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Flávio Renato Santos, Andréia Osti, Neide de Brito Cunha
*
Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Professor de Língua Por-
tuguesa no colégio Claretiano, Rio Claro-SP e na rede estadual de Educação do estado de São Paulo, Brasil. Orcid:
https://orcid.org/0000-0001-7957-3757. E-mail: avioguap@hotmail.com.
**
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-doutora-
mento em Psicologia na Universidade São Francisco, USF. Professora do Departamento de Educação da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) e no PPGEdu UNESP, Rio Claro, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7605-2347. E-mail:
andreia.osti@unesp.br
***
Doutora em Psicologia. Pós-doutorado em Educação pela UNICAMP e em Avaliação Psicológica Educacional pela
USF. Coordenadora adjunta do Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Sapucaí e docente no Mestrado
Prossional do Centro Paula Souza e da Fatec de Bragança Paulista, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4945-
4495. E-mail: neidedebritocunha@gmail.com
Recebido em 26/07/2019 – Aprovado em 28/02/2020
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v27i2.11442
A escrita do gênero textual poema no ensino fundamental I
The writing of the poem textual gender in elementary school I
La escritura del género textual poema en la educación primaria
Flávio Renato Santos
*
Andréia Osti
**
Neide de Brito Cunha
***
Resumo
Este artigo, de natureza qualitativa, discute a escrita do gênero textual poema no Ensino Fundamental, bus-
cando avaliar seus componentes internos (conteúdo temático, estilo de linguagem e estrutura composicional),
relacionando-os à sequência didática elaborada e executada por uma docente. O estudo inicia-se com um breve
resgate da história do ensino da escrita, do início das práticas de letramento e do ensino dos gêneros textuais
nas escolas brasileiras. Além disso, recuperam-se trabalhos sobre a importância das sequências didáticas para o
ensino dos gêneros. Por m, observa-se a atividade de escrita do gênero textual poema por alunos de um quinto
ano de escola pública, cujos textos são descritos e analisados. Os resultados obtidos apontam, positivamente,
para a adequação ao tema e à estrutura composicional requeridos, porém, indicam fragilidades, sobretudo, no
estilo de linguagem adotado. A análise dos resultados sugere relação direta entre as atividades da Sequência
Didática e os componentes desenvolvidos nos poemas.
Palavras-chave: Gênero Textual. Poema. Produção de texto. Ensino Fundamental. Sequência Didática.
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A escrita do gênero textual poema no ensino fundamental I
Abstract
This article, of qualitative nature, discusses the writing of the textual gender poem in Elementary School, trying
to evaluate its internal components (thematic content, language style and compositional structure), relating
them to the Didactic Sequence elaborated and executed by the teacher. The study begins with a brief rescue
of the writing teaching history, the beginning of literacy practices and the teaching of textual genders in
Brazilian schools. In addition, recovered work about the importance of the Didactic Sequences for the teaching
of genders. Finally, we observe the writing activity of the textual gender poem by fth grade students in
Elementary school, whose texts are described and analyzed. The obtained results point, positively, to suit the
theme and the required compositional structure, but indicate weaknesses in the language style. The analysis
of the results suggests a direct relationship between the activities of the Didactic Sequence and the developed
components in the poems.
Keywords: Textual Gender. Poem. Production of Text. Elementary School. Didactic Sequence.
Resumen
Este artículo cualitativo discute la redacción del género textual poema en la escuela primaria, buscando evaluar
sus componentes internos (contenido temático, estilo de lenguaje y estructura compositiva), relacionándolos
con la secuencia didáctica elaborada y realizada por un maestro. El estudio comienza con una breve revisión de la
historia de la enseñanza de la escritura, el comienzo de las prácticas de alfabetización y la enseñanza de géneros
textuales en las escuelas brasileñas. Además, se está recuperando el trabajo sobre la importancia de las secuen-
cias didácticas para la enseñanza de géneros. Finalmente, se observa la actividad de escritura del género poema
por parte de estudiantes de quinto año de escuela pública, cuyos textos se describen y analizan. Los resultados
apuntan positivamente a la adecuación al tema requerido y la estructura compositiva, sin embargo, indican de-
bilidades, sobre todo, en el estilo de lenguaje adoptado. El análisis de los resultados sugiere una relación directa
entre las actividades promovidas en la secuencia didáctica y los componentes bien desarrollados en los poemas.
Palabras clave: Género textual. Poema. Producción de texto. Educación primaria. Secuencia Didáctica.
A escrita de gêneros textuais nas escolas
Sabe-se que a preocupação com o ensino da escrita de textos funcionais nas
escolas é muito recente. Os estudos de Mortatti (2006) revelaram que a escola bra-
sileira, desde o século XIX, período em que as aulas régias foram substituídas pela
escola obrigatória, leiga e gratuita, até o início da década de 1980, praticamente
não ensinava a escrever textos com os quais crianças e adolescentes interagiam em
sua vida cotidiana. A autora revela que, durante quase dois séculos, privilegiou-se
o ensino da leitura, considerando-se o ato de escrever como espontâneo e natural,
ocorrendo em função apenas do aprendizado da leitura. Assim, as práticas de escri-
ta, exercidas pela escola, restringiram-se, por séculos, aos treinos de caligrafia, às
cópias, aos ditados, às redações/composições escolares etc., cujo propósito não era
ensinar os gêneros textuais que circulavam na sociedade, e, sim, promover o mero
aprimoramento linguístico.
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Tal realidade, segundo Soares (2006), começou a mudar com as discussões
sobre letramento que chegaram ao Brasil na década de 1980. Segundo a autora,
a sociedade da época percebeu que apenas a alfabetização (ensino da codificação e
da decodificação das letras do alfabeto) não era suficiente para que as pessoas uti-
lizassem a escrita com sucesso em práticas sociais. Muitas pessoas, então, saiam
da escola, naquele período, sabendo as letras do alfabeto, mas incapazes de ler e de
escrever textos necessários às suas ações cotidianas. Assim sendo, percebeu-se a
necessidade de letrar, de ensinar a leitura e a escrita de modo funcional, formando
sujeitos capazes de participar dos mais diversos eventos sociais de uso da lingua-
gem escrita. Dessa forma, o processo de letramento, juntamente com a alfabetiza-
ção, passou a fazer parte do processo de ensino da escrita, seguindo o entendimento
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997) de que:
[...] ensinar a ler e a escrever somente pelo estudo isolado de letras, palavras ou frases
representaria a descontextualização do processo de ensino-aprendizagem, já que se retira
o objeto de estudo (a linguagem escrita) do seu ambiente natural (o texto). O que se propõe
também não é a exclusão do estudo segmentado das letras, das palavras ou das frases e sim
que ele seja contextualizado, que o aprendiz compreenda que essas partes integram o todo
que, no caso, sempre será um texto, seja ele complexo, como um romance, ou mais simples,
como um bilhete (p. 29).
