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Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Mylene Cristina Santiago, Karla Aparecida Gabriel
v. 28, n. 2, Passo Fundo, p. 640-656, maio/ago. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Práticas multidisciplinares de atenção à pessoa com transtorno do espectro
autista (TEA)
Multidisciplinary practices of attention to persons with autistic spectrum disorder (ASD)
Prácticas multidisciplinarias de atención a personas con trastorno del espectro autista (TEA)
Mylene Cristina Santiago*
Karla Aparecida Gabriel**
Resumo
Neste estudo teórico, busca-se historicizar as práticas multidisciplinares voltadas para a saúde e a inclusão em
educação da pessoa com transtorno do espectro autista (TEA). O modelo médico e o modelo social de deciên-
cia trazem signicativas repercussões ao direcionamento de intervenções às pessoas com TEA. Focando no mo-
delo social, busca-se apresentar, discutir e analisar os avanços teóricos e as estratégias de intervenção voltadas
para as áreas de educação e saúde, que ampliam as possibilidades de inclusão da pessoa com TEA nos espaços
educacionais e sociais. Iniciativas pautadas no modelo social de deciência têm favorecido novas práticas de
articulação entre saúde e educação. Tais práticas ampliam as oportunidades de participação e aprendizagem da
pessoa com autismo e seus familiares, propondo novos olhares e perspectivas, que se desdobram em possibili-
dades de intervenção precoce, propostas de acessibilidade curricular, Atendimento Educacional Especializado e
mediação no processo de aprendizagem.
Palavras-chave: transtorno do espectro autista; inclusão; educação; saúde.
Abstract
This theoretical study seeks to historicize multidisciplinary practices focused on health and inclusion in education
of people with autism spectrum disorder (ASD). The medical model and the social model of disability have signi-
cant repercussions for targeting interventions to people with ASD. Focusing on the social model, we seek to pre-
sent, discuss and analyze the theoretical advances and intervention strategies focused on the areas of education
and health, which expand the possibilities of inclusion of people with ASD in educational and social spaces. Ini-
tiatives based on the social model of disability have favored new practices and coordination between health and
education. Such practices expand the opportunities for participation and learning of the person with autism and
their families, proposing new perspectives and perspectives, which unfold in possibilities of early intervention,
proposals for curricular accessibility, Specialized Educational Assistance and mediation in the learning process.
Keywords: autism spectrum disorder; inclusion; education; health.
* Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense. Doutora em Educação
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2769-8421. E-mail: mylenesantiago87@
gmail.com
** Mestre em Educação. Professora da Faculdade do Sudeste Mineiro e professora do Colégio Tiradentes da Polícia Militar
de Juiz de Fora. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8568-8470. E-mail: karlagabriel67@gmail.com
Recebido em: 13/10/2020 – Aprovado em: 29/06/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i2.11736
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Resumen
Este estudio teórico busca historizar prácticas multidisciplinares enfocadas en la salud y la inclusión en la educa-
ción de personas con trastorno del espectro autista (TEA). El modelo médico y el modelo social de la discapaci-
dad tienen repercusiones signicativas para focalizar las intervenciones en personas con TEA. Centrándonos en
el modelo social, buscamos presentar, discutir y analizar los avances teóricos y estrategias de intervención enfo-
cadas en las áreas de educación y salud, que amplían las posibilidades de inclusión de las personas con TEA en
los espacios educativos y sociales. Las iniciativas basadas en el modelo social de la discapacidad han favorecido
nuevas prácticas y la coordinación entre salud y educación. Tales prácticas amplían las oportunidades de partici-
pación y aprendizaje de la persona con autismo y sus familias, proponiendo nuevas perspectivas y perspectivas,
que se despliegan en posibilidades de intervención temprana, propuestas de accesibilidad curricular, Asistencia
Educativa Especializada y mediación en el proceso de aprendizaje.
Palabras clave: trastorno del espectro autist;. inclusión; educación; salud.
