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* Doutora e mestre em Educação. Mestre em Gestão de Instituições de Educação Superior. Licenciada em Pedagogia e
bacharela em Direito. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado) da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná. Editora da Revista Diálogo Educacional – PUCPR. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-
3759-0377. E-mail: alboni@alboni.com
** Doutoranda em Educação – PPGE da PUCPR, mestre em Educação e licenciada em Letras. Assessora jurídica do Conse-
lho Estadual de Educação do Paraná. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-0822-3172. E-mail: efagundesilva@gmail.com
Recebido em: 17/06/2020 – Aprovado em: 12/08/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i2.11198
Adoecimento docente nas escolas públicas do estado do Paraná
Teaching illness in public schools of the state of Parana
Educación docente en las escuelas públicas del estado de Paraná
Alboni Marisa Dudeque Pianovski Vieira*
Elza Fagundes da Silva**
Resumo
Este estudo investiga os fatores que contribuem para o adoecimento docente nas escolas de ensino básico na
rede pública estadual do Paraná. Trata-se de pesquisa bibliográca, documental e de campo, com apoio dos
estudos de Esteves (1999), Codo (2006), Souza e Leite (2011). Também, pretende-se apresentar reexões sobre
o elevado número de atribuições e responsabilidades imposto a esse prossional e as consequências que resul-
tam no denominado mal-estar docente. Os resultados alcançados demonstram que a maioria dos afastamentos
de função e licença médica decorre, em primeiro lugar, por enfermidades de cunho emocional e, em segundo,
por problemas de desgaste físico. Os resultados, embora não permitam conclusões absolutas, chamam a aten-
ção para a necessidade de se pensar de forma imediata, principalmente pela mantenedora da rede estadual,
urgentes ações por meio de políticas públicas permanentes e efetivas voltadas a, se não solucionar, ao menos
minimizar os problemas de saúde no campo da docência.
Palavras-chave: professor; ensino; adoecimento docente; políticas públicas; rede estadual de ensino.
Abstract
This study investigates the factors that contribute to the teaching illness in elementary schools in the state pub-
lic system of Paraná. This is a bibliographic, documentary and eld research, supported by the studies of Esteves
(1999), Codo (2006), Souza and Leite (2011). It is also intended to present reections on the high number of du-
ties and responsibilities imposed on this professional and the consequences that result in the so-called teacher
malaise. The results achieved show that most of the leaves of duty and sick leave are due to illnesses, in the rst
place, emotional, and secondly, due to problems of physical exhaustion. The results, while not allowing absolute
conclusions, draw attention to the need to think immediately, especially by the maintainer of the State Network,
urgent actions through permanent and eective public policies aimed, if not solving, at least minimize the prob-
lems of health in the eld of teaching.
Keywords: teacher; teaching; teaching illness; public policy; state education network.
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Resumen
Este estudio investiga los factores que contribuyen a la enfermedad de los maestros en las escuelas primarias de
la red pública estatal de Paraná. Se trata de investigación bibliográca, documental y de campo, respaldada por
estudios de Esteves (1999), Codo (2006), Souza y Leite (2011). También se pretende presentar reexiones sobre
la gran cantidad de deberes y responsabilidades impuestas a este profesional y las consecuencias que resultan
en el llamado malestar docente. Los resultados obtenidos muestran que la mayoría de las bajas por enfermedad
y por enfermedad se deben a enfermedades, en primer lugar de naturaleza emocional y, en segundo lugar, a
problemas de agotamiento físico. Los resultados, aunque no permiten conclusiones absolutas, llaman la aten-
ción sobre la necesidad de pensar de inmediato, principalmente por parte del responsable de la Red del Estado,
acciones urgentes a través de políticas públicas permanentes y efectivas dirigidas a, si no resolver, al menos
minimizar los problemas. en el campo de la enseñanza.
Palabras clave: profesor; enseñando; enseñanza de la enfermedad; políticas públicas; red de educación del es-
tado.
Introdução
No Brasil, a educação apresenta-se, atualmente, como um dos grandes desa-
fios a serem enfrentados pelos gestores públicos, pais, professores, pesquisadores
e todos aqueles que a entendem como um dos pilares de transformação social. As
demandas que afetam esse campo são complexas e diversas, e, ao longo dos anos,
os setores educacionais vêm passando por um processo dinâmico de mudanças para
enfrentar os desafios impostos.