Nesse sentido, a alfabetização e o letramento passaram a ser entendidos como
processos simultâneos e complementares para a formação do proficiente usuário da
escrita. Tfouni (2005, p. 9, grifo do autor) sintetiza a relação entre alfabetização, le-
tramento e escrita da seguinte forma: “a relação entre eles é aquela do produto e do
processo: enquanto os sistemas de escrita são um produto cultural, a alfabetização
e o letramento são processos de aquisição de um sistema escrito”. Essa mesma con-
cepção de alfabetização e de letramento é também compartilhada pelo Ministério
da Educação (MEC), já que esse entende que a alfabetização envolve a apropriação
do sistema de escrita (princípios alfabéticos e ortográficos) e que o letramento deve
ser compreendido:
[...] como o processo de inserção e participação na cultura escrita. Trata-se de um processo
que tem início quando a criança começa a conviver com as diferentes manifestações da
escrita na sociedade (placas, rótulos, embalagens comerciais, revistas, etc.) e se prolonga
por toda a vida, com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que
envolvem a língua escrita (leitura e redação de contratos, de livros científicos, de obras
literárias, por exemplo) (BRASIL, 2012, p. 12-13).
Constatou-se, então, que o ensino da escrita de textos voltado meramente para
o aperfeiçoamento linguístico pouco contribuía com a formação plena do escritor.
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Ou seja, percebeu-se que a escola “produzia” muitos analfabetos funcionais, indiví-
duos que dominavam as técnicas do ler e do escrever, todavia, eram incapazes de
usá-las em boa parte das atividades sociais que as envolviam. Assim sendo, com
tais mudanças de concepção de ensino e de adoção do letramento como prática
necessária para a inserção dos sujeitos na cultura escrita, reconheceu-se também a
urgência do ensino dos gêneros textuais, já que esses são entendidos como materia-
lização dos textos que ocorrem no cotidiano, ou seja, os gêneros textuais apresen-
tam-se como formas que concretizam toda e qualquer comunicação verbal, a qual
não ocorre senão por meio deles, o que torna obrigatório seu ensino.
Neste sentido, Bakhtin (2003) explica que os gêneros textuais são construções
que, para atender determinadas especificidades de um campo discursivo, assumem
conteúdo temático, estrutura de linguagem e construção composicional relativa-
mente estáveis. Ou seja, as diferentes atividades humanas, mediadas pelo uso das
diferentes linguagens, necessitam, muitas vezes, dos gêneros textuais (escritos ou
orais) para que ocorram, os quais apenas ocorrerão com êxito se respeitarem as
características próprias do campo discursivo no qual é utilizado.
Os estudos de Marcuschi (2002) e Schneuwly e Dolz (2004) seguem nessa mes-
ma direção. Marcuschi (2002) considera que toda comunicação verbal depende da
ocorrência de gêneros textuais; para o autor, é por meio deles que as ações socio-
discursivas “dizem” e “agem” sobre o mundo. Tais ações se dão de modo “relativa-
mente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de práticas sociais
e em domínios discursivos específicos” (MARCUSCHI, 2002, p. 24). Isso significa
que, para funcionar em determinados espaços sociais, é preciso que haja certa;
padronização, isto se dá, como supracitado, em relação aos conteúdos e conheci-
mentos dizíveis, à estrutura comunicativa (o “esqueleto” composicional) e ao estilo
de linguagem empregados no texto, que, com tais características, se concretizam
em um gênero textual (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004).
Conclui-se, então, que todas as variantes envolvendo a escrita dos gêneros
textuais devem ser ensinadas nas escolas. Para Marcuschi (2002, p. 32-33), “to-
dos os textos se manifestam sempre num ou noutro gênero textual”, assim, “um
maior conhecimento do funcionamento dos gêneros textuais é importante tanto
para a produção como para a compreensão”. Analogamente, Val (2007), reconhe-
cendo que toda comunicação verbal se dá por meio dos gêneros textuais, ressalta
a necessidade do ensino dos gêneros textuais nas escolas, uma vez que, segundo a
autora, muitos estudantes chegam à escola com pleno domínio de gêneros menos
elaborados, principalmente os orais, contudo, é, por meio da escola, que aprendem
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gêneros novos ou mais elaborados, os quais não seriam aprendidos fora dela, seja
pela complexidade, seja pelo desconhecimento de sua existência.
Assim sendo, acredita-se que o ensino dos gêneros textuais significa sobretudo pos-
sibilitar que os sujeitos participem dos mais diversos campos de atividades humanas
que usam a escrita, inclusive daqueles de maior prestígio social. Portanto, aprender a
ler e a escrever o maior número de gêneros textuais possíveis torna-se condição impor
-
tante para alcançar mudanças e melhorias nas condições sociais dos homens. Eviden-
cia-se, então, o importante papel da escola de promover a continuidade do processo de
letramento por meio do ensino sistemático dos gêneros para que crianças e adolescen
-
tes possam cada vez mais participar dos eventos sociais mediados pela escrita.
Contudo, é preciso ressalvar que não é suficiente que a escola substitua as
frases soltas pelo simples ensino dos conteúdos, linguagem e estrutura necessária
em cada gênero textual para que o problema do ensino da linguagem escrita este-
ja resolvido. Segundo Santos, Mendonça e Cavalcante (2007), é necessário que se
aborde, nas escolas, tanto os componentes internos dos gêneros textuais quanto
seus componentes externos para que a escrita seja, efetivamente, aprendida. Isso
significa que o ensino do conteúdo temático, da linguagem e da estrutura compo-
sicional de um gênero deve ocorrer em consonância com o estudo das motivações
externas que geram tais características. Para tanto, deve-se conduzir o aluno a
compreender quem são o campo discurso, os usuários envolvidos, o contexto social,
a cultural, o aspecto geográfico etc. que determinam a escolha de um determinado
gênero textual, de seu conteúdo, de suas estrutura e linguagem.
Portanto, não é possível, por exemplo, ensinar, nas escolas, a linguagem uti-
lizada em um gênero textual sem abordar as motivações externas para a adoção
desta linguagem. Nesse sentido, surgem, para atender a essa exigência, as Se-
quências Didáticas (SD), discutidas, sobretudo, por Schneuwly e Dolz (2004), as
quais revelam-se fundamentais para o ensino dos gêneros textuais, já que, se bem
elaboradas e aplicadas, contemplam o ensino de todos os seus componentes (exter-
nos e internos).
