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O trabalho pedagógico pensado como práxis
The pedagogical work thought as praxis
El trabajo pedagógico pensamiento como praxis
Iduméa de Souza Fernandes Ramos
*
Ilsa do Carmo Vieira Goulart
**
Resumo
Este texto tem como proposta apresentar uma diferenciação entre práxis e prática pedagógica, na
dimensão do trabalho educativo. Ambos os termos são empregados como equivalentes no contexto
educacional, o que se denota desconhecimento de seus reais significados e das implicações de
sentidos. Para tanto, o artigo objetiva refletir sobre a concepção de Adolpho Sanchez Vázquez quanto
à filosofia da práxis, bem como os conceitos de prática educativa e pedagógica, em correlação com o
trabalho docente, numa tentativa de apresentar definições, diferenciações, similaridades e
indissociabilidade. Por conseguinte, a partir de uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa,
o texto propõe uma reflexão teórica em interlocução com as considerações sobre o trabalho docente,
delineando-o, na perspectiva da práxis pedagógica, entendendo ser essa uma ação educativa que se
espera para uma educação dialógica e emancipadora. O embasamento teórico das abordagens
realizadas, quanto a educação emancipadora, pauta-se na pedagogia Freiriana, principalmente na
obra “Pedagogia do Oprimido”. A reflexão atribui visibilidade aos conceitos de práxis e prática,
colaborando para as discussões que delineiam a perspectiva de trabalho pedagógico como atividade
social transformadora, reflexiva, libertadora e predominantemente dialógica.
Palavras-chave: Práxis pedagógica. Prática pedagógica. Trabalho pedagógico.
Recebido em: 28.03.2020 Aprovado em: 14.02.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i3.10769
ISSN on-line: 2238-0302
*
Mestre em Educação. Prefeitura Municipal de Heliodora (MG). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1733-566X. E-mail:
idumea46@gmail.com.
**
Estágio Pós-doutoral pela Universidade de Barcelona. Doutora em Educação. Departamento de Gestão Educacional, Teorias e
Práticas de Ensino (UFLA. Programa de Pós-Graduação em Educação (UFLA). Núcleo de Estudos em Linguagens, Leitura e Escrita
(NELLE). Orcid: http://orcid.org/0000-0002-9469-2962. E-mail: ilsa.goulart@ufla.br.
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Abstract
This text aims to present a differentiation between praxis and pedagogical practice, in the dimension
of educational work. Both terms are used as equivalent in the educational context, which denotes
ignorance of their real meanings and meaning implications. To this end, the article aims to reflect
on the Conception of Adolpho Sanchez Vázquez as to the philosophy of praxis, as well as the
concepts of educational and pedagogical practice, in correlation with teaching work, in an attempt
to present definitions, differentiations, similarities and indissociability. Therefore, based on a
bibliographical research, with a qualitative approach, the text proposes a theoretical reflection in
interlocution with the considerations on teaching work, outlining it, from the perspective of
pedagogical praxis, understanding that this is an educational action that is expected for a dialogical
and emancipatory education. The theoretical basis of the approaches carried out, regarding
emancipatory education, is based on Freiriana pedagogy, especially in the work “Pedagogia do
Oprimido”. The reflection attributes visibility to the concepts of praxis and practice, collaborating
for the discussions that outline the perspective of pedagogical work as a transformative, reflective,
liberating and predominantly dialogical social activity.
Keywords: Pedagogical praxis. Pedagogical practice. Pedagogical work.
Resumen
Este texto pretende presentar una diferenciación entre la praxis y la práctica pedagógica, en la
dimensión del trabajo educativo. Ambos términos se utilizan como equivalentes en el contexto
educativo, lo que denota ignorancia de sus significados reales e implicaciones de significado. Para
ello, el artículo pretende reflexionar sobre la Concepción de Adolfo Sánchez Vázquez y la filosofía
de la praxis, así como los conceptos de práctica educativa y pedagógica, en correlación con la labor
docente, en un intento de presentar definiciones, diferenciaciones, similitudes e inseparabilidad. Por
lo tanto, sobre la base de una investigación bibliográfica, con un enfoque cualitativo, el texto propone
una reflexión teórica en interlocución con las consideraciones sobre la labor docente, esbozándola,
desde la perspectiva de la praxis pedagógica, entendiendo que se trata de una acción educativa que
se espera para una educación dialogante y emancipadora. La base teórica de los enfoques llevados a
cabo, en materia de educación emancipadora, se basa en la pedagogía freiriana, especialmente en la
obra "Pedagogía de los Oprimidos". La reflexión atribuye la visibilidad a los conceptos de praxis y
práctica, colaborando para los debates que describen la perspectiva del trabajo pedagógico como una
actividad social transformadora, reflexiva, liberadora y predominantemente dialogante.
