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Educação e saúde: reflexões e posveis olhares ao cuidado
centrado no paciente em tempos de pandemia
Education and healthcare: reflections regarding views on patient centered
care during times of pandemic
Educación y salud: reflexiones y posibles miradas hacia el cuidado
centrado en el paciente en tiempos de pandemia
Nanci da Silva Teixeira Junqueira
*
Geraldo Antônio da Rosa
**
Terciane Ângela Luchese
***
Resumo
Presenciam-se, a cada momento, descobertas de novas doenças e, ao mesmo tempo, uma fragilidade
na manutenção da saúde da população. O mundo encontra-se perplexo diante da pandemia de
COVID-19 que assola o planeta. Esses são aspectos importantes no cenário em que pacientes estão
cada vez mais questionadores. É imperativo salientar que os pacientes possuem o direito de conhecer
e participar do planejamento, do cuidado, desde a identificação da doença, promovendo o envolvi-
mento na promoção e manutenção da saúde e, até mesmo, nas internações se essas forem necessárias.
Este artigo é resultado de atividades de pesquisa de natureza conceitual a partir de elementos empí-
ricos vivenciados em relação ao contexto da saúde e espiritualidade dos autores. Compreender os
aspectos da biopolítica e das reflexões de sujeito e autonomia em Paulo Freire se faz necessário para
conduzir uma reflexão sobre como os profissionais da saúde poderão estreitar os laços de comunica-
ção com os pacientes. Esse tema torna-se de grande relevância para discussão frente ao processo do
cuidado da saúde e a importância do respeito da opinião do sujeito valorizando sua singularidade.
Qualificar os processos de formação permanente dos profissionais da saúde como uma prática regular
permite pensar no aprofundamento do cuidado centrado no paciente.
Palavras-chave: cuidado centrado no paciente; saúde; educação permanente; biopolítica.
Recebido em: 24/09/2020 Aprovado em: 05/03/2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i1.11667
ISSN on-line: 2238-0302
*
Graduação em Licenciatura em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal de Pelotas (1999). Doutoranda em
Educação pela Universidade de Caxias do Sul (2019). E-mail: nsteixeira@ucs.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9757-
5104.
**
Mestrado em Educação pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (2000) e Doutorado em Teologia pela Escola Superior
de Teologia (2007).
Atualmente é docente pesquisador do PPGEdu-UCS. E-mail: garosa6@ucs.br. Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-1193-7910
***
Possui graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade de Caxias do Sul (1997), mestrado em História pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2001) e doutorado em Educação (2008). É professora da
Universidade de Caxias do Sul. E-mail: taluches@ucs.br. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-6608-9728
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Abstract
At any given moment, it is witnessed both the discovery of new diseases, and, simultaneously, a
frailty in maintaining the population´s health. The world is stunned before the COVID-19 pan-
demic which scourges the planet. These are important aspects since patients are asking more and
more questions. It is paramount to underscore that patients have the right of knowing and partici-
pating of the planning and care, from identifying the disease - which fosters an engagement to
promote and maintain health - up to the admittances, whenever necessary. This paper is the result
of research activities based upon empirical elements experienced by the authors, within the context
of health and spirituality. It is necessary to understand the aspects of both biopolitics and the reflec-
tions of self and autonomy by Paulo Freire, in order to lead to pondering about how to bridge
communication gaps between healthcare professionals and patients. Such topic takes great relevance
in the discussion of maintaining healthcare and the importance of respecting one´s uniqueness in an
opinion. Qualifying the processes of permanent training of health professionals as a regular practice
allows thinking about the deepening of patient-centered care.
Keywords: Patient-centered care. Healthcare. Permanent education. Biopolitics.
Resumen
Continuamente, somos testigos de descubrimientos de nuevas enfermedades y, al mismo tiempo, de
una fragilidad en el mantenimiento de la salud de la población. El mundo se encuentra perplejo ante
la pandemia de COVID-19 que asola al planeta. Estos son aspectos importantes en el escenario en
que pacientes están cada vez más cuestionadores. Es imperativo destacar que los pacientes tienen el
derecho de conocer y participar del planeamiento del cuidado, desde la identificación de la enferme-
dad, promoviendo el desarrollo en la promoción y mantenimiento de la salud y aun de las
internaciones, cuando son necesarias. Este artículo es resultado de actividades de investigación de
naturaleza conceptual a partir de elementos empíricos vividos con relación al contexto de la salud y
espiritualidad de los autores. Es necesario comprender los aspectos de la biopolítica y de las reflexio-
nes del sujeto y autonomía en Paulo Freire para conducir una reflexión sobre cómo los profesionales
de la salud podrán estrechar vínculos de comunicación con los pacientes. Este tema se vuelve muy
relevante para la discusión ante el proceso del cuidado de la salud y la importancia del respeto de la
opinión del sujeto valorizando su singularidad. Cualificar procesos de formación permanente de los
profesionales de la salud como una práctica regular permite pensar en la profundización del cuidado
centrado en el paciente.
Palabras clave: Cuidado centrado en el paciente. Salud. Educación permanente. Biopolítica.
