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Cledes Antonio Casagrande
v. 28, n. 1, Passo Fundo, p. 34-54, jan./abr. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Da sociedade ao indivíduo e de volta à sociedade:
socialização e individuação em G. H. Mead
From society to the individual, and back to society: socialization and individuation in G. H. Mead
De la sociedad al individuo, y de vuelta a la sociedad: socialización e individuación en G. H. Mead
Cledes Antonio Casagrande
*
Resumo
Este ensaio tem por tema central os processos de socialização e de individuação em George Herbert Mead. Trata-
se de um texto teórico e hermenêutico, com ns propedêuticos, ligado ao campo da losoa da educação. O
objetivo consiste em discutir como Mead, em seus escritos, compreende e descreve os processos de formação
dos sujeitos sociais e quais as possíveis correlações desses processos com a capacidade de viver em comunidade,
sob a égide da ética e da democracia. No texto, argumenta-se que o processo de formação do self remete à
socialização individuadora e que a emergência da consciência do si mesmo somente é possível por meio da
interação e da participação efetiva na vida da comunidade. Por isso, é possível ponderar que a incapacidade
de pensar e agir desde uma perspectiva social representa um décit formativo, de reponsabilidade do próprio
indivíduo e também da sociedade.
Palavras-chave: educação; socialização; individuação; ética; democracia.
Abstract
This essay has as its central theme the processes of socialization and individuation in George Herbert Mead. It is
a theoretical and hermeneutic text, with propaedeutic purposes, linked to the eld of philosophy of education.
The objective is to discuss how Mead, in his writings, understands and describes the processes of formation of
social subjects and what are the possible correlations of these processes with the ability to live in community,
under the aegis of ethics and democracy. In the text, it is argued that the process of forming the self refers
to individuating socialization, and that the emergence of the self is only possible through interaction and the
eective participation in the life of the community. Therefore, it is possible to consider that the inability to think
and act from a social perspective represents a formations decit, which is liability the individual himself and also
of the society.
Keywords: education; socialization; individuation; ethics; democracy.
*
Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Docente e pesquisador no Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade La Salle; Pró-Reitor Acadêmico e Vice-Reitor dessa mesma institui-
ção. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1499-1661. E-mail: cledescasagrande@gmail.com
Recebido em: 14/07/2020 Aprovado em: 13/01/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i1.11232
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Resumen
Este ensayo tiene como tema central los procesos de socialización e individuación en George Herbert Mead. Es
un texto teórico y hermenéutico, con nes propedéuticos, vinculado al campo de la losofía de la educación. El
objetivo es discutir cómo Mead, en sus escritos, comprende y describe los procesos de formación de los sujetos
sociales y cuáles son las posibles correlaciones de estos procesos con la capacidad de vivir en comunidad,
bajo los principios de la ética y la democracia. En el texto, se argumenta que el proceso de formación del yo se
reere a la socialización individualizada, y que el surgimiento de la conciencia del “yo solo es posible a través
de la interacción y la participación efectiva en la vida de la comunidad. Por lo tanto, es posible considerar
que la incapacidad para pensar y actuar desde una perspectiva social representa un décit formativo, que es
responsabilidad del individuo y también de la sociedad.
Palabras clave: educación; socialización; individuación; ética; democracia.
Introdução
The man without a generous impulse is abnormal
and abhorrent” (MEAD, 1981, p. 392).
1
Mead é um autor clássico e seminal para entender os processos de formação
dos sujeitos sociais, especialmente o conceito de individuação por meio da socia-
lização
2
. A diminuta difusão de seus escritos no cenário acadêmico brasileiro e a
existência, entre nós, de certa crítica velada ao pragmatismo relegaram-lhe uma
posição de autor secundário, somente recentemente redescoberto e tematizado
3
.
Entretanto, isso não significa que sua originalidade e sua concepção diferen-
ciada da formação do self, da ética e da democracia tenham menor valor acadêmico.
Habermas (2010, p. 213), por exemplo, ao referir-se à importância deste autor,
afirma: “Na psicologia social de G. H. Mead, vejo esboçada a única tentativa com
perspectiva de êxito para reproduzir no plano conceitual o pleno teor significante
da individuação”. Honneth (2003, p. 125) alinha-se no elogio à teoria intersubjetiva
de Mead com a seguinte assertiva:
Em nenhuma outra teoria, a ideia de que os sujeitos humanos devem sua identidade à
experiência de um reconhecimento intersubjetivo foi desenvolvida de maneira tão conse-
quente sob os pressupostos conceituais naturalistas como na psicologia social de George
Herbert Mead.
Tugendhat (1993), por seu turno, atribui a Mead posição de destaque no que
tange à possibilidade de entender os processos da autoconsciência e da autodeter-
minação dos sujeitos. Entre nós, Dalbosco (2010) foi um dos primeiros a reconhecer
o potencial pedagógico do conceito pragmatista de ser humano advindo desse autor.
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Levando em consideração a relevância teórica e o aumento do interesse do pú-
blico acadêmico em G. H. Mead, este ensaio objetiva abordar, de modo panorâmico,
os processos de individuação por meio da socialização, uma das principais teses
deste autor, bem como as possíveis implicações dessa tese para o campo da educa-
ção. O texto consiste em um exercício teórico-hermenêutico, com foco no campo da
filosofia da educação, e parte das seguintes questões correlatas: Como G. H. Mead
concebe o processo de formação do self? Que reflexões educacionais podem emergir
da compreensão de Mead acerca da individuação por meio da socialização no atual
contexto brasileiro? Quais as possíveis relações entre formação do eu e a vida em
sociedade, na perspectiva apontada por este autor? Expresso de outro modo, inte-
ressa-nos discutir, aqui, como Mead, em seus escritos, compreende e descreve os
processos de formação dos diversos sujeitos sociais e quais as possíveis correlações
desse processo formativo com a capacidade de viver em comunidade, sob a égide da
democracia e da ética
4
.
A matriz intersubjetiva e simbólica a partir da qual Mead concebe a forma-
ção dos indivíduos em sociedade, ou a individuação por meio da socialização, traz
implicações lógicas para compreendermos o campo da educação e da formação hu-
mana. A principal delas pode ser resumida na seguinte asserção: a incapacidade
de pensar e de agir socialmente, ou desde a perspectiva de uma sociedade mais
ampla, antecipando as condições ideais de uma vida boa em comunidade, com a
consequente superação do egoísmo e do egocentrismo, enseja uma espécie de déficit
formativo e humano, de responsabilidade do próprio indivíduo e também da socie-
dade na qual está inserido
5
.