Palabras clave: Praxis pedagógica. Práctica pedagógica. Trabajo pedagógico.
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Considerações iniciais
Indecisa, apenas articulada, se despierta la palabra.
No parece que vaya a orientarse
nunca en el espacio humano,
que va tomando posesión del ser que despierta lenta o
instantáneamente.
Pues que si el despertar se da en un instante, el espacio le acomete como
si ahí le hubiese estado aguardando para definirle,
para hacerle saber que es un ser humano sin más.
(ZAMBRANO, 1986, p. 8)
As palavras como forma de expressividade da linguagem, sejam escritas ou orali-
zadas, adquirem sentidos na discursividade. Parafraseando a epígrafe, ainda que não
pareça que as palavras consigam orientar-se no contexto humano, ocorre que estas bus-
cam possuir àqueles que se predispõem a aceitá-las, seja de forma lenta ou
abruptamente, encontram ali um espaço para que reconheçam o que é humanizar.
Nessa vertente, busca-se uma reflexão do trabalho pedagógico na perspectiva da lingua-
gem como ação discursiva, que dinamiza, promove, orienta, dispersa, unifica, planeja
e opera em espaços de relações interpessoais, que toma uma posição de um ser em
atividade de expressividade, de direcionamento, de empoderamento, ao articular e mo-
bilizar pensamentos, ações e modos de interação.
Na esfera educacional, as palavras compreendidas como modo de configuração
da linguagem adquirem facetas determinantes nas relações procedimentais e atitudi-
nais, ao instituir, apregoar e/ou demarcar perspectivas ideológicas e posicionamentos
teórico-metodológicos, o que reflete no desencadeamento de determinados fazeres pe-
dagógicos.
Embasado na premissa da linguagem como forma de expressividade e de intera-
ção, no caso pelas palavras (verbal ou não-verbal), o presente texto abre um espaço de
diálogo tendo como centralidade as palavras práxis, prática educativa e pedagógica, tra-
balho docente, articulando discussões legitimadas sob a ótica argumentativa de
Vázquez (2007) e Freire (1981; 1987; 1996; 2009), em interlocução com a concepção
de Gutiérrez (1988), Nóvoa (1995), Tardif (2014), Tardif e Lessard (2014), entre ou-
tros autores que discutem a temática da prática educativa e do trabalho pedagógico.
A palavra práxis é empregada com frequência no meio educacional para designar
o trabalho pedagógico. No entanto, há de se considerar que pouco se sabe sobre o
termo, quando se observa seu emprego nos discursos pedagógicos. Os vocábulos práxis
e prática, apesar de empregados como sinônimos, ambos se constituem termos com
significados distintos. Práxis traz em seu bojo concepções marxistas, aspectos relacio-
nados ao conhecimento, à atividade humana transformadora, com objetivos definidos,
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que se materializam na construção da própria história dos sujeitos da ação. De acordo
com Vázquez (2007, p. 219) “[...] toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é
práxis”.
Assim, a partir de uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa, o texto
propõe uma reflexão teórica sobre o sentido de práxis tomando como embasamento a
obra de Vázquez (1977), “Filosofia da Práxis”, especificamente o capítulo “O que é
Práxis”, intenta-se uma reflexão conceitual, de modo a definir e a apreender seu signi-
ficado.
Ao apresentar a práxis como ação dinâmica e transformadora, da atuação do ho-
mem com e sobre o mundo, longe se ser uma atividade reduzida aos pragmatismos,
mas de uma atividade prática sustentada pela reflexão, este artigo objetiva refletir sobre
as ideias de Adolpho Sanchez Vázquez quanto à filosofia da práxis. Para isso, busca-se
uma definição de práxis, bem como os conceitos de prática educativa e pedagógica em
correlação com o trabalho docente, numa tentativa de apresentar diferenciações, simi-
laridades e indissociabilidade. As discussões têm por finalidade delinear o trabalho
docente na perspectiva de uma práxis pedagógica, qual seja, transformadora, tomando
como referência a proposta de educação assinalada por Paulo Freire, na obra “Pedago-
gia do Oprimido”.
Para melhor organização da reflexão proposta, o texto se organiza em seções que
se desdobram na definição de práxis e prática pedagógica, no delineamento do trabalho
docente como práxis pedagógica, com a intencionalidade de compreender e diferenciar
terminologias, de modo a direcionar um olhar ao trabalho docente subsidiado pelo viés
argumentativo de uma ação pedagógica transformadora, dialógica, interativa, reflexiva
e, consequentemente, emancipadora.
