ESPAÇO
PEDAGÓGICO
RESENHA
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v. 27, n. 1, Passo Fundo, p. 278-283, jan./abr. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Maria de Lourdes Pinto de Almeida, Silmara Terezinha Freitas, Diego Palmeira Rodrigues
Da universidade à commoditycidade: ou de como e quando, se a educação/
formação é sacricada no altar do mercado, o futuro da universidade se situaria
em algum lugar do passado
From the university to the commodity: or how and when, if education/training is sacriced on
the market altar, the universitys future would be somewhere in the past
De la universidad a la comoditycidad: o cómo y cuándo, si la educación/formación és sacricada
en el altar del mercado, el futuro de la universidad estaría en algún lugar del pasado
Maria de Lourdes Pinto de Almeida
*
Silmara Terezinha Freitas
**
Diego Palmeira Rodrigues
***
Refletir sobre a universidade é muito importante para compreendermos a di-
nâmica histórica da Educação Superior e o contexto de influências que interferem
na autonomia da universidade e que a colocam como mais um instrumento a ser-
viço do mercado. É nesta perspectiva que foram elaboradas as reflexões contidas
na obra “Da universidade à commoditycidade: ou de como e quando, se a educação/
formação é sacrificada no altar do mercado, o futuro da universidade se situaria
em algum lugar do passado”, publicada pela editora Mercado de Letras (Brasil) em
setembro de 2017.
Escrito em coautoria pelos Professores Lucídio Bianchetti e Valdemar Sguis-
sardi, o livro tem o objetivo de apresentar, por meio de 124 páginas, o histórico
da universidade ocidental desde sua origem até o momento atual. Para tanto, os
*
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, Brasil). Professora Titular da Universidade do
Oeste de Santa Catarina (Unoesc, Brasil). ORCID https://orcid.org/0000-0001-8515-2908. E-mail: malu04@gmail.com
**
Especialista em Coordenação Pedagógica pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc, Brasil). Mestre em Edu-
cação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc, Brasil). ORCID https://orcid.org/0000-0003-1657-4781.
E-mail: silmara.sica@gmail.com
***
Doutorando em Educação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc, Brasil). ORCID https://orcid.
org/0000-0002-2431-654X. E-mail: diegopalmeirarodrigues@gmail.com
Recebido em 27/04/2019 – Aprovado em 04/09/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v27i1.10588
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capítulos tecem discussões construídas sob um olhar crítico quanto ao processo de
intervenção sobre o qual sempre passou a universidade.
Com uma redação dotada de coerência argumentativa, possibilita perceber
um encadeamento entre os três capítulos que compõem a obra e são assim intitu-
lados: “Universidade, Tutelas e Políticas Educacionais: Da instituição medieval
à moderna. Alguns antecedentes da situação atual”; “Brasil: De Instituições de
Ensino Superior Tuteladas – Passando por experiências fundantes – à regulação”;
e “... À Commoditycidade”. Antecedendo os capítulos, constam o prefácio intitulado
“Da universidade à commmoditycidade: mudança ou metamorfose na Educação
Superior?”, escrito por Almerindo Janela Afonso, e uma breve introdução. Nas pá-
ginas finais são expostas as Referências dos autores citados ao longo de todo o texto
e ainda, em Sobre os autores é apresentada uma breve descrição do currículo e o
e-mail de contato dos autores Bianchetti e Sguissardi.
O livro fornece uma leitura crítica do contexto em que a Universidade Con-
temporânea está envolta, a partir de uma análise que se inicia por uma tênue
linha do tempo da história da criação das universidades brasileiras, apresentando
os dilemas sofridos e os desafios com os quais, atualmente, elas se enfrentam no
campo da investigação, reflexão e formação. Já no prefácio da obra, os leitores são
brindados com uma excelente descrição da magnitude do livro realizada por Alme-
rindo Janela Afonso, o qual enfatiza que os autores apresentam de maneira clara
e ao mesmo tempo crítica, que com o passar do tempo as Instituições de Ensino
Superior (IES) foram sofrendo rupturas do ethos da universidade em função dos
interesses do capitalismo, transformando-se numa organização subordinada às
lógicas mercantis.
Na introdução os autores Bianchetti e Sguissardi apresentam quais são os
contextos que delineiam a obra, situando o leitor no espaço e no tempo histórico
no qual as universidades brasileiras foram criadas e como essas foram sendo tu-
teladas e perdendo a autonomia até chegar ao extremo de regulação heterônoma.
