, desde então, estão hoje ameaçados de múltiplas
formas. A crescente corrosão do conceito de público no âmbito da educação decorre
da intervenção de inúmeros agentes. São instituições privadas com interesses es-
tritamente mercantis que adentram o campo das políticas educacionais; são orga-
nizações privadas que intervêm em redes de educação, alterando substancialmente
a perspectiva pública em favor de um ensino instrumentalizado; são discursos ge-
rencialistas oriundos de agências multilaterais como o Banco Mundial, a OCDE e o
FMI que simplificam processos pedagógicos complexos por fórmulas instrucionais.
Nesse contexto, proposições neoliberais ou ultraliberais obtêm destaque e con-
quistam espaços de gestão em todos os âmbitos. Discursos de privatização em larga
escala ganham, nesse cenário, centralidade. O esfacelamento de políticas educacio-
nais emancipadoras é uma tendência real nesse cenário. Os sistemáticos combates
à educação crítica no Brasil atual e as sistemáticas desqualificações de educadores,
dentre os quais Paulo Freire, são sintomáticas e expressam o avanço de projetos
educativos reacionários que almejam a destituição das parcas conquistas obtidas
nas últimas décadas. Afronta-se, assim, a perspectiva prevista na Constituição
Federal de 1988, especialmente o artigo 205, que enseja a contribuição da educação
para o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho.” Essas três dimensões estão sendo substituídas,
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v27i1.10570
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progressivamente, por demandas imediatas do mercado de trabalho que deseja um
sujeito apassivado e serviçal.
A educação brasileira vive, portanto, uma tensão entre duas perspectivas dis-
tintas: uma republicana e outra privatista e mercadológica. Princípios republicanos
de uma educação pública, gratuita e laica amplamente discutidos desde a década
de 1920 pelos Pioneiros da Escola Nova são, progressivamente, desconstituídos.
Em contraposição a esses princípios republicanos, propostas fundamentalistas
ganham notoriedade. Fortalecem-se grupos empresariais interessados no investi-
mento em educação que defendem um Estado mínimo quando se trata de políticas
públicas. Institutos privados proliferam, passando a atuar em assessorias a redes
públicas de educação e assumem protagonismo no âmbito de políticas educacio-
nais, mesmo não tendo trajetórias e experiências históricas em educação formal.
Com base em discursos gerencialistas, defendem projetos e propostas educacionais
sem os pressupostos políticos e pedagógicos imprescindíveis para uma educação
emancipadora, humana e cidadã.
Nesse contexto, ocorrem inversões preocupantes: empresas privadas ganham
a simpatia de gestores públicos e conquistam espaços cada vez mais significativos
e, em contrapartida, instituições educacionais com trajetórias consolidadas cuja
natureza é a própria educação, são desqualificadas. Esse quadro produz, entre edu-
cadores, uma sensação de impotência para fazer frente aos complexos processos
socioculturais, políticos e educacionais da sociedade, vivenciados cotidianamente
nas escolas.
Colocar em pauta o tema da privatização da educação constitui-se, portan-
to, num compromisso fundamental de educadores comprometidos com o caráter
republicano da educação. A Revista Espaço Pedagógico insere-se nesse processo
de discussão. Para tanto, conta com a contribuição de pesquisadores de diferentes
instituições, do Brasil e do exterior para qualificar esse debate.
Os três primeiros artigos do dossiê trazem o olhar estrangeiro de autores
que, desde a Argentina, México e Portugal, investigam os avanços da privatização
da educação. No primeiro artigo, Estela Maria Miranda aborda La política edu-
cativa como negocio. Ajuste presupuestario, discurso meritocrático y el “davos” de
la educación en Argentina (2015-2019). Em seguida, os autores mexicanos Jaime
Moreles Vázquez e Sara Aliria Jiménez García, tratam da Transversalidad y priva-
tización de la educación en México a partir de dos casos. A pesquisadora portuguesa
Dora Maria Ramos Fonseca apresenta o artigo intitulado A avaliação das organi-
zações educativas e a regulação pelo discurso gestionário.
