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ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 27, n. 2, Passo Fundo, p. 375-388, maio/ago. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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A docência na Educação Infantil COM a Participação das Crianças
a velocidade com que muitas conquistas sociais e modos estabelecidos de ver ques-
tões sociais e educacionais são ameaçados e extintos, começam a desgastar-se, e
ainda não somos capazes de dar respostas ou de fazer frente às forças do desman-
telamento social. Como Peter Pal Pelbart, penso que – Estamos em guerra!
Guerra contra os pobres, contra os negros, contra as mulheres, contra os indígenas, contra
os craqueiros, contra a esquerda, contra a cultura, contra a informação, contra o Brasil.
A guerra é econômica, política, jurídica, militar, midiática. É uma guerra aberta, embora
denegada; é uma guerra total, embora camuflada; é uma guerra sem trégua e sem regra,
ilimitada, embora queiram nos fazer acreditar que tudo está sob a mais estrita e pací-
fica normalidade institucional, social, jurídica, econômica. Ou seja, ao lado da escalada
generalizada da guerra total, uma operação que a abafa em escala nacional. Essa suposta
normalização em curso, essa denegação, essa pacificação pela violência — eis o modo pelo
qual um novo regime esquizofrênico parece querer instaurar sua lógica, em que guerra
e paz se tornam sinônimos, assim como exceção e normalidade, golpe e governabilidade,
neoliberalismo e guerra civil. Nada disso é possível sem uma corrosão da linguagem, sem
uma perversão da enunciação, sem uma sistemática inversão do valor das palavras e do
sentido do próprio discurso, cujo descrédito é gritante (PELBART, 2017a, sem paginação).
É nesse quadro de corrosão da linguagem, de perversão da enunciação, de
inversão do valor das palavras e do sentido do discurso em que a democracia se
encontra em um descrédito abissal em nosso país, que não tem o legado de uma
experiência efetivamente democrática e que se submete, facilmente, ao sedutor
modo de vida ditado pelo mercado. Essa guerra e ofensiva aos direitos incidem
fortemente nos mundos de vida das crianças.
Embora o momento seja dramático, defendo, junto com outros, que não de-
vemos nos submeter à imagem geral do desespero no sentido da desesperança,
também devemos resistir ao clamor por uma derrota de entrega total. É necessário
falar sobre nossas derrotas, mas não sucumbir a elas, é necessário aprender com
elas, mas não cair na armadilha de discursos forjados que negam a política, a par-
ticipação, a democracia, o que é público.
Em meio a um contexto tão sinistro não é bom deixar-se afundar no catastro-
fismo melancólico e derrotista, porque todo poder visa também a isto: nos separar
de nossa força, nos inculcar a tristeza, a angústia, o medo, a culpa e sobretudo a
sensação de impotência (PELBART, 2017a, sem paginação).
Se a cada dia parecemos mais vencidos, a derrota tem ao menos esta vantagem: ela nos
força a pensar — e a pensar de outra maneira. É preciso fazer valer tal ocasião. [...] fazer
do pensamento uma conspiração cotidiana, uma insurgência indomável (PELBART, 2017a,
sem paginação).
Corroboro Stuart Hall quando afirma que os momentos de conturbação políti-
ca produzem movi mentos teóricos, no seu interesse pela teorização que emerge das