Introdução
A história das pessoas com deficiência é marcada por concepções e práticas que
repercutiram em processos de exclusão, segregação, integração e, nos dias atuais,
inclusão. Cada paradigma está relacionado com as condições sociais, culturais e
econômicas de cada época. A exclusão consistiu na eliminação de crianças com de-
ficiência na antiga Grécia e Roma. Na Idade Média, a deficiência foi concebida
como intervenção de forças demoníacas, resultando em perseguições, julgamentos
e execuções. A influência da religião foi responsável pelas primeiras atitudes de
caridade para com as pessoas com deficiência, resultando na fundação de hospícios
e albergues que acolhiam pessoas com deficiências e marginalizadas em condições
de profunda degradação e abandono.
O processo de institucionalização marcadamente assistencialista das pessoas
com deficiência perdurou ao longo do século XIX e da primeira metade do século
XX. A preocupação com a educação surge mais tarde, com a educação especial de
caráter médico-terapêutico e a construção de centros para pessoas com deficiências.
Apesar da crescente preocupação com a educação das crianças com deficiência, cuja
intervenção, majoritariamente, decorria de um diagnóstico médico-psicopedagógi-
co, o processo de colocá-los numa escola de ensino especial ou numa classe especial
não deixava de ser um processo segregativo (SILVA, 2009).
A integração escolar decorreu da aplicação do princípio de “normalização” e,
nesse sentido, a educação das crianças e dos alunos com deficiência deveria ser
feita em instituições de educação e de ensino regular. Nas palavras de Mantoan
(2015, p. 19):
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O processo de integração ocorre dentro de uma estrutura educacional que oferece ao aluno a
oportunidade de transitar no sistema escolar — da classe regular ao ensino especial — em to-
dos os seus tipos de atendimento: escolas especiais, classes especiais em escolas comuns, en-
sino itinerante, salas de recursos, classes hospitalares, ensino domiciliar e outros. Trata-se de
uma concepção de inserção parcial, porque o sistema prevê serviços educacionais segregados.
A inclusão é entendida como o processo pelo qual a sociedade se adapta de
forma a poder incluir, em todos os seus sistemas, pessoas com deficiência e pessoas
em geral que sofrem barreiras e risco de exclusão, de forma simultânea, estas se
preparam para assumir o seu papel na sociedade. Segundo Silva (2009, p. 148):
A educação inclusiva parte do pressuposto de que todos os alunos estão na escola para
aprender e, por isso, participam e interagem uns com os outros, independentemente das
dificuldades mais ou menos complexas que alguns possam evidenciar e às quais cabe à
escola adaptar-se, nomeadamente porque esta atitude constitui um desafio que cria novas
situações de aprendizagem.
De acordo com os dados extraídos do Censo Escolar, divulgado anualmente pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o
número de alunos com transtorno do espectro autista (TEA) que estão matricula-
dos em classes comuns no Brasil aumentou 37,27% em um ano. Em 2017, 77.102
crianças e adolescentes com autismo estudavam em escolas regulares (públicas e
privadas). Esse índice subiu para 105.842 alunos em 2018 (TENENTE, 2019).
As escolas brasileiras possuem problemas estruturais referentes à garantia de
permanência e qualidade de aprendizagem aos alunos, quando se tratam de alunos
com deficiência, particularmente alunos com TEA, o desafio parece maior. Para
fins de contextualizar nossa discussão, faremos uma breve digressão à primeira
metade do século XX.
Leo Kanner, médico de uma universidade situada em Baltimore (EUA), em
1943, descreveu, no artigo intitulado Distúrbios autísticos do contato afetivo, um
quadro clínico pouco conhecido em crianças, cuja principal característica era a in-
capacidade de se relacionarem naturalmente com as pessoas. As crianças relatadas
em seu estudo apresentavam atraso de fala e uma linguagem peculiar, alterações
no desenvolvimento cognitivo, comportamentos repetitivos e outras dificuldades
sensoriais. A partir dessa constatação, podemos inferir que, antes da publicação do
estudo de Kanner, com descrição do quadro clínico, já havia crianças com autismo,
que provavelmente era confundido com outras patologias ou deficiências, princi-
palmente a deficiência intelectual (BORGES; WERNER, 2018).