Nesse sentido, apresentam também o Parecer 977/65, que institui os programas
de pós-graduação stricto sensu, o qual, no Capítulo II, é discutido detalhadamente
como o marco criado com o intuito de renovar, reconstruir, qualificar e transformar
a instituição universitária, pois é neste âmbito que os autores buscam demonstrar
o contexto no qual a educação superior pública se estagnou, abrindo caminho para
a expansão das instituições privadas, as quais se tornaram, nas palavras dos au-
tores, “protagonistas” do efetivo processo de mercadorização da educação superior.
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Com essa abordagem, os autores explicam o significado do termo que define
o título da obra: commoditycidade – expressão essa que é usada de maneira heu-
rística para explicar o processo de transformação, tanto da definição, quanto do
funcionamento da universidade e da própria educação superior, no sentido de a
educação ser tratada como mercadoria.
No Capítulo I, Universidade, Tutelas e Políticas Educacionais: Da instituição
medieval à moderna. Alguns antecedentes da situação atual, é apresentada uma
linha do tempo que explicita a condição da universidade tutelada, no início, pelo
domínio da Igreja (Idade Média – Europa), já no século XVI, pela burguesia na fase
comercial do capitalismo, momento em que a estrutura e as funções da universi-
dade passaram por transformações e que se agregou à educação o termo “laica”.
Nessa parte do texto, os autores destacam que na condição de universidade tute-
lada, as transformações ocorridas desde a criação das universidades até o século
XIX foram mínimas no que tange aos objetivos, estrutura e modo de organização e
funcionamento das instituições (p. 23).
Seguindo a linha cronológica, de acordo com os autores, no século XIX emerge
a questão social em que são criadas as universidades cuja identidade passam a des-
locar-se do lugar, não apenas geograficamente, em que algumas continuam sendo
tuteladas, enquanto outras são direcionadas a fins como pesquisa e prestação de
serviços com o desafio de gestões ou regulações menos tuteladoras (p. 25).
Na parte final do capítulo, Bianchetti e Sguissardi enfocam um pouco da histó-
ria da universidade/educação superior no Brasil. A abordagem começa pelo século
XVIII em que a influência em termos de educação superior é napoleônica, quando o
Rei D. João VI, ao chegar no Brasil, autoriza o funcionamento das escolas superio-
res com características de faculdades para atender as necessidades da coroa por-
tuguesa, ofertando curso de Direito, Medicina, Engenharia Naval, Mineralurgia.
Contudo, após apresentação de um breve relato da instituição das universidades
brasileiras, os autores sinalizam para a importância em se perceber que com o pas-
sar do tempo as exigências da divisão técnica e social do trabalho foram impondo a
maneira como a universidade foi sendo organizada e funcionando na direção tanto
de especializações, terminalidades, quanto nas áreas de saber insulares, voltadas
para atender as demandas do mercado, no sentido de formar especialistas (p. 28).
O fechamento da primeira parte do livro situa-se na abordagem referente ao
século XIX, momento em que pelas inúmeras transformações na forma de orga-
nização e funcionamento das universidades, foram estabelecidos os modelos que
passaram a predominar até os dias atuais, ou seja, foi a partir de então que se ma-
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terializou o tripé da universidade: ensino, pesquisa e extensão, mas com diferentes
pesos e medidas, administradas e geridas como organizações e desta forma cada
vez mais se distanciando como instituição educativa em sua essência.
O Capítulo II intitulado Brasil: De Instituições de Ensino Superior Tuteladas –
Passando por experiências fundantes – à regulação, conecta a história da educação
superior no Brasil, a qual se iniciou em 1808, com os aspectos da evolução da so-
ciedade, que guiada pelo capitalismo, foi caracterizando a educação superior num
contexto de tutela e pragmatismo utilitarista dos cursos superiores. Os autores
novamente seguindo uma linha do tempo, vão expondo fatos pontuais referente à
criação de cursos, iniciando pelo período imperial
1
até a passagem da primeira para
a segunda década do século XX onde surgem as universidades privadas (Manaus –
1909, São Paulo – 1911 e Curitiba – 1912).
Tecendo considerações sobre a “identidade” do ensino superior, na sequência
do capítulo, são apresentadas considerações a respeito de como as relações entre
a universidade e a sociedade foram caracterizando o modelo contemporâneo de
universidade a partir de três experiências/modelos de universidade/educação supe-
rior: a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade do Distrito Federal (UDF)
e a Universidade de Brasília (UnB). Para os autores, essas três instituições foram
criadas com objetivos de resgatar o sentido original de universidade e alimentar
o pensamento crítico e reflexivo, destacam ainda que nos documentos dessas ins-
tituições está presente a preocupação com a formação de professores em todos os
níveis.
