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Paula Alexandra Reis Bueno, Roberto Eduardo Bueno
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Distanciamento físico e ensino remoto: socializações em tempos de pandemia
Physical distance and remote learning: socializations in times of pandemic
Distanciamiento físico y educación remota: socializaciones en tiempos de pandemia
Paula Alexandra Reis Bueno
*
Roberto Eduardo Bueno
**
Resumo
Objetivou-se capturar e analisar marcas de socializações advindas do ensino remoto, durante o fechamento das
instituições de educação formal, em virtude da pandemia da Covid-19. Primeiramente, desenvolveu-se uma
análise documental, a partir de ensaios de organizações não governamentais (ONGs), pareceres de Conselhos
de Educação, relatórios de pesquisas e documentos complementares. Visando vericar variações intrapessoais,
realizaram-se entrevistas com 57 sujeitos, entre estudantes e professores da educação básica e mestrandos e
doutorandos de um programa de pós-graduação. Encontrou-se um panorama dividido em posicionamentos e
valores; o fortalecimento de instâncias socializadoras em universos virtuais; novas maneiras, formas e técnicas
de se ensinar e aprender; e disposições para uma educação mesclada entre o ensino presencial e o ensino remo-
to, com construções de novas formas de se ensinar, estudar, aprender e se relacionar entre humanos. Menções
sobre processos adaptativos, diculdade de concentração e diculdade de aprender sem o acompanhamento
presencial de um professor guraram entre os relatos mais recorrentes. Espera-se contribuir para o campo da so-
ciologia e da educação, no sentido de apoiar os estudos que vericam as contínuas construções e reconstruções
das formas de se agir e pensar.
Palavras-chave: socialização; educação; tecnologias de informação e comunicação; ensino a distância; Covid-19.
Abstract
The objective of this study was to capture and analyze socialization marks from remote education, during the
closing of formal education institutions, due to the Covid-19 pandemic. First, a documentary analysis was deve-
loped, based on essays by non-governmental organizations (NGOs), opinions from Education Councils, research
reports and complementary documents. In an attempt to verify intrapersonal variations, interviews were carried
out with 57 subjects, including students and teachers of Basic Education, and masters and doctoral students of
the same university program. It was found a panorama divided into positions and values; and strengthening
socializing instances in virtual universes; also new ways, forms and techniques of teaching and learning; and
dispositions for an education blended between face-to-face and remote education, with constructions of new
*
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) e mestre em Educação
pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua como professora da educação básica vinculada à SEED/PR. Atuou
como professora de pós-graduação do IBPEX e CENSUPEG. Pesquisadora vinculada à USP e à UFPR. Orcid: http://
orcid.org/0000-0002-4595-513X. E-mail: paula.reis.musica@gmail.com
**
Pós-doutorado, doutor, mestre e especialista em Saúde Coletiva pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PU-
CPR). Professor do Bacharelado em Saúde Coletiva e dos Programas de Pós-graduação em Políticas Públicas, Ensino
das Ciências Ambientais e Desenvolvimento Territorial Sustentável da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesqui-
sador vinculado à USP e à UFPR. Orcid: http://orcid.org/0000-0001-5546-8397. E-mail: roberto.edu.bueno@gmail.com
Recebido: 30/07/2020 – Aprovado: 15/04/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i1.11480
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ways of teaching, studying, learning and relating among humans. Mentions about adaptive processes, diculty
concentrating and diculty learning without the presence of a teacher in person, were among the most recur-
rent reports. It is expected to contribute to the eld of sociology and education, in order to support studies that
verify the continuous constructions and reconstructions of the ways of acting and thinking.
Keywords: socialization; education; information and communication technologies; distance learning; Covid-19.
Resumen
El objetivo fue capturar y analizar las marcas de socialización de la educación remota, durante el cierre de las
instituciones de educación formal, debido a la pandemia Covid-19. En primer lugar, se desarrolló un análisis
documental, basado en ensayos de organizaciones no gubernamentales (ONG), opiniones de Consejos de Edu-
cación, informes de investigación y documentos complementarios. Con el n de vericar variaciones intraperso-
nales, se realizaron entrevistas a 57 sujetos, entre estudiantes y docentes de Educación Básica, y estudiantes de
maestría y doctorado de un Programa de Posgrado. Se encontró un panorama dividido en posiciones y valores;
fortalecer instancias de socialización en universos virtuales; nuevas formas, formas y técnicas de enseñanza y
aprendizaje; y disposiciones para una educación combinada entre la educación presencial y a distancia, con la
construcción de nuevas formas de enseñar, estudiar, aprender y relacionarse entre los humanos. Las menciones
sobre procesos adaptativos, dicultad para concentrarse y dicultad para aprender sin la supervisión presencial
de un docente, se encuentran entre los informes más recurrentes. Se espera contribuir al campo de la sociología
y la educación, para sustentar estudios que veriquen las continuas construcciones y reconstrucciones de las
formas de actuar y pensar.
Palabras clave: socialización; educación; tecnologías de la información y la comunicación; la educación a distan-
cia; Covid-19.
O ser humano nasce em contextos sociais próprios, que os apresentam formas
de agir e pensar. Socializa-se em suas relações com o mundo, com os outros e con-
sigo mesmo. Constrói-se ao longo de sua existência, a partir de suas experiências e
escolhas. Esse texto busca refletir sobre esse processo de socialização, em tempos
de distanciamento físico, em virtude da pandemia da Covid-19. Como se dão as
relações intrapessoais, com instituições e demais sujeitos em momentos de mudan-
ças nas relações sociais advindas de um distanciamento físico? Em especial, como
se dá a relação ensino e aprendizagem na perspectiva da educação formal?
O conceito de socialização vem sendo utilizado por diversos estudiosos do cam-
po da sociologia, assim como do campo da educação. Setton e Bozzetto (2020), com
o apoio de Berthelot (1983), afirmam que a análise dos processos de socialização
demanda o olhar para as instituições, assim como para a história e experiências de
vida dos indivíduos, seus valores pessoais e grupais, e o contexto socio-histórico em
que estão imersos. Desta maneira, tal conceito abrange um potencial de interpreta
-
ção das representações e reproduções sociais em diversas dimensões socioculturais,
permitindo a observação de como se constituem as compreensões e visões de mundo.
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Em Durkheim (1978), a ideia de socialização se concretizava com a integração
social, num processo de adaptação ao meio e condições sociais impostas ao indiví-
duo por estruturas sociais como família, escola, igreja, entre outras. Entretanto, a
compreensão contemporânea do conceito propõe pensar uma ação dialética e inter-
dependente entre estas estruturas sociais e as estruturas mentais de cada sujeito.
As relações com instituições sociais contribuem para a compreensão e repro-
dução do mundo vivido, para a incorporação de disposições de habitus pelos in-
divíduos, como diria Bourdieu (2001). Mas, na contemporaneidade, os indivíduos
estão submetidos a uma pluralidade de instâncias socializadoras (LAHIRE, 2006),
podendo estar simultaneamente e sucessivamente em diversos mundos sociais não
homogêneos e, por vezes, contraditórios (SETTON, 2016).
Desta forma, os sujeitos se encontram expostos às disposições de habitus não
homogêneas e consequentemente há diferentes orientações para suas práticas, com
construções de caráter pessoal, maneiras próprias de ser e estar no mundo, promo-
vidas por uma dinâmica de híbridas combinações e escolhas, que Setton (2012) irá
denominar de “disposições híbridas de habitus”.
A partir dessa perspectiva do conceito de socialização, torna-se possível a aná-
lise de processos de individuação e construções de identidades, individuais e de
grupos, por meio de relações indissociáveis entre indivíduos e estruturas sociais; de
mecanismos de resistência e disputa, de permanências e rupturas, ou seja, trata-se
de um entendimento dialógico e multidimensional do conceito, quando o indivíduo
encontra-se com autonomia de escolhas, reflexividade e participação na construção
de si (SETTON; BOZZETTO, 2020).
Outra característica dessa abordagem contemporânea do conceito de socializa-
ção é o entendimento que a identidade não é fixa, o habitus não é estático, mas cli-
vado, construído ao longo da vida (BOURDIEU; CHARTIER, 2012; DUBAR, 2005;
BERGER; LUCKMANN, 2014). Para Dubar (2005), existem sucessivas socializa-
ções numa existência humana, permitindo diversas construções, desconstruções e
reconstruções de identidades ligadas às muitas esferas de atividade e às mudanças
sociais. Bourdieu esclarece seu entendimento de que “o habitus não é um destino...
trata-se de um sistema aberto de disposições que está submetido constantemente
a experiência e, desse modo, transformado por essas experiências” (BOURDIEU;
CHARTIER, 2012, p. 62).