Tendo em vista o recorte temático proposto e a necessária reflexão acerca
da assertiva anterior, estruturamos o artigo em três seções. Na primeira, num
movimento que denominamos ‘da sociedade ao indivíduo’, apresentaremos como
Mead descreve os processos de socialização e de individuação, ou os processos de
formação do self. Importa destacar aqui o papel da interação, da linguagem e da
comunicação para a estruturação da noção “si mesmo”. Na sequência, na seção
que denominamos ‘e de volta à sociedade’, explicitaremos o modo como um sujeito
individuado pode contribuir, por meio do agir ético e político, com a reconstrução da
própria sociedade. Finalmente, teceremos algumas considerações sobre a educação
e os processos formativos atuais à luz dos elementos teóricos já explicitados.
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Da sociedade ao indivíduo: uma leitura do processo de formação do self em G. H. Mead
Os escritos de G. H. Mead demarcam um renovado posicionamento teórico em
relação à compreensão dos processos de individuação dos sujeitos, deslocando-os
definitivamente aos campos da intersubjetividade e da comunicação. Diferente da
tradição filosófica vigente em sua época, Mead aponta que a gênese do self é social,
pois o sujeito somente desenvolve uma noção si mesmo na relação com seu entorno,
físico e social, por meio de processos de socialização, com a internalização das es-
truturas simbólicas da linguagem, numa matriz intersubjetiva e simbólica.
A radicalidade da afirmação da gênese social do self pode ser percebida na
seguinte afirmação: “Devemos ser outros se quisermos ser nós mesmos” (MEAD,
1981, p. 292). Essa asserção inclui definitivamente o elemento social na estrutura
do ‘si mesmo’ e enseja o reconhecimento que a socialização antecede a individua-
ção, mas não a elimina, pois indivíduo e sociedade constituem-se e evoluem num
processo de mútua dependência.
O caráter estruturante do self encontra-se no processo de interação simbólica
mediante o qual um organismo reage ao gesto do outro, internalizando a atitude ou
o papel social deste outro, o que pressupõe a interdependência entre os diversos su-
jeitos sociais. A concepção de que o self estrutura-se e se desenvolve a partir de uma
matriz social e simbólica sustenta-se em duas razões fundamentais: a) o reconheci-
mento do caráter social da vida humana, a anterioridade da sociedade em relação
ao indivíduo e a interdependência entre o sujeito e a sociedade; b) a centralidade da
comunicação simbólica enquanto o elemento responsável pela estruturação do self,
e a evolução da comunidade humana, como veremos na sequência.
a) O caráter social da vida humana
Como já apontamos, a obra de Mead pode ser compreendida como uma grande
defesa da tese de que a individuação ocorre, necessariamente, por meio da sociali-
zação. Isso implica dizer que a vida humana, em todas as suas fases, organiza-se
e desenvolve-se a partir da dimensão social, especialmente pela imersão dos in-
divíduos em uma comunidade concreta, e das consequentes aprendizagens neste
contexto. Ou seja, a gênese do self é social porque o ser humano humaniza-se e
individualiza-se por meio de processos de socialização.
Mead destaca o caráter originalmente social da vida humana, divergindo
das tradições filosóficas da sua época e enfatizando que as estruturas da sociedade
antecedem as estruturas subjetivas do indivíduo.
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Desenvolveu-se uma teoria que as sociedades humanas surgiram dos indivíduos, não os in-
divíduos da sociedade. Desta maneira, a teoria do contrato social afirma que os indivíduos
existem primeiramente como indivíduos inteligentes, como pessoas (as selves), e que estes in-
divíduos reúnem-se e formam sociedade. [...]. Contudo, se a posição que eu refiro está correta,
se o indivíduo obtém seu self somente através da comunicação com outros, somente através
da elaboração de processos sociais mediante a comunicação significante, então o self não pode
preceder o organismo social. O último deve existir primeiro (MEAD, 1967, p. 233).
Como vemos na citação anterior, a vida em sociedade antecede e é condição
para a formação do indivíduo, e a comunicação possui um papel central para a
socialização e a individuação.
Em Mind, Self and Society, Mead (1967) recorre à analogia entre as sociedades
humanas e as sociedades animais com a intenção de demonstrar o caráter social da
vida. No ambiente natural, podemos constatar que todas as formas sociais de vida,
inclusive aquelas de animais inferiores, ou não humanos, estão pautadas em rela-
ções sociais. Por isso, “não há organismo vivo, de qualquer espécie, cuja natureza
ou constituição seja tal que possa existir ou manter-se em completo isolamento de
todos os demais organismos vivos” (MEAD, 1967, p. 228).
Animais como a formiga e a abelha, embora manifestem condutas sociais, e
vivam em sociedades organizadas e hierarquizadas, não fundamentam seus com-
portamentos numa estrutura simbólica de interação. Nos animais inferiores não
humanos, ocorre uma diferenciação fisiológica que define as funções de cada um na
conduta social. O que diferencia e caracteriza os seres humanos é a comunicação,
pois “a sociedade humana depende do desenvolvimento da linguagem para sua
forma distintiva de organização” (MEAD, 1967, p. 235). Desse modo, não podemos
considerar que os atos de uma formiga ou de uma abelha sejam atos sociais no
sentido estrito do termo, pois um ato, para ser considerado social, necessita estar
orientado ao outro de modo intencional, pressupondo a interação comunicativa e a
cooperação entre os diversos indivíduos (MEAD, 1981).
Diferente dos outros animais, é por meio da comunicação simbólica que o ser
humano desenvolve a capacidade de adaptar o próprio comportamento ao compor-
tamento do outro.
O self, que é central para toda a chamada experiência mental, aparece somente na conduta
social dos vertebrados humanos. Os indivíduos se convertem em um objeto para si mesmos,
precisamente, porque descobrem-se a si mesmos adotando a atitude dos outros que estão
envolvidos nas suas condutas. [...] Além do mais, a verdade é que o self pode existir somen-
te para o indivíduo se ele assume os papéis sociais dos outros (MEAD, 1981, p. 283-284).