Introdução
Frente à complexidade do mundo contemporâneo, podemos constatar cenários
com pessoas extremamente agitadas e solitárias, mergulhadas nas responsabilidades que
as cercam diariamente. Vivem o tempo imediato, apressadas por agendas lotadas e por
muito a fazer constantemente. A presença de inúmeras tecnologias faz os seres humanos
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sagazes no que diz respeito ao ato profissional, mas deixa dúvidas sobre o cuidado com
a própria saúde. O cuidar de si tornou-se um desafio constante para os seres humanos
deste século. Presenciamos a descoberta de várias doenças, de novos vírus, bactérias
multirresistentes e, ao mesmo tempo, a constatação iminente de uma saúde questioná-
vel. O mundo encontra-se perplexo diante da pandemia de COVID-19 que assola o
planeta, momento em que se torna palpável a importância da ciência: os privilégios
sociais desaparecem e o cenário político vai além da luta dicotômica do bem contra o
mal. A grande luta é pela sobrevivência. Ao mesmo tempo em que nos encontrávamos
em isolamento social, mantínhamo-nos conectados com toda a realidade planetária.
Este artigo é resultado de atividades de pesquisa de natureza conceitual a partir de ele-
mentos empíricos vivenciados em relação ao contexto da saúde e da espiritualidade dos
autores neste tempo pandêmico.
O artigo resulta de uma pesquisa qualitativa em que “responder ao desafio da
compreensão dos aspectos formadores/formantes do humano, de suas relações e cons-
truções culturais” (GATTI; ANDRÉ, 2013, p. 30) se coloca como princípio da
condução metodológica, pois faz sentido que os pesquisadores compreendam “a não
neutralidade, a integração contextual e a compreensão de significados nas dinâmicas
histórico-relacionais” (GATTI; ANDRÉ, 2013, p. 31) como perspectivas orientadoras
da investigação. A pesquisa, pelo seu objetivo, é exploratória e com relação aos proce-
dimentos é bibliográfica e conceitual.
Melo (2013), considera que as práticas discursivas recaem sobre a vida e as formas
de conduzi-la. Estas produzem tecnologias reguladoras, normas e padrões para a popu-
lação e sua multiplicidade de processos vitais. Podemos questionar se todas as diretrizes
estão próximas do entendimento das pessoas. Presenciamos números absurdos de casos
de emergências clínicas da população, sendo que o estilo de vida, como alimentação
não saudável, estresse diário, jornada de trabalho duplicada e acúmulo de compromis-
sos são alguns exemplos que provocam o adoecimento. Dentro desse contexto, o
cenário de uma pandemia, ao mesmo tempo em que desperta um profundo sentimento
comunitário, nos defronta com a angústia de superar os revezes do atual momento, do
acirramento das desigualdades socioeconômicas e das disputas geopolíticas. Os países
do norte, denominados de Primeiro Mundo, não possuíram a sensibilidade para en-
tender que precisavam de humildade para lidar com o possível caos na saúde que se
instalaria em todo mundo. O ser humano precisa de ajuda: temos que ter empatia com
a dor, preocupação com o outro e sermos abertos para aceitar que somos frágeis em
muitos fatores. Precisamos de ajuda das outras pessoas e de uma ação efetiva do Estado,
afinal, como aponta Boaventura de Souza Santos:
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As pandemias mostram de maneira cruel como o capitalismo neoliberal incapacitou o Estado
para responder às emergências. As respostas que os Estados estão a dar à crise variam de Estado
para Estado, mas nenhum pode disfarçar a sua incapacidade, a sua falta de previsibilidade em
relação a emergências que têm vindo a ser anunciadas como de ocorrência próxima e muito pro-
vável (SANTOS, 2020, p. 28).
Diante do exposto até o momento, sabemos que existem várias diretrizes elabo-
radas pelo Ministério da Saúde brasileiro, mesmo que sem uma ação mais efetiva.
Porém, teremos que refletir imediatamente acerca dos protocolos de prevenção instau-
rados para evitar os números que se apresentam ainda hoje em relação às doenças e às
mortes na comunidade: por que esses números ainda aparecem em grande proporção
se temos a nosso alcance protocolos assistenciais? Será que a maneira em que estão
construídas essas diretrizes é compreendida pela maior parte da população? Será que
não precisaríamos usar linguagem facilitadora, por meio da qual os cidadãos possam
compreender melhor as orientações? Segundo Melo (2013), a educação em saúde se
mostra como uma governança de outros e uma solicitação de autogoverno e autodisci-
plina, ou seja, uma estratégia biopolítica. A pandemia do COVID-19 trouxe o alerta
de que precisamos refletir sobre práticas assistenciais, investir em educação, esclarecer
e aproximar a ciência da sociedade.
Nesse contexto, várias dúvidas se fazem presentes, dentre elas: como os aspectos
da biopolítica poderão auxiliar na compreensão das condutas e ações ainda observadas
nos cenários assistenciais de cuidado? Como ocorre o diálogo entre equipes de médicos
e enfermeiros com seus pacientes? Como ocorre a compreensão do cuidado e do
autocuidado por esses pacientes? E, não menos importante: como incentivar uma
mudança de paradigma assistencial no sentido de respeitar o sujeito? Sem o intuito de
responder a todos esses questionamentos, o objetivo do artigo é estimular a reflexão a
partir das leituras das obras de Paulo Freire e dos questionamentos supra mencionados.
Sugere-se que a revisão bibliográfica poderá auxiliar a compreensão epistemológica do
sujeito como ser oprimido, promovendo, nos profissionais da saúde, uma reflexão
acerca de como poderão estreitar os laços de comunicação com os pacientes. Esse tema
torna-se de grande relevância para discussão frente ao processo do cuidado da saúde e
da importância do respeito da opinião do sujeito, valorizando sua singularidade.
