
Ingrid de Faria Gomes, Luiz Fernando Conde Sangenis, Pâmela Suélli da Motta Esteves
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v. 29, n. 3, Passo Fundo, p. 817-832, set./dez. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Contaram. Alguma coleguinha contou pra professora, a coordenadora, não recordo,
que fulano estava com algo cortante na mochila. Aí, elas não podem mexer, né. E
aí, ela foi chamada na secretaria. A menina mesmo mostrou que estava. E aí, a
ronda escolar junto com a direção, mais a família vieram aqui no conselho. [...]
Graças a Deus que a outrazinha que se sentia ameaçada, que levou o canivete, não
conseguiu chegar até o final com o tal do canivete. [...] A gente ouve. A gente quer
saber o que tá desencadeando isso na cabeça de uma criança, de uma adolescente
dessa. Chegar ao ponto, né. Antigamente, briga era o quê? Puxar o cabelo, gritar.
Hoje, não. Hoje já partem pra arma mesmo, né, porque isso é uma arma, arma
branca. E aí, nós chamamos a família, notificamos a família, as duas famílias, né,
são ouvidas. Passamos, aí vai pra pedagoga, vai pro psicólogo, se precisa de
acompanhamento. Tudo aqui dentro. Se a psicóloga avaliar que precisa estender
esse acompanhamento, ela vai dar o encaminhamento e a família vai dar, mas a
gente tá por trás, e a escola junto com a gente, sempre. Não é chegar aqui e toma.
(conselheira tutelar Helene).
O termo bullying, tão presente na voz dos/as profissionais da educação e dos/as
estudantes, também é evocado pelos/as conselheiros/as como um dos exemplos de en-
caminhamentos acionados pela escola e pelas famílias dos/as estudantes. A lógica
naturalizada do termo é reproduzida pelos discursos generalizados da mídia que o faz
funcionar como parâmetro de verdade. A banalização do termo se materializa com as
expressões “agora tá em alta” e “virou moda”. Refere-se às situações de violências, hu-
milhação, enfrentamentos e comportamentos rotulados como agressivos que ocorrem
no espaço escolar entre as/os estudantes. Que modos de subjetivação são produzidos
por esses discursos naturalizados? Quais as implicações e os efeitos disso?
Há um efeito de verdade construído por esses discursos traduzido na naturaliza-
ção do bullying no espaço escolar. A ênfase no termo traz à cena o sujeito marcado
como vítima ou agressor: os chamados violentos, agressivos, de um lado, e do outro,
como vítimas ou coitados. Assim, para o agressor, o procedimento é o da punição e
para vítima, o da proteção. Deste modo, a escola é estigmatizada como espaço de vio-
lência, de perigo e de risco que necessita de intervenção dos conselhos tutelares, da
Ronda Escolar
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e da justiça para lidar com essas situações. Nas palavras de Marafon
(2013, p. 113):
Junto à afirmação de bullying, afirmam-se lugares estanques, essencializados e
opostos, tais como as noções de criança vítima e agressor, as quais, por sua vez,
retroalimentam a lógica binária que as sustenta, pois são constantemente evocadas
para legitimar e comprovar a existência de bullying (já sob um enquadre estanque
e restrito).
O episódio narrado acima trata de uma situação de risco iminente à integridade
física de uma adolescente que poderia ser atingida por um canivete por outra colega de