O uso das sequências didáticas para o ensino dos gêneros textuais
Diante da necessidade do ensino dos aspectos internos (conteúdo temático,
estilo de linguagem, estrutura etc.) e externos (finalidade do texto, usuários, con-
texto social, cultural, regional etc.) dos gêneros textuais nas escolas, o uso das
Sequências Didáticas (SD) mostra-se necessário a tal propósito, já que, segundo
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Schneuwly e Dolz (2004), essa ferramenta dispõe de um conjunto de atividades es-
colares programadas sistematicamente para que o aluno aprenda um determinado
gênero. As SD têm a finalidade de auxiliar o trabalho do professor, levando o aluno
à apropriação e à consequente utilização dos gêneros nos mais diferentes espaços
sociais, nesse sentido, as SD devem possibilitar, ao aluno, o aprendizado tanto dos
gêneros desconhecidos quanto daqueles conhecidos, porém, difíceis de serem utili-
zados (orais ou escritos).
O reconhecimento das SD como ideais ao ensino dos gêneros se dá pela plas-
ticidade dos procedimentos nelas adotados para o ensino: toda a SD se constrói em
função do gênero a ser ensinado e do grupo para qual será utilizada. Assim sendo,
cada SD terá características peculiares que devem, de acordo com Schneuwly e
Dolz (2004), atender a alguns pressupostos: 1. A adaptação da escolha do gêne-
ro e das situações de comunicação às capacidades dos alunos; 2. Antecipação das
transformações possíveis e de etapas que possam ser transpostas; 3. Simplificação
de tarefas para que não excedam as capacidades iniciais das crianças; 4. Esclare-
cimento dos objetivos da escrita e do caminho a ser percorrido; 5. Tempo suficiente
para que ocorra a aprendizagem; 6. Organização das intervenções para que ocor-
ram transformações/avanços na escrita dos textos; 7. Organização de momentos de
colaboração entre os alunos para que contribuam entre si com as transformações;
8. Avaliação das transformações ocorridas.
Em síntese, a utilização das SD passa por quatro etapas que devem ser con-
templadas em sua elaboração: 1. Apresentação inicial (conhecimento do projeto de
escrita a ser executado: apreciar o gênero – o que envolve sua leitura e estudo, a
quem se dirige, a forma que ele assume, quais sujeitos o utilizam etc.); 2. Primeira
produção escrita (responsável pela manifestação das primeiras representações que
o aluno-escritor tem do gênero, funcionando como “termômetro” para que o profes-
sor identifique quais capacidades de escrita ainda precisam ser desenvolvidas; 3.
Módulos de intervenção (atividades que buscam solucionar os problemas encontra-
dos); 4. Produção final (acompanhamento dos avanços obtidos).
As vantagens da utilização das SD como estratégias de ensino foram observa-
das em algumas pesquisas. O estudo qualitativo desenvolvido pela pesquisa-ação
de Galvão (2015) revelou avanços significativos no aprendizado dos gêneros por
alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, explicitando sobretudo avanços das pri-
meiras versões dos textos escritos em relação à versão definitiva. A pesquisa, rea-
lizada com 66 alunos de uma escola pública, valeu-se de diferentes instrumentos,
tais como questionários, observações, leituras e escritas de textos, para observar o
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desenvolvimento da escrita em diferentes gêneros textuais: carta, bilhete, música,
poesia, fábula e conto. A análise dos 90 textos escritos e dos 58 questionários res-
pondidos revelou que houve avanço significativo na leitura e na escrita dos gêneros
no que se refere à construção de informações explícitas e implícitas no texto, à
inferência de sentido de palavras e expressões, à relação de lógica entre partes de
textos de diferentes gêneros e temáticas, além da relação entre textos verbais e não
verbais (GALVÃO, 2015). Avaliou-se que as SD contribuíram com:
[...] O planejamento dos textos considerando o contexto de produção; a organização do texto
dividindo-o em tópicos, parágrafos ou estrofes; a produção de diferentes gêneros com auto-
nomia, atendendo a distintas finalidades; além da pontuação, estruturação dos períodos e
utilização de recursos coesivos para organização das ideias e fatos (GALVÃO, 2015, p. 333).
A pesquisa ainda constatou que as SD foram capazes de motivar a produção
escrita em sala de aula, uma vez que se observou o maior envolvimento dos dis-
centes nas atividades de escrita. Diante de todos os resultados, concluiu-se que
o aprendizado e o aperfeiçoamento da escrita por meio das SD são possíveis com
quaisquer gêneros textuais, já que o estudo fez uso de um número diversificado de
gêneros e observou avanço em todos (GALVÃO, 2015).
Analogamente, o estudo desenvolvido por Souza (2015) constatou resultados
muito positivos nas escritas de trinta alunos do Ensino Fundamental de uma escola
pública quando utilizada a SD para o ensino dos gêneros textuais Carta Pessoal e
Carta do Leitor. A aplicação da SD (apresentação e estudo dos gêneros, a produção
inicial - diagnóstica-, os módulos de intervenção e a reescrita da versão definitiva
dos gêneros), de acordo com a pesquisa, provocou maior interesse dos alunos pela
escrita: constatou-se melhoria da atenção dos alunos no processo de leitura, maior
participação nas discussões, no processo de escrita do texto, na análise linguística,
na autocorreção e na reescrita do texto, corroborando a formação escritora daque-
les sujeitos. O estudo também observou melhorias na construção dos gêneros tex-
tuais escritos: as comparações entre a primeira e a última versão, realizadas como
parte do percurso metodológico adotado pela pesquisadora, revelaram progressos
significativos nos dois gêneros escritos. As versões finais das cartas pessoais mos-
traram avanços, sobretudo, no que se refere às soluções gramaticais encontradas
pelos alunos, uma vez que essa era a maior dificuldade no gênero. Além disso, hou-
ve melhoria na organização estrutural do gênero: saudação, desenvolvimento do
conteúdo temático, despedida etc. Na escrita da carta do leitor, as mudanças mais
significativas ligavam-se à utilização da linguagem (SOUZA, 2015).
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A escrita do gênero textual poema no ensino fundamental I
Diante das constatações supramencionadas em torno da importância das SD
para o ensino de gêneros textuais é que esse estudo se interessou por observar
como ocorre a escrita de um gênero textual ao final do Ensino Fundamental I, a
partir de uma proposta de escrita elaborada e aplicada pelo docente. Assim sendo,
considerando o contexto de produção em que aconteceu o ensino do gênero, discute-
-se aqui o quanto os alunos conseguiram produzi-lo respeitando as características
de estilo de linguagem, conteúdo temático e estrutura composicional relativamente
estáveis de acordo com o campo discursivo no qual ocorre.