O conceito de socialização abrange, também, algumas especificidades, como o
papel do pertencimento, da linguagem e do reconhecimento nesse processo. Para
Berger e Luckmann (2014), se a socialização consiste na compreensão do mundo,
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ela acontece por meio da linguagem, ou seja, o desenvolvimento da linguagem per-
mite que os indivíduos objetivem seu mundo exterior, uma vez que a linguagem
propicia o adentrar num universo simbólico e cultural. Os autores escrevem a par-
tir dos estudos de Mead (1968), que, por sua vez, apresenta como a última etapa do
processo de socialização, o indivíduo ser reconhecido pelo seu grupo. Dubar (2005)
realiza a leitura de Berger e Luckmann enfatizando que a socialização apresenta
uma dupla dimensão: de construir a si mesmo e obter um reconhecimento recí-
proco, ou seja, ser reconhecido por quem se reconhece. Com a leitura dos textos
de Hegel, Dubar encontra o entendimento de que o reconhecimento recíproco é o
ápice da socialização, e a linguagem evidencia esse reconhecimento (HEGEL apud
DUBAR, 2005).
Bourdieu (2013) empreende esforços e desvela mecanismos ocultos para o re-
conhecimento em um campo específico de seu espaço social, no caso, a academia.
Os achados do sociólogo parecem ainda válidos para o referido campo social, mes-
mo na realidade brasileira; ou seja, a estrutura do espaço dos poderes, numa aca-
demia, envolve notoriedade intelectual, poder científico, acúmulo de posições que
permitem controlar outras, notoriedade da instituição de pertença, entre outras
classificações. Ainda, para além do espaço do Ensino Superior, elementos dessa es-
trutura do espaço de poder, também podem ser encontrados em outras instituições,
como nas escolas de Educação Básica, por exemplo.
No entanto, outro espaço se impõe na sociedade contemporânea, no qual o
reconhecimento parece ser advindo de views e likes. Refere-se ao espaço virtual,
que em 2020 ganhou ainda mais força, devido à necessidade de um distanciamento
social, que se nomeará neste estudo de distanciamento físico, ocorrido por conta de
uma pandemia viral que assolou a vida e as experiências. Optou-se pela nomeação
“distanciamento físico”, pois no universo da internet, as relações sociais se inten-
sificaram, ocorrendo muitas lives (transmissões ao vivo), cursos e vídeos diversos
postados em mídias sociais e outros meios digitais.
Diante desse contexto se questiona se os espaços de poderes do mundo virtual
imitam o do mundo material, ou se transformam nessa realidade paralela? Em que
medida esses dois mundos se intersectam e se influenciam nesta segunda década
do século XXI? Como isso se reflete nas socializações e consequentemente nas for-
mas de se agir e pensar? Como se dão as relações intrapessoais, com instituições e
sujeitos em momentos de distanciamento físico? Em especial, como se dá a relação
ensino e aprendizagem na perspectiva da educação formal?
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Esses inquietantes e amplos questionamentos emergiram quando dois profes-
sores pesquisadores mudaram suas rotinas de trabalho de salas físicas e olhos nos
olhos, para salas virtuais e olhos na tela. Refletindo sobre as questões abordadas,
voltaram-se aos documentos de instâncias que interviram na dinâmica das aulas
remotas.
Os Conselhos de Educação orientaram para o andamento da educação formal
durante o período de distanciamento físico. Muitas de suas orientações foram con-
templadas nas resoluções das Secretarias de Educação. Esses conselhos, por sua
vez, são representados por indivíduos da sociedade civil, mas, também, recebem
pressão política das ONGs; sendo que nem sempre essas instituições apresentaram
posicionamentos convergentes. Duas ONGs se manifestaram de forma bastante
expressiva quanto ao ensino remoto, e alcançaram maior visibilidade.
Desta forma, visando promover a reflexão, buscou-se uma análise em docu-
mentos publicados por essas ONGs; pelos Conselhos de Educação; relatórios de
pesquisa sobre o tema; e documentos oficiais de uma Secretaria de Educação, de
uma Universidade Federal e de um Sindicato. As escolhas desses últimos docu-
mentos complementares se deram em virtude do recorte do estudo, que se efetivou
a partir dos estabelecimentos de trabalho dos pesquisadores, e na perspectiva de
uma segunda abordagem, realizada a partir da análise de falas de indivíduos en-
volvidos no ensino remoto durante a pandemia da Covid-19.
Desta forma, posteriormente, voltou-se para professores e estudantes de duas
realidades institucionais distintas, no Estado do Paraná, região sul do Brasil, para
uma investigação empírica dos efeitos do ensino remoto em suas socializações.
Desenvolvimento metodológico
A primeira etapa do estudo contou com uma análise documental, a partir de
documentos publicados, conforme apresentados no Quadro 1:
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Quadro 1 – Relação dos documentos analisados
Tipo e origem Título
Ensaios de ONGs:
Campanha Nacional pelo Direito à Edu-
cação (CNDE)
Todos pela Educação
8 motivos para não substituir a educação presencial pela educa-
ção a distância (EaD) durante a pandemia
Nota técnica: Ensino a distância na educação básica frente à pan-
demia da Covid-19
Pareceres de Conselhos de Educação:
Conselho Nacional de Educação (CNE)
Conselho Estadual de Educação do Pa-
raná (CEE)
PARECER CNE/CP Nº: 11/2020 - Orientações Educacionais para
a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e
Não Presenciais no contexto da Pandemia.
Deliberação CEE/CP Nº: 01/2020, de 31 de março de 2020. Insti-
tuição de regime especial para o desenvolvimento das atividades
escolares no âmbito do Sistema Estadual de Ensino do Paraná
em decorrência da legislação específica sobre a pandemia cau-
sada pelo Novo Coronavírus – Covid-19 e outras providências.
Relatórios de Pesquisas:
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Fundação Carlos Chagas (FCC)
O que pensam crianças e familiares das aulas remotas: notas pre-
liminares da pesquisa
Educação escolar em tempos de pandemia
Documentos Complementares:
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Secretaria da Educação e do Esporte do
Estado do Paraná (SEED/PR)
Sindicato dos Trabalhadores em Educa-
ção Pública do Paraná (APP Sindicato)
RESOLUÇÃO Nº 59/2020-CEPE - Regulamenta, em caráter ex-
cepcional, período especial para o desenvolvimento de atividades
de ensino nos cursos de educação superior, profissional e tecno-
lógica da UFPR, no contexto das medidas de enfrentamento da
pandemia de Covid-19 no país.
Institucional: Educação desenvolve EaD com foco no protagonis-
mo dos professores
Manifesto por uma educação humanizadora e em defesa da vida:
Contra as políticas educacionais de produção de exclusão e desi-
gualdades em tempo de pandemia de Covid-19
Fonte: elaboração dos autores, 2020.
Para a referida análise utilizou-se o software Atlas.ti 8. Primeiramente, após
a leitura dos textos, buscou-se capturar grupos de temas emergentes. Nesse sen-
tido, na primeira etapa, foi possível agrupar códigos temáticos, organizados em
quatro grupos distintos, os quais: Grupo 1: Aspectos gerais do texto: a) Objetivos;
b) Abrangência; Grupo 2: Resultados apresentados: c) Atividades desenvolvidas; d)
Dificuldades; e) Êxitos; f) Porcentagem de participação ou acesso; Grupo 3: Acha-
dos: g) Dados de pesquisa; h) Posicionamentos e discursos de indivíduos e grupos; i)
Desigualdades; Grupo 4: Características: j) Observações, aspectos e dimensões das
decisões; k) Possibilidades e direcionamentos; e l) Dimensão política.
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Após esse estudo nos documentos, percebeu-se a necessidade de se voltar para
os indivíduos, e compreender melhor os efeitos desse ensino remoto, no contexto
específico em análise, ou seja, como os sujeitos percebiam mudanças, rupturas ou
permanências, nas formas de se ensinar, de estudar e aprender, relacionadas às
socializações vinculadas à educação formal, diante do referido momento socio-his-
tórico.
Nesse sentido, devido à prática docente dos pesquisadores, optou-se pela uti-
lização dos mediadores tecnológicos para acesso aos indivíduos em interação, ou
seja, por um lado, foram convidados 277 estudantes e 28 professores da Educação
Básica, vinculados a Escola Estadual Prof. Abigail dos Santos Correa, situada em
Matinhos, no litoral Paranaense; e 18 mestrandos e doutorandos, matriculados
na disciplina “Análise de Políticas Públicas”, do Programa de Pós-Graduação em
Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), com sede em Curi-
tiba, capital do Estado do Paraná. Na somatória dos três grupos, 57 indivíduos
responderam ao inquérito. As respostas foram submetidas ao mesmo tratamento
analítico que os documentos, ou seja, se agrupou por blocos temáticos.