Sujeito como partícipe no planejamento do cuidado
Torna-se imperativo salientar que os pacientes possuem o direito de conhecer e
participar do planejamento do cuidado, desde a identificação da doença, promovendo
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o envolvimento na promoção e manutenção da saúde e, até mesmo, nas internações se
forem necessárias. Percebe-se que essa situação permeia este evento denominado pan-
demia do COVID-19, quando pacientes não possuem condições de participar do
planejamento terapêutico devido à agressividade do vírus. Além disso, presenciamos a
falta de recursos clínicos que gera uma insegurança em um bom prognóstico. Essas
práticas de envolvimento do sujeito como partícipe no planejamento assistencial são
realmente práticas desafiadoras para os profissionais de saúde. Ainda não encontramos
esses cuidados nos cenários assistenciais ofertados no Brasil. Percebemos que os paci-
entes não estão habituados (em sua grande maioria) a questionar o planejamento de
assistência a ser aplicado. Por outro lado, em termos de momento de uma pandemia,
observa-se, sob pena de consequências efetivamente catastróficas, a necessidade de a
sociedade, numa perspectiva de cidadania, estar envolvida no planejamento de assis-
tência: ser esclarecida, estar ciente das descobertas científicas, ter capacidade de seguir
protocolos, compreender o cuidado de si e do outro, como algo maior do que uma
escolha embasada em informações sem base científica.
Presenciamos repetidas internações com o mesmo diagnóstico. Isso pode ocorrer
devido às falhas de orientações durante o período de consultas. Essa falta de comuni-
cação clara, por vezes informação não significativa, poderá acarretar internações
hospitalares e, até mesmo, o prolongamento dessas internações. Esses pacientes, por
sua vez, não questionam o planejamento das condutas, pois acreditam fielmente nas
equipes assistenciais. Martins (2004) corrobora dizendo que é preciso que haja um en-
tendimento entre as partes, no qual o médico ou profissional da saúde espera do
paciente que este confie nele, para que o profissional possa ajudá-lo, mas não espera
que essa confiança seja cega. Ou seja, o paciente tem que ter autonomia para questionar
sempre que não entender ou não aceitar o planejamento do cuidado. De nada adianta
uma imposição de tratamento se os pacientes voltarem, tempo depois, com as mesmas
patologias.
Entretanto, presenciamos, também, duas classificações de usuários: os que são
pacientes ativos e demonstram conhecimentos prévios durante uma consulta em saúde
e os que são pacientes passivos e aguardam as consultas para diagnosticarem suas doen-
ças. Cabe aqui ressaltar que o comportamento do último grupo pode se dar por falta
de recursos tecnológicos ou mesmo por questões culturais. A importância do diálogo,
do esclarecimento e de uma conduta cuidadosa da equipe de profissionais, no sentido
de acolher e demonstrar os protocolos a serem seguidos, ganha relevância.
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Os usuários/pacientes ativos utilizam a tecnologia digital para pesquisarem as
dúvidas acerca das possíveis patologias que afetam a si ou aos seus familiares. Seguida-
mente percebemos, durante as consultas, que muitas pessoas já possuem quase um
diagnóstico fornecido pela busca de informações na internet em sites, por vezes pouco
confiáveis. Frente a esse contexto, alguns dos pacientes tornaram-se cada vez mais ques-
tionadores e cientes de seus direitos. Viana et al. (2011) reforçam que os pacientes estão
cada vez mais conscientes em relação aos seus direitos e atentos às constantes mudanças
e avanços do mercado da saúde. Diante disso, as políticas e ações em qualidade são hoje
utilizadas com o objetivo de serem competitivas no mercado e garantirem a segurança
assistencial.
O avanço tecnológico na área da saúde trouxe importantes progressos para o
diagnóstico e tratamento de várias doenças, criando novas possibilidades para o
controle de enfermidades crônicas e contribuindo para o aumento da expectativa de
vida da população (GOMES, 2016). Por outro lado, deparamo-nos com um momento
caótico, jamais imaginado em termos sanitários, decorrente de doenças novas que
causam estranheza e caos. Vivenciamos um momento de desafio à ciência, aos
profissionais, bem como às políticas públicas relacionadas à saúde. São tempos
paradoxais, em que a ciência, a pesquisa e os profissionais de saúde são intensamente
demandados. Em contrapartida, são atacados, agredidos, desprezados por seus
diagnósticos, suas posições ou seu conhecimento. Ao mesmo tempo em que esse avanço
da tecnologia auxilia a medicina nas inovações de tratamento, presencia-se o culto de
consultas e tratamentos em sites. Diante disso,muitos profissionais da saúde se
preocupam, pois há clareza de que a maioria dessas informações são questionáveis e
levam pessoas a uma piora clínica.
Nesse contexto, foi publicada a Resolução 2.227/2018 do CFM que tinha por
intenção regular os atendimentos online no Brasil. Porém, ela foi revogada em 2019
diante das inúmeras contribuições encaminhadas pelos profissionais médicos sugerindo
modificações e tempo para analisar os documentos que constam nos termos da
Resolução 2.227/2018. É importante destacar que a telemedicina tem por objetivo
levar a saúde de qualidade a cidades do interior do Brasil que, por vezes, não conseguem
atrair médicos e equipes de saúde. Também auxilia nas grandes cidades no intuito de
criar outra alternativa de consultas, evitando grandes demandas nas portas de entrada
de instituições de saúde. Outro objetivo importante da telemedicina é a construção de
linhas de cuidado através de plataforma digitais (CFM, 2020). Desse modo, diante do
atual cenário que vivenciamos com a pandemia da COVID-19, o Ministério da Saúde,
por meio da Portaria 467, de 20 de março de 2020, em caráter excepcional,
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regulamentou a telemedicina como ferramenta de ajuda ao enfrentamento da
emergência de saúde pública que vivenciamos (BRASIL, 2020).