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A experiência de ser um self, um ‘si mesmo’, somente pode ser atingida no
envolvimento e na interação com os outros. Por isso, Biesta (1998, p. 74) constata
que, para Mead, “a intersubjetividade precede a subjetividade sendo constitutiva
dela”. Isso nos leva a entender que a autoconsciência dos diversos sujeitos consiste
numa construção intersubjetiva e simbólica. Intersubjetiva porque o indivíduo se
constitui no recurso à sociedade; e simbólica porque implica construção de sentido
e de significados por meio da linguagem. Tal construção não é isolada no tempo e
no espaço. Ela emerge no quadro determinado das ações e das relações do indivíduo
com os outros e com o meio ambiente em que vive.
Kaminsky (2009, p. 12) entende que a compreensão do processo de subjetiva-
ção presente em Mead inova em relação àquelas até então vigentes, porque sua teo-
ria do sujeito enseja uma ruptura com qualquer tipo de essencialismo e uma aposta
em um “perspectivismo fundado em uma ontologia da pluralidade: si mesmo posto
em diálogo, enlace e tensão autoconsciente pela via do outro generalizado”.
Honneth (2009) reconhece que a interpretação de Mead acerca da subjetivação
via interação social continua válida. Entende que na psicologia social de Mead
estão esboçados os primeiros elementos de uma compreensão que identifica a lin-
guagem, a comunicação e a interação como marcos na aquisição de uma identidade
pessoal.
Para Mead não resta dúvida de que o sujeito individual não pode adquirir uma identidade
consciente a não ser desde uma transposição a uma perspectiva excêntrica, de um outro
representado de maneira simbólica, desde a qual aprende a olhar a si mesmo e ao seu atuar
como participante de interação (HONNETH, 2009, p. 283).
A consciência de si mesmo emerge de um processo de reflexibilidade, de ante-
cipação e de reação à atitude do outro. Esse processo é, inicialmente, gestual, pro-
gredindo, posteriormente, para uma estruturação simbólica mediante a interação
social. De acordo com Biesta (1998, p. 83), “o gesto, tal como Mead o compreende,
consiste na primeira fase no ato social”. A ação ou gesto de um indivíduo é estímulo
para a reação ou resposta do outro.
A contribuição de Mead, consiste, portanto, na afirmação de que a subjetivida-
de e a consciência são produtos da intersubjetividade e da interação social. Há, em
seus escritos, o reconhecimento de que nós somos inscritos numa matriz intersub-
jetiva, numa espécie de rede de relações e de interações a partir da qual emerge a
consciência, a identidade individual e a sociedade.
Importa destacar que sob a perspectiva do princípio evolutivo, o indivíduo e a
sociedade são coparticipes e interdependentes de um mesmo processo.
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As modificações que introduzimos na ordem social na qual nos encontramos envolvidos,
implicam necessariamente que introduzamos modificações em nós mesmos. [...]. Assim,
as relações entre a reconstrução social e a reconstrução do self ou da personalidade são
recíprocas e internas ou orgânicas. [...]. Ou em poucas palavras, a reconstrução social e a
reconstrução do self ou da personalidade são os dois aspectos de um processo somente: o
processo da evolução social humana (MEAD, 1967, p. 309).
O processo evolutivo, que engloba self e sociedade, por meio da individuação
e da socialização, tensionando a formação de um si mesmo e a melhoria constante
da vida da comunidade, é, simultaneamente, ontogenético e filogenético. Ou seja,
pela interação e comunicação entre os diferentes sujeitos que vivem em comuni-
dade formam-se as estruturas da personalidade e, ao mesmo tempo, as estruturas
intersubjetivas de coordenação da sociedade.
A sociedade constitui-se não pela simples soma dos diversos indivíduos que
dela participam ou que a constituem. Ela consiste, sobremaneira, no conjunto das
ações de seus membros, ações intencionadas e organicamente estruturadas. No
pragmatismo de Mead, o que conta é a ação realizada, a vinculação efetiva a um
projeto comum e a implicação concreta de cada um com o todo da comunidade. Ou
seja, o ser humano realiza-se na medida de sua participação efetiva no seio da
comunidade. A participação no todo social é que distingue o grau de socialização e
o nível de individuação de cada sujeito. Quanto mais implicado na sociedade, mais
se socializa, mais se individualiza e mais adquire um self, uma consciência de si
como um ‘si mesmo’, pois estará adquirindo a capacidade de olhar o todo desde
uma perspectiva social e, ao mesmo tempo, evoluirá enquanto um ser individuado,
descentrando as próprias perspectivas.
b) Linguagem, comunicação simbólica e estrutura do self
Mead aponta que o caráter estruturante do self encontra-se na linguagem,
mais precisamente no processo de interação simbólica entre os diversos sujeitos
sociais, por meio da qual um organismo reage ao gesto do outro, internalizando a
atitude ou o papel social deste outro. Nesse sentido, ele afirma:
As sociedades humanas nas quais estamos interessados são sociedades de selves. O indiví-
duo humano é um self somente na medida em que toma a atitude do outro em direção a si
mesmo. Na medida em que essa atitude é a de certo número de outros, e na medida em que
ele pode assumir a atitude organizada de um número de participantes na atividade comum,
ele assume as atitudes do grupo para si mesmo e, ao assumir esta ou estas atitudes, define
o objeto do grupo, aquilo que define e controla a resposta (MEAD, 1981, p. 290).
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Como mencionado, o mecanismo empregado no processo de subjetivação é o da
internalização da atitude do outro. Por isso,
As pessoas somente podem existir em relações definidas com outras pessoas. [...]. O indiví-
duo possui um self somente em relação com os selves dos outros membros do seu grupo so-
cial; e a estrutura de seu self expressa ou reflete a pauta geral de comportamento do grupo
social ao qual pertence, assim como o faz a estrutura do self de todos os demais indivíduos
pertencentes a esse grupo social (MEAD, 1967, p. 164).
Mead (1981, p. 284) apresenta duas ilustrações do processo de desenvolvi-
mento do self: “o primeiro estágio é o do brincar (play) e o segundo o do jogar
(game), que são distintos entre si”. O brincar e o jogar consistem em analogias dos
fatores básicos implicados na gênese do self no decorrer da infância, e demonstram
a estruturação da noção de “outro generalizado”, uma convenção universalizada
da vontade coletiva da comunidade, que necessita ser internalizada por parte do
indivíduo para que ele desenvolva uma noção de “si mesmo”
6
.
