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Experiências narrativas de professoras iniciantes: movimentos de socialização no
cotidiano escolar
1
Narrative experiences of novice teachers: socialization movements in the daily life of the school
Experiencias narrativas de maestros principiantes: movimientos de socialización en la vida
diaria de la escuela
Inês Ferreira de Souza Bragança
*
Joelson de Sousa Morais
**
Resumo
O presente artigo tem como objetivo compreender os processos de socialização prossional de professoras
iniciantes no cotidiano escolar, bem como reetir acerca da constituição das experiências nos primeiros anos da
docência. O estudo foi desenvolvido na abordagem da pesquisaformação narrativa (auto)biográca em educa-
ção, com os seguintes dispositivos metodológicos: imersão no cotidiano escolar, conversas, diário de pesquisa
e narrativas escritas. Participaram da pesquisa três professoras iniciantes, pedagogas atuantes no 5º ano do
ensino fundamental em duas escolas da rede pública municipal de Caxias, MA. A fundamentação teórica pauta-
-se em: Josso (2010), Huberman (2000), Dubar (2012) e outros. Na compreensão e interpretação das narrativas,
foi invocada a hermenêutica da narratividade e temporalidade em Paul Ricoeur (2010). O desenvolvimento do
trabalho indica que os processos de socialização da experiência no cotidiano escolar pelas professoras inician-
tes acontecem por meio de ocupações” exercidas em contratos precários para desenvolvimento de atividades
didáticas e pedagógicas com as turmas, no tempo do trabalho extraclasse das professoras efetivas por meio do
Terço da Jornada. Assim, as narrativas das professoras iniciantes apontam, ao mesmo tempo, para aprendiza-
gens importantes na consolidação do campo prossional e, paradoxalmente, para aspectos de desprossionali-
zação do magistério das docentes em sua inserção no cotidiano institucional das escolas.
Palavras-chave: socialização prossional; professoras iniciantes; narrativas; cotidiano escolar; pesquisaformação.
*
Professora da Faculdade de Educação da Unicamp e docente colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção Processos Formativos e Desigualdades Sociais da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (FFP/Uerj). Realizou pós-doutorado pela PUCRS. Doutora em Ciências da Educação pela Universidade
de Évora-Portugal. Mestre em Educação pela UFF. Coordena o Grupo Interinstitucional de Pesquisaformação Polifo-
nia, vinculado ao Gepec (Unicamp) e ao Vozes da Educação (FFP/Uerj). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4782-1167.
E-mail: inesbraganca@uol.com.br
**
Doutorando em Educação pela Unicamp. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN/2015). Pedagogo e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (Gepec/Unicamp) e
do Grupo Interinstitucional de Pesquisaformação Polifonia (Unicamp/Uerj). Professor Substituto da Universidade Federal
do Maranhão (UFMA)/Campus Codó. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-1893-1316. E-mail: joelsonmorais@hotmail.com
Recebido em: 29/07/2020 – Aprovado em: 21/05/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i1.11455
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Abstract
This article aims to understand the processes of professional socialization of beginning teachers in school daily
life, as well as reect on the constitution of experiences in the rst years of teaching. The study was developed in
the approach of research (narrative) (auto) biographical education, with the methodological devices: immersion
in the school routine, conversations, research diary and written narratives. Three beginning teachers participat-
ed in the research, pedagogues working in the 5th year of elementary school in two public schools in Caxias-MA.
The theoretical basis is based on: Josso (2010), Huberman (2000), Dubar (2012) and others. In understanding and
interpreting the narratives, the hermeneutics of narrativity and temporality was invoked in Paul Ricoeur (2010).
The development of the work indicates that the processes of socialization of experience in the school routine
by the beginning teachers happen through occupations” exercised in precarious contracts for the development
of didactic and pedagogical activities with the classes, during the time of the extra-class work of the eective
teachers through of the Terço da Jornada”. Thus, the narratives of the beginning teachers point, at the same
time, to important learning in the consolidation of the professional eld and, paradoxically, to aspects of depro-
fessionalization of the teachers teaching in their insertion in the institutional daily of the schools.
Keywords: professional socialization; beginning teachers; narratives; school life; research training.
Resumen
Este artículo tiene como objetivo comprender los procesos de socialización profesional de los docentes prin-
cipiantes en la vida diaria escolar, así como reexionar sobre la constitución de experiencias en los primeros
años de docencia. El estudio se desarrolló en el enfoque de investigación (narrativa) (auto) educación biográca,
con los dispositivos metodológicos: inmersión en la rutina escolar, conversaciones, diario de investigación y
narrativas escritas. En la investigación participaron tres maestros principiantes, pedagogos que trabajaban en
el quinto año de la escuela primaria en dos escuelas públicas de Caxias, MA. La base teórica se basa en: Josso
(2010), Huberman (2000), Dubar (2012) y otros. Para comprender e interpretar las narrativas, Paul Ricoeur (2010)
invoca la hermenéutica de la narratividad y la temporalidad. El desarrollo del trabajo indica que los procesos de
socialización de la experiencia en la rutina escolar por parte de los docentes principiantes suceden por ocupa-
ciones” ejercidas en precarios contratos para el desarrollo de actividades didácticas y pedagógicas con las clases,
durante el tiempo de la extra-clase. trabajo de los profesores ecaces a través del Terço da Jornada”. Así, las nar-
rativas de los docentes principiantes apuntan, al mismo tiempo, a aprendizajes importantes en la consolidación
del campo profesional y, paradójicamente, a aspectos de desprofesionalización de la docencia de los docentes
en su inserción en el cotidiano institucional de las escuelas.
Palabras clave: socialización profesional; maestros principiantes; narrativas; vida escolar; entrenamiento de in-
vestigación.
Contextualizando a discussão
Os primeiros anos da docência são marcados por uma infinidade de expecta-
tivas, anseios e incertezas na constituição da profissão e se configuram de modo
fundamental para o desenvolvimento da carreira profissional. Alguns clássicos
estudos desenvolvidos acerca do tema da socialização profissional, no contexto
da sociologia das profissões, como é o caso dos realizados por Dubar (2012), mos-
tram que os processos de socialização acontecem articulando educação, trabalho
e carreira, possibilitando a construção das identidades dos sujeitos no contexto
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das instituições e em processos interativos coletivamente, caracterizando, assim, a
legitimidade da profissão e da profissionalização.
O presente artigo tem como objetivos compreender os processos de socializa-
ção profissional de professoras
2
iniciantes no cotidiano escolar, bem como refletir
acerca da constituição das experiências nos primeiros anos da docência.
A perspectiva epistemológica e teórico-metodológica
3
está pautada nos princí-
pios da pesquisaformação narrativa (auto)biográfica em educação, articulados aos
estudos da socialização profissional com os contributos de Josso (2010), Ricoeur
(2010), Huberman (2000), Dubar (2012), Goodson (2019), entre outros. A pesquisa-
formação contou com a participação de três professoras iniciantes que atuam em
duas escolas da rede pública municipal de ensino de Caxias, MA. Os dispositivos
metodológicos tomados na produção do conhecimento científico foram: imersão no
cotidiano escolar, conversas, narrativas escritas e diário de pesquisa.
