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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Cleriston Petry
v. 28, n. 1, Passo Fundo, p. 55-82, jan./abr. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
[...] o que entra na sala de aula é uma cebola: umas capas de pesadelo, de medo, de inquie-
tude, de rancor, de cólera, de desejos insatisfeitos, de furiosas renúncias acumuladas sobre
um fundo de vergonhoso passado, de presente ameaçador, de futuro condenado. Olhe-os,
aqui chegam, com o corpo a meio fazer e sua família na mochila. Na realidade, a aula só
começa quando deixam o fardo no chão e a cebola foi descascada. É difícil explicar, mas
frequentemente só basta um olhar, uma palavra amável, uma frase de adulto confiado,
claro e estável, para dissolver esses pesares, aliviar os espíritos, instalá-los no presente
(PENNAC, 2008, p. 58).
O perdão é um autoperdão daqueles que não têm culpa E, orientados pelo
professor, o adulto, podem começar outra vez, aqui, agora, nisso. A skholé, que
suspende a sociedade e os mecanismos da socialização, acontece no “tempo pre
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sente”, liberando os alunos da carga do passado e das injunções do futuro. Aqui
podem começar outra vez, dedicados nisso, independente do que foram ou do que
a sociedade, a família, o trabalho, a economia ou a política espera. Um tempo
especial de aprendizagem (PENNAC, 2008, p. 59), desvinculado do papel social,
das funções. Tempo do respeito, isto é, tempo em que todos são considerados como
importantes, são vistos e ouvidos, aparecem e respondem ao mundo. Não são pa
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cientes da educação, mas atuantes. E a atuação não é apropriação, mas respos-
ta. “Enquanto a aprendizagem como aquisição consiste em obter mais e mais, a
aprendizagem como resposta consiste em mostrar quem você é e em que posição
está”, argumenta Biesta (2013, p. 47). Evidencia-se a diferença da escolarização
como skholé da escolarização como socialização possibilitada, em nosso contexto,
por uma “linguagem da aprendizagem”.
A atualização da skholé também implica a suspensão das hierarquias e desi-
gualdades sociais: “ela se dirige a todos por igual; nela o mundo pode ser renovado
pelas novas gerações”, argumenta Kohan (2017, p. 593). De algum modo, havia
comentado sobre essa especificidade quando escrevi sobre a suspensão das tentati-
vas de domar a escola pela sociedade e pela família (e, hoje, a economia e a política
criam hierarquias sociais tão verticais quanto as do Ancien Régime). Essa suspen-
são rompe com o discurso (e a prática) de que a escola reproduz as desigualdades
sociais. A escola escolar, a escola fundada na skholé, é a instituição mais apro-
priada para romper com a desigualdade social de fato, e não apenas de direito. Ao
localizar as crianças, adolescentes e jovens no “tempo presente”, a escola os liberta
do peso das dinâmicas sociais sob o princípio e o fato da igualdade, isto é, do “todos
são capazes de”. A igualdade, na Modernidade, “necessita estar prometida, mas
jamais realizada, pois o dispositivo extrai sua força do desejo de igualdade, e não
da igualdade efetiva” (LÓPES, 2014, p. 90). Por isso, a skholé é revolucionária e