Nesse sentido, o seguimento do capítulo expõe os fatos que originaram a cria-
ção e implantação formal de um modelo de pós-graduação stricto sensu, tendo como
marco inicial o parecer 977/65, o foco da implementação estava voltado à renovação
ou reconstrução da universidade brasileira a partir do ideário de melhoria da/na
formação de professores. Contudo, os autores alertam para o fato de que tanto o
nome quanto o sistema da pós-graduação têm sua origem na estrutura das uni-
versidades norte-americanas e que isso está explícito no referido parecer. Assim,
finalizando o capítulo, são apresentados argumentos e detalhes que nos levam a
entender como foi constituída a pós-graduação stricto sensu no Brasil, como por
exemplo, a questão referente à sua regulamentação e às implicações na carreira
docente, enfocando a necessidade da regulação, do controle em relação à abertura
dos cursos (p.72).
No Capítulo III, À Commoditycidade, são expostos alguns fatos e argumentos
que esclarecem a maneira de como a perspectiva de mercado está presidindo o pro-
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cesso de ampliação do número de Instituições, sejam novas ou resultados de pro-
cessos de fusões. Nesse sentido, o termo usado como título da obra “commodityci-
dade” representa essa nova especificidade das Instituições de Educação Superior,
com características de empresas mercantis que buscam ampliação numérica de
alunos-clientes (p.76).
Pelo detour apresentado pela linha do tempo, os autores reúnem alguns ele-
mentos da história da educação superior/universidade, relacionando o passado
mais distante com o presente, com o fito de prospectar o cenário para os próximos
anos, caso se mantenha essa tendência que têm se mostrado hegemônica, a mer-
cantilização da educação. De maneira reflexiva frente a esse possível cenário para
a educação superior, indagam: Quais são as indicações reveladoras do futuro da
formação dos jovens universitários, no plano imediato, mediato e de longo prazo, a
prevalecer a tendência que vem se impondo como hegemônica no atual processo de
expansão da educação superior? (p. 80).
A fim de ilustrar a expansão da educação superior, é apresentado um caso
como exemplo, o de Santa Catarina que mesmo com o Sistema Acafe (Associação
Catarinense das Fundações Estaduais) também sucumbiu à expansão de institui-
ções e organizações privadas-mercantis. Ainda são apresentados fatos pontuais
que representam o processo de mercantilização da educação: a ida de “empresas de
educação” à Bolsa de Valores, ou seja, a abertura de capital das empresas educacio-
nais onde se formam monopólios e oligopólios a partir da aquisição e incorporação
entre algumas empresas do setor educacional pela compra e venda de ações na
Bolsa de Valores, de um produto chamado “educação/ensino”, transformando esse
produto em mercadoria/commodity, momento no qual, bem enfatizam os autores,
a condição da universidade, da educação superior e dos alunos chega ao extremo
representado pela “mercadoria/ensino” que se negocia na bolsa de valores, uma
estratégia mercantil que segue as lógicas do capital (p. 95).
Com a subseção do capítulo Oligopolização da educação superior, os autores
trazem à discussão um pouco da história da constituição da maior empresa de edu-
cação superior do planeta – a Kroton – a partir da exposição de dados e tabelas com
informações a respeito do número de matrículas em instituições educacionais com
fins lucrativos vinculadas a esse grupo, os autores enfatizam ainda mais a ques-
tão de que a tendência hegemônica firmada para a universidade contemporânea é
voltada aos interesses imediatos de empresas, descaracterizando a quase milenar
missão universitas voltada à formação cultural e humanística.
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Na Conclusão da obra Bianchetti e Sguissardi apresentam uma crítica aos
“ataques” sofridos pela universidade no decorrer da história que se materializam
na forma da educação tratada como mercadoria vendável, do aluno como cliente/
comprador e também da formação mínima e simplesmente utilitária.
O livro “Da universidade à commoditycidade: ou de como e quando, se a educa-
ção/formação é sacrificada no altar do mercado, o futuro da universidade se situa-
ria em algum lugar do passado” configura-se como uma importante contribuição
para as discussões sobre os caminhos percorridos pela Universidade e o contexto de
influencias no seu entorno. É uma importante obra de referência para os estudos
sobre Universidade e ensino superior e, dessa forma, é uma leitura recomendada a
todos interessados em conhecer o percurso histórico da Universidade e as influên-
cias por ela sofrida. É uma obra especialmente indicada aos que pesquisam na área
de políticas públicas educacionais.
Nota
1
Neste período foram criadas as Faculdades de Direito devido à necessidade de formação humanística- ju-
rídica para realizar as tarefas de administração do país e das províncias (p. 36).
Referência
BIANCHETTI, Lucídio; SGUISSARDI, Valdemar. Da universidade à commoditycidade: ou de
como e quando, se a educação/formação é sacrificada no altar do mercado, o futuro da universi-
dade se situaria em algum lugar do passado. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2017.