A pesquisa de campo
A razão deste estudo qualitativo está no objetivo geral desta pesquisa: ava-
liar os componentes internos (conteúdo temático, estilo de linguagem e estrutura
composicional) de um gênero textual escrito por alunos do Ensino Fundamental I
em uma escola pública a partir de uma proposta elaborada e aplicada pelo docente
titular. Realizou-se, então, a pesquisa de campo para compreender o quanto os
gêneros textuais, escritos pelos discentes em situações cotidianas propostas pelo
professor, estão adequados no que se refere às suas características formais inter-
nas. Assim sendo, espera-se provocar uma reflexão sobre a capacidade escritora de
gêneros textuais por alunos nas escolas de Ensino Fundamental I.
Para melhor entender como os alunos estão escrevendo no Ensino Fundamen-
tal I, decidiu-se observar o processo de escrita de um gênero textual no 5º ano,
porque é o último ano escolar e entende-se que o trabalho sistemático com ensino
da escrita dos gêneros já esteja mais avançado. Tornaram-se, então, participantes
dessa pesquisa 21 alunos, que aceitaram participar e tiveram autorização de seus
responsáveis, e a docente da turma, que também autorizou o trabalho. O estudo
foi desenvolvido em uma escola municipal do interior do estado de São Paulo. Vale
ressaltar que esse estudo apenas teve iniciou após a aprovação do Comitê de Ética
em Pesquisa em Seres Humanos (parecer nº 1.185.377), de acordo com a Resolução
CNS 466/12.
Os instrumentos de pesquisa foram decididos em função do propósito de ava-
liar a escrita dos alunos e de observar o desenvolvimento das atividades em sala de
aula. Assim sendo, foram utilizados o diário de observação para relatar a atividade
de escrita desenvolvida, uma Escala de Observação Sistemática (elaborada pelos
pesquisadores) para orientar o olhar da pesquisa e auxiliar na interpretação da SD
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e, por fim, as versões finais das escritas dos discentes (21 textos) para avaliar as
características do gênero escrito.
Para descrição e análise dos resultados das escritas dos alunos, dois aspectos
foram considerados: o primeiro diz respeito ao contexto de produção (as intenções
expressas pela professora na apresentação da proposta de escrita, o espaço social:
a cidade e a escola, e o tempo: momento histórico) no qual a escrita aconteceu, ou
seja, os fatores que podem ter interferido para que o gênero textual fosse escrito de
uma ou de outra forma; e o segundo aspecto considerado para a leitura e a inter-
pretação dos dados foi o ponto de partida e o modo como foi elaborada e aplicada a
SD pelo docente, já que isso pode determinar as características do gênero escrito.
A sequência didática para o ensino de poemas
As atividades de escrita do gênero textual ocorreram em três diferentes dias,
segundo o planejamento feito pela docente do grupo. A professora decidiu trabalhar
com o gênero textual poema para que continuasse o trabalho que, segundo ela,
vinha sendo feito e estava gerando bons resultados.
No primeiro dia de observação da atividade, a professora iniciou sua Sequên-
cia Didática anunciando, aos alunos, a escrita do gênero poema e do tema “O lugar
onde vivo” e revelando o propósito de apresentá-lo no sarau da escola. Lembrou-os
também que já haviam estudado poemas em outras situações e que era um gênero
próximo à paródia, gênero trabalhado na semana anterior. A docente prosseguiu
como uma discussão sobre a relação dos alunos com o gênero: o que já haviam lido,
do que tratavam, se gostaram etc. Em seguida, o poema “Prazer de Poeta”, de Mar-
dilê Friedrich Fabre, foi lido, discutiu-se o título do poema, o conceito de estrofes,
de versos e de rimas e como se organizavam tais componentes no poema (além da
discussão, os discentes também responderam a um questionário). Posteriormente,
passaram a tratar do vocabulário: buscar os significados de termos desconhecidos,
o que subsidiou a discussão sobre a temática do poema lido. Por fim, a professora
atribuiu duas lições de casa aos alunos: encontrarem poemas com apenas uma
estrofe e pesquisarem sobre o lugar onde vivem: clima, paisagem, pessoas, coisas
boas e/ou ruins.
No segundo dia de observação, ocorreu a escrita dos poemas. A professora
não conferiu ou retomou a tarefa solicitada anteriormente, mas começou a aula
elogiando o envolvimento dos alunos com os poemas, pois estavam escrevendo-os
espontaneamente em casa. Prosseguiu, então, com a leitura e a interpretação dos
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A escrita do gênero textual poema no ensino fundamental I
poemas “Cidadezinha”, de Mário Quintana e “Milagre no Corcovado” (de Ângela
Leite de Souza), os quais abordavam o tema “O lugar onde vivo”. Em seguida,
ocorreu a escrita, que foi orientada, pela docente, a fim de que acontecesse em ver-
sos, em estrofes e com rimas. A docente também ressaltou a importância do tema,
pediu para que, ao escrever, recuperassem o bairro, a casa ou outros espaços que
gostassem. Durante o trabalho dos alunos, houve duas intervenções da professora:
primeiro, ela colocou 5 questões na lousa para avaliação do tema, das estrofes, dos
versos e das rimas do poema que os alunos estavam escrevendo, depois insistiu
para que os alunos não se restringissem a um único espaço da cidade, pedia para
alternarem suas escritas sobre diferentes lugares. Por fim, a aula terminou com a
leitura e com a discussão do poema “Poesia das capitais”, de Luiz de Miranda.
No último dia de observação, houve a reescrita dos poemas. A professora co-
meçou a atividade lendo poemas aleatórios e, posteriormente, fez a entrega dos
poemas dos alunos por ela corrigidos e solicitou a reescrita. Contudo, a docente
havia feito apenas correções ortográficas e gramaticais e não solicitou nenhuma
revisão por parte dos alunos. Portanto, os alunos, nessa atividade, apenas “passa-
ram a limpo” seus textos, solucionando os problemas indicados pela docente refe-
rentes à ortografia, à acentuação e à pontuação. Em apenas um ou outro texto a
docente pediu para reorganizar a estrutura do poema, alterando o texto construído
em parágrafos para um texto organizado em versos. Não houve também nenhuma
correção, intervenção ou solicitação de revisão do conteúdo temático ou do estilo de
linguagem do poema. Em síntese, a atividade do dia restringiu ao exercício de “pas-
sar a limpo” os textos, eliminando erros apontados pela professora e, enquanto isso
acontecia, ela lia oralmente alguns poemas. Não ocorreu também a avaliação, por
parte da docente, da escrita final dos poemas, ou seja, as versões finais dos textos
escritos não foram lidas ou discutidas individualmente ou em grupo para avaliar
os avanços e apontar possíveis melhorias.
A escrita de poemas no ensino fundamental I
Sabe-se do caráter normativo que qualquer avaliação possui, elas ocorrem
sempre a partir de escolhas que podem se manifestar menos ou mais arbitrárias.