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Ademais, voltou-se novamente aos textos, e as falas dos entrevistados, na
perspectiva de verificar a possibilidade de fazer uso das quatro categorias ana-
líticas apresentadas por Lahire (2015), e retomadas em Setton e Bozzetto (2020)
e, observando também, as categorias Berthelot (1983), também elencadas pelas
autoras.
Para Berthelot (1983), conforme mencionado anteriormente, uma análise so-
ciológica precisa considerar as instituições; as experiências de vida dos agentes;
seus valores pessoais e grupais; e o contexto socio-histórico, ou seja, a história em
que estão imersos. Assim, instituições, agentes, valores e história constituem as
quatro categorias analíticas sugeridas por Berthelot.
Para Lahire (2015), a análise sociológica deveria considerar as categorias:
quadros (universo, instâncias, instituições); modalidades (maneiras e formas de
agir); efeitos (disposições de agir, sentir e pensar); e tempo (momento de um per-
curso individual). Desta forma, as quatro categorias sugeridas pelo autor são: qua-
dros, modalidades, efeitos e tempo.
Considerando o referencial teórico, denominou-se a primeira categoria ana-
lítica, no presente estudo, de “panorama”, na perspectiva de retomar a categoria
tempo” do Lahire e “história” de Berthelot; ou seja, os documentos e falas foram
novamente analisados no sentido de perceber o panorama da educação formal du-
rante a pandemia da Covid-19, buscando entender o momento dos percursos dos
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indivíduos, e as características das ações socializadoras, quanto ao seu tempo de
duração, grau de intensidade e ritmo.
Na segunda categoria analítica, em analogia às “modalidades” do Lahire e aos
agentes” do Berthelot, buscou-se perceber os “posicionamentos” dos indivíduos e
grupos diante da educação remota disponibilizada, considerando as experiências
de vida, anteriores e durante o ensino e aprendizagem em questão, assim como os
modos e formas de agir.
Na terceira categoria analítica, baseou-se em “instituições” do Berthelot e
quadros” do Lahire, na perspectiva de verificar a potência das estruturas nos pro-
cessos socializadores durante o ensino remoto. Essa categoria foi nomeada de “vo-
zes”, na busca de desvendar exercícios de poder advindos das instâncias, e verificar
como as ações tomadas impactaram os percursos individuais no contexto histórico
vivenciado.
Na última categoria analítica, voltou-se para os “valores” do Berthelor e os
efeitos” do Lahire, na perspectiva de capturar disposições de habitus incorporadas
e em mutações, ou seja, em rupturas e construções. Essa categoria ficou nomeada
como “implicações”, a fim de capturar e descrever os resultados das socializações
investigadas.
Desta forma, efetivou-se a análise dos textos a partir dos quatro grupos de
categorias, alinhando-as em rede de códigos nas quatro novas categorias centrais
da presente análise, combinando-as com a análise das falas, também alinhadas às
referidas categorias. Assim, intencionou-se verificar como os documentos respon-
diam e apresentavam o panorama da educação formal na pandemia da Covid-19,
como ressoavam as vozes das instituições, os posicionamentos dos indivíduos e gru-
pos, seus valores e ações, no intuito de perceber indícios de processos socializado-
res, com implicações nas disposições de habitus.
O panorama da educação formal diante da pandemia da Covid-19 no Brasil
Em dezembro de 2019, a China é surpreendida por um surto de infecção por
SARS-CoV-2, pertencente à família de vírus denominada coronavírus. Rapidamen-
te a infecção vai se espalhando pelo planeta e em 11 de março de 2020, a Organi-
zação Mundial da Saúde declarou o surto de uma pandemia, tendo atribuído como
nome oficial Covid-19 (OPAS/OMS BRASIL, 2020).
No Brasil, o primeiro caso de contágio pelo novo coronavírus foi confirmado
em 25 de fevereiro de 2020, no Estado de São Paulo, em um indivíduo que havia
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retornado de uma viagem à Itália. Em 10 de março de 2020 é confirmado o primeiro
caso no Estado do Paraná. Sendo que em 05 de março o Ministério da Saúde já
havia confirmado transmissão local em São Paulo. Desde então, o Brasil foi desen-
volvendo um panorama crítico de contágio, chegando à marca de 13.373.174 casos
confirmados acumulados em 09 de abril de 2021, com 348.718 óbitos acumulados
(BRASIL, 2021).
A pandemia da Covid-19 impactou a educação formal e seus sistemas educa-
cionais em todo o mundo, fechando portas de estabelecimentos físicos e ampliando
o contato via meios virtuais. Dados encontrados nos documentos analisados, afir-
mam que entre março e junho de 2020, 56,3 milhões de estudantes, entre Educação
Básica e Ensino Superior, estiveram fora das salas de aula no Brasil (BRASIL,
2020b).
O histórico apresentado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), via Mi-
nistério da Educação (MEC), na “Proposta de parecer sobre reorganização dos ca-
lendários escolares e realização de atividades pedagógicas não presenciais durante
o período de pandemia da Covid-19”, consta da seguinte ordem de fatos:
No dia 17 de março de 2020, por meio da Portaria nº343, o Ministério da Educação (MEC) se
manifestou sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquan-
to durar a situação de pandemia da COVID-19 (...) Em 18 de março de 2020, o Conselho
Nacional de Educação (CNE) veio a público elucidar aos sistemas e às redes de ensino,
de todos os níveis, etapas e modalidades, considerando a necessidade de reorganizar as
atividades acadêmicas (...) Conselhos Estaduais de Educação de diversos estados e vários
Conselhos Municipais de Educação emitiram resoluções e/ou pareceres orientativos para
as instituições de ensino pertencentes aos seus respectivos sistemas sobre a reorganização
do calendário escolar e uso de atividades não presenciais. Em 20 de março de 2020, o Con-
gresso Nacional aprovou o Decreto Legislativo nº 6 que reconhece, para os fins do artigo 65
da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade
pública... (BRASIL, 2020a, não paginado).
A análise documental realizada verificou um panorama com divergências de
opiniões quanto à manutenção dos calendários escolares e acadêmicos. O ponto
unificador foi a concordância com a necessidade do distanciamento físico e fecha-
mento de escolas e universidades.
Considerando a realidade dos outros países e as orientações da Organização
Mundial de Saúde e seus cientistas vinculados, os textos reconheceram a impor-
tância de medidas de distanciamento físico, focadas em atrasar o contágio, para
mitigar os efeitos na sociedade e sistemas de saúde. Desta forma, o fechamento das
instituições de ensino se tornou eminente, no sentido de representar um ponto im-
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portante para o então chamado “achatamento da curva epidemiológica” (WORLD
HEALTH ORGANIZATION, 2020), a fim de prevenir o colapso nos serviços de
saúde e dar tempo hábil para o surgimento e aplicação de vacinas e tratamentos.
Os aspetos gerais dos textos objetivaram, por um lado, orientar e normatizar
o ensino remoto, assim como o retorno às aulas presenciais, quando autorizado
pelas autoridades de saúde. Por outro lado, alguns textos objetivaram argumentar
sobre os motivos de não se utilizar do ensino remoto, especialmente sem um amplo
diálogo com a comunidade escolar, e por meios virtuais, devido, especialmente, às
desigualdades sociais e de acesso.
Dos nove textos analisados, sete apresentaram ampla abrangência de parti-
cipação para sua produção escrita e na produção de dados. E, todos se posicionam
como direcionados a um público que engloba: a comunidade escolar e famílias, pro-
fissionais da educação e proteção da criança e adolescente, assim como ao poder
público em esferas federativas.
As atividades desenvolvidas compuseram: a) aulas ao vivo e gravadas por pro-
fessores, e transmitidas em meios digitais (YouTube, Google Classroom e mídias
sociais) e TV aberta; b) comunicação via rádio; c) interações com estudantes em
plataformas digitais, chats, mensagens e reuniões (Meets), compreendendo desde
orientações genéricas, até tutorias; d) produção e disponibilização de materiais di-
gitais via Web e materiais impressos produzidos por professores e entregues pelas
escolas.
As principais dificuldades se relacionaram ao acesso a esses meios digitais,
ou por falta de equipamentos; falta de um bom acesso à internet; da capacidade de
utilização dos recursos disponíveis; da logística da casa e das condições da família.
Também, foram observadas dificuldades relacionadas à disciplina e à organização
do tempo e espaço de estudo, no sentido de ter um local adequado e a necessidade
de atendimento dos responsáveis às demandas dos estudantes.