A pesquisa foi desenvolvida entre os meses de fevereiro a março de 2020, antes
do período de paralisação das atividades escolares, em decorrência da pandemia do
Covid-19 do novo coronavírus, em momentos em que as docentes ainda estavam
desenvolvendo a sua prática pedagógica no cotidiano escolar. Em Caxias, MA, as
aulas foram paralisadas no dia 16 de março de 2020, por meio de decreto público
municipal em consonância com o estadual, sobretudo, para as escolas, período este
em que foram detectados os primeiros casos de Covid-19 na capital do estado do
Maranhão, São Luís, então, não fomos mais às instituições, cessando, portanto, o
contato presencial com as professoras iniciantes participantes da pesquisa, para
evitarmos riscos que pudessem ser gerados pela pandemia. Participaram da pes-
quisa 03 (três) professoras iniciantes, formadas em licenciatura em Pedagogia e
que se encontram atuando no 5º ano do Ensino Fundamental em duas escolas da
rede pública municipal de Caxias, MA.
Estamos compreendendo professoras iniciantes aquelas que se encontram no
exercício da profissão docente em um recorte cronológico entre 01 a 03 anos, con-
forme indica Huberman (2000). Segundo este autor, nessa fase de início de carrei-
ra aludida no ciclo de vida profissional de professoras, estas apresentam, muitas
vezes, duas latentes características que são evocadas narrativamente por elas nos
estudos biográficos que realizou, quais sejam: a “sobrevivência” e a “descoberta”. A
primeira oscila muito em função do que acontece em seu cotidiano, seria um modo
de ir construindo o perfil com o que lhe apresenta, (re)cria ou lhe é possível tecer,
que poderá gerar impactos, alguns desânimos diante da realidade com que se de-
frontam e dos descaminhos ao longo de seus itinerários trilhados pelo “choque de
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realidade” que enfrentam. Enquanto que a segunda característica, a “descoberta”,
é o que move a primeira, no sentido de se configurar como saberes, práticas e situa-
ções que surgem de modo até inesperados, bem como acontecimentos e surpresas
que as afetam de modo positivo, fazendo-as acreditarem na docência e a continua-
rem na profissão (HUBERMAN, 2000).
Uma das provocações reflexivas que mediatiza nossas ideias neste texto é con-
duzida pelo seguinte questionamento: como acontece a socialização de professoras
iniciantes no cotidiano escolar, no contexto de um processo de desenvolvimento
profissional?
Procedemos na compreensão e interpretação das narrativas das professoras
iniciantes por meio da “hermenêutica da narratividade e temporalidade” em Ri-
coeur (2010), como uma forma tangível de atribuição de sentidos outros tecidos nos
processos trilhados.
O artigo é composto de quatro partes, em que a primeira é esta “Contextua-
lizando a discussão” apresenta um panorama inicial do estudo; a segunda traz os
percursos metodológicos tematizados “Nas trilhas dos caminhos metodológicos: a
centralidade da pesquisaformação”; a terceira seção elucida o tema “A socialização
de professoras iniciantes nos caminhos da experiência profissional” com reflexões
que situam como se deu a experiência das professoras iniciantes participantes do
estudo em seus processos de socialização no cotidiano escolar; e a quarta e última
parte traz as “Lições deixadas ou da incompletude de uma formação” com algumas
reflexões trazidas pela pesquisa.
Nas trilhas dos caminhos metodológicos: a centralidade da pesquisaformação
A pesquisaformação é uma perspectiva da abordagem narrativa (auto)biográ-
fica em educação que consiste em um processo de reflexividade potencializada pela
formação e (auto)formação do pesquisador em diálogo com a realidade, os sujeitos
que compartilham consigo a experiência de pesquisar e se formar ao mesmo tempo
e em partilhar com os múltiplos acontecimentos que os acompanham nos itinerá-
rios percorridos.
Assim, na pesquisaformação não há uma separabilidade entre quem pesquisa
e quem se forma, mas uma articulação profícua e simultânea desencadeada nos
processos de aprendizagem, formação e constituição da experiência da pesquisa re-
ciprocamente enquanto todos os envolvidos estão se transformando e tecendo uma
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consciência reflexiva dos percursos e itinerários que tecem ao longo da caminhada
trilhada.
Segundo nos mostra Abrahão (2016, p. 31), a pesquisa-formação foi perspecti-
vada no âmbito da corrente das histórias de vida em formação com Gaston Pineau,
Marie Christine Josso e Pierre Dominicé nos inícios da década de 1980, no desen-
volvimento de investigação com adultos e respectivos projetos de aprendizagem
4
.
Com Pineau, na Universidade de Montreal, Canadá, e com Josso e Dominicé, na
Universidade de Genebra, Suíça. António Nóvoa, partilhou com Domincé uma ex-
periência de escrita (auto)biográfica que influenciou seus trabalhos que chegam ao
Brasil nos anos 1990, trazendo significativa contribuição para nós.
Na acepção de Josso (2010), a pesquisa-formação implica uma tomada de cons-
ciência acerca do vivido, praticado e experienciado pelo sujeito durante os cami-
nhos percorridos na construção da pesquisa e formação que se entretecem gerando
possibilidades reflexivas, transformadoras no sujeito e permitindo a construção
do conhecimento de si, dos contextos sócio-histórico-culturais, da profissionaliza-
ção e formação. Segundo a autora, a abordagem “[...] demonstra a importância da
atividade de integração de toda e qualquer aprendizagem num contexto, no caso
presente, o da ecologia do pensamento do aprendente e o da sua atividade profis-
sional” (JOSSO, 2010, p. 162).
Por isso, faz muito sentido a reflexão gerada por meio de uma elaboração nar-
rativa em que o sujeito desenvolve durante o processo de pesquisa, o que também
tem se dado em nossas práticas como pesquisadores, aos entrelaçar os múltiplos
fios em que estamos a tecer com as professoras iniciantes no cotidiano escolar,
tanto quanto isso acontece com elas, ao colocarmos em nossas conversas elementos
disparadores para que possam narrar suas experiências iniciais de aprendizagem
da docência em que estão se constituindo no campo profissional.
Temos desenvolvido a pesquisaformação em nossas produções e na pesquisa
científica por uma escolha política, epistemológica e teórico-metodológica, além do
fato de que esta perspectiva acaba tendo em vista uma potencialidade reflexiva e
transformadora com que se configura na tomada de consciência em que o sujeito
consegue se perceber, passando por transformações plausíveis, sedutoras e emanci-
patórias, que geram esse movimento de aprender, se formar e pesquisar, de forma
complexa.
Nesse sentido, comungamos com as ideias de Motta e Bragança (2019, p. 1038)
ao nos fazerem refletir que a pesquisaformação se inscreve como “[...] metodologias
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dialógicas entre o pesquisador e os sujeitos envolvidos, principalmente, por com-
preender que, nesse processo, a formação acontece em partilha, para ambos”.
Desse modo, a imersão no cotidiano foi o primeiro fato que nos impulsionou a
conhecer as professoras que possivelmente fariam parte da pesquisa, em conversas
iniciais, nas quais foram escolhidas por apresentarem um perfil em que se encon-
travam nos primeiros anos como docentes, como também, foi o meio privilegiado
em que tecemos nossas aprendizagens, formação e desenvolvimento da pesquisa,
mediados por olhares, toques, sensações outras e processos de conversas, que fo-
ram compondo a produção do conhecimento científico.
Conversar com as professoras iniciantes, nos deu pistas para compreendermos
suas vidas pessoais, profissionais e de organização e desenvolvimento do trabalho
pedagógico, além das relações estabelecidas com as crianças, seus pares e demais
agentes escolares, entre outras inúmeras possibilidades importantes correlaciona-
das aos seus saberes e fazeres dos processos de aprender e ensinar.
