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Andréia Mendiola Marcon
Imaginação e criação na infância
Andréia Mendiola Marcon
*
Imaginação e criação na infância é uma obra bastante relevante relacionada
aos estudos da aprendizagem. Embasado por Vigotski (1896-1934), um dos maiores
estudiosos nessa área, este livro foi publicado pela primeira vez na União Soviética
em 1930, foi traduzido para o Português no Brasil em 2009 pela extinta editora Áti-
ca e publicado novamente em 2018 pela editora Expressão Popular, com a tradução
de Zoia Prestes e Elizabeth Tunes.
A obra começa com um prefácio escrito pelas tradutoras, no qual elas expres-
sam a necessidade de publicar novamente as ideias geniais desse que foi um dos
maiores responsáveis pelos estudos da aprendizagem como campo de ciência. As
tradutoras apresentam a preocupação referente à tradução da obra publicada no
Brasil em 2009 e justificam essa apreensão em razão de que em sua percepção, essa
edição, em diferentes aspectos, apresenta divergências no que refere à tradução de
alguns termos e palavras utilizados por Vigotski, a exemplo do que ocorre também
na versão traduzida dessa mesma obra para outros idiomas, como por exemplo o
inglês, o espanhol e o italiano.
Sobre essa divergência as tradutoras explicam que, de modo geral, as obras
de Vigotski traduzidas para diferentes línguas são constantemente marcadas por
interferências de ideias e conceitos equivocados, que deturpam o seu pensamento.
Isso faz com que se apresentem traduções de termos modificados e, por muitas
vezes – ou quase sempre –, compostas por normas técnicas de redação que determi-
nam o que pode ser usado ou não em uma língua sem considerar o estilo linguístico
do autor e o contexto histórico-cultural de sua época. Exemplo disso é o caso da
tradução do livro ora apreciado: Imaginação e criação na infância.
Por essa razão, a edição de 2018 apresenta uma criteriosa tradução e revisão
técnica feita por Zoia Prestes e Elizabeth Tunes. A obra objetiva compartilhar com
*
Doutoranda em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Professora efetiva no Instituto Federal de Educação,
Ciências e Tecnologia campus Sertão/RS. Participa do Grupo de Estudo e Pesquisa em Alfabetização (Gepalfa). Brasil.
E-mail: mendiolamarcon@gmail.com . Agradeço ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Sul, Câmpus Sertão, pelo incentivo aos estudos no doutorado em Educação pela Universidade de Passo Fundo/UPF/RS.
Recebido em 08/02/2020 – Aprovado em 09/04/2020
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v27i2.11445
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a família, a escola e a sociedade uma nova oportunidade de leitura sobre essa temá-
tica fantástica, considerando assim o modo singular e especial de Vigotski.
Os temas e conceitos abordados por esse livro dizem respeito aos vários anos
de investigação realizada por Vigotski a respeito da imaginação e da criação como
elementos essenciais para a construção do conhecimento científico, artístico e cul-
tural pelo sujeito. O pensador e psicólogo apresenta, de forma muito clara, uma
analogia sobre os conceitos de imaginação e de criação e fala sobre como esses
elementos se desenvolvem como resultado da recuperação e da reelaboração das
experiências de vida da criança.
No desenrolar da obra, encontra-se um conjunto de reflexões sobre o modo
pelo qual a criança experiencia as situações e os acontecimentos ao seu redor. Nela,
encontram-se oito capítulos que trazem argumentos teóricos do autor com relação
à imaginação criadoura, sendo esses capítulos compostos pelos seguintes temas:
a) criação e imaginação, b) imaginação e realidade, c) o mecanismo da imaginação
criativa, d) a imaginação da criança e do adolescente, e) os suplícios da criação, f)
a criação literária na idade escolar, g) a criação teatral na idade escolar, h) o dese-
nhar na infância.