A democratização do acesso à educação por meio da universalização do direito
do cidadão à escola básica, propiciando a inclusão daqueles que antes eram excluí-
dos, representou um grande avanço sem dúvida, porém é fato que “a ‘desigualdade’
adentrou a escola, e com ela amplificou a diversidade de culturas, saberes, valores
e lógicas diferentes daqueles para os quais a instituição foi concebida para receber”
(PACIEVITCH, 2012, p. 13). Assim, de acordo com o Plano Nacional de Educação
(PNE), estabelecido na Lei Federal n. 13.005/2014, para avançar rumo à qualidade,
é preciso garantir o acesso e a permanência do educando na escola, reduzir as desi-
gualdades sociais, contribuir na formação do estudante para o trabalho e no exercí-
cio da cidadania. Entre essas metas, está a de incorporar na educação do estudante
princípios como o respeito aos direitos humanos, à sustentabilidade socioambiental
e à valorização da diversidade de inclusão (BRASIL, 2014).
Nesse contexto, o profissional que atua para que sejam efetivados os pressu-
postos de uma educação diferente, com qualidade e que atenda aos anseios da co-
munidade educacional, enfrenta cada vez mais os desafios para atuar na área, em
instituições tanto públicas quanto privadas, haja vista que o docente sofre pressões
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e cobranças, sendo atribuída a esse profissional a responsabilidade por resultados.
Logo, se o profissional da educação é considerado como elemento básico para elevar
o nível da educação no Brasil, preocupar-se com suas condições físicas e mental é
imprescindível.
Os profissionais sentem-se desvalorizados e desencantados pela profissão,
pois, em quase todos os discursos políticos, está sempre presente o ponto valori-
zação docente, entretanto, pouco se efetivam as propostas suscitadas, o que vem
causando desgaste para os docentes. Nesse caso, compreender as causas que de-
sencadeiam o sofrimento, seja físico ou psíquico, é relevante para que se possa
pensar em ações para, senão dirimir, ao menos minimizar tais problemas.
Via de regra, o docente trabalha em mais de um turno e/ou em estabelecimen-
tos distintos, em razão de a remuneração para a classe ser baixa e ser preciso com-
plementar a renda. Além disso, sente-se enfraquecido, desrespeitado, desmotivado,
trabalhando num ambiente sem estrutura, com turmas cheias, alunos desinteres-
sados e indisciplinados, com inúmeras negações de direitos e violações. O sofri-
mento característico da profissão, principalmente dos docentes de escolas públicas,
ocorre tanto pela evidente perda da substância de seu trabalho quanto pela perda
de seu próprio valor como trabalhador, uma vez que o professor se obriga a aceitar
condições laborais muito aquém das que merece, com atribuições que não fazem
parte de seu trabalho, não raro acumulando a função de pai, mãe, orientador, psi-
cólogo dos estudantes.
A falta de apoio psicológico para esses profissionais compromete o desenvolvi-
mento laboral, considerando que em muitas situações recai sobre eles a tarefa de
resolver os problemas de aprendizagem e emocionais dos alunos. Esses pontos vêm
criando uma crise de identidade nos docentes, que vão perdendo a referência sobre
o que fazer, como trabalhar, como comportar-se em sala. O ofício de ensinar vai se
perdendo juntamente com o papel do professor.
De acordo com Esteves (1999), o professor sofre do denominado mal-estar do-
cente, um tipo de doença social causada pela falta de apoio da sociedade, pelas con-
dições pedagógicas, sociais e psicológicas, que acarreta desmotivação e desencan-
tamento pela profissão, devido à sobrecarga de trabalho, realizado em condições
de estresse; outro fator que pode ser considerado para a deflagração de processos
de adoecimento é a diminuição ou a falta de tempo livre, fora do trabalho, para
realizar outras atividades pessoais e de lazer. Situações como essas expõem os pro-
fissionais a uma condição de crescente vulnerabilidade e adoecimento (SANTOS;
WANZINACK, 2017).
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Segundo Souza e Leite (2011, p. 1.106), o trabalho docente é compreendido
como uma atividade repetitiva, fragmentada e executada com a imposição de rit-
mos intensos. Essa questão, resultante de suas condições de trabalho, vem desper-
tando interesse como objeto de estudos no meio acadêmico e mostra que os afasta-
mentos dos docentes de suas atividades podem estar relacionados diretamente com
as condições de trabalho a que estão expostos.
A pesquisa bibliográfica realizada para este artigo consistiu no levantamen-
to da literatura recente sobre o adoecimento docente no Brasil. Foram utilizados,
na pesquisa, o Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD) da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a base indexadora SciELO
(portal de revistas brasileiras que organiza e publica textos completos de revistas
científicas na internet) e o Google Acadêmico.
O número de estudos realizados nessa área, no Brasil, aumentou a partir da
década de 1990, sugerindo um crescimento da precarização das condições de tra-
balho dos docentes, que inclui a desvalorização do trabalho e da remuneração, a
falta de recursos tanto materiais quanto humanos, a infraestrutura, o crescimento
da violência no ambiente escolar, os múltiplos empregos que sobrecarregam a força
de trabalho desses profissionais, entre outros fatores (GOUVÊA, 2016; SINDICA-
TO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO,
2012; CALDAS, 2012; ANDRADE, 2012).