Quando se trata da avaliação da escrita de gêneros textuais deve-se, então, dar
atenção aos componentes internos ao gênero necessários para que ele se manifeste
como tal, ao mesmo tempo que se deve considerar os componentes externos que
motivam sua escrita e determinam a construção textual do gênero textual escrito.
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Assim, para avaliar a escrita de um poema, é preciso, primeiramente, conside-
rar a multiplicidade de formas que esse gênero pode assumir: um dos mais antigos
gêneros da história da escrita, o poema, ao longo dos séculos, sofreu e sofre trans-
formações em todos seus componentes – assume novas construções composicionais,
adota diferentes conteúdos temáticos e estilos de linguagem diversos a depender
da história, do espaço sociocultural, das intenções artísticas, estéticas, políticas,
econômicas etc. em que ocorre.
Por isso, antes de se determinar como avaliar o conteúdo, a estrutura e o estilo
de linguagem empregados, pelos alunos, na escrita dos poemas, considerou-se o
contexto de produção no qual essas escritas ocorreram: primeiro, atentando-se à
finalidade de escrever um texto para a declamação no sarau da escola e, segundo,
reconhecendo a concepção de gênero construída, juntamente aos alunos, ao longo
do ano letivo, pela professora, já que esta relatou desenvolver recorrentemente
atividades de escrita de poemas. Ademais, considerou-se também como a SD foi
construída e desenvolvida com os alunos: quais pressupostos, concepção de poema,
procedimentos etc. estavam presentes na atividade de escrita desenvolvida.
Assim sendo, chegou-se a dois trabalhos importantes que nortearam a ava-
liação dos poemas. O primeiro foi o de Altenfelder e Armelin (2010), visto que as
atividades propostas pela docente se apoiaram no material didático “Poetas da
escola: caderno do professor: orientação para produção de textos”, fascículo que
faz parte do “Programa Escrevendo o Futuro”, desenvolvido pela “Fundação Itaú
Social”. A escolha do tema “O lugar onde vivo”, alguns poemas lidos para tratar da
temática, algumas questões de interpretação sobre o tema ou mesmo questões re-
flexivas sobre a construção composicional do gênero foram trazidas integralmente
ou adaptadas desse material.
Outro trabalho que sustentou a avaliação dos poemas escritos foi o estudo
de Val e Marcuschi (2010), já que as pesquisadoras fizeram um extenso estudo
avaliando 250 poemas escritos por alunos do quinto e do sexto ano do EF que parti-
ciparam da “Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa”, cujas aulas ministradas
pelos docentes também adotaram a concepção de poema e atividades que compuse-
ram a Sequência Didática trazida pelo material didático “Poetas da escola: caderno
do professor: orientação para produção de textos”, de Altenfelder e Armelin (2010).
Assim, com o objetivo de padronizar os critérios de avaliação e de construí-la de
forma mais justa possível, elaborou-se o Quadro 1, apoiado sobretudo nos trabalhos
desses autores.
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Quadro 1 – Descritores observados no gênero textual Poema
NULO OU AUS ENTE PRECÁRIO OU INSUFICIENTE
ADEQUADO
Estrutura
Composicional: Rima
e/ou métrica
Estrutura
Composicional: Versos e
estrofes
Conteúdo Temático:
Autoria
Estilo de Linguagem:
Conotação e Recursos
Formais Especiais
Prevalece a denotação, o
s ujeito lírico não revela
suas impressões.
Construção da temática
por meio de clichês, de
imagens pertencentes ao
senso comum.
Emprego apenas da
função denotativa da
linguagem. Ausência de
recursos sonoros
(aliteração, assonância,
aliteração etc.) que
contribuem com a
significação.
Quando o texto se
organiza em prosa
(organização paragrafal).
Prevalecem os clichês e, em apenas
alguns versos, palavras ou
expressões em que o eu lírico
manifesta sua subjetividade, suas
impressões e/ou tom avaliativo.
Tratamento crítico ou
humorístico da temática e/ou
surpreende pela presença de
tom poético.
Presença de figuras de
linguagem que reconstroem o
real, há o inusitado: metáfora,
antítese, comparação,
personificação etc. capazes de
surpreender. A significação é
ampliada por esses usos.
Presença de recursos sonoros
(aliteração, assonância etc.) que
contribuem com a significação.
Organização do texto em uma
ou mais estrofes, em que os
versos apresentam ideia
completa e contribuem com o
desenvolvimento da temática.
Ausência de figuras de linguagem
que reconstroem a realidade.
Ocorrem apenas metáforas
desgastadas ou comparações
desprovidas de tom poético. Não se
nota a ampliação da significação
por meio das figuras de linguagem.
Pouco ou nenhum recurso sonoro
(aliteração, assonância etc.) que
contribui com a significação.
Ainda que pareça que o texto está
organizado em estrofes e versos,
isto ocorre apenas pela falsa
aparência de mudança de linhas.
Percebe-se que há versos que não
possuem uma ideia coerente ou
completa, nota-se também palavras
soltas usadas como versos.
Rimas e/ou métrica obtidas por meio
de combinações forçadas, presença
constante de incompatibilidade
vocabular ou de ideias que não
contribuem com o desenvolvimento
do tema, tudo em prol da rima ou do
rit mo .
Não se percebe
quaisquer marcas de
ritmo no poema.
Utilização de versos mais
longos, mas que, metricamente,
garantem o ritmo do poema e/ou
presença de rimas ricas, aquelas
em que, além da regularidade
que garante a musicalidade,
contribuem com a significação.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Assim sendo, os descritores expostos no Quadro 1 foram utilizados para orien-
tar a leitura dos textos escritos pelos alunos e a descrição dos resultados, que foram
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sistematizadas no Quadro 2. Nele, os dados revelaram o percentual de alunos cujo
desenvolvimento foi nulo/ausente, precário/insuficiente ou adequado dos seguintes
componentes do gênero poema: Atendimento ao tema e autoria (para o Conteúdo
Temático), Linguagem conotativa e recursos formais especiais (para o Estilo de
Linguagem) e Versos/estrofes e rimas/métrica (para a Estrutura Composicional).
Quadro 2 – Atendimento aos componentes internos do gênero Poema escrito pelos alunos do 5º ano
mero
absoluto de
textos
Porcentagem
mero
absoluto de
textos
Porcentagem
mero
absoluto de
textos
Porcentagem
NULO OU AUSENTE
PRECÁRIO OU
INSUFICIENTE
ADEQUADO
Conteúdo
Temático
Atendimento ao
Tema
0
0,0%
0
0,0%
21
100,0%
Autoria
7
33,3%
11
52,4%
57,1%
Estilo de
Linguagem
Linguagem
Conotativa e
Recursos
Formais
Es pec iais
16
76,2%
4
19,1%
5
23,8%
12
TOTAL DE TEXTOS
ESCRITOS : 21
4
19,0%
33,3%
Rima e/ou
métrica
8
38,1%
6
28,6%
7
3
14,3%
1
4,8%
Estrutura
Composicional
Versos e
estrofes
Fonte: Elaborado pelos autores.