No primeiro capítulo do livro, intitulado “criação e imaginação”, Vigotski
(2018, p. 13) conceitua a “atividade criadora do homem” como “aquela em que se
cria algo novo”. Para reforçar esse argumento, o autor explica que há dois tipos de
atividades realizadas pelo homem denominadas de reconstituidor ou reprodutivo e
que estão inteiramente ligadas à memória. Para o autor, isso significa compreender
que a memória refere-se à capacidade do sujeito de desenvolver atividades como,
por exemplo, assimilar, mudar ou adaptar, entre outras, frente a novas experiên-
cias cotidianas da vida do sujeito.
No segundo capítulo, “imaginação e realidade”, Vigotski esclarece que, para
compreender o mecanismo da imaginação e da atividade de criação, é importante
entender a relação entre a fantasia e a realidade no comportamento humano. Para
explicar tal relação, o autor apresenta quatro aspectos essenciais que podem aju-
dar nesse entendimento. O primeiro aspecto refere-se às construções fantasiosas,
como, por exemplo, os contos, as fábulas, as lendas e os mitos, sendo esses entendi-
dos como algo distante da realidade, porém, são frutos das experiências de vida hu-
mana e que, por algum motivo, sofrem uma reelaboração da imaginação, tomando
como combinações os traços fantasiosos. No segundo aspecto, Vigotski ressalta que
a própria experiência se apóia na imaginação para criar novas representações que
se desenvolvem na relação entre as ideias já formuladas e a experiência do outro.
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O terceiro aspecto trata dos traços afetivos ou emocionais como elemento capaz de
influenciar a relação entre a imaginação e a realidade. Por fim, o quarto e último
aspecto consiste na ideia de que a construção da imaginação pode ser algo novo,
porém, ao ser cristalizada no mundo como objeto concreto, ela passa a influenciar
outras causas.
No capítulo três, “o mecanismo da imaginação criativa”, Vigotski estuda o
desenvolvimento da criatividade apontando-a como um processo extremamente
complexo e também essencial para o desenvolvimento cognitivo do sujeito. Nela,
observa-se uma atividade orientada por dois processos. O primeiro refere-se à dis-
sociação de uma experiência em partes. O segundo foca-se na associação dos ele-
mentos adquiridos e modificados por meio de novas experiências humanas. Para
Vigotski, esse processo é fundamental na formação dos conceitos e do pensamento
abstrato dos sujeitos no contexto escolar.
No quarto capítulo, “A imaginação da criança e do adolescente”, Vigotski pres-
supõe que o processo da imaginação ocorre de modo diferente entre as crianças e
os adultos. Para o autor, isso significa dizer que, em cada fase do desenvolvimento
infantil, existem fatores e características específicas ligadas à maturidade cogni-
tiva da criança. Vigotski (2018, p. 47) explica que a atividade da imaginação não é
mais rica para a criança do que para o adulto. Pelo contrário, a criança não possui
uma trajetória de experiências como a do adulto, portanto, a sua imaginação é
moderada. Para o autor, isso ocorre devido ao fato de a criança estar em uma fase
pertencente ao mundo da fantasia, em que tudo pode e no qual não se fazem pre-
sentes exigências precisas que a impedem de exercer a sua criatividade. Assim se
diferencia do universo adulto ou da fase de adolescente, quando os interesses são
outros e, consequentemente, a fantasia amadurece.
No quinto capítulo, “os suplícios da imaginação”, Vigotski expressa a ideia de
que a criação não é um processo mental simples, e, sim, um processo mental difícil.
Para o autor (2018, p. 55), “o desejo de contagiar o outro com o sentimento que nos
domina e, junto a isso, o sentimento da impossibilidade de fazê-lo estão fortemente
expressos na criação literária da juventude”. De outro modo, a imaginação não
pode ser tratada somente como uma mera capacidade humana que necessita ser
exercitada no sujeito durante sua escolarização. Tem, sim, de ser tratada como
uma capacidade humana essencial que reflete em todo o comportamento humano
do sujeito.