Cabe ressaltar que ainda restam grandes desafios para a garantia da qualidade dos
cuidados em saúde. Problemas de comunicação e relacionamento entre os profissionais
e o paciente, que ocorrem com frequência, interferem na percepção do paciente sobre
a qualidade do cuidado. Vários estudos constataram que muitos pacientes estão
insatisfeitos com a qualidade da interação com o profissional de saúde (DWAMENA
et al., 2012). Sabe-se que a principal queixa feita nas ouvidorias das instituições de
saúde é em relação à postura autoritária e pouco empática de alguns profissionais da
saúde para com os próprios pacientes ou até mesmo com os familiares deles. É comum
ocorrer falta de informação sobre o estado de saúde, planejamento e atualização de
prognósticos, e essa situação gera descontentamento e angústia em todos os envolvidos.
Martins (2004) lembra que a hipótese de Foucault (2014) é a falta de autonomia im-
pingida aos pacientes na medicina oficial, seu discurso e sua postura de detentora da
verdade do outro e sobre ele. No atual momento, observamos, diante das práticas de
condutas assistenciais do COVID-19, uma falta e uma demora dos resultados nos di-
agnósticos da doença que, por vezes, podem resultar em óbitos sem que as famílias
conheçam realmente o fator causal dessa perda, gerando angústias, incertezas e tristeza.
Não é possível banalizar a morte. A barbárie que se coloca em certos discursos sobre a
doença, a contaminação e mesmo as reações relacionadas ao processo de vacinação são
pontos de debate e enfrentamento para a ciência.
Numa perspectiva de mudança desse cenário, emergem alguns termos
semelhantes como “cuidado centrado no paciente”, que estão sendo empregados na
literatura com ênfase na ideia de parceria e colaboração entre o paciente e o profissional
de saúde. Deve-se respeitar a opinião do paciente e familiares, tendo em vista o cuidado
da responsabilidade técnica. The Picker Institute, organização não-governamental
(ONG) que promove pesquisas sobre os interesses dos pacientes nos Estados Unidos e
na Europa, define o cuidado centrado no paciente como uma abordagem em que os
profissionais desenvolvem parceria com pacientes e familiares para identificar e
satisfazer a gama de necessidades e preferências destes em relação ao seu tratamento
(GOMES, 2016).
Dessa forma, faz-se necessário aliar o entendimento dos aspectos da biopolítica
às reflexões de sujeito e autonomia de Paulo Freire, pois elas vêm ao encontro da pro-
posta que pretende compreender por que pacientes ainda não têm o domínio do seu
próprio corpo quando hospitalizados. O corpo é o alvo do investimento biopolítico,
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pois é nele que se investe para que se torne funcional e produtivo no contexto do capi-
talismo: “a lógica de mercado sujeita o corpo a um uso instrumental, quer como meio
de produção, quer como alvo de consumo” (GOMES, 2013, p. 63). Para pensar a
relação corpo, biopolítica e cuidado centrado no paciente, tecemos o tópico a seguir.
Aspectos da biopolítica em relação ao sujeito/paciente
Deve-se levar em consideração os aspectos da biopolítica, importantes para que
possamos entender posturas assistenciais observadas nos atuais cenários, tais como pro-
fissionais que não se preocupam com os desejos e opiniões do próprio paciente/sujeito.
Também é necessário entender por que ainda presenciamos a insatisfação desses mes-
mos pacientes com o tratamento e sem voz para sugerir ou expressar o seu desejo.
Claramente observamos, nas práticas assistenciais, um entendimento de que pa-
cientes não têm qualificação técnica para opinar quanto ao plano terapêutico. Nesse
contexto, Martins (2004) menciona que no cenário que habitamos, notamos a crença
de que o médico assume uma posição de onipotência diante da doença do paciente,
sendo necessário que este se submeta à tutela daquele, muitas vezes incondicional-
mente. Isso é observável no contexto da saúde. As pessoas compreendem o poder do
profissional como algo necessário para a recuperação da própria saúde, tornando essa
prerrogativa inevitável. Por outro lado, presenciamos os insucessos dos tratamentos,
muitas vezes pela não aceitação de um plano de cuidado incompatível com a rotina de
vida, ou até mesmo pela falta de adesão ao tratamento proposto devido a dificuldades
de entendimento da informação.
Diante dessas constatações, surge a lembrança do que Paulo Freire mencionava
em seus escritos: a necessidade do sujeito na luta da sua própria autonomia e valoriza-
ção. A obra Pedagogia do Oprimido (2010), que se intitula como Justificativa da
Pedagogia do Oprimido, é onde Paulo Freire desenvolve tal discussão em torno da opo-
sição entre humanização e desumanização e da luta para recuperar a humanidade dos
oprimidos. Freire (2010) discute o processo de desumanização causada pelo opressor a
seus oprimidos. Relata também que a forma de imposição na qual o opressor envolve
o oprimido faz com que este se sinta inferiorizado, necessitando ter alguém que decida
por ele próprio. Nesse sentido, refletimos sobre a já mencionada impotência de muitas
pessoas em discutir ou propor uma sugestão de cuidado para seu tratamento que tenha
melhor adesão, pois ainda se tem em mente que o profissional de saúde, por possuir
instrução acadêmica e técnica, não deve ser questionado ou contrariado. Qual a dife-
rença entre um ou outro modo de tratamento? Talvez uma maior autonomia, respeito
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e reconhecimento de que um saber sobre si nos ultrapassa, tampouco outra pessoa, por
mais diplomada que ela seja (MARTINS, 2004). Nesse sentido, surge a importância
da reflexão sobre poder e biopolítica. Esses conceitos são base para auxiliar a compre-
ensão das posturas dos pacientes submissão ou autonomia nos cenários da saúde.