Do pioneirismo de Kanner até os dias atuais, ainda existe uma grande lacuna
em termos de conhecimento e capacitação profissional em relação às práticas diag-
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nósticas e à implementação de programas de intervenção. Silva e Mulick (2009,
p. 118) indicam que:
A incidência de casos de autismo tem crescido de forma significativa em todo o mundo,
especialmente durante as últimas décadas [...]. Desse modo, profissionais da saúde, edu-
cação e áreas afins, que tenham a infância como especialidade, devem estar cada vez mais
preparados para se deparar com casos de autismo nas suas práticas. [...]. Apesar de ter
havido enormes avanços nessas últimas décadas em relação à identificação precoce e ao
diagnóstico de autismo, muitas crianças, especialmente no Brasil, ainda continuam por
muitos anos sem um diagnóstico ou com diagnósticos inadequados.
Para além das barreiras de um diagnóstico adequado e das consequentes in-
tervenções apropriadas, atualmente, não existem dados oficiais sobre as pessoas
com transtorno do espectro autista (TEA) no Brasil. A Lei n. 13.861, de 18 de julho
de 2019, altera a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, para incluir as especifi-
cidades inerentes ao TEA nos censos demográficos (BRASIL, 2019). Essa propos-
ta divide opiniões, se, por um lado, é considerada como um avanço na pauta da
inclusão por grupos do movimento autista; por outro, a decisão também levanta
algumas ressalvas importantes no que tange à formulação das perguntas; se essa
abordagem poderia ou não causar constrangimento ou contribuir para estigmati-
zar ainda mais o TEA; se os dados obtidos serão compatíveis com a realidade do
país; e, por fim, se esse diagnóstico daria conta da complexidade de mapear quem
são os brasileiros com TEA.
O breve histórico apresentado nos dá a dimensão da influência do modelo mé-
dico que, historicamente, considerou a deficiência como desvio do estado normal
da natureza humana; nesse contexto, é empreendido esforço para reparar os im-
pedimentos corporais e as desvantagens naturais, visando que as pessoas possam
se adequar a um padrão de funcionamento típico da espécie (DINIZ; BARBOSA;
SANTOS, 2009). Na seção a seguir, apresentamos as práticas multidisciplinares no
processo de diagnóstico de alunos com TEA.
Educação e saúde: práticas multidisciplinares no processo de diagnóstico de
alunos com TEA
No ano de 2014, foram lançadas, no Brasil, as diretrizes de atenção à rea-
bilitação da pessoa com TEA, através do Ministério da Saúde (BRASIL, 2014a).
Essas diretrizes contêm uma tabela com indicadores e instrumentos que retratam
o desenvolvimento infantil e sinais de alerta para o diagnóstico precoce de crianças
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até no máximo 3 anos de idade, cujo objetivo é orientar os profissionais da saúde e
os multiprofissionais para melhor identificar os sinais de alerta para o transtorno.
As manifestações iniciais do TEA ocorrem antes dos três anos de idade, quando
pais/responsáveis percebem ou são alertados quanto ao atraso do desenvolvimento
de seus filhos. Geralmente, são perceptíveis alguns sinais, como atraso, diminuição
ou perda da linguagem, isolamento social e movimentos estereotipados. O diagnós-
tico do TEA é clínico, investigativo, extenso, baseado em informações comporta-
mentais do atendido e fundamentado em parâmetros com comprovação científica e
protocolos, realizados através de escalas e testes com a validação da equipe multi-
disciplinar junto à criança que apresenta características do transtorno.
Quanto maior for a variação das origens e a veracidade das informações maior será a pre-
cisão do diagnóstico. As escalas mais usadas atualmente são o Modifield Checklist for Au-
tism, M-Chat, (ROBINS, FEIN, BARTON, & WAGNER, 2008) a partir dos 36 m de idade,
sendo o primeiro para suspeição e o segundo de diagnóstico (CAMARGOS, 2017, p. 16).