Com o crescente número de docentes que se afastam do trabalho devido a pro-
blemas de saúde decorrentes da profissão, surgiu o interesse de pesquisar sobre as
causas subjacentes, com a finalidade de obter informações que possam propiciar o
entendimento dessas causas, bem como a proposição de medidas a fim de prevenir ou
ao menos minimizar os fatores que favorecem o adoecimento decorrente da profissão.
Pretende-se, ainda, promover reflexão sobre a necessidade de políticas públicas per-
manentes e efetivas voltadas à solução dos problemas de saúde no campo da docência.
Dessa forma, constitui o objetivo geral do estudo investigar os fatores que
contribuíram para o adoecimento docente nas escolas de educação básica na rede
pública estadual do Paraná. Como objetivos específicos, estabeleceram-se: identi-
ficar os principais transtornos de saúde que fundamentam a concessão de licenças
médicas aos professores do Quadro Próprio do Magistério do Paraná; investigar se
houve afastamento do trabalho ou de função no período avaliado e quais as causas;
avaliar a existência de fatores sociais no ambiente de trabalho que possam levar ao
adoecimento; propor, por meio de políticas públicas do Estado, programas e ações
que visem a prevenção do adoecimento docente.
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Metodologia
A metodologia incluiu a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a pes-
quisa de campo, com base nos trabalhos de Esteves (1999), Codo (2006), Souza e
Leite (2011). Para a pesquisa de campo, foi utilizada a entrevista semiestruturada
com 20 (vinte) professores da educação básica que atuam em diversas escolas do
município de Curitiba, com a finalidade de conhecer a sua percepção acerca das
causas do adoecimento docente. A pesquisa documental foi realizada com base
no Relatório de Perícia Médica Dinâmico, que apresenta os dados recentes sobre
a concessão de licença-saúde e afastamento da função de servidores do Quadro
Próprio do Magistério da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte, no
período 2017/2018, junto com a Divisão de Medicina e Saúde Ocupacional (DIMS),
órgão pertencente à Secretaria da Administração e Previdência (Seap) do estado do
Paraná e que tem como uma de suas atribuições a avaliação da capacidade labora-
tiva dos servidores pelos critérios da décima versão da Classificação Internacional
de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) (PARANÁ, 2018a).
A CID-10 é uma publicação da Organização Mundial de Saúde (OMS) adotada
em todo o mundo e visa padronizar a codificação de doenças e outros problemas rela-
cionados à saúde. Essa classificação utiliza um código formado por uma letra e três
números, que permite a identificação de todas as doenças conhecidas, bem como de
sintomas, queixas de pacientes, aspectos fisiológicos anormais, dentre outros.
Os relatórios da DIMS/Seap apresentam diversos motivos para a concessão
de licenças, tais como: tratamento de saúde em pessoa da família, trâmite de apo-
sentadoria por invalidez, doença em pessoa da família com perda de 50% dos ven-
cimentos, doença em pessoa da família sem remuneração, tratamento de saúde
por acidente de trabalho e licença para tratamento de saúde. Neste estudo, foram
analisadas apenas as licenças concedidas para tratamento de saúde do próprio
servidor.
Nesse contexto, para facilitar a análise, foi realizado um levantamento, nos
relatórios da DIMS/Seap, das causas mais prevalentes de concessão de licença-
-saúde ou afastamento de função. São elas: neoplasias, transtornos mentais e com-
portamentais, doenças do aparelho circulatório, doenças do aparelho respiratório,
doenças do aparelho digestivo, doenças do sistema muscular e do tecido conjuntivo,
doenças do aparelho geniturinário, lesões, envenenamentos e algumas outras con-
sequências de causas externas. As causas com menor prevalência foram agrupa-
das sob o título “outros” e incluem: doenças bacterianas e virais; gravidez, parto e
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puerpério; doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas; doenças sanguíneas e
transtornos imunitários; doenças do sistema nervoso; doenças de olhos e ouvidos;
achados não classificados em outra parte.
Resultados
A Secretaria de Estado da Educação (Seed), de acordo com os dados divulga-
dos em dezembro de 2018, atende atualmente a 2.143 escolas, nos 399 municípios
do Paraná, contando com um efetivo de 60.638 professores do Quadro Próprio do
Magistério, sendo 128 com carga horária de 10 horas; 57.307, com 20 horas; 2 com
30 horas; e 3.201 com 40 horas (PARANÁ, 2018b).
Neste momento, é relevante pontuar que os professores da Rede Estadual de
Ensino do Paraná podem atuar como concursados com um padrão de 20 horas, dois
padrões de 20 horas ou ainda ter aulas extraordinárias, que são aquelas excedentes
depois de todos os concursados escolherem suas aulas padrão. Posteriormente, as
horas restantes são distribuídas aos professores contratados pelo Processo Seletivo
Simplificado (PSS), válido, via de regra, para um ano.