No Quadro 2, os dados relativos ao desenvolvimento do Conteúdo Temático dos
poemas revelaram, primeiramente, que todos os alunos desenvolveram o tema que
foi solicitado pela docente, ou seja, todos abordaram o tema “O lugar onde vivo”,
não havendo fuga ao tema. Contudo, uma investigação mais profunda da temática
revelou que poucos conseguiram desenvolver a autoria, apenas 14,3% de forma ade-
quada, sendo que esse componente considerou o quanto os alunos manifestavam-se
de forma crítica, humorística, irônica ou poética, o que prevaleceu, nas escritas dos
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alunos (85,7% categorizadas como precárias ou insuficientes), foram apenas avalia-
ções superficiais ou apreciação do espaço por meio de adjetivações, como se observa
na utilização dos termos “lindo” e “bonito” no Exemplo 1, porém, sem qualquer in-
dício de recriação da realidade, de sua apresentação de forma inusitada ou crítica.
Exemplo 1 (Poema 13A)¹
O lugar onde eu
vivo é um lindo
lugar de céu azul.
Um lugar muito
bonito, cheios de
pessoas que eu
gosto e adimiro [...]
Em outros poemas, os discentes pareciam iniciar um posicionamento mais
crítico, contudo, abandonavam a ideia ou não conseguiam desenvolvê-la, o que pre-
judicava a construção da autoria nos textos. No Exemplo 2, o aluno revelou o amor
pelo lar, contrapondo-o ao fato de morar perto de um bar, isto foi expresso pela con-
dicional “mesmo que”, porém, a ideia não foi desenvolvida completamente, o que
impossibilitou depreender os motivos da crítica ao fato de se viver próximo ao bar.
Exemplo 2 (Poema 9A)
[...] Amo muito meu lar
não quero mudar
mesmo que more
perto de um bar.
Houve, no entanto, dois poemas que, respeitadas as idades das crianças, foram
capazes de surpreender, de revelar impressões, sensações ou imagens inusitadas
sobre o lugar onde se vive. No Exemplo 3, constatou-se a recriação do espaço por
meio da analogia que o aluno fez entre o “claro” do “céu”, do “sorriso das pessoas” e
das “ruas”. Observou-se, então, o desejo de surpreender o leitor por meio da repre-
sentação do espaço de modo inusitado.
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Exemplo 3 (Poema 17A)
[...] claro e o céu
o sorriso das pessoas
as ruas também [...]
O segundo componente do gênero poema analisado foi o estilo de linguagem,
observando-se, sobretudo, a capacidade do aluno em desenvolver o sentido conota
-
tivo da palavra (sentido figurado), já que este aspecto é fundamental ao texto poé-
tico, uma vez que promove a ampliação da significação, sugere leituras múltiplas e
a construção de imagens inusitadas da realidade. Isso também é possível quando
o aluno faz uso de recursos formais sonoros (sons sugestivos), como é o caso da
assonância e da aliteração, que ampliam a significação temática, ou da repetição
intencional de palavras ou versos para enfatizar ou reforçar significados.
Todavia, ao contrário do que se esperava para a escrita de poemas, prevaleceu
o uso denotativo da linguagem e os alunos não fizeram uso de recursos sonoros
para ampliar os significados da palavra. Dos 21 textos escritos, 16 apenas descre
-
veram o espaço e/ou o elogiaram, sem apresentar nenhum indício de linguagem
figurativa e de estratégias de exploração da sonoridade com o objetivo de reforçar
ou ampliar significados, o que ocorre no Exemplo 4.
Exemplo 4 (Poema 19A)
o lugar onde eu vivo
é muito bonito e lega
De se viver
E é tudo azul lá.
É uma cidade de tamanho
Porte médio, mas lá
Tem várias atrações dentro
Da cidade.
Há um lago Lá que se
Cama Lago-azul e é
Lindo de morar Lá
Na cidade que eu moro!
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Quanto ao uso de recursos formais, principalmente os sonoros, não se perce-
beu nenhum uso intencional de repetições, aliterações ou assonâncias com o obje-
tivo de reforçar ou sugerir interpretações inusitadas. Houve apenas casos em que
os alunos se valeram da repetição, sobretudo da expressão “o lugar onde eu vivo”,
para manter a progressão temática e não para criar um determinado efeito de
sentido, como é possível notar no Exemplo 5.
Exemplo 5 (Poema 15A)
O lugar omde eu vivo
É bom e harmoniozo
Sou feliz
Por causa dele
O lugar omde eu vivo
Eu tenho amigos
Educados e parentes
Carinhosos
O lugar omde eu vivo
É saudável tem pessoas de
Todos os jeitos que possa
Imaginar
Já no Exemplo 6, classificado como insuficiente no estilo de linguagem, em-
pregou-se a linguagem de forma mais expressiva, porém, utilizou-se uma metáfora
desgastada, ou seja, um clichê para anunciar o nome da cidade da qual tratava, isto
porque ele associa a cidade a uma “joia”.
Exemplo 6 (Poema 11A)
[...] Pensando agora
já está na hora
de dizer o nome
de nossa joia
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Ainda que a maioria dos alunos apresentasse dificuldade no tratamento da
linguagem nos poemas, visto no Exemplo 3, mostrou-se diferente, já que o aluno
foi capaz de associar elementos incomuns, o que se configura, ainda que de modo
simples, como um processo metafórico: “[...] claro e o céu/ o sorriso das pessoas/ as
ruas também”. Nesse poema, “céu”, “sorriso” e “rua” ganham a mesma propriedade
“claro”. Essa construção revelou também o potencial criativo do aluno ao fazer um
trocadilho com o nome de sua cidade, já que ele se aproveitou de parte de seu nome
para criar o adjetivo “claro” que a qualifica, ou seja, fez uso de um recurso formal
(o trocadilho), alcançando um estilo especial e surpreendente ao usar a linguagem,
algo importante para o fazer poético.
O último componente analisado na escrita dos poemas foi a Estrutura com-
posicional, vista sob dois aspectos: a organização do texto em estrofes e versos,
cujos dados revelaram que 57,1% dos alunos conseguiram produzi-los; e obtenção
de ritmo, por meio de rimas ou de métrica, o que foi alcançado adequadamente por
33,3% dos discentes. O Exemplo 7, assim como mais da metade dos outros poemas,
revelou organização adequada das estrofes, já que elas serviram para dividir os
versos de acordo com os diferentes espaços que eram tratados no poema; também
estavam adequadas as construções dos versos, uma vez que cada verso possuía
sentido completo, não havia quebras sintáticas e estabeleciam relação semântica
entre si, o que contribuía com o desenvolvimento da temática.