Existem, também, teste e escala que não são realizados por médicos para ob-
servação de autismo e que auxiliam no diagnóstico de crianças menores de 24 me-
ses. Para Camargos (2017, p. 17):
Autism Diagnostic Observation Schedule – ADOS, e o Perfil Psicoeducacional 3. O ADOS
é um teste diagnóstico que auxilia muito quando as crianças têm menos que 24 meses, nos
quadros de menor gravidade onde as escalas diagnósticas, anteriormente citadas não têm
sensibilidade para “captar” a sutileza sintomatológica e quando as famílias apresentam
muita resistência à aceitação do diagnóstico (a pontuação fica abaixo do ponto de corte).
O ADOS 2 (segunda edição) trata-se de uma avaliação padronizada que mapeia
e avalia: “comunicação, interação social; brincadeira simbólica, e comportamentos
repetitivos e interesses restritos. Atualmente, é a única escala observacional con-
siderada ‘padrão ouro’ para avaliação do TEA” (CAMARGOS, 2017, p. 166). Essa
escala, por apresentar possibilidades de avaliar diversas áreas do desenvolvimento
infantil, oferece oportunidade de indicar quais áreas deverão necessitar de inter-
venções e quais profissionais farão parte do quadro da equipe multidisciplinar.
Além disso, por se tratar de um comprometimento do neurodesenvolvimento, os
profissionais envolvidos no diagnóstico e no tratamento devem ser especializados,
com práticas no atendimento ao TEA e conhecedores do desenvolvimento infantil.
Ressalta-se que o sucesso da avaliação depende de uma equipe multidisciplinar
(médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiologia, professores, psico-
pedagogos, fisioterapeutas, entre outros) empenhada e conhecedora das especifici-
dades do TEA, das funções cognitivas e de validação em nosologia.
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O diagnóstico clínico no Brasil é realizado pela classificação Internacional de
Doenças 10ª e Problemas Relacionados à Saúde (CID) da Organização Mundial de
Saúde (OMS) e pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da
quinta edição (DSMV), da American Psychiatric Association (APA). É interessante
salientar que esses dois guias são harmônicos, porém com diferenças descritivas
de abordagens.
O CID é um sistema oficial de codificação das doenças utilizadas no Brasil, os profissionais
devem usar a nomenclatura e os códigos propostos nesse manual, principalmente nos rela-
tórios entregues para família e outros profissionais. O uso da nomenclatura do CID, além
de facilitar a comunicação entre profissionais de diferentes áreas, se faz obrigatório na
solicitação dos benefícios legais relacionados ao quadro clínico. [...] por isso usamos o DSMV
como um guia descritivo. Nesse guia é possível encontrar uma descrição atualizada sobre
a expressão dos sintomas relacionados aos transtornos mentais e como os profissionais
podem reconhecê-los (APA, 2013 apud JÚLIO-COSTA; ANTUNES, 2018, p. 91-92).
O DSMV (APA, 2013) trouxe mudanças com relação aos critérios de avaliação
e diagnóstico, reunindo os prejuízos da comunicação e interação social, comporta-
mentos restritos, repetitivos e estereotipados que tenham ocorridos até os 36 meses
de vida da criança. Esses sintomas devem ser persistentes, contínuos e devem ser
observados por todos aqueles que convivam com a criança, causando impacto ne-
gativo e prejuízos na vida cotidiana e escolar. De acordo com os critérios do DSMV
para que um indivíduo seja considerado autista, ele deve preencher os critérios A,
B e C apresentados no Quadro 1:
Quadro 1 – Critérios para diagnóstico do autismo
A. Dificuldades persistentes na comunicação social e na interação social que permanecem em dife-
rentes ambientes e situações. Essas dificuldades podem aparecer das maneiras seguintes:
1. Dificuldades nas trocas/interações sociais e emocionais;
2. Dificuldades nos comportamentos de comunicação não verbal (como gestos com as mãos, com o corpo,
expressões faciais);