Outro ponto a ser destacado refere-se à carga horária do professor em sala de
aula. Para um cargo de 20 horas semanais, o professor tem direito, por lei, a sete
horas para planejamento e preparação de suas atividades. Entretanto, no Paraná,
a Seed estabeleceu o percentual de 15 horas em sala com os educandos e cinco para
planejamento de atividades fora de sala.
A maioria dos docentes atua com 40 horas/semanais, e principalmente aqueles
que atuam com aulas extras sentem receio de ir ao médico, quando necessitam,
porque, dependendo do número de atestados que têm ao longo do período letivo,
poderão ser prejudicados na próxima classificação para obter aulas extraordinárias.
Para este estudo, foram entrevistados 20 professores da rede pública estadual
de ensino, sendo 16 mulheres e 4 homens, todos atuando em escolas do município
de Curitiba. O tempo de magistério variou entre 10 e 40 anos, com média de 19,9
anos. Com relação à formação acadêmica, 12 professores possuem licenciatura em
diversas áreas (60%), 6 realizaram cursos de especialização (30%) e apenas 2 pos-
suem mestrado (10%). Os professores trabalham em escolas com clientela diversi-
ficada, heterogênea, com alunos pertencentes a diferentes níveis socioeconômicos.
Como a violência é apontada na literatura como um dos fatores que contribuem
para o adoecimento docente, os professores foram questionados acerca da violência
em seu ambiente de trabalho. A maioria deles não considera a escola violenta, rela-
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ta uma convivência tranquila entre alunos, professores, servidores e direção e sen-
te segurança para desenvolver o seu trabalho. Se algum conflito aparece em sala
de aula, o professor busca resolvê-lo e só em casos excepcionais busca auxílio dos
pedagogos ou da direção. No entanto, 30% dos professores consideram ser comum
a violência verbal e psicológica entre colegas, professores e funcionários, originária
de divergências ideológicas e pelo poder. A seguir, destacam-se alguns depoimentos
dos docentes participantes desta pesquisa nesse sentido:
Existe um tipo de violência sutil, porém constante na escola: uma desvalorização constante
do outro.
A relação com os alunos é bem mais tranquila em comparação aos profissionais da escola.
Imposição de posição ideológica, partidária, contribui para os conflitos.
A relação entre a equipe, de uma forma geral, é muito tensa, com várias atitudes de desres-
peito.
Questionados se já haviam sofrido violência por parte de algum estudante,
20% dos professores relatam já ter vivenciado episódios de intimidação e violência
moral, mas a maioria não relata a ocorrência de violência entre professores e estu-
dantes. Metade dos professores entrevistados relatou já ter se ausentado de suas
atividades por estresse ocasionado pelo trabalho. Dois deles, embora não tenham
se ausentado de suas atividades, deram os seguintes depoimentos: “ausentar não,
mas já tive vontade de pedir para o médico dar atestado de afastamento”; “algumas
vezes já senti vontade de solicitar ao médico afastamento para cuidar de minha
saúde mental devido ao estresse”. Indagados se já haviam pensado em abandonar
a sua profissão, 60% dos entrevistados responderam afirmativamente e atribuíram
como causas as limitações impostas pela dinâmica educacional e pelas condições
estruturais e salariais.
O levantamento de dados contidos nos relatórios da DIMS/Seap revelou que,
nos anos de 2017 e 2018, 45,38% dos professores do estado obtiveram licenças mé-
dicas por causas diversas. Foram registradas, no período, 55.042 licenças médicas
para tratamento de saúde dos docentes, com 12.231 casos de afastamento de fun-
ção (PARANÁ, 2017, 2018a).
Há casos de afastamento temporário de atividades relacionadas com a fun-
ção docente em que, quando recomendado pelo médico assistente, o servidor per-
manece no trabalho, mas executando outras atividades. Assim, esses professores
afastados de sua função docente passam a laborar em divisões administrativas
do estabelecimento de ensino e, em casos mais graves, passam a trabalhar em
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unidades administrativas da Seed, como os Núcleos Regionais de Educação (NRE).
Quando necessário, são afastados para tratamento médico, com acompanhamento
da DIMS/Seap, podendo ser readaptados ou aposentados por invalidez (PARANÁ,
2018a). Para isso, o servidor deverá comparecer à Coordenadoria de Segurança e
Saúde Ocupacional (CSO) ou à Junta de Inspeção e Perícia Médica (JIPM) e sub-
meter-se à avaliação.