Ao brincar, a criança adota vários papéis, um depois do outro, de pessoas ou
animais, que estão presentes em sua vida, e que possibilita-lhe transcender a bar-
reira do próprio ego, em direção a uma organização de atividades sociais, nas quais
a centralidade em si mesma começa a ser rompida pela emergência de uma noção
de um “outro” e de um “nós”. Nesse sentido, exemplifica Mead (1967, p. 150-151):
A criança brinca de ser uma mãe, um professor, um policial; ou seja, como dizemos, adota
diferentes papéis. [...]. Por exemplo, brinca que está oferecendo algo e o compra; entrega
uma carta e a recebe; dirige-se a si mesmo como um dos pais, como um professor; prende-se
como um policial. Tem uma série de estímulos que provocam nele a classe de reações que
provocam em outros. Toma esse grupo de reações e as organiza em certo todo. Tal é a forma
mais simples de ser outro para o próprio self.
Esse brincar livre, sem regras aparentes, possibilita a organização de uma
estrutura de conversação interior e o início do processo de diferenciação de papéis
sociais.
O jogar (game), por sua vez, refere-se às atividades com regras e pressupõe a
participação de mais de um jogador. Ao participar de um jogo coletivo, a criança
aprende a organizar o próprio comportamento adequando-o ao comportamento dos
outros jogadores, de modo que a atividade seja estratégica e articulada. O jogador
necessita adotar o papel que lhe é peculiar no jogo e, ao mesmo tempo, ser capaz
de modificar ou trocar de papéis no decorrer da atividade, de modo que seja capaz
de antecipar os possíveis movimentos ou ações dos companheiros com fins de obter
êxito ou, mesmo, antecipar as jogadas e os papéis dos adversários, impedindo-os
de vencer. Isso será possível mediante a internalização das expectativas de ação e,
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ao mesmo tempo, da organização dessas expectativas de modo que possa intervir
adequadamente no transcorrer do jogo.
O jogar, em equipe, configura um avanço em relação ao brincar individual,
pois amplia o horizonte da participação, da cooperação social e do descentramento
de si por parte dos envolvidos. Representa, também, uma situação arquetípica do
desenvolvimento da consciência de si, uma vez que articula a assunção de papéis
sociais, a vivência das regras convencionais da sociedade e a necessidade de um
controle pessoal do comportamento, com vistas à consecução de uma atividade que
envolve cooperação e participação com outros membros da comunidade.
No jogo, temos a introdução de um “outro” convencional no processo; não se
trata de um novo indivíduo, mas uma organização de atitudes e de ações suprain-
dividuais que envolvem todos os competidores no mesmo processo. Com a interna-
lização da figura desse “outro”, forma-se, mediante processo de universalização, o
que Mead denomina de “o outro generalizado”.
Pois em um jogo (game) há um procedimento regulado e normas. A criança deve adotar não
somente o papel do outro, como ela faz no brincar, mas deve assumir os vários papéis de
todos os participantes do jogo e governar suas ações de acordo com isso. [...]. E essas reações
organizadas se convertem no que denominamos de “outro generalizado” (generalized other),
que acompanha e controla sua conduta. A presença desse outro generalizado em sua expe-
riência é o que proporciona um self para si (MEAD, 1981, p. 285).
O “outro generalizado” condensa a vontade coletiva expressa em termos de
valores, regras, convenções, leis e costumes vigentes na comunidade. Trata-se da
dimensão social que necessita ser internalizada e que intervém nas atitudes dos
indivíduos distintos. Por isso, para Mead (1967, p. 154), “a atitude do outro gene-
ralizado é a atitude de toda a comunidade”. A adoção do “outro generalizado” por
parte do indivíduo consiste numa precondição ao desenvolvimento do self.
Somente na medida em que ele adotar as atitudes do grupo social organizado, ao qual
pertence, em direção à atividade social organizada e cooperativa, ou direcionada à série de
atividades na qual esse grupo está ocupado, somente nessa medida ele desenvolverá um
self pleno ou possuirá o tipo de self pleno que desenvolveu (MEAD, 1967, p. 155).
A necessidade de participação e de cooperação no grupo social, ou seja, a pre-
mência do processo de socialização ao de individuação consiste, também, no modo
mediante o qual a sociedade exerce controle sobre seus membros. E esse controle
social “dependerá do grau que o indivíduo assumir as atitudes daqueles no grupo
que estão envolvidos com ele em suas atividades sociais” (MEAD, 1981, p. 290). Ou
seja, não basta ao indivíduo estar num espaço geográfico definido; é necessário que
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viva como um membro de um grupo determinado, que se inculture, que assuma os
valores, as crenças e os objetivos próprios da comunidade à qual pertence.
Apesar do acento dado à dimensão social no processo de individuação, Mead
entende que também existe uma estrutura subjetiva própria, não redutível à pres-
são do grupo social. Nesse sentido, ele afirma:
Certamente não somos somente o que é comum a todos: cada uma das pessoas é distinta de
todas as demais; porém é preciso que exista uma estrutura comum como a que esboçamos
a fim de que possamos ser membros de uma comunidade. Não podemos ser nós mesmos a
menos que sejamos também membros numa comunidade de atitudes que controla as atitu-
des de todos (MEAD, 1967, p. 163-164).
Mead reconhece a existência de uma instância reflexiva do sujeito, uma base
subjetiva no self que é irredutível às determinações do grupo social. Expresso de
outro modo, para que o indivíduo humano desenvolva uma consciência de “si mes-
mo”, um self, é premente que, num processo de reflexibilidade, ele coloque a si mes-
mo enquanto objeto. Para detalhar esse processo, Mead recorre a uma bipartição
do self, diferenciando o “eu” (I) do “me/mim” (me) e, ao mesmo tempo, explicitando
a dinâmica dialética que se instala no interior da consciência de “si mesmo”. Nessa
dinâmica, “o ‘eu’ (I) reage ao self, que se originou por meio da adoção das atitudes
dos outros” (MEAD, 1967, p. 174).
Mead entende que o que pode ser elevado à consciência é o “mim” (me). Como
vimos, a consciência de si originou-se da internalização das atitudes dos outros, es-
pecialmente da assunção da perspectiva generalizada do grupo social, ou do “outro
generalizado”. O “eu” (I), entretanto, enquanto dimensão pessoal, não é redutível
ao “outro generalizado” internalizado enquanto “mim”, nem passível de captura
pela consciência.
