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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Nathalye Nallon Machado, Anderson Ferrari
v. 28, n. 1, Passo Fundo, p. 276-296, jan./abr. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Amélia: ‘Tô ansiosa, ‘tô com medo, ‘tô com tudo. Mas também é uma sensação muito boa,
às vezes eu me estresso muuuitooo (sic), mas agora consigo me controlar mais um pouco; é
porque tem muito hormônio.
Entrevistadora: Daqui uns dias a Emília vai estar aqui com a gente [na escola] correndo com
quatro anos. Nem acredito, parece que sou avó, porque te vi aqui, Amélia, com quatro anos.
Amélia: Tem horas que nem eu acredito.
A gravidez de Amélia a desloca dentro da própria juventude e confere a ela um
lugar outro que não seja somente de jovem, estudante, compromissada, periférica,
negra. Essa descontinuidade é marcada pelo tempo, ou seja, só é descontinuidade
porque, social e discursivamente, não se espera gravidez na adolescência, construí-
da como um problema. Ao mesmo tempo que marca sua descontinuidade no grupo,
visto que se trata de um grupo de mulheres jovens, Amélia também anuncia um
futuro, reforça um desejo nas demais participantes, inclusive na entrevistadora,
que, rapidamente, estabelece uma identidade de se “sentir avó”, marcando uma
continuidade com Amélia a partir da escola, do seu vínculo com entre educação e
família. Após o nascimento da criança, ela também se transforma em mãe da Emí-
lia e isso fica muito evidente nas muitas imagens da filha que divulga nas redes
sociais. A sua nova identidade como mãe é construída, performativamente, nas
redes sociais, junto com as imagens da filha, com roupas femininas, com acessórios
femininos, enfim, como se estivesse “brincando” de boneca, possivelmente como
aprendera desde muito jovem. Amélia também vem construindo a imagem de Emí-
lia na internet: divulga fotos, faz postagens, declarações e publicações sobre a filha.
A criança e o discurso de maternidade conferem à Amélia uma nova subjetividade:
a de mãe jovem. O discurso, além de uma prática de produção de sujeitos, é tam-
bém uma prática social que controla a produção, a circulação e a apropriação dos
enunciados, como explora Foucault (1986). Nas palavras do autor, discursos são:
[...] práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discur-
sos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar
coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse “mais” que é
preciso fazer aparecer e que é preciso descrever (FOUCAULT, 1986, p. 56).
Discursiva e performativamente, Amélia vai tornando-se mãe. A gravidez, na
medida em que ocorre, também se transforma em investimento nas redes sociais.
Amélia passa a postar imagens de si na transformação do corpo e, assim, vai se
subjetivando como mulher jovem grávida para, depois, investir em imagens de si
como mulher, negra, jovem mãe. Para isso, é fundamental imagens da filha segui-
da de mensagens como “Amor que não se mede”, “filha”, “apaixonada”. A partir de