Em 2017, houve 27.521 ocorrências de afastamento de professores por licen-
ça médica, sendo que 9.189 ocorrências possuíam relação direta com transtornos
mentais ou comportamentais, correspondendo a 33,39% do total das licenças. Em
2018, o número de ocorrências total permaneceu o mesmo, sendo que 9.580 foram
referentes a transtornos mentais e comportamentais, correspondendo a 34,81% do
total de licenças médicas, revelando um aumento de 1,42 p.p. no número de ocor-
rências desses transtornos em relação ao ano anterior.
A segunda causa de afastamentos por licença médica no período em análise
foi: doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, correspondendo a
17,22% e 17,39% do total de ocorrências, respectivamente.
O Quadro 1 e o Gráfico 1 apresentam os dados relativos à concessão de licen-
ça-saúde aos docentes do Quadro Próprio do Magistério no período de 2017 a 2018.
Quadro 1 – Concessão de licença-saúde aos docentes do Quadro Próprio do Magistério no período de 2017
a 2018, pelos critérios da CID-10
CID-10 2017 2018
Neoplasias [tumores] 6,10% 5,42%
Transtornos mentais e comportamentais 33,39% 34,81%
Doenças do aparelho circulatório 4,74% 4,58%
Doenças do aparelho respiratório 4,08% 4,16%
Doenças do aparelho digestivo 5,02% 4,68%
Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo 17,22% 17,39%
Doenças do aparelho geniturinário 6,97% 4,15%
Lesões, envenenamento e causas externas 3,83% 6,72%
Outras causas 18,65% 18,09%
Fonte: Paraná (2018a).
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Gráfico 1 – Concessão de licença-saúde aos docentes do Quadro Próprio do Magistério no período de 2017
a 2018, pelos critérios da CID-10
0,061
0,3339
0,0474
0,0408
0,0502
0,1722
0,0697
0,0383
0,1865
0,0542
0,3481
0,0458
0,0416
0,0468
0,1739
0,0415
0,0672
0,1809
Neoplasias [tumores]
Transtornos mentais e comportamentais
Doenças do aparelho circulatório
Doenças do aparelho respiratório
Doenças do aparelho diges�vo
Doenças do sistema osteomuscular e do tecido
conjun�vo
Doenças do aparelho geniturinário
Lesões, envenenamento e causas externas
Outras causas
2017
2018
Fonte: Paraná (2018a).
Com base na OMS, vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), en-
tendem-se como transtornos mentais e comportamentais as condições carac-
terizadas por alterações mórbidas do modo de pensar e/ou do humor (emoções) e/ou
por alterações mórbidas do comportamento associadas a angústia expressiva e/ou
deterioração do funcionamento psíquico global (PSIQWEB, 2019).
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Entre os problemas relatados pelos docentes, aparecem com maior frequência:
ansiedade, estresse, insônia, tristeza, falta de expectativa para o futuro, altera-
ções de humor, falta de paciência e choro fácil, falta de autonomia para decisões.
Os docentes entrevistados afirmam que, nos intervalos, o ambiente está sempre
“pesado”, pois a maioria sente-se exaurida e as reclamações são constantes em
relação a indisciplina dos estudantes, chamadas de atenção e cobranças por parte
dos gestores e discussões entre professores.
Em segundo lugar, os afastamentos decorrem de problemas relacionados ao
sistema esquelético, por má postura, repetição de movimentos, excesso de peso com
material didático, muito tempo na mesma posição na preparação de atividades e
avaliações dos estudantes. A respeito, os entrevistados relataram que, em muitas
instituições, não há armários para guardar o material utilizado em sala e que são
obrigados a carregar desde o apagador até outros materiais de apoio. Ao final de
cada período, afirmam sentir-se esgotados fisicamente.
Assim como outras classes, resultantes da reconfiguração no campo do tra-
balho, os professores também sofrem pressões. Todavia, eles não recebem a con-
trapartida, visto que não foi realizada a contento melhoria na carreira na mesma
medida em que são cobrados. Como consequências, surgem as enfermidades.
A análise dos dados de 2017 mostra que 48,47% das licenças-saúde por tran-
stornos mentais e comportamentais e 28,95% dos transtornos osteomusculares
resultaram em afastamento da função docente. Essas duas causas foram respon-
sáveis por 77,42% de todos os afastamentos de função no período. Por sua vez, a
análise dos dados de 2018 mostra que 48,20% das licenças-saúde por transtornos
mentais e comportamentais e 26,36% dos transtornos osteomusculares resultaram
em afastamento da função docente. Essas duas causas, responsáveis por 74,56% de
todos os afastamentos de função no período, mostram que os índices foram semel-
hantes nos dois anos analisados.
O Quadro 2 e o Gráfico 2 apresentam os dados relativos ao afastamento de
função dos docentes do Quadro Próprio do Magistério no período de 2017 a 2018.