Práxis e prática: compreendendo os conceitos
Os estudos de Vázquez (2007) ao tecer as concepções de Marx sobre a Práxis,
que se pauta na argumentação de que filosofia ganha seu significado quando integra a
ação das pessoas, orientando o processo de compreensão da realidade. Desse modo, a
‘matéria’ passa a ser objeto essencial para a ‘razão’, de modo que se ela fosse inexistente,
a ‘razão’ não teria estímulos que a fizessem propor preceitos e conceitos, conforme des-
tacam Pereira, Rocha e Chaves (2016). Tal proposição subsidia a afirmação que toda
práxis é atividade, porém nem toda atividade é considerada práxis, visto que compre-
ende uma forma de atividade específica, apesar de ter atividades vinculadas a ela. Nessa
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perspectiva, Vázquez (2007, p. 219) traz o sentido de atividade “[...] como um con-
junto de atos em virtude dos quais um sujeito ativo (agente) modifica uma matéria-
prima dada”. A atividade prática dissolve-se, como uma simples atividade no plano
teórico, ao contrário da práxis, que se solidifica na concreticidade da transformação.
Segundo Bottomore (1997) práxis pode ser definida como uma atividade livre,
universal, criativa e autocriativa, por meio da qual o homem cria, produz e transforma
(conforma) seu mundo humano, social e histórico, e a si mesmo. Entretanto, de acordo
com o material de estudo da Escola de Gestores da Educação Básica, disponibilizado
pelo Ministério da Educação e Cultura (BRASIL, 2010), a prática é entendida como
uma atividade de caráter utilitário-pragmático, relacionada às necessidades imediatas
de prática educativa. A verdadeira práxis se mostra exercida com embasamento teórico,
porém, trata-se de uma atividade transformadora, real, efetiva e até mesmo revolucio-
nária, entendida e desenhada como uma atividade prática social que modifica a
natureza, em que o homem se firma como homem, transforma o meio natural e sua
própria natureza, objetivamente para sua satisfação.
Depreende-se pela leitura que a práxis trata-se de uma atividade cognoscente,
inseparável de toda verdadeira atividade humana, cujos fins e produção do conheci-
mento apresentam-se em íntima unidade. De acordo com Vázquez (2007, p. 224) “[...]
a relação entre o pensamento e a ação requer a mediação dos fins que o homem pro-
põe”.
Dessa maneira, como toda ação humana, a atividade prática que se manifesta por
meio do trabalho, da atuação, das atividades artísticas ou da práxis revolucionária, se-
gundo Vázquez (2007) constitui-se por uma atividade adequada a fins, cujo
cumprimento, exige certo exercício cognoscitivo.
A atividade corresponde a algo propriamente humana, que é exercida pelo ho-
mem sobre determinado objeto ou meio natural e que tem a capacidade de projetar a
obra que constrói. O homem se apodera dos materiais naturais para produzir algo útil
para sua vida, para um determinado fim. No entanto, essa ação sobre o objeto envol-
vendo desejo, vontade ou conformação da matéria, exige conhecimento,
discernimento, o que implica saber como fazer, saber o que utilizar para transformá-la,
saber quais os objetos necessários e as possibilidades positivas ou não para a realiza-
ção. Desse modo, nesse processo da ação “[...] as atividades cognoscitiva e teleológica
da consciência, se encontram em uma unidade indissolúvel”, como descreve Vázquez
(2007, p. 225).
Assim, a atividade da consciência, mantém íntima relação com o conhecimento,
com ciência da finalidade da ação, porque fazer, que por sua vez, tem caráter teórico
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que possibilita a transformação de uma realidade social ou natural pelo homem, que
age conhecendo o que faz e se conhece na ação. Toda sua atividade prática encontra-se
sustentada a fins, a propósitos e, cujo cumprimento, exige exercício do próprio ato de
conhecer, do aprender, do aprimorar, do envolver-se corporalmente e estar teorica-
mente embasado.
Isto posto, cabe acrescentar que se nem toda atividade é considerada práxis trans-
formadora, nem toda teoria, como conhecimento solitário e isolado, constitui-se em
práxis, segundo aponta Vázquez (2007). Práxis não se resume a um mero fazer por
fazer, por puro pragmatismo, sem um fim real, objetivo. Isso configura-se apenas em
prática. Práxis trata-se de um modo de ser que, por meio da ação objetiva e real, trans-
forma uma realidade natural ou social em uma nova realidade, ou seja, se a ação se
objetiva materialmente, conforma e transforma uma realidade para atender suas neces-
sidades humanas.
