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ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 27, n. 2, Passo Fundo, p. 497-523, maio/ago. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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Participação infantil na escola do campo: narrativas produzidas em contexto de pesquisa com crianças
sionalizado, buscando produzir “uma estrutura cada vez mais hierarquizada, por
meio de uma forte ramificação do poder”, levando os administradores do Estado
a culparem os professores pelo fracasso da educação. Em relação aos saberes e
modos de transmissão às crianças, o que vigorou, nesta época, foi uma perspectiva
cientificista, que, como afirma Gouvêa (2011, p. 557, grifo da autora), “uma meno-
rização da imaginação e mesmo a negação de sua importância na construção do
conhecimento. Toda uma pedagogia foi edificada na crítica ao uso da imaginação no
trabalho pedagógico com a criança”. Portanto, um aspecto universal do ser criança
foi negligenciado na sua formação.
Sarmento (2011a, p. 588) ressalta que a escola, historicamente, tem se ocu-
pado mais do aluno do que da criança, pois desconsidera seus “saberes e emoções,
aspirações, sentimentos e vontades próprias, para dar lugar ao aprendiz, destina-
tário da acção adulta, agente de comportamentos prescritos, pelo qual é avaliado,
premiado ou sancionado”. Desde a primazia da pedagogia católica, sistematizada
pelo Ratio Studiorum, que se busca a fabricação de um modelo de comportamento
infantil aceitável socialmente, isto é, educado para se tornar um sujeito governado
pelo sistema, pelas regras e pelos docentes.
Desse modo, a ação do Estado vai se ampliando sobre o governo de uma parce-
la da população, por meio da escola, definindo quem são os sujeitos dessa institui-
ção, o que devem aprender, como devem agir, os modos de ensinar, a qualificação
dos quadros do magistério, além de “regulamentar o raio de atuação da própria
escola, adotando um critério baseado na demanda, com base no estatuto de fregue-
sia, paróquia ou curato, delineando, assim, uma geografia desigual da instrução”
(GONDRA, 2018, p. 16).
É nítida, portanto, a histórica exclusão dos povos do campo do processo de
escolarização na sociedade brasileira, pois às populações dispersas ou era negado
o acesso à escola ou era oferecida uma escola de qualidade inferior às das vilas. Se
pensarmos na situação da menina pobre, residente no campo, as oportunidades de
escolarização eram ainda mais raras no Brasil colônia. No capitalismo, a condição
de exclusão desses povos é reforçada, já que o parâmetro hegemônico é dado pelo
urbano, que é a marca da modernidade. Nesse ínterim, o campo, concebido como
espaço de produção, e não de vida humana, ou de vidas que pouco interessam, não
se constitui como prioridade em termos de escolarização, num projeto de sociedade
“civilizada”, como o que se propunha no período imperial.
Nesse sentido, a Educação do Campo (EdoC), constituída no final da déca-
da de 1990, vem se consolidando “como uma articulação nacional das lutas dos