3. Dificuldades em desenvolver, manter e entender relacionamentos sociais.
B. Comportamentos, interesses e atividades restritos e repetitivos, que se manifestam atualmente ou
historicamente por pelo menos duas das seguintes maneiras:
1. Movimentos, uso de objetos e/ou fala estereotipados ou repetitivos;
2. Insistência em manter tudo sempre igual, aderência inflexível a rotinas, ou comportamentos verbais ou
não verbais ritualizados (rígidos);
3. Interesses muito restritos e fortes, fora do normal em intensidade ou foco de atenção;
4. Reações muito fortes ou muito fracas (hiper-reatividade ou hiporreatividade).
C. Os sintomas devem estar presentes no período inicial do desenvolvimento (mas podem não se
manifestar totalmente até que as demandas/exigências sociais excedam sua capacidade de respon-
der a elas; também podem ser mascaradas mais a frente por estratégias aprendidas).
Fonte: Mello (2007).
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Esse manual propõe, além da manifestação sintomatológica do TEA, a análise
de níveis de gravidade, a fim de verificar a severidade e o impacto na vida do aco-
metido. São três níveis de gravidade, de acordo com Júlio-Costa e Antunes (2018,
p. 99):
Nível 1: Bom nível de funcionalidade e necessita de pouca intervenção;
Nível 2: Relativamente funcional e necessita substancialmente de interven-
ções;
Nível 3: Baixíssimo nível de funcionalidade e necessita substancialmente de
intervenções.
Concomitantemente aos níveis de gravidade do TEA, ainda existem as pos-
sibilidades reais das comorbidades mais frequentes que costumam fazer parte do
quadro desse transtorno. São elas: deficiência intelectual, transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno do processamento sensorial (TPS),
distúrbios do sono, epilepsia, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), entre outros.
Além desses critérios, os neuropediatras podem fazer uso de psicofarmacolo-
gia para amenizar os comportamentos disruptivos que acompanham o TEA, entre-
tanto, ainda não há medicamentos que atuem especificamente nesse transtorno. O
uso de psicotrópicos é de competência dos médicos, mas deve ser um consenso entre
equipe de saúde, familiares e equipe multidisciplinar.
No âmbito da área da saúde, são realizados protocolos para diagnóstico e indi-
cações de medicações e terapias, se for o caso. Mesmo antes do diagnóstico, a inter-
venção precoce de caráter educacional pode contribuir com o desenvolvimento das
crianças. Ressaltamos a importância de as instituições educacionais considerarem
que o diagnóstico não é destino, estimulações e intervenção precoce são relevantes
para o desenvolvimento de qualquer criança. Em alguns casos, os educadores pode-
rão contribuir com informações importantes que auxiliarão no diagnóstico clínico.
No campo da educação, qual a finalidade do diagnóstico? Identificar o aluno
a ser atendido e encaminhado para a sala de recurso multifuncional (SEM) para
fins da oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE)1 tem sido uma
preocupação recorrente nas escolas. Pautado no modelo médico de deficiência, a
solicitação de diagnósticos clínicos ainda tem sido uma prática recorrente nas es-
colas, para fins de sustentação do processo decisório sobre o ingresso do aluno no
AEE, bem como sua inserção como aluno do público-alvo da educação especial no
Censo Escolar do MEC/Inep. Todavia, ressaltamos que a Nota Técnica n. 04/2014
(BRASIL, 2014b) reconhece que a existência de um laudo médico não seja condicio-
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nante para a inserção do aluno nas SRMs, uma vez que o AEE se caracteriza por
atendimento pedagógico e não clínico.
A pesquisa realizada por Santiago, Santos e Melo (2017) demonstra a persis-
tência de um sentimento “autocoercitivo” por parte dos profissionais de que o aluno
só pode ser computado no censo escolar caso tenha um laudo legitimado pelos sabe-
res médicos-clínicos, seguido por narrativas que indicam “insistência” na obtenção
de laudo médico, ocorrendo em alguns casos pressão sobre a família para a aquisi-
ção do documento. Questionamos a exigência de laudos e diagnósticos clínicos para
oferecer condições de aprendizagem e participação em atividades complementares
ou suplementares, como é o caso do AEE, mas admitimos que o principal objetivo
de tais diagnósticos pode ser a oferta de intervenção precoce, para ampliar as con-
dições de desenvolvimento às crianças com possíveis barreiras.