O Exemplo 7 mostrou-se exemplar também na produção do ritmo, assim como
outros 33,3%. Nesse exemplo, é possível notar que o aluno zelou pelas rimas cons-
tantemente e elas, ainda que não contribuíssem com a reconstrução poética da
realidade, não prejudicaram o desenvolvimento da temática, ou seja, não foram
“forçosas”. O poema também manifestou certa regularidade rítmica: muitos versos
com a mesma quantidade de sílabas métricas, o que contribuiu com a melodia.
Nesse sentido, esse poema mostrou-se exemplar no tratamento do eixo Estrutura
Composicional.
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Exemplo 7 (Poema 9A)
Eu vivo no Brasil
minha cidade
é muito legal
O que mais gosto
É pular no quintal
Amo muito meu lar
não quero mudar
mesmo que more
perto de um bar
Os poemas categorizados como adequados tiveram estrutura composicional se-
melhante ao apresentado no Exemplo 7, ainda que houvesse, por exemplo, quebra
sintática em um verso ou alguma rima forçosa, que prejudicasse esporadicamente
o desenvolvimento da temática, o que, no entanto, não foi o suficiente para clas-
sificá-los como precários. Contudo, 23,8% dos poemas observados apresentaram
constantes problemas como esses na constituição dos versos e foram classificados
como precários na sua construção, como pode ser observado no Exemplo 8.
Exemplo 8 (Poema 19A)
O lugar onde eu vivo
é muito Bonito e Legal
De se viver
e é tudo azul lá.
É uma cidade de tamanho
porte médio, mas lá
tem várias atrações dentro
Da cidade
[...]
Nota-se que, no Exemplo 8, os primeiros versos apresentaram certa organi-
zação, já que mantiveram uma relação de complementação sintática, ou seja, os
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versos possuíam uma ideia completa e coerente. Contudo, isso se perdeu ao longo
do poema, sobretudo a partir da segunda estrofe, cujos versos ocorreram de modo
incompleto e com sua significação fragmentada, apenas completando-se nos versos
seguintes.
As quebras sintáticas foram ainda mais frequentes no Exemplo 9, parece que
a única concepção do que seja verso, para esse aluno, é a ideia de que são produ-
zidos em linhas mais curtas, deste modo, o discente, assim como outros, construiu
uma espécie de parágrafo em linhas bem curtas e de tamanho semelhante para que
se parecesse com versos de um poema. Ou seja, os textos apresentavam algumas
palavras soltas que não produziam significados completos nos versos. Portanto,
a construção de versos e de estrofes do Exemplo 9, assim como de outros três, foi
considerada nula.
Exemplo 9 (Poema 3A)
A nossa
cidade é
ótima para
viver em
paz, amor
e Alegria
A nossa
praça é
especial o
nome é
sete de Setembro
[...]
Em relação à construção do ritmo, além do Exemplo 7, que tanto produziu
rimas quanto estabeleceu certa regularidade métrica entre os versos, houve outros
poemas que também foram classificados como adequados, uns por construir rimas
ao longo de todo poema, contribuindo com a temática, mesmo sem desenvolver a
métrica e outros por preservar relativamente a simetria métrica entre os versos,
ainda que não construísse rimas. Contudo, 38,1% dos poemas não possuíam ritmo
em nenhum excerto, a maioria desses textos foram os mesmos que também não
foram capazes de construir versos com sintaxe completa, como pode ser notado
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no Exemplo 9. Ou seja, houve uma relação direta entre a dificuldade de construir
versos com estrutura sintática preservada e a ausência de ritmo nos poemas.
Por fim, houve também 28,6% dos poemas em que o ritmo foi categorizado
como precário. Boa parte desse resultado se deve ao fato de os poemas, em algum
momento, produzirem rimas simples, mas, ao longo da produção, abandonarem
esse recurso. Também foi recorrente a produção de rimas forçosas, o que significa
que a busca pelas rimas se sobrepôs ao desenvolvimento produtivo e criativo da
temática, como pode ser visto no Exemplo 10, no qual o discente não foi capaz de
trazer à tona o lugar onde vive, entretanto, conseguiu, por meio das rimas e do
recurso da repetição, conferir ritmo ao poema.
Exemplo 10 (Poema 6A)
Na minha cidade
tem ação
Ela também tem
um céu azulão
Todo dia
tem ação
E todo dia tem
Emocao no coração
Todo dia a
ação é plena
Aprendendo um tema
Em síntese, os resultados expressos revelaram tanto aspectos positivos quanto
negativos na escrita dos poemas. De positivo, avalia-se a capacidade de desenvol-
vimento do tema, que foi 100% atendida pelos alunos, já que nenhum mostrou-se
incapaz de produzi-los. Também se mostrou positiva a elaboração de versos e de
estrofes (do componente Estrutura Composicional), pois, ainda que muitos alunos
os produzissem de modo precário, a maioria (80,9%) conseguiu, em certa medida,
construi-los. No entanto, no componente Estrutura Composicional, os resultados
apresentaram-se de modo mais negativo quanto à produção de rimas e/ou métrica.
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Os dados mais preocupantes foram os relacionados ao desenvolvimento da
autoria (do eixo Conteúdo Temático) e ao Estilo de Linguagem empregados nos
poemas. Isso porque, além de apresentarem, como expresso no Quadro 2, baixo
índice de produções adequadas, também revelaram a ausência desses componentes
em uma quantidade significativa de poemas, sobretudo no que se refere ao uso da
linguagem conotativa e de outros recursos formais da linguagem poética, já que
76,2% dos alunos não tiveram aproveitamento algum na avaliação do Estilo de
Linguagem poético.
Considerações nais
Diante dos resultados das escritas dos poemas por alunos do 5º ano do Ensino
Fundamental, algumas discussões em torno das características dessas escritas e
da forma como a professora organizou e aplicou a atividade são necessárias para
que se conclua até que ponto a organização didática, as atividades e as intervenções
propostas influenciaram na escrita dos textos. O primeiro aspecto a ser ressaltado
é o de que os alunos foram capazes de produzir gêneros textuais e que os poemas
(uns mais, outros menos) são capazes de funcionar socialmente, em especial pela
sua adequação ao tema, alcançado por todos os textos, e pela construção composi-
cional em versos e estrofes que, em maior ou menor escala, foi obtida pela maioria
dos alunos. Entretanto, os resultados também revelaram alguns componentes mais
frágeis na escrita dos poemas, dentre eles estão o desenvolvimento da linguagem
conotativa e de outros recursos formais para alcançar a plasticidade da linguagem
poética e o desenvolvimento da autoria.
