
Livros de ocorrências: características e contribuições para o desenvolvimento moral dos alunos
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v. 29, n. 1, Passo Fundo, p. 331-352, jan./abr. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
(BRAGA, 2014). Entre suas funções, destacam-se: a) o registro de ocorrências discipli-
nares consideradas “disfuncionais e/ou desagregadoras do funcionamento regular das
salas de aula ou do próprio estabelecimento escolar” (AQUINO, 2011, p. 463); b) o
relato de ‘desvios de condutas’ com o objetivo de controlar, punir os alunos reinciden-
tes e encaminhá-los para as instâncias superiores (GAMA, 2009) e c) a vigia da conduta
dos alunos e, ao mesmo tempo, a imposição das normas de comportamento (GAMA,
2009). Enquadram-se, portanto, como um instrumento autoritário (RATTO, 2007)
em que se registram, na maioria das vezes, conflitos “de indisciplina e de violência es-
colar” (BRAGA, 2014, p. 49).
Não há uma formatação oficial para a construção dos LO e cada escola tem suas
regras específicas (BRAGA, 2014). Em geral, as ocorrências estão organizadas em três
partes principais: 1) identificação dos alunos envolvidos pelo nome, a série e os profes-
sores responsáveis pela turma na ocasião; 2) narrativa do conflito ocorrido, a infração
cometida com os indícios ou as provas, tais como: testemunhos, confissões, acareações,
dentre outros e 3) as consequências e os encaminhamentos dados pela escola (RATTO,
2002). Normalmente, ainda constam nas ocorrências a data, que pode estar no início
ou no final da narrativa; a assinatura do relator do registro (equipe pedagógica/direção);
a assinatura dos pais e/ou responsáveis pelos alunos envolvidos e, em alguns casos, a
assinatura do próprio aluno infrator. Apesar de os LO serem documentos da escola,
geralmente, os pais são convocados para tomar ciência dos fatos (RATTO, 2002).
Alguns autores, em sua maioria com o enfoque teórico foucaultiano (RATTO,
2002; 2006; 2007; GAMA, 2009; AQUINO, 2011; RATUSNIAK, 2012; BRAGA,
2014; FONSECA, SALES, SILVA, 2014), vêm tecendo investigações sobre os LO em
diferentes graus e instituições de ensino e com distintas abordagens metodológicas.
Ratto (2002) propõe uma reflexão sobre as dimensões criminosas e pecaminosas pre-
sentes no LO de uma escola pública da cidade de Curitiba/PR. Ao analisar 517
ocorrências dos anos de 1998 e 1999, a autora concluiu que os livros funcionam como
prova, considerada sob dois pontos de vista: o interno e o externo. No âmbito interno,
as provas ou indícios são marcas de agressão física, testemunhos, confissões, acareações,
dentre outros; no âmbito externo, a prova é o esforço da escola para encaminhar as
devidas soluções, seja na forma de uma ameaça do que será feito em caso de reincidência
ou na forma da providência presente, isto é, da medida que a escola efetivamente en-
caminha diante da situação registrada.
Ratto (2006) focaliza as relações estabelecidas entre as autoridades escolares e os
pais no campo disciplinar. Ela ressalta que, ao acionar os pais ou os responsáveis, a
escola não apenas cobra que eles garantam o tipo de controle exigido, mas também os