Ao primarmos pela conversa como dispositivo metodológico na pesquisa cien-
tífica, estamos compreendendo que:
Não se trata, no bojo da conversa como metodologia de pesquisa, de categorizar as falas
dos sujeitos interlocutores da ação investigativa, de inseri-las em quadros descritivos ou
em conceitos-chave, recolher delas dados e analisa-los. Trata-se, antes, de pensar com elas,
escutá-las, pensar a partir delas, com toda a imprevisibilidade, incomensurabilidade, in-
ventividade e contingência que a pesquisa pode revelar (RIBEIRO; SOUZA; SAMPAIO,
2018, p. 169).
Assim, a conversa com as professoras iniciantes deu materialidade às com-
preensões e aos entendimentos que compartilhamos acerca do si e do nós, dos pro-
cessos pedagógicos, da aprendizagem da profissão e dos movimentos de se consti-
tuir como docente no início de carreira, e das múltiplas outras questões que foram
emergindo de uma forma menos categórica e fluída, já que conversar implica uma
entrega, disponibilidade e troca recíprocas de saberes, experiências e conhecimen-
tos que não estão dados, mas construídos na relação que estabelecemos com o ou-
tro, pensando bakhtinianamente (BAKHTIN, 2017).
No que concerne ao diário de pesquisa, foi o dispositivo metodológico que nos
acompanhou no registro cotidiano das experiências que tivemos com as docentes,
e de todos os acontecimentos que nos pareceram significativos e plausíveis serem
registrados, para subsidiar nossas conversas em momentos posteriores, durante os
encontros que juntos tivemos no cotidiano escolar.
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E foram nas narrativas que, evocadas pelas vozes das professoras em situa-
ções de sua prática pedagógica e das nossas conversas, que foram compondo o nos-
so inventário de pesquisa, para permitir a imbricação entre as diferentes experiên-
cias e registros que tivemos, permitindo a composição das ideias e tessituras do
conhecimento científico, como o que culminou, por exemplo, nesse artigo.
Mergulhar no cotidiano escolar em um contexto de pesquisa científica, dá
possibilidades outras de compreender e apreender uma realidade que se processa
de uma pluralidade de formas, acontecimentos e sensações que somente estando
imersos nas relações estabelecidas com os sujeitos com os quais dialogamos, par-
ticipantes de nossas pesquisas, nos é possível construir. Desse movimento, emer-
ge uma potencialidade rica de conhecimentos, saberes e experiências instituintes
capazes de contribuir para a tessitura da emancipação social, ou como melhor nos
faz pensar os estudiosos nos/dos/com os cotidianos a quem temos uma afinidade
teórico-metodológica e epistemológica:
[...] cotidianamente, são criados conhecimentos e tecidas relações entre eles e seus sujeitos,
relevantes não só para a vida cotidiana, mas para o desenvolvimento de novas práticas
sociais de conhecimento e que podem contribuir com a tessitura cotidiana da emancipação
social (OLIVEIRA, 2012, p. 53-54).
Nesse sentido, as professoras iniciantes são autoras e protagonistas de suas
histórias, experiências e narrativas, as quais passamos, como pesquisadores, a elu-
cidar essa dimensão potencial em nossas conversas fruto de suas narrações em pro-
cessos de construção e aprendizagem profissional da docência, como fundamentais
para a tessitura de seus saberes e conhecimentos de si, do que fazem, e das práticas
pedagógicas enredadas em múltiplas outras questões relacionadas ao aprender e
ensinar.
Diante desse contexto do desenvolvimento de uma pesquisaformação é plau-
sível fazemos os seguintes questionamentos: Como chegamos até as professoras
iniciantes? E como se deu a escolha para participarem do estudo?
Primeiramente, fomos à Secretaria Municipal de Educação, Ciências e Tec-
nologia de Caxias, MA (SEMECT), e conversamos com a Secretária Municipal de
Educação, que nos recebeu, e com quem partilhamos o propósito da pesquisa que
estávamos a desenvolver. Com base nesse primeiro contato, fomos direcionados ao
setor de Recursos Humanos (RH), que fez um levantamento, trazendo uma lista
com 08 (oito) professoras iniciantes, que estavam distribuídas em diferentes esco-
las da rede pública municipal.
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Fomos entrando em contato com algumas ao irmos pessoalmente para as es-
colas em que estavam listados os seus nomes, realizando uma primeira conversa,
para que pudéssemos chegar à uma definição de quem poderia fazer parte da pes-
quisaformação. Nesse processo de conversa, identificamos que algumas professo-
ras já tinham mais de três anos na docência, não sendo mais iniciantes, enquanto,
nos levaram a conhecer outras que foram se adequando ao perfil da pesquisa, por
sugestão de outras docentes que nos indicaram suas colegas. Após uma primeira
conversa, definimos 03 (três) professoras localizadas em duas escolas, situadas em
diferentes locais da cidade, pelo fato de estarem em um recorte cronológico que
vai de 01 até 03 anos no exercício do magistério, se enquadrando, portanto, como
professoras iniciantes, segundo Huberman (2000). São as que apresentamos neste
trabalho e com as quais dialogamos na produção do conhecimento.
Por uma questão de ética na pesquisa científica não iremos revelar os nomes
verdadeiros das participantes da pesquisa, e sim nomes fictícios, resguardando,
portanto, suas identidades. Assim, serão designadas as docentes: Júlia, Liz e Fá-
bia.
No início da pesquisa com as professoras iniciantes, explicitamos os princí-
pios do estudo, e fomos dialogando com os esclarecimentos necessários relativos
ao mesmo, elucidando os objetivos e as possíveis contribuições que pudesse trazer,
e as professoras concordaram, bem como autorizaram que suas narrativas pudes-
sem ser publicizadas em meios de divulgação científica, seja em revistas, livros ou
eventos da área, entre outros. Agimos assim, pautados pela ética na pesquisa cien-
tífica e com a responsabilidade com que concebemos a produção do conhecimento
científico.
Quanto ao perfil das professoras iniciantes participantes da pesquisa, todas
possuem formação inicial em Pedagogia, que foram cursadas em instituições da
rede privada de ensino na cidade de Caxias, MA. Duas professoras, Júlia e Liz, rea-
lizaram o curso em uma mesma instituição, porém, em épocas diferentes, e a outra
docente, Fábia estudou em outra instituição privada, em outro período diferente
das outras duas professoras também.
E no que concerne à atuação profissional das professoras iniciantes que fize-
ram parte da pesquisa, estas se encontravam como docentes exercendo o ofício de
professoras no 5º ano do Ensino Fundamental. Duas das professoras atuam em
uma mesma escola no turno matutino (a Fábia e a Liz), e a outra professora (a Jú-
lia) atua em outra escola localizada em outro bairro, e no turno matutino. Todas as
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três professoras participantes da pesquisaformação são docentes contratadas pela
rede pública municipal de ensino e seus contratos ficam sob renovação a cada ano.
Para o processo de compreensão e interpretação das narrativas das professo-
ras iniciantes nos fundamentamos na “hermenêutica da narratividade e tempora-
lidade” de Paul Ricoeur (2010), como uma possibilidade tangível de produção de
significados outros, de apreensão dos comportamentos e sentidos dos sujeitos que
entrelaçam memória, experiência, tempo e narração.
No tocante à compreensão que consideramos ser uma dimensão potencial na
pesquisa, reforçamos a dimensão de que faz Ricoeur (2010, p. 213) ao declarar que
“[...] compreender a ação é reviver, reatualizar, repensar as intenções, as concep-
ções e os sentimentos dos agentes”.