O ‘eu’ (I) é a reação do organismo às atitudes dos outros; o ‘mim’ (me) consiste na série
organizada de atitudes dos outros que cada um assume. As atitudes dos outros constituem
o ‘mim’ organizado e, logo, um reage frente a elas como um ‘eu’ (MEAD, 1967, p. 175).
O “eu” (I) consiste na dimensão não previsível do self, no elemento que nos
identifica enquanto únicos e singulares, que não é dado diretamente na experiência,
apenas perceptível a posteriori. Ele não pode ser objeto da consciência, pois emerge
da ação do indivíduo em uma situação social determinada. Trata-se da novidade do
momento, do ineditismo da reação ao dado, com uma orientação a um futuro inde
-
finido. Ou seja, ele é uma reação que não pode ser prevista, tampouco antecipada.
O “mim” (me) é consciente, visto sua existência imediata para o indivíduo em
sua consciência. O “mim” permite, enquanto consciência de si mesmo, a convivência
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social segundo os padrões sociais estabelecidos, pois possui todas as atitudes gene-
ralizadas dos outros. É a dimensão que mantém a estabilidade das ações e reações
do self, pois está pautada nas convenções do todo social: o “mim” é convencional.
O ‘eu’ (I), pois, nessa relação entre o ‘eu’ (I) e o ‘mim’ (me), é algo que, por assim dizer, respon-
de a uma situação social que se encontra dentro da experiência do indivíduo. É a resposta
que o indivíduo tem às atitudes que outros adotam em direção a ele, quando ele adota uma
atitude em relação a eles. Assim sendo, as atitudes que ele adota em relação a eles estão
presentes em sua própria experiência, porém sua resposta a elas conterá um elemento de
novidade. O ‘eu’ (I) proporciona a sensação de liberdade, de iniciativa (MEAD, 1967, p. 177).
A ação ou reação de alguém a algum acontecimento ou fato não pode ser
prevista. Isso significa que a reação exata, a maneira específica que reagiremos,
diante de uma determinada situação somente pode ser evidenciada depois de sua
consecução. Somente depois do ato concretizado e da sua consequente apreensão
pela memória é que poderemos ter noção exata do realizado. Sendo o “eu” (I) com-
pletamente a posteriori e consequência das ações e reações do self como um todo,
teremos condições de criar uma imagem pessoal somente mediante a conduta so-
cial, ao agirmos e reagirmos em contextos sociais.
No self, perceptível no agir e reagir dos diversos sujeitos, o “eu” e o “mim”
aparecem de formas distintas, mas mutuamente dependentes.
Não existiria um ‘eu’ (I), no sentido em que usamos esse termo, se não houvesse um ‘mim’
(me); não haveria um ‘mim’ sem uma reação na forma do ‘eu’. Os dois, tal como aparecem
em nossa experiência, constituem a personalidade. Somos indivíduos nascidos em certa
nacionalidade, localizados em certo ponto geográfico, com tais relações familiares e tais
relações políticas. Tudo isso representa certa situação que constitui o ‘mim’; porém, isso
envolve, necessariamente, uma ação contínua do organismo em direção ao ‘mim’ dentro do
processo no qual reside (MEAD, 1967, p. 182).
Por meio da contraposição dialética do ‘eu’ e do ‘mim’, Mead procura balan-
cear a relevância das dimensões social e subjetiva no processo de estruturação da
personalidade, entendida enquanto self ou noção de ‘si mesmo’. Com isso também
resguarda a possibilidade da novidade, da criação e recriação de si mesmo e da
comunidade e, ao mesmo tempo, exclui qualquer tendência ao determinismo social,
como veremos na sequência.
E de volta à sociedade: comentários sobre ética, democracia e reconstrução social
A formação do self, na perspectiva apontada por Mead, correlaciona-se à evo-
lução e à reconstrução da vida em comunidade
7
. Por isso, podemos dizer que existe
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um movimento formativo de mão dupla: da sociedade ao indivíduo, e de volta à so-
ciedade. Ou seja, quanto mais um indivíduo progride no processo de tornar-se um
self, quanto mais adquire capacidade de agir reflexivamente e de descentrar o seu
ponto de vista, de uma perspectiva egoísta para um olhar mais comunitário, tanto
mais estará apto a participar do processo de reconstrução do todo social, no qual
ele é formado e do qual participa ativamente. Aqui entra em cena o tensionamento
entre formação do self em uma comunidade, com o necessário desenvolvimento de
competências científicas e éticas, e a efetiva participação democrática, com a conse-
quente reconstrução da própria sociedade, como veremos na sequência.
O processo de socialização individuadora implica sujeito e sociedade. Por meio
da interação simbólica entre os indivíduos de uma comunidade formam-se, res-
pectivamente, as estruturas da personalidade e, ao mesmo tempo, as estruturas
de coordenação daquela mesma sociedade. A partir dessa constatação, podemos
afirmar que:
O grau de desenvolvimento do self depende, então, da amplitude das atitudes comuns que
permitam uma determinada organização social; porém também a organização plena da
sociedade humana – sua efetiva vigência – depende completamente de sujeitos que possam
orientar suas condutas e fundar suas consciências, suas autoestimas, na função que exer-
cem dentro da ‘sociedade organizada’ (YNCERA, 1994, p. 332).
O ser humano somente pode desenvolver o self num contexto comunitário e de
interação simbólica, ao mesmo tempo em que se dedica às causas da comunidade. Ao
participar ativamente da vida comunitária, mediante efetiva cooperação e envolvi
-
mento nas questões que são centrais à organização dela, terá a possibilidade de in-
fluenciar nos seus rumos. Trata-se de um processo de mão dupla: o indivíduo, median-
te a participação e a cooperação na vida social, converte-se em um self e, ao mesmo
tempo, pode contribuir na reconstrução da vida da comunidade. Neste sentido, e para
compreender o que propõe Mead, precisamos considerar a implicação dos conceitos de
‘outro generalizado’ e a bipartição do self em ‘mim’ (me) e ‘eu’ (I), como mencionados
anteriormente. Por isso, retomamos uma citação de Mead (1967, p. 196):
Frente ao ‘mim’ (me) está o ‘eu’ (I). O indivíduo não tem somente direitos, mas também
deveres; ele não é somente um cidadão, um membro da comunidade, mas ele é também
alguém que reage à dita comunidade, e sua reação a ela, como temos visto na conversação
de gestos, modifica-a. O ‘eu’ (I) é a resposta do indivíduo à atitude da comunidade, tal como
dita atitude aparece em sua própria experiência. Sua reação a essa atitude organizada, por
sua vez, modifica a comunidade.