Apareceram nos documentos descritos, êxitos na ampliação da relação famí-
lia-escola, e do vínculo do estudante com a sua família. Quanto à porcentagem de
participação nas aulas remotas, o texto do CNE estimou que 74% dos estudantes
brasileiros participaram de alguma atividade não presencial, numa variação de
94% de participação dos estudantes da região sul para 52% de participação dos
estudantes na região norte do país (BRASIL, 2020b).
Todos os textos apresentaram desigualdades relacionadas ao capital econômi-
co, que refletiram em desigualdade de acesso, de disponibilidade de equipamen-
tos, de ambientes adequados para o estudo. Também, de capital cultural: um dos
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textos apresentou, como dado de pesquisa, a influência direta da escolaridade dos
responsáveis no sucesso do estudante, no formato de aulas remotas. Diante desta
realidade, por um lado, grupos defenderam em seus documentos um posiciona-
mento contrário ao recurso do ensino remoto durante a crise da pandemia. Um
grupo se posicionou contra a educação remota no formato proposto pelo governo
do seu Estado, e outro por qualquer modalidade de EaD para a Educação Básica;
em ambos os casos, os principais argumentos se relacionaram a exclusão, coação,
descumprimento do princípio de gestão democrática e precarização.
Do lado dos que defenderam a educação remota, um dos textos afirmou que
o panorama não permitia comparar “aulas a distância” com “aulas presenciais”,
pois a questão fundamental é “aulas a distância” e “não realização de aulas”, e
nesse sentido, apresentaram dados de países que interromperam o funcionamento
de escolas por longos períodos (por situações de guerra, desastres naturais, entre
outros motivos) argumentando que a “escolha do poder público em nada fazer, sob
o argumento de que não é possível “chegar a todos”, tende a exacerbar as desigual-
dades resultantes da situação de emergência” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020).
Contudo, todos os textos afirmaram que o formato de educação remota, su-
gerido para o período, não substituiria as aulas presenciais, sendo que, por um
lado, a situação foi entendida como um ato antidemocrático, e por outro, como uma
medida para amenizar danos. Todos os textos elencaram, no entanto, o temor da
possibilidade de evasões e reprovações em grandes proporções.
Os textos apresentaram posicionamentos políticos em defesa da necessidade
de maiores investimentos em educação, e de mudanças em suas concepções, sa-
lientando, por um lado, a necessidade de maior inclusão das classes sociais menos
favorecidas de forma equitativa e democrática, dando poder de voz aos sujeitos, e
por outro lado, da compreensão da importância dos aspectos socioemocionais da
educação, do estreitamento de vínculos, e da qualidade do ensino formal.
A análise dos textos permitiu vislumbrar mudanças significativas na educa-
ção formal, e nas disposições de agir de seus sujeitos, advindas da pandemia da
Covid-19. Descrições da necessidade de adequação ou reescrita de ementas e cur-
rículos, da necessidade de abordagens metodológicas diferenciadas e da possibili-
dade de maior hibridação do ensino presencial e remoto, com utilização de meios
digitais, figuraram nos documentos.
A leitura dos textos motivou para compreender um pouco mais como os indiví-
duos sentiram esse momento de seu percurso individual e como perceberam o grau
de intensidade e ritmo das ações. Para observar o panorama na dimensão dos su-
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jeitos, realizaram-se inquéritos individualizados, conforme apresentados na sessão
anterior. A observação à escala dos indivíduos confirmou um panorama polarizado,
contendo favoráveis e contrários ao ensino remoto na educação formal, no entanto,
com a compreensão de que o universo digital se tornou uma ferramenta ainda mais
expressiva ao ensino regular.
Os comentários sobre as atividades desenvolvidas e as dificuldades asseme-
lharam-se às expostas nos textos. Porém, nas falas se apresentou, com maior in-
tensidade, a dimensão do afeto. Na fala de estudantes, assim como de professores
da Educação Básica, foram frequentes os relatos de que a experiência, da educação
formal na pandemia, preveria uma maior aproximação nas relações interpessoais
no retorno as aulas presenciais, devido ao estabelecimento da percepção da impor-
tância do contato e das trocas. Para os doutorando e mestrando, as falas também
mencionam trocas entre pares, fundamentais para o processo de aprofundamento
nos estudos e para as reflexões; e nesse sentido, o referido grupo de respondentes,
mencionou a importância da aproximação via plataformas digitais, que permiti-
ram, mesmo com limitações, a troca de ideias e sentidos de leituras e estudos. O
tema é retomado na apresentação dos resultados da categoria implicações.
Portanto, o panorama da educação formal no período da pandemia da Co-
vid-19, apresentou-se como desafiador, como um momento de crise, com ideias
divergentes e percursos individuais intensos, de grandes transformações sendo
impostas em curtos períodos de tempo.
Vozes socializadoras
Nesta categoria analítica, buscou-se descrever e analisar o conjunto das ins-
tâncias socializadoras relacionadas à educação formal no contexto da pandemia da
Covid-19. Suas diversas vozes, ou seja, a potência das estruturas no universo do
ensino/aprendizagem.
Entende-se que as instâncias socializadoras da educação formal, por exce-
lência, são as instituições de ensino, ou seja, escolas, colégios, universidades, etc.
Que atuam por meio dos sujeitos da educação: professores, estudantes, diretores,
pedagogos, agentes. No entanto, essas instituições de ensino estiveram submetidas
à influência e ao poder de outras instâncias, como as secretarias de educação, por
exemplo, que normatizaram o processo de ensino. Ainda, essas secretarias toma-
ram decisões forjadas por outras instâncias, como os Conselhos de Educação, a
pressão política das ONGs e movimentos da sociedade civil.
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Desta forma, para se compreender os quadros e instituições, que exerceram
poder socializador, nessa dinâmica da educação formal durante o primeiro período
da pandemia de Covid-19 no Brasil, fez-se necessário ouvir as diversas vozes que
reverberaram no ensino remoto.
Uma parte dos discursos desses grupos já foram apresentados na categoria
supracitada, quando se mencionou o panorama fragmentado e crítico da educa-
ção formal. Nesse momento, busca-se, no entanto, esclarecer a composição dessas
instituições, complementar o discurso e apresentar um olhar para outra voz que
ressoou nesse contexto.
Na análise documental, sete textos foram escritos com ampla abrangência de
participação para sua produção. Dentre eles, encontram-se dois escritos por Con-
selhos de Educação; dois textos de uma universidade federal, com envolvimento de
diversos professores/pesquisadores, e 158 famílias entrevistadas em um deles; um
texto escrito por uma fundação de direito privado sem fins lucrativos, e com uma
das áreas de atuação a Pesquisa Educacional, tendo 14.285 docentes respondentes
da pesquisa; e dois textos escritos por ONGs formadas por indivíduos de diversos
segmentos.
O primeiro texto, apresentado no Quadro 1, é de origem da ONG “Campanha
Nacional pelo Direito à Educação (Campanha)”, que, em sua plataforma digital,
afirma ser composta de um conjunto de organizações da sociedade civil, que partici-
param Cúpula Mundial de Educação em Dakar (Senegal), no ano 2000, e tem como
objetivo somar diferentes forças políticas, visando mobilização social, “pressão polí-
tica e comunicação social, em favor da defesa e promoção dos direitos educacionais”
(CAMPANHA..., 2020). A ONG declara que é fundadora da Campanha Global pela
Educação (CGE), pela Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Cla-
de) e Rede Lusófona pelo Direito à Educação (ReLus).
O segundo texto, apresentado no Quadro 1, é de origem da ONG “Todos pela
Educação”, a qual se considera “suprapartidária e independente”, afirma não re-
ceber recursos públicos e ter como missão contribuir para melhorar a Educação
Básica no Brasil. A ONG considera sua articulação ampla e plural, pois afirma
compreender centenas de grupos e entidades, incluindo comunidades escolares,
movimentos sociais, sindicatos, ONGs nacionais e internacionais, grupos univer-
sitários, estudantis e outros cidadãos da sociedade civil. É mantida e apoiada por
empresas privadas, e realiza pesquisas e atuações em diversas frentes, como na
elaboração do atual PNE, por exemplo (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020).
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O texto do CNE afirma ter sido escrito com a participação de entidades na-
cionais como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime),
o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a União Nacional dos
Conselhos Municipais de Educação (UNCME), a FNCEM, o Fórum das Entidades
Educacionais (FNE), além da interlocução com especialistas e entidades da socie-
dade civil.
O texto do CEE não especifica as instituições representadas, apenas menciona
que foram 18 instituições, e ao final do documento há uma “declaração de voto
contrário à deliberação” em questão, emitida pela APP Sindicato, revelando uma
das instituições participantes.