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Autores brasileiros de diversas unidades da federação e de diferentes insti-
tuições acadêmicas e escolares também trazem sua contribuição ao tema. Valdelai-
ne da Rosa Mendes e Vera Maria Vidal Peroni, ambas da Universidade Federal de
Pelotas/RS, subscrevem o artigo intitulado Estado, mercado e formas de privatiza-
ção: a influência dos think tanks na política educacional brasileira. Mídia impressa
em educação: redes políticas e a nova filantropia em ação é o artigo apresentado
pelas pesquisadoras Quênia Renee Strasburg (Rede Municipal de Educação de São
Leopoldo/RS) e Berenice Corsetti (Unisinos/RS). Os pesquisadores Altair Alber-
to Fávero (UPF/RS), Daniela de Oliveira Pires (UFPR/PR) e Evandro Consaltér
(UPF/RS), assinam o artigo nomeado Escola conveniada ou charter school? Uma
abordagem sobre termo de colaboração entre prefeitura e o terceiro setor para oferta
da educação básica em Porto Alegre. O artigo intitulado O lugar das práticas curri-
culares diante do avanço da lógica privada sobre o setor público: o Emiti em Santa
Catarina é apresentado pelas pesquisadoras Berenice Rocha Zabbot Garcia e Jane
Mery Richter Voigt, ambas da Universidade da Região de Joinville (Univille/SC).
É de autoria de Gregório Durlo Grisa, do Instituto Federal do Rio Grande do Sul
(IFRS) e Célia Elizabete Caregnato, professora associada na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o artigo denominado Democratização da educação
superior: nexos entre a afirmação da excelência e o desafio do reconhecimento. Fe-
chando o dossiê temos o artigo Direito à educação: da conquista ao reconhecimento,
subscrito por Nilda Stecanela, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), e Caroline
Caldas Lemons, professora da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul.
Na seção de artigos de fluxo contínuo contamos com a contribuição de Mari-
landi Maria Mascarello Vieira (Unochapecó/SC), Maria Cristina Pansera de Araújo
(Unijuí/RS) e Josimar de Aparecido Vieira (IFRS, campus Sertão), no artigo intitu-
lado Práticas formativas na educação profissional: a emergência de uma didática
específica?
Abordando A concepção de passado de crianças no 5º ano, temos o artigo de
Maria Cristina Dantas Pina (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) e
Nallyne Celene Neves Pereira (Rede básica de ensino do Estado da Bahia). Ander-
son Ferrari, Claudete Imaculada de Souza Gomes e Cláudio Magno Gomes Berto,
todos vinculados à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG), tratam A
prática docente e as relações de gênero e sexualidades: conversando com professo-
ras e professores. Encerrando a seção de artigos de fluxo contínuo visualizamos o
trabalho intitulado A receptividade do pensamento de John Dewey no Brasil, subs-
crito por Samuel Mendonça, pesquisador da Pontifícia Universidade de Campinas
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(PUC-Campinas) e José Aguiar Nobre, vinculado ao Santuário Nossa Senhora de
Lourdes (Curitiba/PR).
O Diálogo com Educadores traz a entrevista com o experiente pesquisador
da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Professor Doutor Ângelo Ricardo de
Souza. A entrevista foi mediada pelo organizador desta edição, Altair Alberto Fáve-
ro e pelo editor-chefe, Telmo Marcon, ambos professores do Programa de Pós-Gra-
duação em Educação da Universidade de Passo Fundo. A resenha é subscrita pelos
pesquisadores da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Maria de
Lourdes Pinto de Almeida, Silmara Terezinha Freitas e Diego Palmeira Rodrigues,
que se debruçam sobre o livro intitulado Da universidade à commoditycidade: ou
de como e quando, se a educação/formação é sacrificada no altar do mercado, o fu-
turo da universidade se situaria em algum lugar do passado, de autoria de Lucídio
Bianchetti e Valdemar Sguissardi.
Ao encerrarmos este editorial, agradecemos aos autores pela qualificada
participação, com a expectativa de que a interação entre autores e leitores promova
potentes reflexões e fortaleça a luta em prol da educação pública e de qualidade.
Prof. Dr. Altair Alberto Fávero (Organizador)
Prof. Dr. Telmo Marcon (Editor-Chefe)