De acordo com os estudos de Vázquez (2007), a teoria contribui para transfor-
mar a realidade, para transformar a prática em práxis, haja vista que, por meio da práxis,
o homem objetiva-se produzindo seu contexto sócio-histórico e cultural. Por isso, trata-
se da configuração ontológica, como elemento essencial na constituição do ser humano,
o possibilita ser o que é hoje, ao longo de milhares de anos, conforme destacam Pio,
Carvalho e Mendes (2014).
Mediante as afirmações sobre a relação entre teoria, prática e práxis, percebe-se
que correspondem a dimensões que são indissociáveis. Desta forma, tais conceitos en-
contram-se interligadas, são interdependentes, conforme assinala Freitas (2005, p. 138)
“[...] para fazer distinguir a práxis das atividades meramente mecânicas, repetitivas, ali-
enadas”, ao dialogar com o que afirma Konder:
A práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando
a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformando-se a si mesmos. É a ação que, para
se aprofundar de maneira mais consequente, precisa da reflexão, do autoquestionamento da
teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos,
cotejando-os com a prática (KONDER, 1992, p. 115, apud FREITAS, 2005, p. 138).
A teoria empodera os sujeitos para atuar de maneira reflexiva sobre determinado
objeto ou realidade natural, proporciona conhecimentos para atuar com discernimento
sobre determinada realidade. E, para complementar a reflexão sobre práxis e prática, no
contexto da ação transformadora, corrobora-se com a reflexão “[...] a prática pedagó-
gica é uma atividade que gera cultura, à medida que é praticada, portanto, a prática
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docente em movimento é produtora de conhecimento, ela é práxis” (GIMENO
SACRISTÁN, 1991, p. 83).
A teoria fundamenta a prática e contribui para a reflexão sobre a realidade a ser
transformada. A práxis, portanto, define-se em uma atividade prática que se sustenta
na reflexão teórica. A contraposição teoria-prática não se fundamenta. Uma ação com-
plementa a outra para conceder validade à prática. Vázquez (2007) para descrever sua
concepção pauta-se nas ideias de Marx, ao tratar da atividade prática existente na práxis
da seguinte maneira:
Marx enfatiza o caráter real, objetivo, da práxis, na medida em que transforma o mundo exterior
que é independente de sua consciência e de sua existência. O objeto da atividade prática é a
natureza, a sociedade ou os homens reais. O fim dessa atividade é a transformação real, objetiva,
do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana (VÁZQUEZ, 2007,
p. 226).
Portanto, o que se constrói a partir da atividade objetiva, concreta, transforma-
dora, fundamentada teoricamente é uma nova realidade, que assim realizada, constitui-
se práxis. Para Vázquez (2007) incide diferentes níveis de práxis, o que está correlacio-
nado ao grau de consciência do sujeito no curso da prática e com o grau de criação com
que transforma a matéria, convertendo-a em produto de sua atividade prática. Con-
forme o grau de consciência e de criatividade se abalizam manifestações distintas, de
um lado a práxis criadora e a reiterativa ou imitativa e, de outro, a práxis reflexiva e a
espontânea. O que compõe os quatro níveis da práxis: a produtiva, a artística, a experi-
mental e a política.
A práxis produtiva está relacionada com a atividade prática produtiva transfor-
madora que o homem estabelece mediante o trabalho com a natureza. Por meio do
trabalho o homem transforma objetos com relação a um fim determinado. Já a artística
trata-se de uma atividade que possibilita a produção ou criação de obras de arte. Da
mesma maneira que a práxis produtiva, a artística consiste na transformação de uma
matéria, não por necessidade prático-utilitária, mas sim por uma necessidade geral hu-
mana de se comunicar e se expressar. A perspectiva produtiva ou criadora supõe relação
mais intrínseca entre as dimensões subjetivas e objetivas, em outras palavras, entre
aquilo que planejamos e realizamos. Criar significa idealizar e realizar o pensado, por-
que nela o ser humano se complementa, pois produz objetos que satisfazem suas
necessidades, humaniza-se, transforma o meio e a si mesmo.
Práxis experimental satisfaz às necessidades de investigação teórica e, de acordo
com Vázquez (2007, p. 230), em particular às de comprovação de hipóteses. O fim
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principal é teórico, quando se leva “[...] a cabo o experimento para provar uma teoria
ou determinados aspectos dela”.
E por fim, a práxis política é apresentada por Vázquez (2007) como a práxis que
o homem é sujeito e objeto dela; configura-se em ação em que o homem atua sobre si
mesmo. Dentro da perspectiva política pode se refletir sobre a práxis social e práxis
revolucionária. A práxis social toma por objeto, não um indivíduo, mas um grupo ou
classes sociais. E a revolucionária é a forma mais alta de práxis política enquanto prática
transformadora.