A intervenção precoce como garantia do processo de inclusão de crianças com TEA
A literatura científica considera que o TEA é uma condição permanente, cuja
intervenção precoce adequada nos primeiros anos de vida, devido à plasticidade
cerebral, pode diminuir as barreiras sociocomunicativas, a fim de que não se tornem
grandes obstáculos ao desenvolvimento da criança. Segundo Nogueira e Mendes
(2018, p. 99), “a intervenção precoce vai atuar ampliando o repertório da criança de
modo que ela não se limite futuramente a interesses restritos, que aprenda a imitar,
a brincar com seus colegas, a se interessar pelo outro e a aprender nesse encontro”.
A equipe multidisciplinar será fundamental no diagnóstico diferencial em ten-
ra idade, assim como na estimulação precoce e para potencializar o desenvolvimen-
to assertivo junto ao TEA. No Brasil, o ponto central para se pensar em intervenção
precoce até os 4 anos perpassa pela atuação médica e pela dúvida de uma provável
conclusão diagnóstica, uma vez que a obtenção de um diagnóstico final transita por
um caminho demorado e, por vezes, marcado por incertezas e (des)informações a
respeito desse transtorno. Nogueira e Mendes (2018, p. 97), ao mencionar a teoria
da motivação social, destacam que:
Alguns sintomas emergem antes mesmo do primeiro ano de vida. Crianças com autismo
desde muito cedo não têm motivação para olhar para faces, prestar atenção em gestos ou
vozes, o que impede a estimulação necessária para o desenvolvimento do cérebro social,
ocasionando a falha secundária na especialização dos sistemas cerebrais formados por meio
das primeiras experiências sociais, gerando uma sucessão de problemas sociais, como por
exemplo, falha na atenção compartilhada, dificuldade em apontar e em responder o nome e
falha no processamento de expressões faciais.
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Necessário se faz avaliar a criança a partir dos primeiros sinais de desenvolvi-
mento atípico e traçar planos de intervenção desde cuidados básicos até um trabalho
baseado em pesquisa com a equipe multidisciplinar para crianças que tenham ou
não um diagnóstico. A preocupação central deve ser sempre o desenvolvimento das
potencialidades do TEA, através de um trabalho de qualidade e do aprimoramento
de técnicas que auxiliem nas diversas demandas que esse transtorno exige para a
promoção de saúde, a melhora na qualidade de vida e o sucesso da inserção social.
A literatura vem nos lembrando que o tratamento padrão-ouro (CAMARGOS,
2017) para o TEA perpassa por uma intervenção precoce juntamente com a equipe
interdisciplinar. Essa estimulação consiste em variadas modalidades de interven-
ções terapêuticas, para que potencialize o desenvolvimento social e a comunicação
da criança, de modo que sejam amenizados ou reduzidos os danos causados pelo
TEA. Além disso, a precocidade dessa estimulação pode auxiliar na melhora da
qualidade de vida, na própria autonomia do TEA, na orientação aos familiares e na
busca de terapias que tenham bases científicas.
A “intervenção precoce” no caso do autismo traz muitos ganhos e, para muitas crianças, é
totalmente responsável pelo bom prognóstico do quadro no futuro. Mas não basta boa von-
tade e amor. Existem abordagens menos e mais indicadas. Há vários pontos a se considerar,
quando se avalia uma criança com desenvolvimento atípico (CAMARGOS, 2017, p. 9).