O poder pode ser considerado como salutar, mas também deletério. Ter poder
significa que o indivíduo possui uma influência que poderá aparecer sobre o outro e,
geralmente, no ínterim que tratamos, esse domínio surge diante do conhecimento so-
bre determinado assunto. Para Nespoli (2014), o poder se associa ao saber e se torna
uma ferramenta política de regulação da vida. Por isso, não deve ser apreendido como
regra e proibição, mas como força, microfísica positiva que toma forma nas articulações
entre saberes e práticas. O poder sobre a vida direciona como administrar populações,
precisando levar em conta a realidade biológica. Diante disso, passamos a chamar esse
domínio de biopoder, o qual podemos considerar como práticas voltadas ao cuidado
da vida e direcionadas à população. O termo biopolítica refere-se ao que faz a vida
entrar no domínio dos cálculos explícitos, e faz do poder-fazer (biopoder) um agente
de transformação da vida humana (MELO, 2013).
Cabe ressaltar que biopolítica é o termo utilizado por Foucault (2014) para ex-
plicar a forma pela qual o poder tende a se modificar no final do século XIX e início
do século XX. As práticas disciplinares anteriormente utilizadas visavam governar o
indivíduo. Com a biopolítica, engloba-se a população como um todo (FERNANDES;
RESMINI, 2015). Os autores ainda mencionam que a biopolítica é a prática de bio-
poderes locais. No biopoder, a população é tanto alvo como instrumento em uma
relação de poder.
Com a mobilização desses conceitos, podemos entender por que nossos pacientes
(os quais possuem, na maioria dos casos, pouca instrução) deixam, em pleno século
XXI, que grupos de profissionais (médicos e enfermeiros) dominem seu plano terapêu-
tico sem que os sujeitos digam se estão de acordo. Essa prática, comum na área da
saúde, é uma relação de biopoder, ou seja, as pessoas que possuem conhecimentos sobre
determinado assunto têm maior capacidade de tomada de decisão, mesmo que não seja
a mais adequada naquele momento. Vamos exemplificar essa constatação com a classe
médica: está impregnado em nossa cultura que esses profissionais possuem tanto do-
mínio no quesito saúde que não observamos qualquer tipo de questionamento por
parte dos pacientes, os quais, anteriormente, caracterizamos como pacientes passivos
nos cenários das consultas.
Essa condição pode mudar, na medida em que os oprimidos, ou pacientes passi-
vos, se derem conta de que podem contestar, falar, opinar, buscar recuperar sua
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humanidade, não se sentir idealisticamente submissos. Essa postura dialógica, respei-
tosa, de mútuo acordo constitui um avanço na luta por igualdade de opiniões e respeito
às diferenças econômicas e culturais. Se essas práticas acontecerem, serão, sem dúvida,
a restauração da humanidade e dignidade de ambas as classes.
Para Freire (2010), esse pensamento da libertação do estado de opressão é uma
ação social, não podendo, portanto, acontecer isoladamente. O homem é um ser social
e, por isso, a consciência e a transformação do meio acontecem em sociedade. Todavia,
como poderá o ser humano sair da opressão se os que nos ensinam são também aqueles
que nos oprimem? A educação tem um papel importante nesse processo de busca pela
liberdade e mudança de postura. Diante disso, o pensamento fundamental de Paulo
Freire reforça os conceitos pedagógicos aos quais o educador deve se direcionar para
uma transformação no contexto social de dominação que se dá através do processo de
educar (FREIRE, 2010). Cabe mencionar que na própria formação inicial e perma-
nente dos profissionais de saúde médicos, enfermeiros, técnicos é relevante que essa
postura de empatia, de diálogo e de acolhimento possa ser constituída.
Reconhecemos que a conscientização se dá por um processo gradual em que se
busca a liberdade sem produzir novos opressores e oprimidos. Freire, na sua Pedagogia
do Oprimido (2010), faz com que compreendamos a prática da liberdade como uma
nova pedagogia de ação reflexiva e crítica, abrindo espaços para o pensar no ser humano
através do diálogo.
É através dessas análises de Paulo Freire que podemos responder a algumas inda-
gações sobre posturas de pacientes e de profissionais de saúde já mencionadas no
decorrer deste texto, relacionadas à biopolítica. Essas pontuações são necessárias para
que possamos repensar as ações e as práticas dos profissionais da área da saúde, bem
como dos professores responsáveis pela formação acadêmica em saúde. Pensamos na
necessidade de levar essas discussões para as grades curriculares e oferecer espaço para
entendimento e reflexão sobre a temática. A educação continuada e permanente em
saúde se faz necessária para alcançarmos esses objetivos.
Educação permanente em saúde
A busca pela qualificação dos processos de trabalho, tanto nas instituições hospi-
talares quanto na educação em saúde nas comunidades, priorizando a aproximação dos
pacientes com o profissional da saúde, é um desafio constante, principalmente nos am-
bientes hospitalares em que existe um grande número de colaboradores, alta
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rotatividade, fragilidade na aplicação de controles de segurança, esquecimento de regis-
tros e, muitas vezes, resistência em seguir protocolos de atendimentos. Quando se fala
em educação de saúde para a população, deparamo-nos, muitas vezes, com poucos pro-
fissionais para uma demanda grande de atendimento. Reflexo disso presenciamos
durante essa pandemia, através dos relatos constantes pelos meios de comunicação so-
bre a fragilidade técnica quanto ao manejo adequado de equipamentos assistenciais e
de proteção individual (EPIs) e demais materiais utilizados no cuidado ao paciente.
