
Celso do Prado Ferraz de Carvalho, Luciane da Silva Vicente
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 618-632, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
De modo geral, os professores não tendem a associar o fracasso do estudante ao
modo como o sistema escolar lida com os conhecimentos selecionados e transmitidos
através do currículo. Parecem não perceber “porque as coisas são como são, como fica-
ram assim, e que condições as sustentam” (GIROUX, 1997, p. 168).
Sob esta perspectiva, Giroux (1997, p. 127) afirma que “as condições sob as quais
os professores trabalham são mutuamente determinadas pelos interesses e discursos que
fornecem a legitimação ideológica para a promoção de práticas escolares hegemônicas”.
Nesse sentido, os diálogos aqui apresentados reproduzem o discurso político que o cur-
rículo detém certa sabedoria e reflete o conhecimento que todos devem ter para ter
êxito na vida pessoal e profissional.
Na leitura de Giroux (1997) os professores que organizam suas experiências em
sala de aula a partir desse discurso, em certa medida, são vítimas das próprias condições
de trabalho que os impedem de se apropriarem de um posicionamento crítico sobre a
sua prática. Essa visão sobre o currículo que valoriza os interesses de quem ele repre-
senta e tende a desconsiderar o capital cultural do estudante é compartilhada por dois
professores em diversas etapas da entrevista.
Ainda sobre a questão das dificuldades apresentadas pelos estudantes, uma pro-
fessora observa que na escola em que trabalha atualmente os objetivos da disciplina são
alcançados, visto que os estudantes não apresentam defasagens de aprendizagem, o que
não ocorria em outra unidade escolar onde atuou por mais de 15 anos.
A questão da vulnerabilidade social mencionada pela professora pode estar rela-
cionada a diversos fatores como, aspectos sociais, afetivos e de ordem econômica, visto
que o acesso à saúde, a uma boa alimentação e a condições de moradia digna são con-
junturas que podem interferir diretamente no processo de aprendizagem e
desenvolvimento de crianças e adolescentes em idade escolar.
Nogueira e Nogueira (2011) com base nos conceitos de Bourdieu, explicam que
o saber escolar está intimamente incorporado à cultura dominante. Nesse sentido, con-
forme os autores, os conteúdos curriculares, geralmente selecionados em função dos
valores e interesses das classes dominantes e, portanto, reconhecidos como superiores,
nem sempre são compreendidos fora das bases socialmente privilegiadas, as quais além
de dominar o conjunto de referências linguísticas, relacionam-se facilmente com a cul-
tura e o saber por elas legitimados. A perpetuação das hierarquias sociais e a
consequente reprodução das desigualdades sociais são proporcionadas pela própria ins-
tituição de ensino, pois “ao tratar de modo igual quem é diferente, a escola privilegia,
de maneira dissimulada, quem por sua bagagem familiar, já é privilegiado”
(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2011, p. 36).