O processo socializatório e a vida em sociedade supõem que possamos agir
desde a perspectiva dos valores, costumes e regras aprendidos e internalizados –
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aquilo que constitui a noção de ‘mim’ (me). Ao mesmo tempo, pressupõe que cada
um tenha a capacidade de agir enquanto um ‘eu’ (I) – dimensão do agir que não
pode ser prevista, visto tratar-se da resposta específica do sujeito em cada situação
particular. Além disso, afirmar-se como um self, agindo enquanto um ser humano
socializado e membro de uma comunidade, denota colocar em prática um rol de
expectativas específicas na resolução de problemas que surgem, especialmente ter
conduta racional, atuando sob os princípios do método científico, da ética e da par-
ticipação democrática.
É necessário esclarecer que não existe, para Mead, uma oposição entre o uso
do método científico, a capacidade de resolução de problemas, o processo de julga-
mento moral e a participação política e democrática (SILVA, 2009). Na base dessa
afirmação repousa a premissa pragmática de que não se pode separar pensamento
e ação. Nesse sentido, Reck (1981, p. 32) afirma: “Como um pragmatista devotado
à tarefa da reconstrução social, Mead, tal qual Dewey, recomendou a aplicação do
método científico aos problemas do homem, os conflitos sociais e os valores morais”.
Mead (1981) reafirma a importância do método científico, da aprendizagem e do
uso do mesmo na resolução de problemas, relacionando-o com o desenvolvimento
da própria inteligência ou razão, visto tratar-se de algo inerente à condição huma-
na e necessário à evolução dos indivíduos e da sociedade.
O que se espera de um indivíduo com níveis superiores de integração e de de-
senvolvimento pessoal é que possua uma conduta racional, “um tipo de conduta au-
torreferida e organizada em conexão com a atitude comum da comunidade global
à qual pertence o sujeito” (YNCERA, 1994, p. 302). Esse tipo de conduta racional
pode ser utilizado para resolver problemas, tanto no campo da ciência, quanto no
campo da ética e da política.
Agir de modo ético significa, para Mead, ter o ideal democrático da vida em
comum como horizonte da ação. Trata-se de um agir que esteja alinhado às neces-
sidades do grupo social e que o auxilie a encontrar as soluções mais adequadas aos
problemas que se apresentam. Por isso, o agir ético pressupõe o uso do método da
ciência para a solução dos problemas, o que principia com a consciência da interde-
pendência social, a análise dos motivos que levam a ações específicas e ao discerni-
mento da validade de cada um dos valores utilizados em cada situação.
A universalidade do agir prático alinha-se ao fato de nós, seres humanos, ser-
mos capazes de assumir a atitude de qualquer outro ser humano. Diferente de
Kant, que alocava a decisão moral na subjetividade, Mead (1967, p. 379) entende
que o ponto de partida não está no indivíduo isolado, mas na sociedade:
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O homem é um ser racional porque é um ser social. [...] A sociabilidade concede a universa-
lidade dos juízos éticos e compõe o fundamento da afirmação popular de que a voz de todos
é a voz universal; ou seja, todos os que podem apreciar racionalmente a situação estão de
acordo. A forma mesma de nosso juízo é, pois, social, de modo que o fim de ambos, conteúdo
e forma, é um fim social.
Mead argumenta em prol da necessidade de que cada ato seja moral. Ou seja,
em todo o processo do julgar ou do agir moral, será necessário levar em conta a
intenção do agente, os impulsos e os valores conflitantes, bem como o fim almejado.
Desse modo, uma ação será considerada moral quando forem esclarecidas as con-
dições mediante as quais essa ação foi efetivada.
A norma ética do pragmatismo meadiano é, pois, um requerimento relativo à necessidade de
que os impulsos de ação se convertam em motivos esclarecidos em função do conhecimento
das condições concretas (intersubjetivas) nas quais as atividades hão de se expressar e das
consequências prováveis de acarretará a atuação nessas condições (YNCERA, 1991, p. 156).
Os motivos das ações se encontram nos impulsos que levam à ação, os quais
orientam os fins atribuídos às condutas. O principal critério para a deliberação mo-
ral consiste em sempre eleger os fins que reforçam os impulsos ou valores sociais.
Ou seja, a orientação ou máxima moral será sempre o caráter social dos conteúdos
em discussão.
Somente na medida em que alguém pode identificar com o bem comum seu próprio motivo e
o fim que realmente persegue, somente nessa medida poderá chegar à meta moral e, assim,
alcançar a felicidade moral. Assim como a natureza humana é essencialmente social em
caráter, do mesmo modo os fins morais devem ser também sociais em sua natureza (MEAD,
1967, p. 385).
Com o reconhecimento de que nossa moralidade se coaduna com nossa natu-
reza social, passamos a entender que os fins justificáveis, sob a perspectiva moral,
ou os fins bons e desejáveis, são aqueles que conduzem à realização do ser humano
enquanto um ser social. Isso ocorre porque “nossa moralidade se conecta à nossa
conduta social. É como seres sociais que somos seres morais” (MEAD, 1967, p.
385). Estabelecer quais os valores adequados, quais as normas justificáveis e quais
os modos de ação aceitáveis implica colocar como prova de aceitabilidade do juízo
moral a consideração de todos os interesses envolvidos. Por isso:
Nos juízos morais temos que elaborar uma hipótese social e ninguém pode fazê-lo simples-
mente desde seu próprio ponto de vista. Temos que olhar desde o ponto de vista de uma
situação social. [...]. Agora, se perguntarmos qual é a melhor hipótese, a única resposta
que podemos oferecer é que deve levar em conta todos os interesses que estão envolvidos
(MEAD, 1967, p. 387).
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Em uma ação moral, o conteúdo que realmente prepondera enquanto impulso
ou motivo deverá ser sempre aquele que reforça a pertença social e os impulsos
comunitários. Ou seja, a orientação será sempre o caráter social dos conteúdos em
discussão. Por isso, atuar tendo como referência ‘todos os interesses envolvidos’
constitui-se no pressuposto a partir do qual os sujeitos devem orientar suas ações e
a avaliação moral de cada situação concreta. Como vemos, ultrapassar os próprios
interesses é condição para que a pessoa evolua na capacidade de julgar e também
de agir de acordo com motivos cada vez mais descentrados ou universais. Nesse
sentido, agir para satisfazer somente os próprios impulsos e guiar-se por atitudes
egoístas soam como características de uma pessoa limitada em seu processo forma-
tivo, alguém sem capacidade de descentramento e incapaz de olhar para além de
si mesma.