No capítulo seis, “a criação literária na idade escolar”, Vigotski convida os pro-
fessores para refletir sobre o desenvolvimento mental da criança. Nessa reflexão, o
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autor explica que, na fase infantil, a criança expressa as suas ideias por meio do de-
senho e isso ocorre em razão de essa atividade criadora possibilitar mais segurança
naquilo em que ela tem domínio. Contudo, Vigotski (2018, p. 62) salienta que, ao
passar para outra fase do desenvolvimento, a criança modifica também o modo da
sua criatividade. Em outras palavras, o desenho passa a ser uma experiência de
sua vida deixada no passado, e, assim, abre-se espaço para um novo ciclo – no caso,
a adolescência – e, consequentemente, se dá o amadurecimento mental que facil-
mente é percebido diante de outras atividades, tal como a criação verbal e literária.
No capítulo sete, “a criação teatral na idade escolar”, Vigotski discute sobre
a brincadeira e a dramatização na infância como ferramentas para concretizar a
criação da imaginação. Diante disso, Vigotski (2018, p. 98) ressalta que a criança,
a partir das suas experiências, é capaz de encarnar um personagem, um animal,
um elemento da natureza ou objeto para pôr em prática o que está contido em seu
processo de imaginação. Nesse sentido, o autor faz uma crítica a ações que deman-
dem que a criança tenha de decorar textos como se fossem atores da vida real. Para
ele, essa situação engessa a criatividade da criança, fazendo com que ela somente
reproduza falas alheias. Por essa razão, o autor visualiza um processo pedagógico
cujas ações pautam-se no sentimento de satisfação da criança em construir a sua
própria história e em interpretá-la a partir da sua imaginação.
No capítulo oito, “o desenhar na infância”, Vigotski apresenta quatro estágios
do desenho na primeira infância: I. Estágio das Garatujas, caracteriza-se por
representações do objeto muito distantes da sua realidade. II. Estágio de Sur-
gimento, caracteriza-se por um número bem maior de detalhes sobre o objeto no
desenho. III. Representação Verossímil, caracteriza-se pela forma real do obje-
to, próxima da sua aparência. IV. Representação plástica, caracteriza-se pelas
partes isoladas do objeto com mais detalhes em relevo, luz e sombra. Dessa foram,
Vigotski sinaliza a importância de as ações pedagógicas serem conduzidas por uma
perspectiva em que a criação e a imaginação sejam colocadas como elementos es-
senciais na escolarização da criança.
Por fim, o livro Imaginação e criação na infância trata-se de um referencial
relevante para os professores e todos aqueles que desejam aprofundar estudo sobre
a relação entre imaginação e criação. O profundo conhecimento de Vigotski sobre a
temática abordada e traduzida com tanta excelência e cuidado por Elizabeth Tunes
e Zoia Prestes permite ao leitor um amplo panorama dos principais conceitos que
abordam a relação “imaginação e criação” e proporciona tantas e profundas refle-
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xões sobre esses elementos nos processos educativos dos sujeitos da primeira e da
segunda infância.
Cabe ressaltar, ainda, que o livro apresenta um estilo agradável de escrita,
o qual indica de forma clara e acessível o pensamento de Vigotski, possibilitando,
desse modo, uma reflexão sobre como podemos modificar as próprias ideias diante
dessa obra que apresenta conteúdos tão riquíssimos. Isso tudo se revela relevante
em razão de que, na prática, a imaginação e a criação na infância caminham juntas
e são elementos imprescindíveis para o entendimento a respeito de como acontece
esse fenômeno no processo cognitivo da criança e de como o professor pode organi-
zar o ensino, considerando um caminho complexo para ela.
Referência
VIGOTSKI. Lev Semionovitch. Imaginação e Criação na Infância. Tradução e revisão técnica:
Zoia Prestes e Elizabeth Tunes. Ed. Expressão. São Paulo: Expressão Popular, 2018.