Dessa forma, a equipe multidisciplinar não deve reproduzir o diagnóstico como
um carimbo da exclusão social histórica reproduzida pela falta, pelo normal versus
anormal, pelo fracasso, pelo caráter reducionista do sujeito, pela inabilidade, pelo
déficit, pelo hegemônico, enfim, pela falta e pela deficiência. A intervenção e a
estimulação precoce devem oportunizar a aprendizagem como uma possibilidade
de mudança de olhar na inserção central na inclusão do ser humano, visto através
de um caleidoscópio que muda de acordo com a busca das potencialidades, habili-
dades, complexibilidades e singularidades como um todo, observando as necessida-
des individuais e específicas do aprendente, a funcionalidade familiar e escolar. A
intervenção precoce perpassa, por exemplo, pela ampliação da comunicação verbal
e não verbal, pela convivência com os pares e pela estimulação por meio das brin-
cadeiras de faz-de-conta.
Não podemos deixar de mencionar o importante papel da brincadeira na pro-
dução de recursos simbólicos para as crianças. Chiote (2013), ao pesquisar o papel
da mediação pedagógica no desenvolvimento do brincar da criança com autismo
na educação infantil, considerou o brincar como uma atividade que se aprende
e desenvolve na relação com outras crianças e/ou adultos, no espaço da educa-
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ção infantil. Para a autora, compete aos professores investir na criação de condi-
ções para que a criança com autismo amplie suas experiências de brincadeira na
relação com seus pares. Seu trabalho evidenciou ainda que “as possibilidades de
desenvolvimento das crianças com autismo, assim como de qualquer criança não
são predeterminadas, elas são criadas e recriadas nas situações concretas em que
suas potencialidades se manifestam de alguma forma, nos processos interativos”
(CHIOTE, 2013, p. 16).
Martins (2009, p. 86), ao pesquisar crianças autistas em situações de brinca-
deira, explicita que:
No caso das crianças com autismo, a linguagem e outros signos precisam ser ativados pelo
outro para alterar aspectos bastante comprometidos do desenvolvimento. Não se pode espe-
rar que, sozinhas, elas alcancem mudanças favoráveis em suas funções, pois o isolamento
já é um aspecto preponderante do transtorno. Então, torna-se fundamental possibilitar a
transição para o mundo das esferas coletivas, estimulando as interações sociais.
A criança com desenvolvimento típico aprende através das interações sociais,
brincando com seus pares, imitando falas e gestos dos adultos, enquanto as crian-
ças com TEA necessitam de intervenção precoce e estimulação adequada para que
tenham oportunidades de acessar estratégias básicas para aprender de forma autô-
noma, considerando suas potencialidades e singularidades. Embora não haja cura
para o TEA, visto se tratar de uma condição relacionada à organização neurológica,
a intervenção precoce e a mediação adequada, desde os primeiros anos de vida,
poderão oferecer melhores recursos para que as limitações sociocomunicativas não
se tornem grandes barreiras no processo de desenvolvimento da criança.
Outro fator de grande importância para o desenvolvimento e a aprendizagem
da criança com autismo é a garantia do direito à educação. O processo de inclusão
da pessoa com deficiência na escola comum é garantido por lei. De acordo com a
Resolução CNE/CEB n. 4/2009 (BRASIL, 2009), o público-alvo da Educação Espe-
cial é constituído por:
I - Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual, mental ou sensorial.
II - Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um qua-
dro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações
sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com
autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da
infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.
III - Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial
elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combi-
nadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade.
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A legislação em vigor determina que os sistemas de ensino devem matricular
os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habili-
dades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no AEE, ofertado em
salas de recursos multifuncionais ou em centros de AEE da rede pública ou de
instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos. Na
próxima seção, abordaremos questões referentes a esse processo.
O AEE para alunos com TEA
O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno
por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias
que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e seu desen-
volvimento na aprendizagem. Tem sido considerado com um espaço para se pensar
o planejamento, as intervenções e as avaliações a serem feitas com alunos com
TEA. Os objetivos do AEE, conforme Decreto n. 7.611 (BRASIL, 2011, não pagina-
do), são:
I - prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir
serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes;
II - garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular;
III - fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as bar-
reiras no processo de ensino e aprendizagem; e
IV - assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e moda-
lidades de ensino.
