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ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 27, n. 1, Passo Fundo, p. 223-243, jan./abr. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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A prática docente e as relações de gênero e sexualidades: conversando com professoras e professores
De acordo com o professor Paulo, os lugares estão marcados. Como, na escola,
essas marcações não estão sendo colocadas sob suspeita, são pouco questionadas:
“para o menino, é o lugar da rua, a menina é o lugar da casa. Então, eu acho que
essa marca da nossa sociedade, ainda, ela acaba por definir isso”. Os lugares de
gênero parecem confirmados na escola, tanto para meninos quanto para meninas.
Porém, identificar esse processo não garante a atuação nele, ou seja, parece que
confirmam o que já sabem e, ao encontrarem essa confirmação, não se sentem
chamados a atuar sobre ela. A professora Marília corrobora com a afirmação do
colega, dizendo que “ela é mais cobrada, ela é mais vigiada mesmo”, referindo-se
à condição em que as meninas são colocadas em seus cotidianos, incluindo-se, aí,
a escola.
As/os docentes chamam a atenção também para a vigilância promovida pe-
las/os próprias/os professoras/es, quando parte destas/es assume o discurso que
naturaliza a heteronorma, tendo efeito de controle sobre os corpos, o que é exem-
plificado na fala de Paulo: “Não adianta fazer o discurso politicamente correto e
chegar na sala de aula e falar: ‘você fez isso, ah veado!’, e a gente vê isso na escola”.
A professora Ana argumenta, ainda, que essa construção é aliada à discriminação,
muitas vezes presente, sobretudo, no curso noturno de sua escola:
No noturno, a gente percebe muito. Que ainda tem: “não, isso não é coisa de homem.” […] É
o chorar. “Nossa, fulano… Nossa, isso não é coisa de homem, não. Homem não chora, não”.
E se a gente for parar pra pensar, esse tipo de comentário, ele já vem recheado de muito tipo
de preconceito. Eu sinto por parte de alguns professores algumas piadas que a gente… meio
que… aceita como comum entre, quando você está falando, quando vários homens estão
conversando e tudo… Mas, principalmente, a gente percebe o desviar do assunto. É mais fácil
não abordar do que enfrentar. É mais fácil você em momento algum se indispor. Mas isso é
muito uma postura de direção. Pra que promover um debate?
O professor Cristiano também contribui para a discussão, ao trazer o relato
sobre a presença dessas falas em sua escola:
E a questão das piadinhas, isso também é muito comum, é muito comum: “Não, isso é coisa
de mulher, isso é coisa de homem”; “ó, não abraça o colega não que isso é coisa de viado”;
“ó, pô, você é viadinho, pelo amor de Deus, vira homem”. O “vira homem”, então, você escuta
cotidianamente na escola aluno falando com outros alunos e professor na hora da aula.
O professor Paulo complementa, dizendo também a respeito de tais práticas
na escola em que atua: “lá a gente escuta professor falando com aluno: ‘vira ho-
mem’”, traduzindo e reafirmando práticas as quais reforçam o modelo binário que
está imposto na escola, ao declarar que existe uma forma de ser homem, não várias