Os dois textos que não esclareceram a dimensão da participação, de indivíduos
e/ou grupos, para a produção da escrita, se compuseram de: um texto que apresen-
ta a proposta e forma de efetivação das aulas remotas, da Secretaria de Educação e
Esporte do Estado do Paraná e; um texto que se opõe a proposta de aulas remotas
em ambientes virtuais de aprendizagem, escrito pelo Sindicato dos Trabalhadores
em Educação Pública do Paraná (APP Sindicato).
Desta forma, é possível aferir que os discursos, presentes nos textos, emergem
de importantes instituições vinculadas a educação, órgãos públicos, universidades,
pesquisadores, estabelecimentos de educação, sociedade civil e movimentos sociais.
Todos os textos apresentaram importantes pontos de reflexão, com resultados
de pesquisas, sensos e análises sociais, mas com defesa de posicionamentos situa-
dos, ou seja, formas distintas de se pensar a educação transpareceram na leitura
do material. Por um lado, o pensamento da qualidade na educação por meio do
alcance de parâmetros internacionalmente balizados, com desenvolvimento de au-
tonomia e tecnologia no processo de ensino. Por outro lado, o discurso da educação
como prática humanizadora, includente, comunicativa e reflexiva, que preza pelo
respeito à diversidade, à equidade e à participação social.
Acreditou-se, portanto, que o indivíduo, na sua construção pessoal, pode ade-
rir, mais facilmente, aos discursos vinculados às suas instituições de pertença, ao
pensamento hegemônico em suas teias de relações, o que não excluiu a possibilida-
de de práticas reflexivas e rupturas.
No entanto, observou-se nos documentos e falas, que os indivíduos, diante do
panorama já apresentado, acabaram expostos a mais uma instância socializadora
em sua educação formal: o universo virtual, que invadiu o tempo do ensino e da
aprendizagem. Pois, se por um lado, de um momento para outro, todos estavam
diante de plataformas digitais de ensino e aprendizagem, para seu processo formal
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de educação. Por outro lado, esse momento da educação formal era atravessado por
mensagens de WhatsApp, vídeos de YouTube, figurinhas e “memes” diversos que
foram formatando formas de se agir e pensar durante o processo.
As mídias há muito tempo vêm socializando os indivíduos, essa já era uma
preocupação dos estudiosos da Escola de Frankfurt. Setton (2012, p. 146) acreditou
que o estudante brasileiro se socializa “com base na interdependência entre sis-
temas de referências híbridos, forjados pelas instâncias tradicionais da educação,
e também em sistema difuso de conhecimento e informações veiculados pelas mí-
dias”. Em suas pesquisas, a autora (2012, p. 151) identificou que os estudantes se
utilizavam das mídias tanto como mediadores de um saber difuso e pré-científico,
quanto como sistematizadores de conhecimentos escolares. Concordando com as
observações da autora, salienta-se que os celulares já estavam tão presentes, mes-
mo no cotidiano das escolas, que se fez necessário a criação de uma lei proibindo
seu uso durante as aulas, a Lei n.º 2.246-A/2007 (BRASIL, 2009).
No entanto, era comum o uso dos meios digitais, pelos jovens, de uma maneira
lúdica, espontânea e intuitiva. Eles selecionavam os conteúdos do seu interesse, in-
teragiam e trocavam fotos, vídeos e mensagens. Com o advento das aulas remotas
foi como se a escola invadisse as telas. Aulas expositivas, carregadas de conteúdos,
com longas durações, precisaram ser acessadas, seguidas de atividades para serem
resolvidas nesse ambiente virtual. Muitas horas de exposição às telas, com pouca
interação com colegas e professores. Essa foi uma realidade na Educação Bási-
ca do Estado do Paraná, no primeiro semestre de 2020, conforme os relatos das
entrevistas e dados de pesquisa dos documentos. E isso aconteceu, mesmo com a
presença de alertas, em todos os textos analisados, da necessidade de adequação da
linguagem para esses meios. Mas, como não se pode “jogar o bebê junto com a água
do banho”, a utilização de algumas ferramentas, como o Google Classroom e as
plataformas de Meet, por exemplo, serviu para a alfabetização em uma linguagem
que há muito se impõe à educação, a linguagem do mundo virtual.
Sintetizando, a referida categoria temática evidenciou que as instituições de
ensino formal, enquanto instâncias socializadoras, receberam influências de ou-
tras instâncias, vinculadas ao poder público e à sociedade civil organizada, que im-
pactaram em suas formas de socialização, formatando novas práticas e percepções
acerca do ensino e da aprendizagem.
Corroborando com estudos anteriores, como o de Setton (2012), foi aferido
o impacto das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação nas formas de
se ensinar e aprender. E ampliando o olhar para além da dimensão da educação
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formal, visualizando abrangentemente as maneiras como os indivíduos se rela-
cionaram com o universo virtual, e como essas relações têm formatado formas de
agir, sentir e pensar, se considerou os meios digitais como importantes instâncias
socializadoras da contemporaneidade.
Posicionamentos de indivíduos e grupos
Nessa dimensão analítica, buscou-se capturar os modos de agir e as expe-
riências dos indivíduos e grupos, numa busca de estudar a maneira pela qual se
organizou e se desenvolveu os processos socializadores.
O posicionamento da ONG “Campanha” foi contrário ao ensino remoto, pois
percebeu um despreparo, em termos estruturais e formativos, dos estabelecimentos
e sujeitos da educação, para essa forma de ensino e aprendizagem. Também, con
-
siderou os excluídos digitais que, conforme seu documento, configuravam mais da
metade da população brasileira. A “Campanha” entendeu que não pode ser exigido,
dos estudantes da Educação Básica, a autonomia, capacidade de concentração e
autodisciplina que essa forma de ensino requer. Ainda, que o ensino remoto comple
-
xificaria a gestão das redes, com diversos calendários, ações de formação e avaliação
das unidades. Para a ONG, até o Ensino Superior poderia apresentar estudantes
abandonando os cursos frente às dificuldades encontradas com o ensino remoto.
E, finalizou sua argumentação, alertando para os oportunismos das empresas de
tecnologias e de comunicação, para o risco de apropriação de dados, e privatizações.
A ONG “Todos pela Educação” acreditou que, devido ao panorama imposto
pela pandemia, o ensino remoto se constituiria como uma alternativa, podendo
contribuir e devendo ser implantado. Admitiu, no entanto, que seus efeitos eram
limitados, e por isso a importância de sua normatização e seu planejamento de
retorno. Compreendeu a necessidade do entendimento das diferenças de disposição
de recursos tecnológicos e desigualdade entre os sujeitos, estando ciente de que os
indivíduos com melhores desempenhos acadêmicos tendem a se beneficiar mais
das soluções tecnológicas. E alertou para a diferenciação entre ensino remoto e
aula online, incentivando a diversidade de experiências de aprendizagem signi-
ficativas, na crença de que essas experiências podem apoiar a criação de rotinas
positivas, com certa estabilidade frente ao momento de mudanças. Por fim, a ONG
salientou o papel do professor como central no processo de ensino remoto.
Os pareceres dos CNE e CEE orientaram e normatizaram a educação e as ati-
vidades não presenciais, prezando pela liberdade de ensinar, aprender, pesquisar,
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e divulgar o pensamento, a arte e o saber; a valorização dos profissionais da educa-
ção; igualdade de condições de acesso e permanência; e a garantia de um padrão de
qualidade no ensino. Para isso, apresentou diversas orientações de ordem prática
e bastante específicas. Com a observação da realidade vivenciada pelos demais
países, e de pesquisas que já foram publicadas, os pareceres alertaram para con-
dições de crise na educação, sendo necessários investimentos de todos os setores,
tanto na dimensão estrutural e financeira, quanto: nas adaptações de calendários
e currículos; na clareza e no enfrentamento à possibilidade de evasão, com abertu-
ra a processos de ensino e aprendizagem socioemocionais; fortalecimento da ges-
tão democrática, comunicativa e participativa; e a busca dos melhores patamares
possíveis de aprendizado, orientado a necessidade de retomadas e adequações no
currículo para o ano de 2021.
A Resolução nº 59-2020-CEPE da UFPR regulamentou o período especial para
o desenvolvimento de atividades de ensino em seus cursos de educação superior,
profissional e tecnológica, no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil. Com
característica democrática, o documento descentralizou as decisões, ao regula-
mentar a oferta do período especial para o 1º semestre letivo de 2020. No artigo
4º, autorizou os colegiados dos cursos a decidirem e procederem com a oferta de
novas turmas de disciplinas e unidades curriculares; ficando também a critério
das coordenações de curso solicitar apoio à Superintendência de Inclusão, Políticas
Afirmativas e Diversidade para o acompanhamento de estudantes surdos/surdas e
com deficiências, de modo a assegurar a plena inclusão nas disciplinas ou unidades
curriculares ofertadas de forma remota. Nas disposições gerais, estabeleceu no ar-
tigo 28 que a oferta de disciplinas e unidades curriculares no período especial era
de caráter totalmente voluntário para as unidades administravas e ao corpo do-
cente da UFPR, reafirmando o princípio de que o direito à vida se sobrepõe a todos
os demais. Finalizou, no artigo 31, afirmando que caberia à administração central
e às unidades conexas (pró-reitorias e órgãos suplementares) da UFPR manterem
ações com vistas à inclusão e ao letramento digital, assim como à expansão do
uso de tecnologias digitais nas atividades de ensino-aprendizagem, para o ensino
remoto emergencial nos cursos de educação superior, profissional e tecnológica da
UFPR (UFPR, 2020).