Assim, ao entrelaçarmos a nossa imersão no cotidiano escolar, as conversas
com as professoras iniciantes e os registros de narrativas escritas em nosso diário
de pesquisa, fomos tecendo compreensões acerca do vivido e praticado, ampliando
um leque de possibilidades que puderam se consolidar no processo de interpretação
desse imbricamento de ações, permitindo, assim, a construção do conhecimento
científico.
Daí o fato de que “[...] o momento de intepretação é aquele em que avaliamos,
isto é, atribuímos sentido e valor” (RICOEUR, 2010, p. 196) às múltiplas expe-
riências que fomos compondo juntos, mediados pelas ações que foram tramadas
e tecidas cotidianamente nos percursos da pesquisaformação. A interpretação ga-
nha, portanto, substancial legitimidade quando tecida nas relações entre quem
pesquisa e os sujeitos participantes do estudo, em contextos que se consolidam na
cultura institucional onde as professoras iniciantes estão tecendo as experiências,
caso este que chegamos a perceber essa potencialidade.
Como se deu, então, metodologicamente a imbricação entre os registros das
narrativas no cotidiano da pesquisaformação com os processos de compreensão e
interpretação das mesmas na produção do conhecimento científico?
Através de nossa imersão no cotidiano da escola, na participação com as pro-
fessoras em sala de aula e em outros espaços educativos da instituição no tocante
às suas práticas, e ao mesmo tempo durante as conversas em que íamos, enquan-
to pesquisadores, registrando por escrito em nosso diário o que ia surgindo desse
processo de conversação, além de outros ditos e não ditos que se implicavam em
gestos, comportamentos, aspectos corporais e sensitivos que revelavam e que per-
cebíamos das professoras iniciantes e dos múltiplos atravessamentos outros, no
plano de uma educação das sensibilidades no sentido benjaminiano (BENJAMIN,
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2012), como uma racionalidade sensível na produção do conhecimento científico
como também faz alusão Bragança (2012), que se deu, de modo assimétrico, não
controlado e nem circunscrito a uma temporalidade estabelecida, como campo de
possibilidades que emergiam das interações tecidas entre nós.
Assim, o que registrávamos no plano da escrita em nosso diário de pesquisa,
foram aos poucos compondo uma narrativa, em que não apenas transcrevíamos o
que nos diziam as professoras iniciantes durante nossas conversas, mas, fizemos
uma construção mesmo narrativa mediada por uma reconstrução a posteriori e de
um modo mais elaborado, a partir do que dialogávamos com elas, em que as profes-
soras iniciantes passavam a entender e saber o que tínhamos escrito nos encontros,
e nos diziam outros tantos acontecimentos relacionados ao que líamos do nosso
diário fruto de sua experiência que registramos por escrito, passando a ser, portan-
to, um processo de reconstrução da narrativa, trazendo, assim, uma compreensão
e interpretação coletiva da experiência narrativa que juntos fomos produzindo ao
longo da pesquisaformação.
A socialização de professoras iniciantes na construção da experiência prossional
A ideia que estamos concebendo como socialização profissional relaciona-se
com um processo de inserção na cultura institucional pelo sujeito levando atitudes,
valores, modos de racionalizar e organizar suas dinâmicas pessoais e profissionais,
constituindo outras tantas possibilidades de aprendizagem com os outros nas me-
diações estabelecidas que possam surgir no cotidiano do trabalho. Ao pensarmos
por esse prisma, partimos do princípio que “[...] a socialização profissional é, por-
tanto, esse processo muito geral que conecta permanentemente situações e percur-
sos, tarefas a realizar e perspectivas a seguir, relações com outros e consigo (self),
concebido como um processo em construção permanente” (DUBAR, 2012, p. 358).
Para tecermos maiores aprofundamentos nesta parte do texto, urge um ques-
tionamento fundamental: como se socializam as professoras iniciantes participan-
tes da pesquisa no contexto de seu desenvolvimento profissional no cotidiano das
escolas? E quais experiências tecidas na vida das docentes? Como encararam os
acontecimentos propiciados nos primeiros anos da profissão de professora inician-
te?
Antes de refletirmos sobre essas questões, trazendo as narrativas das profes-
soras iniciantes, e como uma forma de compreendermos o que nos revelaram estas,
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com base em nossas conversas com algumas coordenadoras pedagógicas que atuam
dentro da Secretaria de Educação, e por meio do nosso diálogo com a secretária de
educação, ressaltamos que no município em que atuam junto às escolas públicas da
rede municipal da SEMECT, não possui propriamente uma política específica ou
programa de acompanhamento e orientação destinado a professores e professoras
que iniciam o seu trabalho no cotidiano das escolas. Sobretudo, para docentes ini-
ciantes, que nunca desenvolveram o seu trabalho como professores/as, ou aqueles/
as que ainda não tiveram a experiência de ser professor/a.
De acordo com as conversas que tivemos com as professoras iniciantes, em
compartilhamento de suas experiências narrativas do início da profissão docente,
as aprendizagens da profissão e os processos de socialização profissional, portanto,
acontecem em experiências que vão sendo descortinadas pelas docentes, em função
do contato com a cultura escolar e do que encontram no cotidiano da instituição,
das relações estabelecidas com outras professoras que já tiveram alguma experiên-
cia ou que já se encontram na carreira do magistério, bem como através da (re)
criação de dispositivos didáticos-pedagógicos que julgam ser necessários criarem e
desenvolverem com seus alunos, além de aprendizagens que passam a ter com seus
filhos, do que trazem da escola para casa, servindo como subsídios para empreen-
derem no seu trabalho com seus alunos na escola onde trabalham.
No que se refere ao conceito de experiência estamos concebendo-a a partir da
perspectiva de Benjamin (2012) como um processo de afetação que se configura na
vida do sujeito, passando a gerar implicações transformadoras e significativas que
marcam os seus percursos trilhados e lhe dão consciência do acontecimento que
passa a ser evocado em suas memórias em diferentes momentos de sua existência.
Na perspectiva de Larrosa (2011), estamos compreendendo a experiência como
um acontecimento que nos passa e que respondemos com a afetação e implicação
que é gerada desse movimento entre o mundo externo e o interno, capaz de produzir
uma reflexão, transformação e mudança podendo nos acompanhar em diferentes
espaços-tempos da vida, formação e existência. A experiência, é, portanto, “[...] um
movimento de ida e volta [...] que vai ao encontro com isso que passa, ao encontro
do acontecimento” (LARROSA, 2011, p. 6).
Buscamos, nas linhas que se seguem, trazer os diferentes acontecimentos que
foram se descortinando narrativamente na experiência dos primeiros anos de pro-
fessoras iniciantes no cotidiano do desenvolvimento profissional, a partir do que
enunciaram as participantes da pesquisa durante os encontros que tivemos com
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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elas nas escolas, caracterizando-se, assim, como processos de socialização profis-
sional na carreira docente.
A professora Júlia iniciou suas atividades profissionais na escola no segundo
semestre do ano de 2017, e começou através do “Terço da Jornada”
5
. Segundo nos
narrou a professora Júlia:
O Terço da Jornada é um programa em que desenvolvemos atividades com turmas do 1º ao
5º ano do Ensino Fundamental. É destinado a professores temporários com várias disciplinas
em diferentes tempos, horários e escolas, visando com que estes possam “cobrir” o tempo dos
professores efetivos, que possuem um dia disponível para sua formação e estudo, e que os
outros professores acabam ocupando esse outro tempo (Narrativa da profa. Júlia, 19/02/20).