Vázquez (2007, p. 232) afirma que “[...] se o homem existe, enquanto tal, como
ser prático, isto é, afirmando-se com sua atividade prática transformadora diante da
natureza exterior e diante da própria natureza, a práxis revolucionária e a práxis produ-
tiva constituem duas dimensões essenciais de seu ser prático”.
Porém, tanto uma como as demais formas de práxis são apontadas como formas
específicas concretas de práxis total humana “[...] graças a qual o homem como ser
social e consciente humaniza os objetos e se humaniza a si mesmo”. Em suma, a defi-
nição de práxis apresentada nos estudos de Vázquez (2007, p. 237) trata-se de “[...]
uma atividade material, transformadora e adequada a fins”, o que contribui para pensar
a educação como uma ação transformadora, intencional, respaldada na prática teórica
para a conquista dos objetivos.
Segundo Freire (1987, p. 52) a práxis refere-se a “[...] uma reflexão e ação dos
homens sobre o mundo para transfor-lo. Sem ela, é impossível a superação da con-
tradição opressor-oprimido”. A reflexão do autor, demonstra que a ação crítica do
sujeito sobre a realidade torna-se fundante para nela atuar e superar as desigualdades.
Nessa perspectiva, a inserção crítica se faz por meio da práxis, pois nenhuma realidade
se transforma por si mesma.
Uma prática pedagógica vazia teoricamente, inviabiliza a reflexão sobre a própria
prática e a realidade existente e, por conseguinte, não gera transformação, o que discu-
tiremos na próxima seção.
Delineando o trabalho docente na perspectiva da práxis
pedagógica na concepção Freiriana
A prática pedagógica se configura a partir de intencionalidades, as quais necessi-
tam partir da construção coletiva de diretrizes com princípios axiológicos, do
fortalecimento de laços de solidariedade, de respeito e de valoração mútua, de modo a
privilegiar o desenvolvimento da pessoa humana. Desse modo, posicionamentos éticos,
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críticos, reflexivos se mostram capazes de provocar mudanças na sociedade, tendo em
vista que se trata de ações que se fazem presente na interioridade de cada sujeito. A ação
docente trata-se de uma prática essencialmente política, na perspectiva de que o sujeito
se constitui pela transformação da interioridade a partir das relações construídas na
exterioridade, num movimento dinâmico e dialógico.
A educação nessa dimensão do trabalho docente é problematizadora, não uma
educação bancária, a qual é refutada por Freire (1987) e expressada como alienante da
ignorância. Na educação bancária o educador será sempre o que sabe, enquanto os
estudantes os que não sabem. A educação neste prisma fundamenta-se na compreensão
dos homens como seres vazios e que precisam ser preenchidos de conteúdos. O que se
espera da educação é pensar nos sujeitos “[...] como “corpos conscientes” e na consci-
ência como consciência intencionada no mundo. Não pode ser a do depósito de
conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo
(FREIRE, 1987, p. 94).
Assim, na concepção de Freire (1987) a educação é vista como ação transforma-
dora da realidade social e cultural, a prática pedagógica nela inserida deve estar
fundamentada na satisfação das necessidades da pessoa humana, enquanto ser sócio-
histórico-cultural, de modo a tornar-se práxis, compreendendo-a como capacidade hu-
mana de transformar-se e transformar a natureza e a sociedade. A práxis educativa na
concepção Freiriana se pauta na reflexão e ação dos homens sobre o mundo para trans-
formá-lo, modificá-lo, humanizá-lo.
O embate dialético entre ação-reflexão, presente neste método, favorece a mu-
dança da consciência humana com relação à estrutura social, aproximando-o da
realidade estudada de maneira crítica e reflexiva. Na percepção de Freire (1987) a práxis
é a pedagogia dos homens empenhados na luta por liberdade, uma pedagogia huma-
nista e libertadora. Nessa proporção, a educação viabilizada por uma práxis
transformadora possibilita aos sujeitos saírem de sua condição de oprimidos para a
construção de um mundo mais humanizado.
O homem constrói conhecimentos que lhe propicia satisfazer-se, transformar o
meio em que vive e a si próprio. A educação, portanto, na sua tarefa básica da formação
humana, fomentada no exercício da prática pedagógica, fornece subsídios para a cons-
trução do conhecimento que permite ao ser humano intervir na realidade de maneira
real e concreta. A práxis neste contexto é a construção de conhecimentos válidos, que
são concretizados, experimentados na vida real, cotidianamente, no contexto em que
os sujeitos estão inseridos, no sentido de promover a libertação.