Todavia, o texto institucional da SEED/PR apresentou à comunidade uma
proposta pronta, na qual viabilizou a compreensão das ações pontuais, visando
à oferta de educação durante o período da pandemia da Covid-19. O governo es-
tadual incluiu aulas em canais abertos de TV, no YouTube e outros aplicativos; a
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oferta de pacotes gratuitos de dados de internet para aqueles que acessaram via
um aplicativo chamado Aula Paraná, desenvolvido especialmente para esse perío-
do; e utilização da plataforma Google Classroom, para a disposição de atividades
e interação entre estudantes, e destes com os professores. No texto, os professores
da rede são denominados de “protagonistas” da proposta do governo, uma vez que
coube a eles a gravação das aulas, assim como de elaboração de atividades e formas
de interação com os estudantes.
Em contraposição à proposta da SEED/PR, a APP Sindicato criticou a orien-
tação política da referida secretaria que estaria visando a “obtenção de resultados
educacionais quantitativos”, medidos através de avaliações externas aos estabele-
cimentos de ensino, com “intensificação do processo de controle e coação sobre os(as)
profissionais da educação”. Denunciou que novas orientações eram encaminhadas
rotineiramente, causando instabilidade, e “agindo como instrumentos de tutela,
controle, vigilância e punição sobre o trabalho pedagógico”, isso estaria esgotando
a autonomia dos sujeitos e comunidades escolares em definirem seus processos de
ensino e aprendizagem. O documento declarou que em nenhum momento houve
um diálogo com a comunidade escolar sobre os encaminhamentos para a efetivação
do ensino remoto (APP SINDICATO, 2020).
Os dois relatórios de pesquisa apresentaram as maneiras, formas e técnicas
utilizadas nas abordagens investigadas de ensino remoto. A pesquisa realizada
pela FCC teve abordagem em todas as 27 Unidades da Federação, com participa-
ção de 14.285 docentes da Educação Básica, especialmente de escolas públicas e
urbanas. Os sujeitos de pesquisa declararam que a rotina de trabalho envolveu:
a) escrever e responder e-mail, WhatsApp e SMS; b) planejar e preparar aulas
com novas ferramentas; c) ministrar aulas com novos recursos; d) assistir e parti-
cipar de cursos, lives e reuniões; e) apoio às famílias de estudantes. As estratégias
educacionais envolveram trabalho com as mídias sociais, tanto para comunicação,
quanto para a elaboração e envio de trabalhos. Ademais, o texto mencionou: a) a
utilização de materiais disponibilizados pelas secretarias de educação, em forma-
tos digitais ou impressos para serem retirados na escola; b) aulas online ao vivo ou
gravadas; e c) comunicações via rádio.
O relatório da pesquisa realizada pela UFPR, reuniu relatos de 150 famílias
residentes no Litoral do Paraná e na Região Metropolitana de Curitiba, com conta-
to via WhatsApp, e-mail, telefonemas e interações de campo. Somando-se a essas,
encontram-se “relatos de trabalhadores sociais de instituições e serviços de prote-
ção, cujos dados indiretos referem-se a oito famílias em condição de acompanha-
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mento socioassistencial” (THOMASSIM; HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2020, p.
1). O estudo apontou diferenças entre as percepções do ensino remoto em relação
aos estudantes das escolas públicas e privadas, sendo que os estudantes das esco-
las privadas, além de terem maiores condições estruturais de acesso, sentiram-se
menos sobrecarregados de atividades, o texto afirmou que foram recorrentes as
reclamações dos pacotes de videoaulas das escolas públicas estaduais, que man-
tiveram os sujeitos em maior tempo de exposição às telas. O estudo explicou que
a rede estadual do Paraná seguiu a lógica de cinco videoaulas de 50 minutos ao
dia, e mais as atividades a serem desenvolvidas nas plataformas digitais. As famí-
lias relataram a dificuldade de os estudantes manterem a concentração em toda a
aula, pois, com celulares em mãos, eles tendiam a se distraírem com jogos, vídeos
e mensagens de colegas. Outros dados apresentados pela pesquisa salientam a
necessidade de organização do tempo e dinâmica familiar, além da reorganização
de espaços, divisão de aparelhos, fez-se importante o apoio dos familiares aos es-
tudantes. O estudo apresentou, como considerações finais, a fragilidade do modelo
de ensino remoto, em que foram submetidos os sujeitos de pesquisa, no sentido de
garantir experiências educacionais significativas, relevantes e democráticas.
De maneira semelhante, nas falas dos entrevistados para o presente estudo,
os estudantes mencionaram a dificuldade de adaptação à rotina de aulas remotas,
o tempo diante das telas, a quantidade de atividades, a facilidade de dispersão
devido ao contexto espacial da casa e também do universo virtual, com notificações
e chamadas competindo com as explicações dos professores. Ademais, a dificuldade
apresentada com maior recorrência nas falas dos entrevistados, foi a de aprender
sem o acompanhamento presencial dos professores:
Maria (EB)
2
- Bom, nós conseguimos aprender nas aulas online, mas na minha opinião as
aulas presenciais são melhores, porque os professores podem ver a dificuldade de cada um e
ajudar, e eu acho que na sala de aula a gente consegue aprender melhor.
João (EB) - Porque estamos acostumados com o jeito dos professores explicarem, e é mais
difícil entender o que os professores das aulas online falam.
Pedro (EB) - Eu acho que esse tipo de ensinamento mudou a maneira de aprendermos, pois
somente assistimos, não tem como tirarmos dúvidas e nem conversarmos com colegas.
De fato, os professores relataram que estiveram presentes nas mídias duran-
tes as aulas, e em interação pelo WhatsApp e demais aplicativos, como o Google
Classroom. No entanto, existiu uma necessidade de apropriação da forma de se
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estabelecer um relacionamento entre professores e estudantes nesse meio digital,
como elaborar as questões, como enviá-las, sendo que a aula gravada não tem in-
terrupção para o estudante processar tais reflexões, e como o tempo de gravação é
muito expandido, o estudante se focou em finalizar as atividades e concluir o pro-
cedimento de cada aula que foi bastante exaustivo. Desta forma, as atividades de-
senvolvidas e dificuldades apresentadas, nesse grupo analítico, corroboraram para
a compreensão da necessidade do desenvolvimento de uma linguagem específica
para o ensino remoto, tanto para facilitar as relações entre os sujeitos da educação,
como na elaboração técnicas de atividades concatenadas com o formato de ensino e
aprendizagem nestes ambientes não presenciais.
Desta forma, os posicionamentos de indivíduos e grupos, por um lado, foram
de argumentações favoráveis ou contrárias ao ensino remoto durante o distancia-
mento físico imposto pela pandemia; também de orientação, regulamentação e mo-
nitoramento de ações.
Por outro lado, a ação prática de ensinar e aprender num outro formato, que
envolveu disciplina, autonomia, independência, controle emocional e arranjo nos
espaços físicos domésticos e nas rotinas diárias, o que exigiu alterações nos rela-
cionamentos intrafamiliares, e mudanças de percepções do papel e importância
docente.
As implicações do ensino remoto na pandemia da Covid-19
Nessa categoria analítica, se buscou os efeitos do ensino remoto nas formas de
agir e pensar dos agentes, ou seja, em suas socializações; nas palavras de Lahire
(2015, p. 1395), em suas disposições a acreditar, sentir, julgar, representar, agir.
Nos documentos analisados, são apresentados dados, de pesquisas realizadas,
no exterior e também no Brasil, que demonstraram algumas implicações da pan-
demia da Covid-19 e do ensino remoto, nos agentes e sistemas de educação formal.
Para os objetivos desta análise, elencaram-se apenas alguns, relacionados às reali-
dades brasileira e paranaense.