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Quadro 2 Afastamento de função dos docentes do Quadro Próprio do Magistério no período de 2017 a
2018
CID-10 2017 2018
Neoplasias [tumores] 2,71% 2,43%
Transtornos mentais e comportamentais 48,47% 48,20%
Doenças do aparelho circulatório 1,77% 2,03%
Doenças do aparelho respiratório 3,24% 3,06%
Doenças do aparelho digestivo 0,30% 0,33%
Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo 28,95% 26,36%
Doenças do aparelho geniturinário 0,02% 0,43%
Lesões, envenenamento e causas externas 3,48% 3,09%
Outras causas 11,06% 14,07%
Fonte: Paraná (2018a).
Gráfico 2 Afastamento de função dos docentes do Quadro Próprio do Magistério no período de 2017 a
2018
0,0271
0,4847
0,0177
0,0324
0,003
0,2895
0,0002
0,0348
0,1106
0,0243
0,482
0,0203
0,0306
0,0033
0,2636
0,0043
0,0309
0,1407
0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00%
Neoplasias [tumores]
Transtornos mentais e comportamentais
Doenças do aparelho circulatório
Doenças do aparelho respiratório
Doenças do aparelho diges�vo
Doenças do sistema osteomuscular e do
tecido conjun�vo
Doenças do aparelho geniturinário
Lesões, envenenamento e causas
externas
Outras causas
2018
2017
Fonte: Paraná (2018a).
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Discussão
A questão do adoecimento dos professores, como resultante das suas condi-
ções de trabalho, vem sendo objeto de estudos tanto no meio acadêmico quanto
em instituições de pesquisa em âmbito nacional. De acordo com Landini (2008),
a literatura a respeito do adoecimento docente, nos últimos 15 anos, aponta fa-
tores como: excesso e precarização do trabalho, perda da autonomia, sobrecarga
de trabalho burocrático, estresse e cansaço mental, revelando também sentimento
de impotência, impaciência, baixa autoestima, hostilidade, entre outros. Para a
referida autora, nesse cenário no qual o professor é visto apenas como um presta-
dor de serviço, o adoecimento docente encontra terreno fértil. As enfermidades dos
docentes podem ser analisadas como respostas, provisórias ou não, do organismo
à pressão do ambiente, podendo seus sintomas representar mecanismos de defesa
pelos trabalhadores, frente às pressões desfavoráveis do ambiente laboral.
Uma pesquisa feita em Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Distrito Federal, entre 2011 e 2012, mostra a Secretaria de Educação como o ór-
gão com maior percentual de servidores públicos afastados por doenças no Distrito
Federal e em Santa Catarina. O Distrito Federal lidera o índice, 58% dos profissio-
nais foram afastados por motivo de doença pelo menos uma vez no ano. Em Santa
Catarina, foram 25%. No Rio Grande do Sul, a educação aparece como a área com
o terceiro maior índice de afastamento entre as secretarias do estado, 30% (CON-
SAD, 2013). No entendimento do Conselho Nacional de Secretários de Estado da
Administração (Consad), a educação é responsável pela maior parte dos servidores
públicos afastados por doenças. Neste estudo, foi revelado que 45,38% dos docentes
da Seed foram afastados por licença médica pelo menos uma vez em 2017, tendo se
repetido o mesmo índice em 2018 (PARANÁ, 2017, 2018a).
Gouvêa (2016) aponta que dois elementos são determinantes para a deflagra-
ção de processos de adoecimento dos docentes. Um deles é a falta de tempo livre
para atividades de lazer fora do trabalho e outro é o desempenho da docência em
situações de estresse, o que expõe os professores a situações extremas.
Freitas e Castro (2015), em estudo realizado com servidores da Rede Munici-
pal de Ensino de Uberaba, Minas Gerais, observaram que a docência é uma das
profissões mais vulneráveis a fatores de estresse, como: alto nível de exigência,
excesso de tarefas e responsabilidades, tempo limitado, sobrecarga de trabalho,
falta de qualidade de vida, baixo salário, desvalorização profissional e precarie-
dade do sistema de trabalho. Para as autoras, as mudanças no papel do professor
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na sociedade refletem-se em altos níveis de estresse, resultando em absenteísmo e
solicitação de licença médica para tratamento de saúde.
Nas entrevistas realizadas com os professores para este estudo, observou-se que
metade deles já precisou se ausentar de suas atividades em decorrência do estresse
ocasionado pelo trabalho. Entre os fatores desencadeantes dessa patologia, 30% dos
docentes mencionaram as relações tensas entre colegas, funcionários e direção e
que se traduz em violência verbal e psicológica; além disso, atribuem que o estresse
também é resultante das limitações impostas pela estrutura educacional e pelas
condições salariais. Freitas e Castro (2015) consideram que o excesso de atividades,
a cobrança por qualificação profissional e a exigência extrema sobre o professor como
responsável pela qualidade do ensino, dentro de uma lógica de competitividade e
produção, criam, dentro da escola, um ambiente de competição, inveja, intriga, vaid-
ade, ciúme, fragilizando os vínculos e favorecendo o estresse, o sentimento de frust-
ração e o desenvolvimento de sofrimentos de ordem física e psíquica.