Como podemos perceber, a professora Júlia compreende os princípios e con-
tradições do exercício da docência no “Terço da Jornada”, mas encontrou nesta
oportunidade de trabalho a possibilidade de ingressar como docente em uma escola
da rede pública de ensino. A organização da jornada de trabalho das professoras
participantes da pesquisa vem como consequência da Lei nº 11.738, que instituiu o
Piso Salarial Profissional Nacional para os profissionais do magistério público da
educação básica (PSPN), em 2008.
Tendo como referência uma jornada de quarenta horas semanais, a Lei do PSPN estabelece
um vencimento base ajustado anualmente, bem como o limite máximo de dois terços do
tempo para efetivo trabalho de interação com os estudantes e um terço do tempo de traba-
lho sem estudantes, chamado extraclasse. Dessa forma, tendo como referência uma jornada
de 40h semanais, 26 horas devem ser destinadas ao efetivo trabalho com os estudantes e 14
horas às atividades extraclasse (BRAGANÇA; PEREZ, 2016, p. 1167).
A Lei do Piso, como ficou conhecida, afirma-se com importante conquista dos
profissionais da educação, consistindo na dedicação de um terço da jornada de tra-
balho ao estudo, planejamento e avaliação. Trata-se de incentivo e valorização pro-
fissional, implicando em melhores condições de trabalho. O cumprimento da refe-
rida lei consiste em um desdobramento do que já havia sido preconizado na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996),
sobretudo no artigo 67, que trata da valorização dos profissionais da educação.
O desafio posto é o cumprimento desse piso salarial dos professores no que
diz respeito às administrações públicas espalhadas pelo Brasil, no sentido de as-
segurar o terço de horas-atividade para as docentes no contexto de trabalho na
educação básica. E vale ainda ressaltar que esta lei é garantida para os profissio-
nais da educação básica que são concursados na rede pública, o que não contempla
professores e professoras que são contratados em regime temporário, como no caso
das professoras iniciantes que fizeram parte desta pesquisaformação. São múlti-
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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plas as contradições na operacionalização em muitos municípios para atender a
legislação, em que fazem a contratação de professores temporários que “cobrem” os
horários extraclasse dos docentes efetivos, desenvolvendo atividades pedagógicas
com as turmas. No município de Caxias-Maranhão, a referida atuação profissional
é denominada informalmente pelas professoras como “Terço da Jornada”.
Assim como as participantes da pesquisaformação, observamos que muitos
professores iniciantes na profissão começam a atuação na docência por estar via de
trabalho precarizado e o que desenvolvem, como fazem e as múltiplas característi-
cas que empreendem em seu trabalho, trazem implicações avaliativas que podem
contribuir para conseguirem “conquistar uma vaga” na escola e trabalhar como
docentes em um regime de contratação, ainda que também de forma precária, com
atuação profissional em uma turma, consistindo em uma melhoria nas condições
de trabalho.
O “Terço da Jornada” tem representado um lócus de aprendizagem inicial do
ser professora com diferentes configurações, em que muitas passam a se inserir na
cultura escolar, a conhecer as dinâmicas pelas quais funcionam, e a ter a oportuni-
dade de “mostrar o seu trabalho” para continuar no cargo ou passar de um status
para o outro.
Essa constituição dos espaços de trabalho na formação e aprendizagem da
profissão durante os processos de socialização das professoras iniciantes no coti-
diano escolar, em termos do que desenvolvem no “Terço da Jornada”, acreditamos
que se relaciona mais como uma “ocupação” do que uma “profissão” nos termos de
Dubar (2012), já que as docentes revelaram, em nossas conversas, que desenvol-
viam diferentes tipos de atividades focando as áreas do conhecimento que a elas
era designadas, em várias turmas e em duas ou mais escolas. O que, com o passar
do tempo, somente veio a conquistar uma vaga de trabalho, como professora con-
tratada de somente uma turma em uma escola, passando a alçar o status, de fato
de professora, como ficou bem marcado em suas narrativas essa transição.
Ainda segundo a professora Júlia, acerca dessa experiência, revelou-nos que o
fato de atuar no “Terço da Jornada”:
[...] não permitia com que a gente criasse vínculo com a turma, com os alunos, o que isso
dificultava de desenvolver um trabalho mais minucioso e específico no que se refere às dificul-
dades de aprendizagem e relacionadas ao acompanhamento do comportamento das crianças,
já que não dava para conhecer o perfil dos mesmos (Narrativa da professora Júlia, 19/02/20).
Diante do exposto, podemos notar que as atividades desenvolvidas pela docen-
te, indicam uma forma de buscar iniciar-se na profissão, ou mesmo conquistar um
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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espaço e legitimidade que venha a se consolidar. Outro aspecto se torna fundamen-
tal trazer, ao que Estrela (2010, p. 46) vai designar pela “dimensão pedagógica dos
sentimentos e emoções dos professores e professoras”, quando chegamos a perceber
as questões implícitas de afetação que a professora demonstrou ao narrar essa
experiência mencionada anteriormente. Transpareceu-nos que ela estava no plano
do desejo e da expectativa em querer uma turma que ficasse sob sua responsabili-
dade, em que pudesse criar vínculos e se envolver afetuosamente com as crianças
no processo de ensino e aprendizagem, e poder acompanhá-las durante todo o ano
letivo, para mediar os processos educativos e pedagógicos na caminhada.
A professora Julia continuou desenvolvendo o seu trabalho na mesma escola
em que se encontra atuando hoje, desde 2017, e foi essa experiência no desenvolvi
-
mento de atividades em sua prática pedagógica, que a fez “conquistar” a tão sonha-
da vaga como professora, no ano seguinte em 2018, em uma turma somente sua,
mudando o status de “ocupação”. Percebemos que para ela, como para outras tam
-
bém, a mudança para atuação em uma turma traz maior segurança no campo pro-
fissional, embora, sabendo que sua permanência no cargo, continua correlacionada
à sua atuação, e que, portanto, sua competência profissional estava em processo de
consolidação, bem como sob avaliação da equipe gestora da escola e dos resultados
da aprendizagem que os alunos pudessem desenvolver e obter pelo que fazia.
O estar presente e inserido no cotidiano como pesquisadores, mas também
como professores e vivendo um processo de formação com as docentes, nos traz
outros tantos olhares e construção de percepções, entendimentos e compreensões
acerca do vivido e praticado. São nesses momentos que extrapolamos a dimensão
prescritiva e da racionalidade técnica tão presentes no âmbito da educação. Por
isso, nos foi possível apreender outras tantas significações que somente as pala-
vras e as narrativas não nos deram conta: o viver e experienciar a sala de aula, o
contato com as crianças e as conversas com as professoras dentro do seu âmbito de
trabalho, e nos diferentes espaços-tempos da cultura escolar e da interação com os
múltiplos sujeitos que nela habitavam ou que visitavam/participavam reafirma a
ultrapassagem de um trabalho de pesquisa para o sentido de pesquisaformação.
Nesse aspecto, acreditamos ter praticado uma “racionalidade sensível, incor-
porando a vida dos sujeitos, em toda sua complexidade existencial, como componen-
te fundamental do processo formativo” (BRAGANÇA, 2012, p. 28). O que também
nos remete a pensar no que esta mesma autora ressalta quanto a “experiências
instituintes de formação”, que acreditamos ser como aquelas tecidas em dinâmicas
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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singulares-plurais que os sujeitos possam revelar, e que impulsionam uma poten-
cialidade transformadora e emancipatória na vida, formação e profissão.