Verificamos que o Ministério da Saúde e instituições assistenciais realizaram inúmeras
capacitações com todos os profissionais da saúde e, mesmo assim, é a categoria com
mais alto índice de contágio por esse vírus.
Diante desse cenário, existem programas de educação permanente em institui-
ções que buscam diminuir essas possíveis fragilidades técnicas e educacionais em relação
a atualizações dos profissionais, tendo em vista o surgimento das novas doenças que
afetam o mundo todo. Por isso, ter instituída e organizada a prática de educação per-
manente torna-se imprescindível e necessário. O processo de aprender e ensinar
incorporado ao dia a dia dos serviços de saúde a partir das necessidades de saúde não
apenas locais (no interior de cada serviço), mas loco-regionais (por redes de serviços,
inclusive intergestores) (STÉDILE; TEIXEIRA, 2016).
Nesse sentido, Sardinha Peixoto et al. (2013) complementam que, entre os
fatores que influenciam na aprendizagem e nas mudanças educacionais, estão os
conhecimentos e as práticas atualizados. Por meio deles, criam-se, no colaborador,
necessidades de readaptação e reorientação no seu processo de trabalho, o que subsidia
a implantação da estratégia de educação permanente em saúde. Para esses autores, serão
nesses cenários de educação continuada que ocorrerão a manutenção, os aprimoramen-
tos e as atualizações dos processos de trabalho já instituídos.
Ainda, durante os encontros de formações institucionais será possível integrar as
várias equipes multiprofissionais, envolvidas no cuidado com os pacientes, bem como
os setores. Esses espaços se tornam fundamentais para que o trabalho seja adequada-
mente desenvolvido.
Martins (2004) menciona a necessidade de refletir se as práticas da medicina
atual apenas curam doenças ou tratam e reabilitam doentes. No último caso, deixa-se
de conceber como representante da verdade e aceitar as equipes de saúde em prol do
paciente, pois ainda assistimos a prática disciplinar do modelo médico centralizado, no
qual a autonomia do profissional torna-se inquestionável em muitos ambientes assis-
tenciais. A biopolítica afirma, como vimos anteriormente, que a força do biopoder
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ainda está muito presente nas comunidades onde quem tem mais cultura e conheci-
mento tem por direito determinar condições aos demais seres humanos, o que resulta,
nas palavras de Freire (2010), em opressão.
Cabe ressaltar que a luta de igualdade pelo exercício profissional é algo que atu-
almente presenciamos com maior vigor. Levantamos a defesa de que cada profissional
tem uma expertise e que esse fato deve ser respeitado. São muitos os anos de estudos e
pesquisas para qualificar profissionais de áreas tais como enfermagem, fisioterapia, psi-
cologia, farmácia. Todos os profissionais da saúde, sem exceções, têm conhecimentos
consolidados para auxiliar nos planos terapêuticos do paciente e é certo que a organi-
zação de uma educação permanente se faz necessária.
A prática interdisciplinar ainda é um desafio frente ao modelo médico-centrado,
caracterizado pela divisão do trabalho, especialização e fragmentação do conhecimento.
Assim, um agir interdisciplinar exige que se tragam os saberes e as ações de todas as
áreas dos conhecimentos (STÉDILE; TEIXEIRA, 2016). Nesse sentido, os pacientes
ganharão em uma prestação de cuidado especializado mais bem qualificado, dimi-
nuindo, muitas vezes, a indicação de internações ou até mesmo uma alta mais rápida,
se assim for necessária a baixa hospitalar. Para Sardinha Peixoto et al. (2013), estabele-
cer um programa de educação continuada, tendo como base a interdisciplinaridade,
propicia maior interação na equipe de saúde, oportunizando a promoção da
aprendizagem e intercâmbio dos conhecimentos. Essa pandemia fez com que os
profissionais reavaliassem as práticas rotineiras da assistência e trouxe a necessidade de
interação multiprofissional, avaliando e refinando processos, adequando-os ao real
cenário. Esses processos, por vezes, estão alinhados com as boas práticas; mas, em outros
momentos, podemos presenciar situações caóticas devido à falta de materiais e
equipamentos como os respiradores artificiais ou tubos de oxigêncio, por exemplo.
Notoriamente, o Brasil é heterogêneo: ao passo que no sul do país a saúde está um
pouco mais organizada, verificamos que no norte e nordeste vários tipos de tecnologia
ainda são necessários.
Segundo o Ministério da Saúde, a Educação Permanente em Saúde (EPS) é
norteadora de novas práticas que orientam a reflexão sobre o trabalho e a construção
de processos de aprendizagem colaborativa e significativa, a partir dos principais
desafios identificados pelas equipes no cotidiano do trabalho (BRASIL, 2014, p. 6). É
uma educação que emerge, portanto, do cotidiano e seus problemas complexos, a partir
das necessidades evidenciadas pelas equipes de saúde, com o objetivo principal de
melhorar os processos de trabalho e a sua qualidade.
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Diante disso, a educação permanente pode possibilitar a melhora no
relacionamento entre paciente, família e equipe de saúde, assim como a compreensão
da doença, devido ao encorajamento à aquisição de conhecimento, despertando o
autoconhecimento no profissional (SARDINHA PEIXOTO et al., 2013). Essas são
premissas de uma boa qualidade no atendimento ao paciente, uma boa relação entre
paciente e familiares e, principalmente, um dos critérios para estabelecer o cuidado
“centrado no paciente”, termo utilizado pelas organizações nacionais e internacionais
que trabalham a qualidade, a segurança e a organização dos processos assistenciais ao
cuidado do paciente.