Na pesquisa da FCC, as(os) docentes perceberam um processo de aprendi-
zagem acontecendo, pela produção e execução das atividades, que atingiu cerca
de 50% dos estudantes. Os respondentes, em maioria, afirmaram que o ensino
remoto promoveu o aumento tanto da relação escola-família, quanto do vínculo do
estudante com sua família. Também, um fortalecimento do vínculo dos profissio-
nais de um mesmo estabelecimento de ensino, uma vez que precisaram se apoiar
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mutuamente e contar com o apoio dos gestores. A jornada de trabalho foi ampliada
para os profissionais investigados e, em alguns casos, o salário foi reduzido. Os
investigados acreditaram que, os prenúncios de possíveis mudanças na educação
formal, estariam no ensino online ocorrendo juntamente com o presencial. Ao de-
senvolverem uma maneira de ensinar mediados pelo universo digital, os profes-
sores incorporaram disposições didáticas, que podem (ou não) ser duradouras. O
texto expõe conforme apresentado a seguir:
De fato, a situação imposta pela pandemia exigiu, de um lado, repensar os conteúdos e
atividades avaliativas, considerando a diversidade de situações e condições de vida em que
se encontram os estudantes dos diversos níveis de ensino. Não se trata, apenas, de transpor
práticas que antes eram feitas presencialmente para contextos virtuais (FCC, 2020, p. 3).
Nas falas dos docentes da Educação Básica, respondentes do presente estudo,
esse achado também aparece como um efeito socializador:
Joana (P) - Acredito que esse período vem trazer uma nova era no campo educacional. Foram
muitas descobertas sobre novas formas de ensino e aprendizagem. Nunca mais vou lecionar
da mesma forma. Inclusive esse período me incentivou a continuar lecionando.
Marília (P) - Penso que vai mudar muito a prática de todos. Mesmo antes de tudo isso, nós
já usávamos muitas mídias na educação, mas nunca de forma tão intensa. Muita coisa foi
imposta e nós nos adaptamos. Aperfeiçoamo-nos e até incrementamos muitas coisas. Quanto
tudo voltar ao novo normal eu acredito que muito do que estamos usando agora irá continuar.
Eduardo (P) - Afeta pelo fato de que aprendi muita coisa com essa ferramenta. Sei que poderei
usar isso depois, mesmo dando aulas presenciais. Acho que dá para fazer muita coisa boa
se bem utilizada. Prefiro a aula presencial, mas como estamos nesse momento horroroso
acho que foi bom, até me surpreendi (...) o fato é saber aproveitar a oportunidade! Quem faz
o mínimo com a ferramenta faz o mesmo nas aulas presenciais, eu vou aprendendo e dando
o melhor de mim!
José (P) - Então, eu penso que vai afetar sim! Não tem como voltar a ser como era antes,
então penso que teremos que nos adaptar e que tudo isso será positivo para professores e
estudante; os estudantes sendo mais autônomos e livres para buscar novos conhecimentos, a
questão da responsabilidade e nós estaremos nos reinventando, aprendendo e fazendo parte
desse universo todo!
São muitos os relatos como esses, que enfatizaram a continuidade da utiliza-
ção dos meios digitais para o ensino, mesmo depois do retorno às aulas presenciais.
Relatos que confirmaram a efetivação de novas formas de agir e pensar na própria
prática docente.
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De maneira bem menos expressiva, encontraram-se falas de docentes, que
apresentaram a possibilidade dessas disposições serem transitórias, e de não se
constituírem uma socialização permanente no ensino formal e nas práticas didáti-
co pedagógicas:
Marta (P) - Confesso que não gosto da forma como está afetando minha atividade docente (...)
acredito que descobrimos uma ferramenta, mas valorizo muito mais o que obtemos no contato
direto com os estudantes (...) não vislumbro seu uso fora dessa realidade.
Tiago (P) - Diante da precariedade de acesso de nossos alunos, não acredito que possa utilizar
na volta às aulas.
E duas falas docentes, deixaram uma dúvida sobre a potência dessa disposição
para o uso das tecnologias, surgidas a partir da realidade do ensino remoto:
Janete (P) - Agora, se irá afetar positiva ou negativamente não sei responder. É evidente que
se fosse uma questão de democracia, onde todos tivessem o acesso, seria muito positiva a
inclusão de uma plataforma de ensino remoto, como uma complementação da carga horária
e para estudo do que foi visto na escola. Porém, não como uma substituição como está ocor-
rendo.
Cristina (P) - Isso vai refletir na nossa vida e práticas! Não sei de que forma, mas certamen-
te deixará marcas! Certamente continuaremos a utilizar a ferramenta, mas também estamos
traumatizadas com ela.
Lahire (2015) alertou que, as pesquisas já realizadas, atestaram que não é in-
teressante negligenciar o poder de reorientação ou modificação das disposições de
habitus incorporadas anteriormente a um evento, assim como, não é interessante
negligenciar a capacidade da produção de novas disposições mentais, que transfor-
mam maneiras de se agir e pensar.
Nas falas dos estudantes da educação básica, assim como de alguns profes-
sores, emergiu a dimensão do afeto nos processos de ensino e de aprendizagem.
Muitos estudantes afirmaram ter outra percepção da figura do docente, entenden-
do seu papel e a falta que faz os atendimentos individualizados e personalizados,
efetivados no cotidiano da sala de aula, para o aprendizado dos conteúdos escolares
e das características dos relacionamentos humanos. De maneira simples, os estu-
dantes e professores elencaram o lugar do afeto nas construções de identidades.
A seguir, três exemplos de falas de discentes e um exemplo de fala de docente,
respectivamente:
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Brenda (EB) - Nada substitui um professor em sala de aula, o convívio com os colegas e a
rotina escolar.
Bruno (EB) - No ensino à distância você não tem um professor para você perguntar (...) e nem
para ficar brigado por causa da postura dele.
Caio (EB) - De forma alguma substitui as aulas presenciais, porque a escola é essencial como
espaço de socialização e de aprendizado e a presença do professor nem se fala, no dia a dia
ele percebe o aluno que conseguiu aprender, aquele que tem dificuldades e o que fazer para
poder ajudar.
Tiago (P) - Com toda certeza, após a pandemia, não seremos os mesmos, nem nossas aulas
serão! Vai afetar justamente o afeto, o amor será maior ainda, o afeto, acolhimento!
Essa dimensão do afeto tem sido trabalhada pela teoria da socialização, na
perspectiva de sua importância para os aspectos socializadores. (SIMMEL, 2001;
BERGER; LUCKMANN, 2014; DUBAR, 2005; SETTON, 2013; BUENO; BUENO,
2019). No presente estudo, as falas promoveram a retomada dessa teoria para en-
fatizar como as emoções participam da incorporação de disposições para determi-
nadas aprendizagens. Simmel (2001, p. 162) se referiu ao afeto como um “agluti-
nante social”, que composto nas experiências, apresenta função formativa da vida
psíquica. Simmel (2001, p. 149), inspirado em Platão, entendeu o amor como uma
força necessária ao percurso para o conhecimento, e o pontuou como um potencia-
lizador de ideias.
Voltando-se às respostas das entrevistas de mestrandos e doutorandos, eles
confirmaram o entendimento de que o modelo remoto exige processos de estudo
e aprendizagem mais autônoma, assim como dificulta a interação, especialmente
entre pares, tornando o estudo e aprendizado mais solitário, com menos intera-
ções e, portanto, com menos trocas de ideias promotoras de insights. Porém, os
entrevistados consideraram o ensino remoto uma importante alternativa, para a
pós-graduação.
Rodrigo (PG) - A forma de aprender se torna mais autônoma. Na falta de contato com os
demais colegas e professores, nos aprofundamos solitariamente no programa das discipli-
nas. Talvez o prejuízo maior seja a perda do dinamismo e da diversidade de ideias e informa-
ções que normalmente surgem durante as aulas presenciais. Contudo, há de se considerar
que esse prejuízo foi bastante reduzido devido às estratégias e sensibilidade dos professores,
que se esforçaram bastante para tornar o ambiente o mais produtivo e acessível para todos.
Em relação ao distanciamento interpessoal que esse momento impôs a todos, embora tenha
prejudicado as interações e o intercâmbio de ideias entre colegas, também foi amenizado
com grupos de WhatsApp onde todos puderam interagir. Claro, cada qual do seu modo, mas
sempre de forma respeitosa, democrática e construtivamente.
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Foi elencado como um ponto positivo a questão de não se perder
tempo com deslocamentos.
Teresa (PG) - Há aspectos positivos: como o aproveitamento do tempo que seria perdido
em deslocamentos e maior flexibilidade para a execução das atividades, considerando quem
trabalha e estuda. Se eu estivesse na rotina habitual, certamente estaria muito estressada
tentando conciliar tudo.
Salienta-se um ponto já tratado, mas evidenciando que em todas as modalida-
des de entrevistados, foi mencionada a dificuldade de manter a concentração nas
aulas virtuais, principalmente no formato expositivo, ou seja, para aulas em pla-
taformas digitais faz-se necessário pensar em abordagens dinâmicas e interativas.