O desenvolvimento individual e o progresso social ocorrem pelo combate dos
impulsos e dos interesses individuais frente aos interesses sociais. É neste embate,
de construção e reconstrução de hipóteses com vistas à resolução de problemas,
de justificativas e de novas perspectivas entre indivíduo e sociedade, que se fun-
damenta a possibilidade de ambos evoluírem. A evolução de normas antigas para
novas normas, mais adequadas à vida da comunidade, somente será possível pela
“mediação de um novo tipo de indivíduo: alguém que se concebe a si mesmo como
não se concebiam os indivíduos no passado” (MEAD, 1967, p. 386).
É importante destacar que a reação criativa do ‘eu’ ao estabelecido, o uso da
razão e do método científico e a capacidade de descentramento constituem-se nos
principais fundamentos que possibilitam a reconstrução e o progresso da estrutura
social.
Uma pessoa pode chegar ao ponto de ir contra todo o mundo que a rodeia; ela pode levantar-
-se sozinha contra o mundo. Porém, para fazer isso, ela deve falar com a voz da razão para
si mesma. Tem que abranger as vozes do passado e do futuro. Essa é a única forma na qual
a pessoa pode ter uma voz que seja maior que a voz da comunidade. Geralmente supomos
que essa voz geral da comunidade é idêntica à comunidade mais ampla do passado e do
futuro; supomos que um costume organizado representa o que denominamos moralidade
(MEAD, 1967, p. 168).
Para Mead, na condição de selves, ou indivíduos socializados, todos os sujeitos
sociais têm o dever de auxiliar a comunidade à qual pertencem em seu progresso
no tocante às leis, às regras e aos costumes. Isso será possível por meio da parti-
cipação efetiva na comunidade e pelo interesse nas coisas comuns. E a chave para
isso é a reflexão e o discurso, por meio dos quais será possível, inclusive, antecipar
as condições ideais de uma vida boa para toda a comunidade.
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Portanto, estarão mais aptos a agir sob as premissas de fins universais e a
participar ativamente na construção de uma sociedade melhor aqueles sujeitos que
vivenciaram processo de individuação social e atingiram um maior grau de desen-
volvimento qualitativo do self. Esses terão a capacidade de agir levando em conta
os interesses de todos os envolvidos, contribuindo efetivamente para a evolução da
comunidade.
Considerações acerca das possíveis relações entre socialização, individuação e
educação
A teoria pragmática de Mead acerca da formação do self, especialmente a no-
ção de individuação por meio da socialização, possui potencial para gerar reflexão
e questionar os fundamentos dos processos educacionais atuais e futuros. Neste
sentido, retomaremos duas abordagens que nos parecerem adequadas para a re-
flexão que estamos realizando: o potencial da noção de intersubjetividade radical,
apontado por Biesta (1998, 1999a, 1999b) e por Biesta e Tröhler (2008); e a hipótese
que norteou este texto – a responsabilidade social e individual do déficit formativo
– buscando demonstrar algumas das possíveis conexões e implicações da mesma.
Biesta (1998, 1999a) reconhece na intersubjetividade radical e na interação,
propostas por Mead, uma nova forma de compreensão e de fundamentação dos pro-
cessos formativos, em substituição à tradição da filosofia da consciência. Ou seja,
para Mead a educação necessita ser concebida como um processo social interativo,
com base na ética e na efetiva participação na comunidade.
Para Biesta e Tröhler (2008, p. 08), “o que se torna claro com essa concepção
social de educação é que Mead retorna, repetidas vezes, à situação social, à situa-
ção de cooperação e de coordenação social, como a matriz de toda educação”. Por
dimensão social da educação, ou situação social da educação, necessitamos enten-
der que não se trata de uma referência simples aos dados sociais que interferem na
constituição do self. Ou seja, a comunidade não é simplesmente mais um elemento
interveniente, mas a condição fundamental da emergência do self. Disso decorre
que não basta fazer parte de um grupo social, é necessário ‘ser comunidade’, sofrer
o processo de socialização, encarnar os valores sociais e participar ativamente da
vida da comunidade. Uma vez mais, vemos que o processo formativo não pode ser
reduzido à referência de um sujeito solipsista, fechado em si mesmo, mas pressu-
põe um indivíduo aberto ao encontro com o outro, com o diverso, participante ativo
da vida da comunidade e imerso no todo social.
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Além disso, se a educação é primariamente interação social, convivência e en-
contro, então a ética e a coordenação das ações sociais, ou o modo como os diversos
sujeitos sociais interagem e organizam os modos de agir, passam a ser elementos
incontestes para entender os processos formativos e os elementos constitutivos dos
espaços e tempos educacionais. A imersão em um contexto social e o conviver com
o outro implicam, necessariamente, a capacidade de julgamento moral, descentra-
mento do eu e habilidade de cooperação para a resolução dos problemas que afetam
o grupo social.
A concepção ética presente nos escritos de Mead articula-se e pressupõe formas
concreta de socialização, de participação e de formação progressiva dos sujeitos so-
ciais. Sujeito e sociedade são partes de um e mesmo processo de desenvolvimento,
por isso fica evidente o caráter de interdependência e a necessidade de participação
social de todos os envolvidos. Não se trata, como vimos, de uma participação forma-
lista ou mesmo de um ideal ético vazio. A interdependência e a participação social
são, antes disso, pré-requisitos práticos para o desenvolvimento da identidade e a
melhoria da organização da própria comunidade.
Como apontamos no decorrer do texto, a matriz intersubjetiva e simbólica a
partir da qual Mead concebe a formação dos indivíduos em sociedade traz impli-
cações lógicas para pensarmos o campo da formação humana. Uma delas pode ser
resumida na seguinte asserção: a incapacidade de pensar e de agir socialmente, ou
desde a perspectiva de uma sociedade mais ampla, antecipando as condições ideais
de uma vida boa em comunidade, com a consequente superação do egoísmo e do
egocentrismo, denota uma espécie de déficit formativo e humano, de responsabili-
dade do próprio indivíduo e também da sociedade na qual está inserido.