Nesse sentido, faz-se necessário entendermos melhor a expressão “cuidado cen-
trado no paciente”, empregada na literatura com ênfase na ideia de parceria e
colaboração entre o paciente e o profissional de saúde. O Ministério da Saúde também
aborda esse tema através do Projeto Terapêutico Singular (PTS) (CARVALHO, 2012),
que é definido por:
conjunto de condutas/ações/medidas, de caráter clínico ou não, propostas para dialogar com as
necessidades de saúde de um sujeito individual ou coletivo, geralmente em situações mais com-
plexas, construídas a partir da discussão de uma equipe multidisciplinar (BRASIL, 2012, p. 10).
Diante do exposto, fica evidente que uma educação permanente se torna impres-
cindível em qualquer instituição, principalmente no âmbito hospitalar, onde existem
várias especificidades. Manter um elo de comunicação entre equipes de forma interdis-
ciplinar qualificará o atendimento aos pacientes e a familiares e manterá qualificados
os processos já instalados nas instituições.
A preocupação fundamental é buscar sempre a excelência no atendimento aos
pacientes com muito respeito e atenção, independentemente de estarem em organiza-
ções privadas ou públicas. Acredita-se que, ao final desta pesquisa, será aprofundada a
importância do cuidado centrado no paciente, e o entendimento da biopolítica e da
formação continuada se tornarão fundamentais para qualificar a assistência oferecida
aos usuários do SUS.
A obra Pedagogia da Autonomia (2015), de Paulo Freire, auxilia também nas
questões de análise das capacitações, ou seja, na educação continuada. É uma das obras
mais impactantes do referido autor, sendo a última publicada em vida, na qual ele faz
uma reflexão e apresenta orientações a respeito da compreensão da prática docente en-
quanto dimensão social da formação do ser humano. O autor relata a necessidade de o
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professor assumir a postura de articulador de aprendizagem, colocando-se contra prá-
ticas de desumanização. Nesse sentido, contribui para a compreensão da postura dos
profissionais de saúde frente a um nova perspectiva de trabalho e atuação profissional.
No decorrer dessa obra, Paulo Freire reforça o pensamento de que o professor
não é o mais inteligente porque domina conhecimentos pelos quais o educando ainda
não transita, e esse aluno deve ser participante do processo da construção da aprendi-
zagem. O autor também menciona a necessidade de o educador desenvolver-se como
pesquisador, sujeito curioso, que busca o saber e o assimila de uma forma crítica, porém
não ingênua, com questionamentos, e orienta seus educandos a seguirem também essa
linha metodológica de estudar e entender o mundo, relacionando os conhecimentos
adquiridos com a realidade de sua vida, sua cidade, seu meio social. Segundo Ceccim e
Ferla (2008), para a educação permanente em saúde não existe a educação de um ser
que sabe para um ser que não sabe. O que existe, como em qualquer educação crítica e
transformadora, são a troca e o intercâmbio que causam estranhamento e reflexões.
Freire reforça que, para termos qualidade na educação no Brasil, é necessário que te-
nhamos discentes ativos, criadores, instigadores e curiosos, pois isso faz com que o
educador abandone o papel de apenas transmitir conhecimento e passe a assumir uma
postura progressista ou crítico-reflexiva (FREIRE, 2015). Como docentes universitá-
rios, cabe-nos o desafio de estimular a criticidade dos acadêmicos e, dessa forma,
conseguir capacitar um futuro profissional que seja autônomo, líder, criativo, mas,
principalmente, empático com o outro, que nesse contexto será seu paciente e familia-
res. Precisamos, além das técnicas, estimular a inserção de políticas de humanização
nos atendimentos ao público em qualquer momento da atuação prática, com ou sem
pandemia.
Crivari e Berbel (2008) apud Villardi, Cyrino e Berbel (2015) acrescentam que
a formação necessita centrar-se na promoção da saúde, entendida como qualidade de
vida; no processo de trabalho; na interdisciplinaridade; no desenvolvimento de habili-
dades para a ação social e na capacitação na educação em saúde, a fim de formar, ao
mesmo tempo, bons profissionais e bons cidadãos.
É essencial que, na atualidade, formemos profissionais embasados não somente
em conhecimentos advindos da literatura, que muitas vezes mostram a realidade de
outros países, principalmente dos Estados Unidos, mas também em conhecimentos
que nasceram da resolução de problemas de nosso próprio país e comunidade em que
estamos inseridos (VILLARDI; CYRINO; BERBEL, 2015).
No movimento formativo permanente dos profissionais da saúde, podemos con-
siderar o que Freire (2015) escreveu e faz todo o sentido - não há ensino sem pesquisa:
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investiga-se para conhecer o que ainda não se sabe e comunicar ou anunciar o novo;
diz ainda que outro saber fundamental à experiência educativa diz respeito à sua natu-
reza, devendo, o profissional, compreender com clareza a sua prática e, ainda, que o ato
de ensinar exige comprometimento. Também exige comprometimento o ato de cuidar
da saúde do outro.
Wener et al. (2016) apud Fontana (2018) mencionam que as capacitações teóri-
cas que se utilizam somente de palestras e conferências são estratégias não tão seguras
para a educação em saúde para as pessoas. Em muitas situações e em muitos cenários
de ensino e educação em saúde, há necessidade de atitudes dinâmicas e de metodologias
ativas que possam envolver os atores de forma significativa e implicada com o compro-
misso social.