Esta pesquisa estabelece uma relação direta entre tais resultados e as prá-
ticas desenvolvidas durante as Sequências Didáticas pela docente e a principal
relação refere-se à leitura e ao estudo de outros poemas que subsidiaram as escri-
tas. Os resultados obtidos no desenvolvimento do componente conteúdo temático
evidenciaram a importância da leitura e do estudo do gênero antes do processo de
escrita: ao ler, com os alunos, diversos poemas e ao discutir constantemente o tema
“O lugar onde vivo”, a professora fez com que 100% dos alunos se adequassem ao
tema requerido. Contudo, a professora não trabalhou a necessidade de os alunos
escreverem textos autorais, expressando-se criticamente, com ironia, com humor
etc., e os resultados, por sua vez, revelaram que apenas 14,3% dos alunos expres-
saram algum grau de autoria em seus poemas.
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O trabalho com a leitura também se mostrou valioso para o desenvolvimen-
to da construção composicional dos poemas em versos e em estrofes. A realização
das leituras de poemas, as discussões em torno de sua organização em versos, em
estrofes e com presença de rimas, além de exercícios escritos para revisão da estru-
tura dos poemas fizeram com que 57,1% dos alunos fizessem uso adequado dessa
estrutura e outros 23,8% obtivessem êxito parcialmente. Ou seja, o trabalho de ler,
de reconhecer as estrofes e versos, de contá-los, de estudá-los e de conceituá-los
resultou na estrutura composicional desejada para os poemas.
Porém, o componente estilo de linguagem conotativo e outros recursos esti-
lísticos capazes de ampliar a significação e trazer múltiplos significados ao poema
não foram estudados, o que resultou em apenas um texto conseguindo alcançar tal
estilo. Atribui-se, portanto, esse resultado negativo à ausência de atividades de
estudo da linguagem poética e de outras intervenções que propusessem a revisão
da linguagem adotada. As intervenções de linguagem feitas pela professora ocorre-
ram apenas no sentido de editar os textos escritos, corrigindo somente os erros de
ortografia e de concordância verbal e nominal, o que, ainda assim, não foi capaz de
solucionar todos os desvios de uso da linguagem padrão.
Assim sendo, este estudo admite que as atividades de leitura do gênero poe-
ma para o estudo de suas características promoveram bons resultados na escrita
do gênero, contrariamente, quando isso não foi feito, alguns componentes foram
insuficientemente desenvolvidos ou mesmo não aconteceram. A observação da SD
comparada aos resultados obtidos nos textos dos alunos revelaram que as caracte-
rísticas do gênero que foram estudadas por eles a partir de leituras, de análises, de
questionamentos ou de discussões foram mais recorrentes em suas escritas. Já as
características não trabalhadas foram justamente aquelas que os discentes mais
tiveram dificuldade ou não conseguiram desenvolver em seus textos.
Dessa forma, esta pesquisa constata o impacto que a SD tem sobre a escrita de
um gênero textual, em especial o quanto as intervenções feitas pelo docente antes e
após a escrita da primeira versão do texto podem provocar resultados significativos
na construção do gênero textual. Essa relação direta das atividades contempladas
pela SD com os bons resultados das escritas dos alunos e, contrariamente, a au-
sência de alguns estudos que resultaram em pontos mais frágeis nessas escritas
dialoga com os estudos de Souza (2015), os quais constataram avanços no desen-
volvimento da linguagem de cartas pessoais, sobretudo soluções gramaticais, após
a aplicação de módulos de intervenção que visavam sanar tais dificuldades, além
de avanços no desenvolvimento da temática.
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Isso permite que esta pesquisa defenda que as atividades de intervenção pode-
riam auxiliar os alunos a eliminar ou a minimizar as defasagens no tratamento da
linguagem escrita dos poemas. Nesse sentido, atividades de leitura e de interpreta-
ção, por exemplo, poderiam intervir solucionando as dificuldades com o uso conota-
tivo das palavras, obtendo significados inesperados, combinações surpreendentes
entre as palavras, fazendo com que um número maior de alunos conseguisse usar
adequadamente a linguagem poética.
Portanto, os resultados das escritas dos alunos relacionados às atividades de-
senvolvidas pela docente permitem que este estudo conclua primeiramente que
a presença da SD é necessária para o sucesso da escrita do gênero. Porém, a SD
pode contribuir muito ou pouco para essas escritas: colaborará mais quando os
docentes elaborarem as intervenções de acordo com as dificuldades apresentadas
pelos alunos na escrita do gênero textual e menos quando apenas propor atividades
de correção sem se atentar às reais necessidades/dificuldades de escrita do grupo.
Assim sendo, conclui-se que as intervenções pontuais realizadas no Ensino Funda-
mental I, como fez a professora ao trabalhar a construção dos versos e das rimas
e o tema dos poemas, foram capazes de fazer com que os alunos desenvolvessem o
que foi estudado no gênero. Ao contrário, as correções “tradicionais”, que apenas
apontaram os erros, produziram pouca ou nenhuma melhoria nas escritas.
Em síntese, os resultados aqui expostos e as discussões realizadas não servem
para apontar os responsáveis pelos problemas encontrados na escrita dos poemas,
mas são importantes para se reconhecer que o sucesso da escrita depende muito da
elaboração das SD, o qual ocorre apenas quando há a aproximação do aluno (autor)
com o texto (objeto a ser conhecido) e com o professor-mediador (aquele que apre-
senta o que ainda não se sabe). A Sequência Didática é, então, o elo que aproxima
os três e promove, assim como defendido por Schneuwly e Dolz (2004), o aprendiza-
do do gênero textual por meio de sua apresentação (com leituras, estudos, discus-
são e observação do que os alunos já sabem), da escrita da primeira versão do texto
(e identificação do que ainda é necessário aprender), dos módulos de intervenção
(atividades orais, em dupla, em grupos, coletivas, exercícios de reflexão, reescritas,
roteiros de correção, autocorreção, troca de textos entre os pares, revisão orientada,
leituras de textos do mesmo gênero e de outros gêneros etc.) e da produção final (a
fim de avaliar o que foi aprendido).
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A escrita do gênero textual poema no ensino fundamental I
Nota
1
Todos os exemplos citados pertencem ao corpus utilizado neste estudo e são transcrições das versões finais
escritas pelos alunos, cujo conteúdo, linguagem e estrutura empregados nos poemas foram integralmente
preservados, mantendo inclusive possíveis desvios da norma culta da Língua Portuguesa e outros proble-
mas encontrados.
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