Como vemos, compreender o processo de formação do self desde a perspecti-
va dos processos de socialização e de individuação leva-nos, necessariamente, a
refletir e a questionar a efetividade dos processos formativos vivenciados pelos
diversos sujeitos sociais, bem como dos pressupostos que fundamentam os mesmos.
O déficit formativo, social e individual, se mostra mais claramente quando anali-
samos o contexto da sociedade brasileira, que parece, no atual momento, perdida
na capacidade de autorregulação e também na proposição de processos formativos
adequados aos novos membros.
O que desejamos enfatizar é que o atual cenário ético, político e educacional
brasileiro leva-nos a questionar o resultado dos processos formativos que temos
implementado em nossas instituições sociais, escolas e universidades. Em outros
termos, todos os sujeitos envolvidos em desvios de recursos públicos, casos de cor-
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rupção, apropriação de bens públicos, proliferação de fakenews e intolerâncias,
somente para citar algumas situações concretas que hoje são notícias nos canais
de comunicação, passaram por escolas ou universidades. Ademais, é premente con-
siderar que esses sujeitos sofreram processos de socialização e de individuação, tal
qual Mead anunciou.
Isso nos leva, logicamente, a questionar se o arcabouço teórico de Mead mos-
tra-se inadequado para analisar a nossa realidade ou, por outro lado, se os proces-
sos de socialização e de individuação não foram efetivos. Obviamente que toda a
construção teórica possui seus limites explicativos, e aqui não queremos fazer uma
defesa inconteste e acrítica do autor que tem orientado esse ensaio. Mas também
podemos considerar que, em alguns casos da nossa sociedade brasileira, o processo
socializatório formativo, escolar ou não, não está sendo efetivo, por déficits sociais,
estruturais, mas também por escolhas dos próprios sujeitos, os quais não conse-
guem agir sob a perspectiva da ética e da ciência.
Vemos, portanto, que a responsabilidade pelos déficits formativos não pode re-
cair somente sobre a sociedade e as instituições formativas. Como elencando ante-
riormente, uma das questões centrais que emerge da teoria ética de Mead consiste
na capacidade que cada sujeito tem de colocar-se no lugar do outro. Desenvolver
a capacidade de assumir a atitude do outro, o papel social do ‘outro generalizado’,
implica, de algum modo, no desenvolvimento da capacidade de articular ações coo-
perativas desde o interior das relações sociais. Mead não concebe o sujeito isolado,
como um self ilhado. Ao contrário disso, concebe-o como um self em constante rela-
ção, individualizado porque socializado.
O pré-requisito da participação e da cooperação dos sujeitos no todo social
pressupõe o desenvolvimento progressivo do self. Para isso, a interação, a comu-
nicação, o aumento da capacidade racional, o descentramento do eu, o agir ético e
a participação democrática são indispensáveis. As instituições educacionais, en-
quanto espaços de aprendizagem e de socialização, podem contribuir significativa-
mente nesse processo, para que os sujeitos desenvolvam competência de viver em
comunidade e progridam para estágios mais avançados de individuação e de socia-
bilidade. Essa contribuição refere-se, primariamente, a considerar que a interação,
o encontro com o outro, as experiências de coordenação das ações e o confronto com
o diferente e o diverso consistem, também, em conteúdos fundamentais à estrutu-
ração dos currículos em todos os níveis de ensino.
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Notas
1
“O homem sem um impulso generoso é anormal e repugnante” (tradução nossa).
2
George Herbert Mead, autor americano do movimento pragmatista, radicado na Universidade de Chicago,
viveu entre os anos de 1863 e 1937.
3
Vale uma referência a algumas obras e autores, em língua portuguesa, que se dedicaram à introdução
de G. H. Mead no meio acadêmico brasileiro: Odair Sass (2004); Filipe Carreira da Silva (2009); Claudio
Almir Dalbosco (2010); Cledes Antonio Casagrande (2014 e 2016). Um exemplo do desconhecimento de G.
H. Mead, no Brasil, é a inexistência de referências ou citações na coletânea “Pragmatismos, pragmáticas
e produção de subjetividade” (ARRUDA; BEZERRA JR.; TEDESCO, 2008), dedicada a analisar, de forma
panorâmica, o que é o pragmatismo.
4
Quando falamos dos escritos de G. H. Mead devemos levar em consideração que nos referimos aos seus
artigos publicados e às transcrições das suas aulas, organizadas e publicadas por seus alunos, visto que
ele não escreveu nenhum livro. A principal obra que temos acesso é Mind, self, and society (MEAD, 1967),
também traduzida ao espanhol (MEAD, 1973). No Brasil, essa obra foi traduzida com o título de Mente,
self e sociedade e atribuída a Charles Morris, o organizador; por isso não iremos referenciá-la aqui. Além
disso, destacam-se as seguintes coletâneas de textos: Selected writings (MEAD, 1981); On social psycho-
logy (MEAD, 1984); The philosophy of the present (MEAD, 2002); Play, school, and society (MEAD, 2006);
The philosophy of education (MEAD, 2008); Escritos políticos y filosóficos (MEAD, 2009).
5
O tema da formação do self a partir da matriz teórica de G. H. Mead já foi por nós abordado anteriormente
(CASAGRANDE, 2014 e 2016). Sobre o mesmo assunto, indicamos também conferir o artigo escrito em
conjunto com a professora Nadja Hermann (CASAGRANDE; HERMANN, 2017). Já as possíveis implica-
ções dos processos educacionais que restringem os processos de socialização, especialmente as experiências
interativas e o contato com o outro, na perspectiva apontada por Mead, foi tema do artigo “Formação e
homeschooling: controvérsias” (CASAGRANDE; HERMANN, 2020).
6
Para auxiliar na compreensão dos textos de Mead, indicamos, entre parêntese, sempre que julgamos ne-
cessário, a versão original dos seguintes termos: brincar (play); jogar (game); eu (I); mim (me). Em relação
à tradução do termo self, decidimos manter a grafia original em inglês por entendermos que a tradução por
‘pessoa’ não corresponde ao significado mais adequado; uma tradução aceitável em português poderia ser
‘si mesmo’.
7
Esse duplo processo podemos denominar, tecnicamente, de uma homologia ontofilogenética. Ou seja, onto-
genia e filogenia são processos correlacionados e mutuamente dependentes. Sobre esse assunto, recomen-
damos o livro de Silva (2009, p. 161-183), no qual ele analisa a psicologia social de Mead e aprofunda os
conceitos de ontogenia e filogenia.
Referências
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