E, essa dificuldade não é mencionada apenas por jovens estudantes, mas também
ficou marcada nos documentos analisados, e na fala de uma doutoranda e de um
professor da Educação Básica, que se expressaram conforme pontuado a seguir:
Melissa (PG) - Senti uma perda da qualidade de retenção do conteúdo, já que cada aula
concentra muitos seminários e é muito difícil prestar atenção com concentração em frente ao
computador por várias horas e com as demandas de trabalho interrompendo há todo momento
(...) a interação é reduzida, com mais dificuldade de elaboração de perguntas, apesar de todo
esforço por parte dos professores. Eu preferiria poder ouvir mais explanações dos professores
aliadas as nossas leituras prévias.
Maurício (P) - Acredito que esse modelo de aula será uma mera lembrança quando as aulas
retornarem fisicamente, o formato ficou ruim, muito difícil um estudante se concentrar por tanto
tempo.
Jairo (EB) - Acho ruim. Não gosto e não consigo prestar atenção! Queria que voltassem as
aulas presenciais.
A última fala a ser mencionada reforça como a organização do tempo e do
espaço interfere no aprendizado, quando se estuda em casa. Também, demonstra
o surgimento de novas disposições de habitus relacionados à educação formal e à
construção da identidade, quando o respondente afirma que no início não gostava
de trabalhar em casa, mas agora gosta:
Henrique (PG) – Apresentei baixa produtividade nos primeiros 35 dias de trabalho remoto.
Após esse período, já acostumado com a nova rotina em casa e com novo espaço físico, usa-
do especialmente para esse fim, tudo ficou mais fácil. Trabalhar no quarto era muito complica-
do, as rotinas se misturam e a qualidade de vida decai muito. Horários bagunçados, não sentia
prazer nem em estar no quarto para dormir, pois inconscientemente sabia que ao acordar ali
mesmo já teria uma enxurrada de afazeres. Mas após a mudança de ambiente tudo mudou, e
confesso, agora estou gostando do home office.
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Esperanças e perspectivas: considerações nais
Desde a etapa de coletas de informações e análises do presente estudo, que
aconteceram no primeiro semestre de 2020, o panorama da educação formal e da
pandemia da Covid-19 passou por transformações, as quais nem sempre foram
positivas. Até o início de abril de 2021, apesar de algumas iniciativas e aberturas
temporárias, de modo geral, as escolas mantiveram-se fechadas; no entanto, mais
adaptadas ao modelo remoto. A UFPR encontrava-se em organização para a reto-
mada oficial do calendário acadêmico, mais uma vez com aulas remotas.
A vacinação teve início no país em fevereiro de 2021, porém com implementa-
ção lenta das aplicações. Todavia, essa ação mobilizou esperanças e perspectivas
de um retorno à “normalidade” dos contatos físicos e da vida em sociedade. Mas
permaneceu o questionamento do que seria essa normalidade, quando se mencio-
navam um “novo normal” numa sociedade marcada pelo advento dramático e per-
turbador de uma pandemia.
Corroborando com estudos anteriores, a presente pesquisa demonstrou que o
panorama histórico e temporal das sociedades, interfere nas formas de socializa-
ção. A pandemia da Covid-19 gerou novas práticas e percepções acerca do ensino e
aprendizado. Como essas práticas impactaram as disposições de habitus, aferiu-se
um indicativo para maior envolvimento com o universo tecnológico e digital, desen-
volvendo uma linguagem própria, o idioma das redes. Essa linguagem, de aparên-
cia globalizada, exige maiores estudos dos pesquisadores a fim de se compreender
suas limitações e abrangências. Salienta-se a importância de constantes reflexões
e críticas aos produtos culturais e como eles podem implicar em disposições de
habitus em construções e transformações.
No panorama da educação formal, as mídias digitais se colocaram de forma
proeminente, com seus softwares e universos da Web. No Brasil, e mais especi-
ficamente, no Estado do Paraná, há muito se fala das inclusões das Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação na educação formal. Apesar das diversas
ações implantadas nos últimos anos, como a instalação de TVs Pendrives nas sa-
las de aulas, disponibilização de tablets para professores, criação de laboratórios
de informática em alguns estabelecimentos de ensino, Registro de Classe On-line,
entre outras ações nas instituições e realidades escolares... todas essas ações pouco
alteraram as práticas pedagógicas e formas de se ensinar e aprender.
O advento da pandemia da Covid-19, contudo, trouxe uma mudança signifi-
cativa nesse contexto, com o relacionamento entre os sujeitos da educação, quase
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exclusivo ou exclusivamente, pelas plataformas digitais. Professores e estudantes
precisaram se adaptar à nova realidade de atividades remotas e às formas expres-
sivas de utilização de tecnologias voltadas ao ensino e à aprendizagem. Podendo
(ou não) se constituírem em efeitos duradouros, pois se referem às socializações
ocorridas em curto espaço temporal. Os estudos de Lahire e Bourdieu detalham
sobre os processos de disposições de habitus acontecendo ao longo de trajetórias de
vida. No entanto, considerando como as mídias têm impactado as formas de ser,
agir e pensar nas últimas décadas, acredita-se que novas disposições para o ensino
e o aprendizado estão sendo consolidadas.
Verificou-se pela análise dos documentos, a possibilidade de ampliação de de-
sigualdades sociais no Brasil advindas da situação imposta pela pandemia da Co-
vid-19, assim como ocorreu em outros países. Analisar a situação do ensino remoto,
nesse contexto, possibilitou verificar, para além de desigualdades relacionadas às
realidades materiais, outras, em analogia a estas, no universo virtual; ou seja, os
indivíduos com aprendizagens defasadas também apresentaram maiores dificulda-
des nos meios digitais, tanto para o acesso, como para o uso das ferramentas. Isso
evidenciou espaços de poderes e desigualdades no universo virtual, semelhantes
ao do universo material. Levantamentos futuros poderão confirmar ou refutar as
hipóteses de aumento das desigualdades. Relembra-se, no entanto, da necessida-
de de grande esforço coletivo, no sentido de evitar a evasão e elevadas taxas de
reprovação, no ano letivo de 2020; assim como a necessidade de adequações aos
currículos e programas para os próximos anos letivos.
Ademais, com a presente análise qualitativa, em documentos e falas de en-
trevistados, foi possível perceber uma sociedade dividida em crenças e posições
políticas, que por vezes atrapalharam a construção de uma nova forma de ação
social, e elaboração de políticas públicas. Em momentos de crise, faz-se ainda mais
necessária a união de forças em prol de objetivos comuns, e nesse sentido o presen-
te estudo demonstrou que o Brasil, com seus agentes, ainda tem muito a construir
e amadurecer, ponderando lados e alinhando discurso, no sentido de práticas pre-
cisas, efetivas e solidárias.
O presente estudo pode contribuir na compreensão de como as disposições de
habitus são híbridas, construídas a partir das experiências vividas, envolvendo
afeto, e no contato com as estruturas materiais e também mentais de cada sujeito.
Foi possível aferir novas formas de agir e pensar, relacionadas às maneiras de se
ensinar e aprender os conteúdos formais da educação, assim como novas formas
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de se pensar a relação professor e estudante, e entre pares, numa perspectiva de
mudanças, rupturas e construções de novas ações e comportamentos.
Os diversos contextos socializadores convidam, novamente, a repensar a edu-
cação para além dos muros escolares, numa perspectiva de uma educação promo-
tora de experiências abrangentes e significativas, conectadas ao tempo presente, e
colaborativa para o desenvolvimento científico e ético, que associem necessidades
individuais e coletivas, com respeito e solidariedade.
Notas
1
Os sujeitos foram contatados via Google Classroom, e-mail e WhatsApp. Para os estudantes da
Educação Básica perguntou-se: Você acredita que a utilização do Google Classroom e WhatsApp,
durante este período de ensino remoto, mudou a forma de vocês estudarem e aprenderem? Será que
isso irá trazer alguma consequência no jeito de vocês estudarem e aprenderem depois que as aulas
voltarem a ser presenciais? Para os professores da Educação Básica perguntou-se: Vocês acreditam
que a utilização do Google Classroom, durante este período de Ensino Remoto, impactará de alguma
forma sua prática docente? Em caso afirmativo, de que forma? E para os estudantes da Pós-gradua-
ção se perguntou: As práticas de aulas remotas impactaram, de alguma maneira, a sua forma de
estudar e de aprender? Em caso afirmativo, como?
2
Nomes Fictícios visando preservar a identidade dos respondentes. Quanto às siglas: (EB) se refere
a estudantes da Educação Básica; (P) se refere a professores da Educação Básica; e (PG) se refere a
estudantes da Pós-Graduação.
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