Gouvêa (2016) considera que os altos níveis de estresse aos quais os professo-
res são submetidos resultam no aumento de casos de afastamento do trabalho para
tratamento de saúde. No entanto, em vez de buscar uma solução para o problema,
a administração pública aplica medidas que pioram ainda mais a situação, como
é o caso da premiação dada à assiduidade, o que incentiva os professores, mesmo
doentes, a irem ao trabalho para não sofrerem prejuízos financeiros.
Vale e Aguillera (2016) identificaram, em uma revisão de literatura, que o es-
tresse e a Síndrome de Burnout são os principais motivos de afastamento do traba-
lho da categoria docente. A síndrome de Burnout pode ser entendida como um tipo
de estresse de caráter persistente, vinculado a situações de trabalho, resultante da
constante e repetitiva pressão emocional associada com intenso envolvimento com
pessoas por longos períodos de tempo.
De acordo com Reis (2009), a frequência de atestados e adoecimento docen-
te encontra relação com o trabalho exercido e com fatores como: muito tempo na
escola, nível de exigência e cobrança elevado, produtivismo acadêmico, falta de
autonomia, falta de tempo para cuidar de si, desvalorização profissional, influência
política e conflitos entre professor e gestão.
Diversos estudos, baseados em documentos gerados por órgãos oficiais de perí-
cia médica, identificaram o predomínio, entre os professores, dos transtornos men-
tais e comportamentais como os principais motivos de afastamento do trabalho,
seguidos pelos transtornos da voz e pelas doenças osteomusculares, do aparelho
respiratório, do aparelho circulatório e neoplasias (SANTOS; WANZINACK, 2017;
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GOUVÊA, 2016; SINDICATO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO
ESTADO DE SÃO PAULO, 2012; CALDAS, 2012; ANDRADE, 2012).
Em estudo conduzido com professores do município de Matinhos, Paraná,
Santos e Wanzinack (2017) registraram o adoecimento de 62% desses profissionais
em função da profissão, ou seja, mais da metade dos docentes já tiveram que se
afastar de suas atividades laborais. Os transtornos psíquicos foram as maiores
queixas entre os docentes, com o estresse alcançando 71% e a depressão 32%, sendo
o primeiro o responsável por 16% dos afastamentos.
Neste estudo, encontramos os transtornos mentais e comportamentais e as
doenças osteomusculares como as causas principais não só da concessão de licen-
ça-saúde, mas também para o afastamento do docente de suas funções. Entre os
transtornos mentais e comportamentais, os mais frequentemente observados fo-
ram: estresse, depressão, ansiedade, nervosismo e síndrome do pânico.
Em sua pesquisa, Andrade (2012) observou um acentuado percentual de li-
cenças em prorrogação, subtendendo o afastamento contínuo do educador, além
da associação de diagnósticos para uma mesma licença, ou seja, para a referida
autora, o educador não apenas adoece, mas adoece por várias causas.
De acordo com Thiele e Ahlert (2016), o que muitas vezes leva o professor a
não tomar medidas preventivas e nem a ter mais cuidados com os sinais que o
corpo apresenta é que, em caso de afastamento das atividades por doença, se é por
um período curto, retornando ao trabalho, deve repor as aulas. Isso inibe muitos
professores de tratarem suas doenças de forma preventiva, uma vez que, em vez de
cuidarem da saúde, ficam preocupados com o trabalho dobrado que terão ao voltar
às suas atividades, fazendo com que, além da doença, sintam-se culpados por seu
estado “improdutivo” e que se sintam julgados pelos outros.
Radaelli (2017), em pesquisa realizada em 2011 e 2017, com a finalidade de
calcular o nível de adoecimento e estresse entre os professores da Rede Estadual
da Paraná, encontrou que mais de 35% dos professores entrevistados com menos
de dez anos de docência já estão no nível de estresse de “quase exaustão”, momento
em que há risco do surgimento de doenças graves, como depressão, dependência
química e, em casos extremos, o suicídio. Outro dado preocupante encontrado pela
pesquisadora foi o alto índice de psicopatologias declaradas pelos participantes
da pesquisa: 40%. Neste estudo, o índice de psicopatologias que resultaram em
concessão de licença-saúde aos docentes correspondeu a 48,20% e 48,47% do total
de licenças concedidas em 2017 e 2018, respectivamente, o que demonstra a gravi-
dade da situação.
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Adoecimento docente nas escolas públicas do estado do Paraná
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Considerações nais
O adoecimento docente constitui um tema de grande relevância e tem sido
objeto de inúmeros estudos e pesquisas realizados no país nos últimos 15 anos.
