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A educação como socialização em Émile Durkheim
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 28, n. 1, Passo Fundo, p. 13-33, jan./abr. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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Cotidianamente, as regras e os valores podem aparecer para nós como as-
pectos bastante distintos, na medida em que pela categoria “regras” entendemos
imposições alheias a nossa vontade, mas às quais obedecemos para evitar a pena
que decorre de sua não obediência. Em suma, entendemos a regra como uma res-
trição à nossa liberdade. Por outro lado, a categoria “valor” implica tudo aquilo
que prestigiamos, que desejamos e que nos esforçamos para conquistar ou para
manter. Num contexto mais amplo, são os valores compartilhados pelos membros
de uma sociedade que incitam uma ação comum em defesa dessa ou daquela causa,
que nos levam a ter as mesmas crenças, os mesmos gostos, conferindo, assim, uma
identidade própria a cada sociedade. Vistos dessa forma, os valores aparecem como
a expressão de uma escolha, como afirmação da própria liberdade de agir segundo
os próprios valores, não segundo valores que nos são estranhos ou imperativos.
Entretanto, conforme nos revela a teoria durkheimiana, os valores possuem
um caráter tão restritivo e coercitivo quanto as próprias regras, com a diferença
de que as regras nos são impostas de maneira mais explícita e, por vezes, mais
desagradável, enquanto os valores são inculcados de maneira mais sutil, passam a
fazer parte de nossa consciência, condicionando até o modo como vemos e sentimos
a realidade que nos circunda. Isso pode ser observado, por exemplo, nos padrões
sociais em relação ao corpo ou modos de vestimenta. Desta forma, percebemos o
quão difícil é desejar algo além desses padrões, porque nos envolvem em todas as
nossas dimensões, impõe-se a nós por todos os lados. Em resumo, aquilo que parece
ser uma escolha é, na verdade, também uma forma de ausência de liberdade.
Por outro lado, tudo aquilo que consideramos como regra aparece sempre
como imposição, como obrigação e dificilmente esconde o fato de tratar-se de uma
prescrição alheia a nossa vontade, pois reconhece-se sempre a exterioridade de sua
origem. No caso particular da regra moral, a obediência parece ainda mais incômo-
da, na medida em que não se trata de uma ação que se reverte imediatamente a
nosso favor, – como, por exemplo, nos casos das regras de higiene – mas que temos
que obedecer simplesmente porque assim nos dita a regra. Entretanto, é justamen-
te por ter um caráter coercivo mais explícito que a regra permite perceber que se
trata de uma imposição social, cujos mecanismo, finalidades e razões de ser podem
ser compreendidos. Com isso, abre-se a possibilidade de agir de forma consciente,
porque sabemos que se trata de uma regra social. Dessa forma, ao conhecer seus
fundamentos e objetivos, somos capazes de julgar a pertinência desses fundamen-
tos, questionando, inclusive, a validade atual de determinadas regras, contribuin-
do, na medida do possível, para conservá-las ou para renová-las.