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Entretanto, Freire (1987, p. 30) esclarece que ações diversas atuam de maneira
opressora neste processo, como a injustiça, a exploração, a opressão, a violência, a in-
diferença, a impaciência, o desprezo, a raiva, a falta de diálogo, entre outras, que,
segundo o autor, negam a vocação a que fomos chamados: a vocação a ser homem.
Percebida como a ação de latrocínio da humanidade, a desumanização refere-se às “[...]
próprias atitudes dos sujeitos que retiram dele a condição de ser humano”, conforme
salienta Goulart (2016, p. 714).
Nesse sentido, Freire (1987, p. 69) destaca que “[...] ninguém liberta ninguém,
ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. É na relação dialó-
gica, no diálogo crítico e libertador, ou seja, na dialogicidade da educação, que Freire
descreve e sustenta seu método educativo. Para o autor, é na comunhão, por meio do
diálogo como fenômeno particularmente humano, que os homens se pronunciam uns
aos outros, pois “[...] não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 1987, p. 69).
A perspectiva de Freire (1987) abre duas vertentes argumentativas que, embora
distintas, estão intimamente inter-relacionadas, uma refere-se ao diálogo como uma
exigência existencial, como caminho pelo qual os homens ganham significação en-
quanto homens. Trata-se da palavra enquanto linguagem, modos de expressividade que
remete ao encontro “[...] em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos ende-
reçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato e
depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias
a serem consumidas pelos permutantes” (FREIRE, 1987, p. 109).
Entretanto, deve ser uma troca dialética do conhecimento, de saberes, de experi-
ências. Nessa perspectiva, o trabalho docente precisa primar o diálogo, não como
simples troca de ideias, mas como uma necessidade humana fundada no amor, na hu-
mildade, na fé nos homens, ancorados na confiança e na esperança. A compreensão de
esperança não se refere a uma ação de indiferença, de impassibilidade, de cruzar os
braços e esperar, visto que, para Freire (1987, p. 82), representa vivacidade, em que
“[...] movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero”.
Assim, depreende-se pelo discurso de Freire (1987) que a verdadeira educação é
firmada no diálogo, na superação da contradição entre educandos-educador, partindo
sempre das experiências, conhecimentos dos educandos, para a construção de novos
conhecimentos vinculados a sua cultura, mediatizados pelo mundo.
A verdadeira educação autêntica, conforme propõe Freire (1987, p. 84) “[...] não
se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo”. As
considerações de Freire (1981; 1987) assinalam que nenhuma prática educativa ocorre
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de forma aleatória, mas mediante a um contexto concreto, histórico, social, cultural,
político e econômico.
Nesse contexto, Freire (1996, p. 136) considera que “[...] sujeito que se abre ao
mundo e aos outros inaugura com seu gesto uma relação dialógica”, o que se constitui
a partir da inquietação e da curiosidade. Freire (1996) destaca a inquietação indagadora
como parte vital da prática educativa. Na mesma vertente, as proposições de Pérez Ferra
(2013) a respeito da “indagación como actitud”, apresenta uma concepção de como
uma atitude questionadora, possibilita aos professores posicionarem-se frente aos pos-
síveis dilemas que poderão surgir no desempenho da função docente, e, também, frente
às mudanças constantes no processo educativo, político-social.
A atitude indagadora da realidade educacional, no contínuo decurso do que se
compreende por docência, segundo Goulart (2016), se estrutura em atos e ações dos
sujeitos em seu processo formativo, que acontecem em movimentos circulares e em
constantes retomadas de posições, os quais integram a dialogicidade como o ato refle-
xivo, o ato de encantar-se com o fazer pedagógico e o ato de empatia.
Outra vertente argumentativa proposta por Freire (1987) remete ao ato de refle-
xão da ação, entendendo que por meio das ações os sujeitos agem e interagem sobre o
mundo, de modo que se cria, que se potencializa o domínio sobre a cultura e a história.
É nessa perspectiva que se configuraram sujeitos da práxis, descrita por Freire (1987, p.
92) como um ato de reflexão da ação “[...] transformadora da realidade, é fonte de
conhecimento reflexivo e criação”.
Nessa direção, pode-se correlacionar à concepção de reflexão-na-ação, conforme
apregoa Schön (2000, p. 32), que refere à vinculação entre o conhecimento e a reflexão,
visto que a é possível “[...] refletir no meio da ação, sem interrompê-la. Em um pre-
sente-da-ação, um período de tempo variável com o contexto, durante o qual ainda se
pode interferir na situação em desenvolvimento, nosso pensar serve para dar nova
forma ao que estamos fazendo, enquanto ainda o fazemos”. O que o autor ressalta é
que ocorre um movimento de reflexão-na-ação, pois “[...] tem uma função crítica,
questionando a estrutura de pressupostos do ato de conhecer-na-ação” (SCHÖN,
2000, p. 33).