No entanto, as políticas de prevenção à saúde docente ainda são escassas. Em
nível nacional, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei que institui a
Política Nacional de Saúde Vocal, cujo objetivo é garantir, no Sistema Único de
Saúde (SUS), a oferta de ações de prevenção e de assistência ligadas à saúde dos
profissionais que trabalham com o uso da voz, como os professores. O texto prevê
a avaliação anual desses profissionais por médicos otorrinolaringologistas, psicólo-
gos, fonoaudiólogos e assistentes sociais. Também serão oferecidos programas pe-
riódicos de capacitação e treinamento para o uso adequado da voz, além de ações de
reabilitação dos profissionais acometidos por lesões vocais ou laríngeas. O referido
projeto tramita há três anos e, em 2018, foi aprovado pela Comissão de Seguridade
Social e Família, mas ainda tem que ser avaliado por outras comissões antes da
aprovação e implementação.
No Paraná, a Lei n. 14.939, de 14 de dezembro 2005, que institui o Programa
Estadual de Saúde Vocal preventiva para professores da Rede Pública Estadual de
Ensino, e a Lei n. 14.992, de 06 de janeiro de 2006, que institui o Programa de Saú-
de Mental, decretadas pela Assembleia Legislativa e sancionadas pelo governa-
dor do estado em 2015, não foram implementadas. Ainda, tramita na Assembleia
Legislativa o Projeto de Lei n. 88/2014, que estabelece as políticas de promoção e
prevenção da saúde, que até a finalização desta pesquisa não foi aprovado.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta a categoria docente
como sendo a segunda a apresentar mais doenças ocupacionais. Este estudo reve-
lou que os transtornos mentais e comportamentais e as doenças osteomusculares
são as causas de adoecimento mais prevalentes e seus níveis são alarmantes, já
que responderam por cerca de 65% de todas as licenças-saúde e afastamentos da
função docente.
Um fato que chama a atenção é o número elevado de professores que cometem
suicídio. De acordo com matéria veiculada pelo Sindicato dos Trabalhadores em
Educação Pública do Paraná (APP – Sindicato), em 14 de outubro de 2019, o sui-
cídio de professores no Paraná aumentou 15 vezes em 5 anos. Só em 2018, foram
15 professores que tiraram a própria vida. A estatística é associada à precarização
das condições de trabalho e ao aumento da carga de trabalho. De acordo com o sexo,
foram 21 homens e 19 mulheres, a maioria tinha entre 40 e 49 anos (19 casos),
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seguida pela faixa de 30 a 39 (9 casos), 50 a 59 (6 casos) e 20 a 29 (3 casos). Nas
idades de 60 a 69, 70 a 79 e 80 ou mais, houve um suicídio em cada faixa etária. As
estatísticas incluem professores da rede pública e da iniciativa privada de todos os
níveis de ensino. Os dados foram extraídos do Sistema de Informação de Mortali-
dade (SIM) e fornecidos ao Sindicato pela Secretaria da Saúde do Paraná (Sesa).
Assim, este estudo pretende contribuir para dar a conhecer os níveis de adoe-
cimento dos professores do estado e sensibilizar os gestores públicos para o desen-
volvimento de políticas de assistência e prevenção da saúde daqueles profissionais.
Para além dos resultados, a presente pesquisa pretende, sobretudo, instigar os
profissionais das diversas áreas da saúde e os gestores públicos a refletirem sobre
o que tem levado tantos docentes ao adoecimento e coletivamente pensarem em
formas de prevenir o surgimento das enfermidades com vistas à melhoria das con-
dições de trabalho, de vida e de saúde dos professores.
Nessa ótica, é relevante:
a) identificar e mapear as causas que levam ao adoecimento dos docentes;
b) subsidiar ações no âmbito escolar que possam diminuir o desgaste físico dos
professores;
c) promover debates entre gestores de estabelecimentos públicos e privados,
com vistas a articular ações para enfrentamento dos problemas causadores
do mal-estar docente;
d) fomentar a discussão de políticas públicas voltadas ao enfrentamento das
doenças que atingem o professor e a formas de atendimento a esse profissio-
nal.
O docente precisa sentir-se mais seguro e amparado pelo seu empregador, e
não ameaçado, pressionado e culpado por eventuais fracassos dos alunos. Há que
se pensar nos protagonistas do processo educacional e entender que os problemas
devem ser repensados e as possíveis soluções devem perpassar também pelo papel
do professor como um profissional a ser respeitado e valorizado, não somente nos
discursos políticos e nos planos postos pelos gestores, mas também em ações con-
cretas. Por fim, ressalta-se a necessidade de voltar o olhar para as condições de
trabalho do professor, para seu bem-estar e para sua saúde, e não somente para os
resultados de sua ação profissional.
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Adoecimento docente nas escolas públicas do estado do Paraná
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