Olhamos, portanto, a socialização profissional no contexto da educação como
uma perspectiva singular e que se constitui diferentemente de uma realidade para
outra. É um vir a ser que vai imprimindo um modo outro de consolidação em um
espaço de trabalho em que professores e professoras iniciantes ou experientes en-
frentam subjetivamente e a partir das condições materiais de existência, trabalho
e profissão.
Assim, mesmo que “[...] a questão da profissionalização é assim redefinida
pelos interacionistas como um processo geral” (DUBAR, 2012, p. 356), há uma
natureza de singularidade pela qual o sujeito constrói nas mediações da cultura
institucional, com os sujeitos com os quais estabelece relações e com os múltiplos
atravessamentos que vão sendo tecidos ao longo do aprender, ensinar, organizar
o trabalho pedagógico e dos enfrentamentos pelas lógicas hegemônicas e contra
hegemônicas que se tecem à sua volta: das diretrizes educacionais preconizadas
no seu trabalho, do currículo escolar, da avaliação, do planejamento e de múltiplas
outras questões que emergem nesse processo de socialização profissional da profis-
são de professora.
Já em relação à professora Liz, esta iniciou como professora também com ati-
vidades desenvolvidas no “Terço da Jornada”, no ano de 2017, mas em duas esco-
las e com cinco turmas, ministrando diferentes disciplinas. Fazendo uma reflexão
acerca dessa experiência, a professora relatou que:
Uma professora do “Terço da Jornada” trabalha muito mais do que a que fica numa turma só.
Na época eu trabalhava em duas escolas e com cinco turmas, em diferentes horários, e na
minha época eram as disciplinas de Artes, Educação Física e Religião, esse ano é História e
Geografia (Narrativa da professora Liz, 04/03/2020).
A experiência desenvolvida pela profa. Liz demonstra os movimentos de se
constituir professora em um contexto multifacetado da didática, de enfrentar mui-
tas turmas e se deslocar de um lugar para o outro, em se tratando das atividades
desenvolvidas em diferentes escolas, como uma das propostas preconizadas por
essa realidade e que, mesmo se tratando de ser mutável de um tempo para o outro,
a docente ainda carrega memórias que foram importantes no processo de se tornar
professora e passar de uma fase à outra da profissão, ou seja, de ser professora no
“Terço da Jornada”, e agora estar compromissada apenas com uma turma e em
uma escola. Fica explícito que é exatamente isso que a professora queria, já que
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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consegue desenvolver um trabalho e acompanhar o andamento das crianças em
todos os percursos formativos da experiência educativa.
É no processo de narrar que as docentes conseguem se enxergar e tomar
consciência de sua prática e das relações estabelecidas com a cultura escolar, as
crianças, seus pares e os múltiplos atravessamentos e deslocamentos gerados no
movimento entre aprender, educar e ensinar.
Podemos dizer que a professora Liz teve uma experiência, a qual foi fundante
para resgatar no plano da memória o que aprendeu com as atividades que desen-
volveu no “Terço da Jornada”, situando o passado no presente pela sua narração.
Tal perspectiva nos remete à reflexão da temporalidade da narrativa com que
empreende Ricoeur (2010), em Tempo e narrativa, quando a professora iniciante
situa o que viveu em sua experiência do passado no início de se constituir como
professora, refletindo no presente esses acontecimentos que foram marcantes para
ela. O que Ricoeur (2010) vai refletir acerca do tríplice presente, em Santo Agosti-
nho, de que a narrativa é produzida em: um presente do passado, um presente do
futuro e um presente do presente.
Nesse sentido, a professora iniciante Liz retratou o que desenvolveu, como era
o seu trabalho baseado na realidade da época, e fez uma comparação no momento
atual, com reflexões de como se dá o ser professora em relação ao tempo que atuou
no “Terço da Jornada”, com o que está desenvolvendo agora. Acreditamos ser uma
forma de perceber as nuances e diferenças que envolvem a organização e desenvol-
vimento do trabalho pedagógico, já que no momento se encontra como professora
em uma turma só, questão essa desejada por ela, e que foi “conquistada” fruto do
seu trabalho, da sua didática e do que desenvolveu para chegar ao status que se en-
contra atualmente: professora contratada de uma turma somente em uma escola.
A relação com os demais pares de professores da escola e de outras, e suas
relações com a equipe de gestão, também foi outro fator que trouxe elementos de
referência para que a professora pudesse fazer uma reflexão nos momentos iniciais
que enfrentou nas escolas no aprender a ser professora, como percebemos essa
dimensão durante nossas conversas, e que vez por outra emergiam em suas narra-
tivas esse aprender com o outro.
Acerca das características que se manifestam no início da carreira docente no
processo de socialização profissional, parece-nos tangível declarar que “[...] neste
primeiro ano, os professores são principiantes, e, em muitos casos, no segundo e
terceiro anos podem estar ainda a lutar para estabelecer a sua própria identidade
pessoal e profissional” (MARCELO GARCIA, 1999, p. 113).
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Aspecto esse que percebemos se fazer presente tanto no que se refere à vida
profissional da professora Liz, que aludiu também isso em suas narrativas, como
se relaciona com as outras duas professoras participantes desta pesquisaformação.
O que fazem e mobilizam de saberes e fazeres contribuem enormemente para a
construção do perfil, didática e modo de ser professora iniciante e que acompanha-
rá as mesmas ao longo do processo de socialização no campo profissional, sendo
construído e reconstruído na trajetória docente, em um processo sempre aberto ao
longo da vida.
Outro aspecto pertinente a ser compreendido diz respeito às relações coletivas
constitutivas do ser e se transformar nesse entrecruzamento. Isso nos lembra Ba-
khtin (2017) acerca dos processos relacionais em que o sujeito produz com o outro,
possibilitando a constituição de si e dos modos, em que, coletivamente se transfor-
mam, reforçando o que o autor chama de relações de alteridade que vão imprimin-
do um caráter axiológico de que resulta desse processo interativo, de engajamento
e produtor de uma multiplicidade de significações. O sujeito passa não apenas a se
transformar, mas a tomar consciência em reflexões que tece desse passar de uma
condição para a outra mediada pelas relações humanas coletivas.
No que se refere a outra professora iniciante, Fábia iniciou seu trabalho como
docente na escola em maio do ano de 2018 também no “Terço da Jornada”, em cada
dia numa sala em turmas diferentes, e que se prolongou com as atividades ao longo
do ano de 2019, passando a assumir uma turma só sua, já como professora contra-
tada neste ano de 2020, no 5º ano do ensino fundamental.
Segundo narra Fábia, em uma conversa que tivemos, acerca de suas expe-
riências iniciais de inserção profissional na docência, ser professora no “Terço da
Jornada”:
É um desafio constante. A gente tem que se reinventar e se permitir a novas aprendizagens.
A maior dificuldade é vencer as barreiras da questão social dos alunos, pois muitos não tem
condições tanto financeiras para adquirir os materiais escolares, quanto do acompanhamen-
to familiar dos pais no processo de ensino e aprendizagem (Narrativa da professora Fábia,
03/03/20).