Zeichner (1993) expõe a concepção de prática reflexiva a partir de três aspectos:
o primeiro de que a atenção do professor se volta para sua própria ação; o segundo
referente ao carácter político e emancipatório da reflexão da prática, o terceiro aponta
o compromisso da reflexão enquanto caráter social. Em estudos posteriores Zeichner
(2008) aponta a necessidade de se reconhecer que a ‘reflexão’ por si mesma não tem
significação, visto que todos os professores são reflexivos de alguma forma, por isso
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destaca a importância de se considerar o que se pretende que os professores reflitam e
como se efetivará tal reflexão.
Portanto, o trabalho pedagógico pensado como práxis pedagógica é capaz de de-
senvolver um ser humano em todas as suas potencialidades, pois deve estar apoiada na
filosofia da educação reflexiva, dialética, dialógica, problematizadora, libertadora e nas
diversas formas de práxis, citadas por Vázquez (2007), como a experimental, a produ-
tiva, a artística, a política, a teórica que possibilitam a reflexão sobre a realidade,
permitindo aguçar o olhar sobre o contexto educativo, social, cultural e tudo que a
envolve. Quando o sujeito se encontra preparado nesta dimensão da práxis pedagógica,
ao analisar as práticas educativas pela ótica reflexiva, permite-se pensar nas mudanças,
nas transformações da realidade vivenciada, bem como nas possibilidades e limitações
de atuação, construindo um mundo mais humanizado e livre para todos.
O trabalho pedagógico e a relação com a práxis
Ao considerar a relação entre a práxis e o trabalho docente adentramos numa
reflexão sobre as relações construídas com e pelas atividades pedagógicas. Se por um
lado o trabalho docente no contexto educativo aventa discussões sobre a relação entre
teoria e prática, por outro tem-se a preocupação da dicotomia entre didática e pedago-
gia. Segundo Tardif (2014) a organização do trabalho docente tem natureza que se
emana tanto de organizações consideradas estáveis, solidificadas por normativas e re-
gulamentações institucionais, quanto das interações construídas entre professores,
alunos, funcionários. Diante dessa perspectiva dual, o fazer docente parte da ideia de
que o conhecimento curricular não existe sem correlação ao contexto interativo e dia-
lógico, a prática pedagógica demonstra a concepção teórica e metodológica que o
professor apresenta sobre o processo de ensino e aprendizagem, ou melhor, sobre a
prática educativa.
Ao discorrer sobre a prática educativa, Tardif e Lessard (2014) a identificam a
partir de três concepções, decorrentes da cultura escolar, uma que relaciona a prática a
uma atividade artesanal, outra que se direciona à técnica sedimentada em valores e
crenças, e ainda, outra que inclina à ideia de interação. Os estudos de Tardif e Lessard
(2014) apresentam a perspectiva de prática como atividade artesanal que consiste numa
das concepções mais antigas a respeito do fazer docente, advém da concepção e educa-
ção como arte proposta pelos gregos, o que se estendeu às demais civilizações. Parte da
ideia de uma atividade específica, em “[...] a arte se baseia em disposições e habilidades
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naturais, em habitus específicos, em disposições desenvolvidas e confirmadas pela prá-
tica e pela experiência de uma arte específica” (TARDIF; LESSARD 2014, p. 157).
A prática como técnica guiada por valores, segundo Tardif e Lessard
(2014) trata-se de uma concepção que oscila entre a objetividade e a subjetividade, ou
seja, de ações que remetem àqueles que exercem a função da docência, aos saberes que
advém de um conhecimento objetivo, de ações técnicas, de orientações normativas,
sedimentadas por atuações guiadas seja pela ordem de valores ou de interesses. Para o
autor tal ideia mobiliza duas formas de ação, “[...] por um lado, é uma ação guiada por
normas e interesses que se transformam em finalidades educativas, por outro uma ação
técnica e instrumental que busca se basear no conhecimento objetivo” (TARDIF;
LESSARD, 2014, p. 163).