Conclusão
Essa pandemia emerge num contexto de fragilidade dos sistemas públicos de
saúde e trouxe instabilidade financeira e emocional, provocando a reflexão sobre o
contexto das nossas vidas e tantas outras ressonâncias que não cabe listar. A diminuição,
nos últimos anos, dos investimentos na saúde pública no contexto do Brasil fragilizou
o SUS e, em meio a uma condução duvidosa e nem sempre coerente do Ministério da
Saúde, as perdas têm sido recorrentes. Ultimamente, estávamos voltados para o eu,
num sentido do ser humano individual e egoísta, atribulados de afazeres diários. Não
podemos afirmar que mudamos, mas muitos se puseram a pensar mais sobre a nossa
finitude e o sentido de viver.
A morte por COVID-19 é uma metáfora para repensar a forma de vida e os
valores que sustentam os nossos modos de viver e de nos relacionarmos. O isolamento
social fez com que pensássemos sobre a real importância do ser humano com um todo
e, com isso, enfatizou o que precisamos modificar para sermos pessoas e profissionais
mais humanos e empáticos com o outro. É urgente “imaginar o planeta como a nossa
casa comum e a Natureza como a nossa mãe originária a quem devemos amor e res-
peito. Ela não nos pertence. Nós é que lhe pertencemos” (SANTOS, 2020, p. 32). A
família é um importante meio na construção do caráter e dos princípios dos seres hu-
manos, porém, nós, como docentes universitários, também podemos assumir esse
papel, propondo reflexões por meio de referências bibliográficas nas grades curriculares
que defendam a valorização do sujeito e da sua autonomia. Um exercício profissional
e uma atitude cidadã mais sensível, ética e coerente com o coletivo, com o bem-comum.
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Diante disso, a leitura de obras de Paulo Freire (2010), Pedagogia do oprimido e
Pedagogia da autonomia (2015), tornaram-se extremamente relevantes para que se ti-
vesse a oportunidade de refletir sobre práticas e ações no cenário brasileiro. Conhecer
obras de um autor que é referência mundial na educação torna-se imprescindível a toda
população. A revisão de literatura auxiliou também a repensar as várias ações praticadas
constantemente por profissionais da área da saúde. Reforça-se que essas reflexões tam-
bém se tornam imprescindíveis aos professores em vários aspectos epistemológicos.
Entende-se que o sistema educacional de hoje também continua a disseminar a
opressão, não tanto em razão do professor, mas pelas condições de trabalho a ele im-
postas. O educador hoje é tão vítima como o oprimido, pois é meramente mais um
deles na prática: deveria haver colaboração e organização das classes populares, por meio
de movimentos, para uma verdadeira transformação. Após a leitura de Paulo Freire, o
qual reforça o cuidado com os alunos, o respeito e o saber ouvir são questões que ainda
estão muito ativas em campo prático. Ser professor não é tarefa tranquila. A todo mo-
mento estamos em busca de novas práticas, novos recursos metodológicos para ajudar
a aprendizagem dessa nova geração de jovens ativos, de internautas e de profissionais
ativos nos campos de atuação.
Paulo Freire trouxe à luz questões sobre as quais ainda precisamos refletir, ten-
tando promover mudanças de atitudes. Certamente ele é um autor atemporal e de
extrema significância para todos os educadores do mundo. Freire queria mais que alfa-
betizar pessoas: seus encontros não só promoviam a organização dos materiais didáticos
partindo das experiências dos alunos, mas incentivavam a percepção do mundo ao re-
dor, do contexto social em que estavam inseridos; estimulavam a criticidade da
população que, até então era justificadamente submissa ao governo, segundo o autor,
por sofrermos forte influência de um pensamento colonial ainda vigente.
Com a preocupação em manter os processos de trabalho qualificados, tanto nas
comunidades quanto nas instituições hospitalares, necessitamos trazer práticas de Paulo
Freire aos processos de atualizações profissionais. Por vezes, presenciamos resistência
em seguir novos protocolos de atendimentos e nos deparamos com poucos profissionais
para uma demanda grande de atendimento aos usuários. Quem sabe trazendo reflexões
e exaltando as experiências prévias possamos tocar os colaboradores das instituições?
Por que as diretrizes e protocolos de saúde pública, extremamente importantes
para garantir a prevenção e tratamento à população, não podem ter uma linguagem
mais facilitadora, linguagem e metodologias educacionais que os profissionais de saúde
pudessem utilizar com usuários? Metodologias freirianas que possam ser utilizadas pe-
los profissionais de saúde para, dessa maneira, chegar à população, com orientações
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claras e precisas para proteção da saúde comunitária, mostram-se adequadas, bem como
linguagens e métodos por meio dos quais o sujeito se sinta importante e singular.
A pandemia do COVID-19 também traz o alerta de que precisamos refletir sobre
as práticas assistenciais, pois vivenciamos a dificuldade de alertar a população acerca
dessa inesperada pandemia em função de um vírus que, em dois meses, levou a óbito
milhares de pessoas. Precisamos ter políticas que, ao chamarem a população, possam
ser resolutivas. A ideia de aproximar os sujeitos nos processos de trabalhos assistenciais
é, sem dúvida, um grande desafio, importante para que condutas em saúde possam ser
realmente entendidas e adquiridas pelos sujeitos. Dessa maneira, é possível desenvolver
educação em saúde com foco no incentivo à consciência crítica com uso de diversas
metodologias que facilitem o empoderamento de cada pessoa, promovendo a autono-
mia do sujeito.
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