Tal narrativa nos leva a refletir acerca da complexidade que emana dos proces-
sos pedagógicos, educativos, e, sobretudo, humanos e emocionais que atravessam
a docente, e que influenciam nos modos de constituição de suas identidades pro-
fissionais, nesse início de carreira, quando de sua socialização na cultura escolar.
Algumas das narrativas que foram surgindo em nossas conversas, foram sendo
reveladas espontaneamente pela docente, em momentos em que percebemos uma
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necessidade de compartilhar com um outro, o que por vezes acreditamos ter sido
uma necessidade de fazer isso com outras professoras na escola, embora, estivésse
-
mos com ela em outra condição: de pesquisadores-formadores, mas também cons-
tantes aprendizes do ser professor, no contexto da escola pública básica, nesse caso.
A professora Fábia, demonstrou narrativamente suas dificuldades em alguns
momentos que começou a rememorar de sua socialização profissional no cotidiano
da escola. Um de seus discursos pontuou que:
Olha não é fácil. Eles [alunos] leem de uma forma e escrevem de outro jeito, do jeito que eles
acham que sabem. Tem horas que a garganta dói de tanto eu tá explicando, e as pernas doem,
andando na sala de aula pra poder ajudar a eles, porque no final do ano eu preciso apresentar
resultados (Narrativa da professora Fábia, 03/03/20).
As dificuldades, portanto, reveladas pela professora Fábia, são algumas das
muitas em que permeiam o trabalho da professora em início de carreira, que passa
a se esforçar e aprender na própria prática como é ser professora, com a realidade
que possui, e os múltiplos acontecimentos que perpassam o seu campo profissional
e que podem reverberar emocionalmente em como a docente se sente.
Além do mais, como a professora ainda está nos movimentos iniciais de seu
processo identitário profissional e de socialização, isso pode se configurar como
momentos de oscilação entre os impactos que enfrenta cotidianamente em um con-
texto em que não estava acostumada a enfrentar, em se tratando da escola pública,
como nos revelou narrativamente a professora em outras conversas
6
, e que, os es-
forços empreendidos para contribuir no processo de ensino e aprendizagem, é uma
das questões que trazem muitas reflexões e acompanham-na em afirmar-se na
profissão de professora.
Conforme revelou em outra narrativa, Fábia disse-nos que sofreu um “choque”
quando passou de uma transição como professora da Educação Infantil que só ti-
nha 11 alunos e entrou nessa escola da rede pública do Ensino Fundamental com
uma turma de 35 alunos. Essa transição entre ser professora do “Terço da Jornada”
mexeu muito com a docente, que narrou:
Ano passado foi muito difícil, pensei até em desistir. A turma que eu peguei eram 15 alunos
no “Terço da Jornada”, porque eram repetentes. Então, tinha dias que eu chorava em casa e
chorava, porque eu parava e pensava na situação deles [alunos] de não querer nada com a
vida (Narrativa da professora Fábia, 20/02/2020).
Os múltiplos acontecimentos que surgem nos primeiros anos da profissão do-
cente, no processo de socialização profissional, parecem ser importantes para a
continuidade ou o abandono da profissão. Tanto que, pela narrativa da professora
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Fábia, suas primeiras experiências na docência reverberaram em sua subjetivida-
de, desencadeando emoções, gerando outros tantos estados de ser e estar, levando
ao questionamento quanto à continuidade ou ao abandono do magistério.
Em uma pesquisa longitudinal desenvolvida por Goodson (2019) e apresen-
tada no livro Currículo, narrativa pessoal e futuro social, entre as quais envolveu
professoras iniciantes nos dois primeiros anos da docência, o autor identificou que
“[...] acompanhando-os pelos primeiros dois anos de docência, vimos esses profes-
sores se esforçarem para definir seu(s) novo(s) papel(papéis) e contextos e para se
perceberem como professores no cenário da faculdade comunitária” (GOODSON,
2019, p. 146).
As professoras iniciantes participantes desta pesquisa, não se mostraram in-
diferentes a essa perspectiva, já que revelaram preocupação em constituir a sua
profissionalidade e um perfil de ser professora ainda no início da carreira docente.
O que também foi reforçado por suas narrativas e durante os encontros que com
elas tivemos no cotidiano escolar.
A narrativa no processo de pesquisaformação, parece-nos ser um dispositivo
potencial de formação, reflexão e construção de saberes e conhecimentos que vão
configurando o ser e aprender a ser professora iniciante mediada pelas experiên-
cias de narrar o que lhes acontecem, e como encaram esse acontecimento na vida
que dá significação e sentido que se revela por meio de contar o que fez, o que pensa
e o que está refletindo. Tal como conseguimos perceber durante a escrita narrativa
que fomos registrando em nosso diário, do que nos narravam as professoras ini-
ciantes durante as conversas no cotidiano escolar. Cabe-nos salientar uma citação
elucidativa desta questão, qual seja, de que:
As narrativas escritas nos oferecem a oportunidade de trabalhar sobre essa questão das
experiências fundadoras que, em boa parte, são constituídas pela narração de microssitua-
ções (designadas, às vezes, por episódios significativos) que pressupomos não estar aí por
acaso. O trabalho sobre esses microacontecimentos da vida permite destacar as componen-
tes de uma vivência que se transformaram em experiência (JOSSO, 2010, p. 214).
Portanto, os acontecimentos que se processaram na vida e na profissão das
professoras iniciantes ao passarem em suas inserções profissionais no processo
de socialização da profissão constituíram de uma singularidade da qual foi tecida
à luz das experiências do se fazer e viver a profissão, do estar em contato com
uma realidade e enfrentar os percalços e as conquistas da consolidação do status
profissional, bem como dos aprendizados e das marcas que esses movimentos con-
seguiram lhes trazer como fundantes para se tornarem professoras, mesmo em
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situações e modos que não tenham sido as que esperavam ou que passaram a se
consolidar em conquistas do que queriam.
Do mesmo modo, não podemos nos furtar de deixar claro que os processos de
socialização profissional com que as professoras iniciantes passaram ao se inseri-
rem no contexto de trabalho, foi constituído de um teor de desvalorização profissio-
nal, pois passam a ser vistas mais como uma ocupação de atividades no “Terço da
Jornada” – no lugar daquela professora que está gozando desse direito legal que
lhe foi assegurado – enquanto as professoras iniciantes, tiveram que desenvolver
o seu trabalho às custas do que lhes foi possível ter de oportunidades para, então,
“conquistar” uma vaga de emprego como professoras contratas, o que aponta para
um outro status de mobilidade profissional com um pouco mais de durabilidade e
prestígio. A esse respeito, é válido reforçar que:
É nesse quadro de trabalho escolar, permeado por processos de desqualificação e de intensi-
ficação do trabalho, que o professorado em início de carreira se insere, tendo que enfrentar
diferentes desafios inerentes ao exercício da profissão e, ao mesmo tempo, sendo desafiado
e impulsionado a agir dentro das regras, como as preconizadas pelas políticas regulatórias
(ILHA; HYPOLITO, 2014, p. 107).
De um lado, eis o aprender uma profissão com a realidade que se apresenta e
com o que lhes foi dado de oportunidades na construção de um campo profissional,
de outro, a desvalorização e condições precárias de ser e aprender a ser docente,
com cargas horárias várias, muitas turmas e um constante movimentar-se entre
as muitas disciplinas, vários alunos e escolas. E, assim, são os processos de socia-
lização de professoras iniciantes com que nesta pesquisaformação nos foi possível
perceber, numa dada realidade, em um dado tempo e em um contexto de transfor-
mações sociais, econômicas, políticas e culturais do momento em que vivemos e
estamos. E que vai diferenciando-se de um tempo e sociedade para o outra.