A terceira concepção de prática educativa concerne na ideia de interação, que diz
respeito à atividade em que as pessoas agem em função de outrem. Uma proposição
que se põe em proximidade com o conceito de ato responsivo, da concepção de lingua-
gem enunciativa-discursiva, segundo Bakhtin (2010) a questão da filosofia do ato em
interface com o processo de formação docente, o que remete à compreensão da atitude
de reflexão do fazer, visto que a ação do pensamento é considerada um ato, porque para
“[...] cada pensamento meu, junto com seu conteúdo, é um ato ou ação que realizo
meu próprio ato ou ação individualmente responsável” (BAKHTIN, 2010, p. 21).
Tendo em vista que o trabalho docente acontece mediante à uma prática educa-
tiva orientada e movida por pessoas, em que ao agir interativo se emolda pela dialógica
e pela atitude responsiva. O fazer docente tramita entre saberes temporais, plurais e
heterogêneos, personalizados e situados, que segundo Tardif (2000) e Tardif e Lessard
(2014), carrega em si as marcas do seu objeto que é o próprio ser humano. Diante
disso, tem-se ação com e para o outro, o agir interativo que, de acordo com Tardif e
Lessard (2014), não privilegia o controle ou manipulação de objetos, nem de pessoas,
mas promove o confronto, adaptando a diferentes modos ou modulações conforme o
objetivo proposto. As práticas educativas desenvolvidas compreendem o trabalho do-
cente e sua atuação sobre os objetos, abrangem interações entre os sujeitos, estruturadas
por relação, descritas por Tardif e Lessard (2014), ora como “lado a lado”, em a ênfase
ocorre em colaboração entre os pares e na coordenação de ações para realização em
conjunto; ora como “face a face” em que a evidência está na interação com o outro que
mais se destaca na ação. Em suma, a proposição se distingue pela ideia de interação
com base social do agir educativo.
Ao considerar que o trabalho docente se constitui num movimento dinâmico,
intenso e contínuo de ações e de atuações, reporta-se à concepção de Freire (1987, p.
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78) de que a práxis envolve ‘dialogicidade’, porque a formação humana não se restringe
aos atos silenciados ou isolados, mas antes de uma dinamicidade das ações como pro-
cesso de interação entre os sujeitos envolvidos, haja vista que é “[...] na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão”, na interlocução que se viabiliza o ato formativo.
Considerações finais
A práxis se mostra um conceito central nos estudos de Vázquez (2007), o que
corrobora para o pensar e o repensar sobre a prática pedagógica no contexto social
contemporâneo, como processo objetivo, real, libertador, transformador da realidade
sócio-histórico-cultural.
Assim, a compreensão do seu significado, sua implicação nas concepções de prá-
tica pedagógica, observando a íntima relação existente entre a teoria, prática e práxis,
possibilita uma tomada de consciência do ato realizado para não cair na mera teoriza-
ção, no pragmatismo ou, simplesmente, no praticismo, permitindo que se promova
uma reflexão-ação e vice-versa sobre a própria prática pedagógica.
Considerando, portanto, os conceitos trazidos por Vázquez (2007) sobre a práxis,
pode-se dizê-la uma ação transformadora sobre a realidade, apoiada na reflexão-ação e
sustentada pela teoria, sem a qual não há fundamentação. Diante disso, o trabalho pe-
dagógico deve ser traçado com fins claros, objetivos, numa dimensão dialógica
conforme é concebido por Freire (1981; 1987).
O processo educacional, na perspectiva de Freire (1987), mostra-se como uma
educação para a superação das desigualdades, construída na dialogicidade e na ação
problematizadora, por meio da qual o educador e educando se encontram dialetica-
mente na prática de liberdade. Longe de ser uma liberdade oca, esvaziada de sentidos,
espaço desocupado em que se depositam ‘coisas’, deve, antes, ser autêntica e humani-
zante. Para Freire (2017, p. 93) a libertação autêntica “[...] é práxis, que implica a ação
e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”. Nessa perspectiva educa-
cional, Freire (1987, p. 167-168) aponta como práxis o agir consciente, uma vez que
os homens são seres do “quefazer” e que, sendo, seu fazer ação e reflexão se constitui
em teoria e prática, ou seja, em práxis, por compreender um ato de transformação dos
sujeitos e do mundo.
Em suma, depreende-se que prática e práxis possuem concepções distintas, po-
rém se imbricam no trabalho pedagógico mediado pela teoria, que fornece subsídios
para pensá-la com coerência e fazer a educação autêntica, dialógica, transformadora e
libertadora. Na concepção de Freire (1987) “[...] a palavra verdadeira, que é trabalho,
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que é práxis, é transformar o mundo”, porque o ato dialógico não é privilégio, mas é
visto como direito. A prática educativa torna-se um ato de palavra, de expressividade,
de interação, de reflexão, pois, enquanto atividade transformadora do mundo, consti-
tui-se em práxis.
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