
555
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 27, n. 2, Passo Fundo, p. 569-583, maio/ago. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Arte e educação nas escolas do campo: do reconhecimento das tradições à releitura crítica do mundo
[...] a cultura não é só a manifestação artística e intelectual que se expressa no pensamento.
A cultura manifesta-se, sobretudo, nos gestos mais simples da vida cotidiana. Cultura é
comer de modo diferente, é dar a mão de modo diferente, é relacionar-se com o outro de
outro modo. A meu ver, a utilização destes três conceitos – cultura, diferenças, tolerância
– é um modo novo de usar velhos conceitos. Cultura para nós, gosto de frisar, são todas as
manifestações humanas, inclusive o cotidiano e é no cotidiano que se dá algo essencial: o
descobrimento da diferença (FAUNDEZ; FREIRE, 1985, p. 34).
Segundo Brandão (2002, p. 45), o projeto de educação popular, instituído a
partir do pensamento freireano e das práticas sociais e políticas dos movimentos
dos anos 1960, foi um marco na luta contra a educação colonizadora implementa-
da no Brasil, na medida em que reconheceu “na educação brasileira uma cultura
alienada, produtora de sucessivas estruturas sociais de dominação e tradutora de
sequentes esquemas simbólicos de valores, conhecimentos e princípios de relações
sob controle de grupos e classes dominantes […]”.
O diálogo proposto por Freire (1986), entre educação e cultura está associado
ao desenvolvimento de práticas educativas que sejam constituídas numa interação
constante com as práticas sociais, colocando-se enquanto espaço de trocas de expe-
riências e vivências de novos e velhos conhecimentos. Nessa direção, as experiên-
cias de educação precisam adentrar-se no universo sociocultural dos educandos,
reafirmando-se enquanto prática cultural. Isso porque, para o autor,
Todos os produtos que resultam da atividade do homem [e das mulheres], todo o conjunto
de suas obras, materiais ou espirituais, por serem produtos humanos que se desprendem
do homem [e das mulheres], voltam-se para ele [ela] e o [a] marcam, impondo-lhe formas
de ser e de se comportar também culturais. Sob este aspecto, evidentemente, a maneira de
andar, de falar, de cumprimentar, de se vestir, os gestos são culturais. Cultural também é
a visão que tem ou estão tendo os homens [e as mulheres] da sua própria cultura, da sua
realidade (FREIRE, 1986, p. 57).
Entendemos que a cultura está associada à existência humana, ao processo
de criação e recriação do mundo, implicado naquilo que dá sentido à vida dos su-
jeitos sociais. Nesse caso, discutir processos educativos implicados com as práticas
culturais dos sujeitos constitui-se numa condição essencial ao desenvolvimento
de processos educativos que, primeiro, tenham os sujeitos como protagonistas da
educação e da produção do conhecimento; segundo, que tenha a capacidade de
dialogar com os saberes e valores produzidos nesse contexto, possibilitando uma
maior apropriação dessa experiência enquanto conhecimento crítico do seu fazer/
agir no mundo, práxis social. Por fim, que assume o compromisso político de pro-
duzir conhecimento acerca da realidade como condição necessária ao processo de
transformação social.