Lições deixadas ou da incompletude de uma formação
Ao desenvolvermos a pesquisaformação, entremeada com as articulações dis-
cursivas expressas nas narrativas e das experiências das professoras iniciantes,
chegamos às seguintes provocações reflexivas: como se socializam as professoras
iniciantes? Que experiências lhe pareceram significativas e como as revelam nos
primeiros anos da docência?
A sensação de “conquista” foi a que nos transpareceu bem visível durante nos-
sas conversas e no modo como revelaram as professoras iniciantes em relação às
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diferentes aprendizagens que conseguiram ter e construir, além da inserção no co-
tidiano profissional nas escolas que foram determinantes para conseguiram estar
como professoras no momento atual.
Uma das questões que na realização deste estudo ficou latente para nós: o
modo como as professoras iniciantes foram se socializando caracterizou-se em um
contexto de desprofissionalização do ofício docente, já que tiveram que “passar”
primeiramente pela experiência de serem professoras do “Terço da Jornada”, para
poder mostrar o seu trabalho, tendo a possibilidade de serem contratadas em um
regime temporário, sujeito a renovação contratual a cada ano, também de caráter
precário.
Pelas narrativas das professoras iniciantes participantes da pesquisaforma-
ção, foi possível percebermos a ideia de “conquista” do campo profissional, mediada
pelos processos de socialização no cotidiano escolar por meio das atividades peda-
gógicas e didáticas no “Terço da Jornada” em diferentes turmas e escolas.
As experiências pedagógicas e de aprendizagem da profissão docente mostra-
ram-se através das conversas que tivemos com as professoras iniciantes e do acom-
panhamento da pesquisaformação em que mergulhamos no cotidiano escolar, um
modo específico e singular de socialização profissional no contexto educacional, o
que certamente poderá se diferenciar de outros modos de socialização no campo da
educação, e por outras professoras iniciantes ou experientes.
Além do mais, os acontecimentos pelos quais foram tecidos nas experiências
de socialização profissional nas escolas pelas docentes iniciantes, demarca um tem-
po histórico, um entendimento de políticas, educação, cultura e sociedade pelas
quais estão se consolidando no momento atual, que outrora tinha outras dimensões
e experiências, e que, certamente se diferenciarão futuramente de outras tantas
experiências que estão porvir no tema da socialização profissional.
Tanto é assim, que em uma pesquisa desenvolvida com professoras iniciantes
na mesma cidade, há 5 anos atrás, feita por Morais (2015) evidenciou que as docen-
tes participantes do estudo não tiveram uma socialização profissional com os mes-
mos moldes, em se tratando de desenvolver atividades no “Terço da Jornada”, o que
reflete no contexto atual, relacionando-se ao cumprimento da lei do Piso Salarial
Profissional Nacional para os profissionais do magistério público da educação bá-
sica (PSPN) nos últimos anos no Brasil, no Maranhão e na cidade de Caxias, onde
a presente pesquisaformação foi realizada. Portanto, há uma mudança crucial nas
políticas educacionais e nos processos de socialização de professores e professoras
no cotidiano das escolas.
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Embora todas as professoras iniciantes, participantes do presente trabalho,
tenham passado pela experiência como docentes no desenvolvimento de atividades
didáticas e pedagógicas no “Terço da Jornada”, foi possível compreender que cada
uma teve um modo singular e subjetivo de viver a experiência de ser professora, e
de saber lidar com as mudanças, expectativas, desejos e emoções que perpassaram
o início da carreira docente e o aprender a ser professora.
O entrelaçamento entre a construção das narrativas escritas de experiências
pedagógicas com as conversas no cotidiano e a participação das professoras ini-
ciantes no processo de reconstrução narrativa com os pesquisadores no processo
de pesquisaformação mostraram-se como uma potência criadora e fundamental na
construção do conhecimento científico, mas não somente isso, aprendemos outras
formas de compreender e interpretar a educação, o ser professora e o produzir
conhecimentos coletivamente, mediados pela reflexão, conversação e imersão no
cotidiano escolar.
Nas narrativas das experiências pedagógicas, de formação e profissionaliza-
ção das professoras, portanto, acreditamos emergir outros tantos saberes, refle-
xões e modos de pensar os processos de socialização profissional com professoras
iniciantes no cotidiano escolar, podendo servir como subsídios para pensarmos
outras tantas lógicas e modos com que acontecem essa socialização na sociedade
contemporânea. Questões essas, fundamentais para compreendermos e criarmos
propostas de formação de professores e professoras, políticas públicas na área, e
dispositivos potenciais de transformação da realidade em se tratando de menos
conflituosa como substanciais para o aprimoramento e melhoria da qualidade da
educação e da inserção profissional de futuros professores e professoras que esco-
lhem a docência como vida e profissão.
Notas
1
Pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e que faz
parte da tese de doutorado em educação em desenvolvimento do segundo autor deste artigo, orientado pela
primeira autora.
2
Neste texto, utilizamos o termo “professora” no feminino pelo respeito ao gênero, porque foram professoras
que fizeram parte desta pesquisa e pelo fato de que a maioria das profissionais que estão no magistério são
mulheres.
3
A junção de duas ou mais palavras como o termo pesquisaformação e outras utilizadas neste texto, trata-se
de uma escolha política, teórico-metodológica e epistemológica que fizemos, buscando dar outras tantas
significações que extrapolam o modelo clássico de ciência e produção do conhecimento científico. Assim o
fizemos adotando também os princípios dos estudos nos/dos/com os cotidianos, como faz Oliveira (2012).
4
Na acepção dos referidos pesquisadores, as palavras-conceito pesquisa e formação vêm lado a lado ou arti-
culadas por hífen. Inspirados nesta tradição e também dos estudos dos/nos/com os cotidianos, temos usado
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Experiências narrativas de professoras iniciantes: movimentos de socialização no cotidiano escolar
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no nosso grupo de pesquisa, sendo a primeira autora deste artigo a coordenadora e o segundo autor um dos
integrantes, conforme expresso ao longo do presente texto e justificado na segunda nota, pesquisaforma-
ção. Esclarecemos, entretanto, que quando fizermos referência à produção dos autores manteremos o uso
do hífen.
5
Lei do Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Bá-
sica (Lei nº 11.738/2008) (BRASIL, 2008) (disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11738.htm). O Parecer no. 9 de 2009, do Conselho Nacional de Educação detalha a orga-
nização do trabalho docente, prevendo o Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) e Horário de
Trabalho Pedagógico em Local de Livre Escolha pelo docente (HTPLE). “O HTPC é o horário destinado ao
encontro entre os seus pares da unidade escolar, momentos de formação na escola, movimentos de troca
dos docentes, reunião pedagógica; o HTPLE consiste no período em que o docente escolhe atividades fora
da instituição escolar que possam ampliar seus conhecimentos” (BRAGANÇA; PEREZ, 2016, p. 1167).
6
A professora Fábia trabalhou por um ano em uma escola da rede privada de ensino, mas nos informou que
é completamente diferente a organização do ensino, o perfil dos alunos e as múltiplas questões que envol-
vem a estrutura, condições de trabalho e o próprio universo cultural das crianças, já que a escola em que
atua fica situada em uma região periférica da cidade, e a maioria de seus alunos são oriundos de filhos da
classe trabalhadora e com baixo poder aquisitivo e econômico.
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