As ações do AEE ocorrem nas salas de recursos multifuncionais, que são es-
paços dentro das escolas e contam com materiais didáticos específicos e alguns
recursos da tecnologia assistiva. Os estudantes são atendidos no contraturno esco-
lar, mas esse atendimento não é substitutivo ao processo de escolarização comum.
Assim, os professores da sala de recursos multifuncionais são orientados a manter
constante diálogo com os professores da sala de aula comum, para que, juntos,
possam organizar planejamentos que ampliem o processo de participação e apren-
dizagem do aluno com TEA em sala de aula (ROCHA; PACHECO, 2018).
Entre as várias incumbências do poder público dispostas na Lei Brasileira
de Inclusão, destacamos o art. 28, inciso VII, que prescreve o planejamento de
estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado,
de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usa-
bilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva. Tais competências incidem
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diretamente no AEE, que busca acompanhar os alunos com deficiências, buscando
conhecer suas barreiras e suas potencialidades, para ampliar oportunidades edu-
cacionais.
Através do estudo de caso, é possível conhecer as particularidades de cada
aluno e criar estratégias colaborativas, envolvendo diferentes atores da escola, con-
siderando os contextos e as possibilidades de participação e de aprendizagem com a
turma. O estudo de caso envolve observação e planejamento das intervenções, que,
por sua vez, gera um plano de atendimento, cujo registro relata as expectativas e
possibilidades para estimular e ampliar o desenvolvimento da autonomia dos alu-
nos atendidos, assim como planejar e monitorar a rotina escolar, que, para alunos
com TEA, tem significativa importância. Rocha e Pacheco (2018, p. 280) conside-
ram que o referido plano contemple os objetivos, os recursos para acessibilidade
pedagógica em sala, as atividades e estratégias para alcançar as metas e, também,
a avaliação do processo de trabalho desenvolvido com cada criança.
No contexto de inclusão em educação para alunos com TEA, é importante
ressaltar o papel da acessibilidade curricular. O Desenho Universal para Apren-
dizagem (DUA) é uma abordagem curricular que procura reduzir os fatores de na-
tureza pedagógica que poderão dificultar o processo de ensino e de aprendizagem,
assegurando assim o acesso, a participação e o sucesso de todos os alunos. O DUA
propõe: i) responder às necessidades de diversos alunos; ii) remover as barreiras à
aprendizagem; iii) flexibilizar o processo de ensino; iv) permitir aos alunos formas
alternativas de acesso e envolvimento na aprendizagem; v) reduzir a necessidade
de adaptações curriculares individuais, contribuindo assim para o desenvolvimen-
to de práticas pedagógicas inclusivas (NUNES; MADUREIRA, 2015).
Acreditamos que os princípios do DUA – 1º: os alunos diferem nos seus inte-
resses e nas formas como podem ser envolvidos e motivados para aprender; 2º: os
alunos diferem no modo como percebem e compreendem a informação que lhes é
apresentada; e 3º: os alunos diferem no modo como podem participar nas situações
de aprendizagem e expressar o que sabem (NUNES, MADUREIRA, 2015) – possam
favorecer o processo de inclusão dos alunos com TEA, sem que haja necessidade
de adaptações individuais, em que os alunos não realizam praticamente nenhuma
atividade, ou quase nenhuma atividade igual à dos colegas.
No entanto, sabemos que cada situação tem suas especificidades e precisam
ser planejadas coletivamente, a partir do entendimento de que cada aluno é res-
ponsabilidade de todos os educadores da escola. Outro aspecto importante a ser
mencionado é a necessidade de compreender que todos os alunos aprendem, inde-
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pendentemente de suas barreiras, e que sua aprendizagem e seu desenvolvimento
não devem ser analisados de forma comparativa, mas cada aluno só pode ser ava-
liado tendo em vista seu próprio desenvolvimento. Nesse sentido, o papel da ava-
liação diagnóstica e do processo ganha força, pois, através de registros, podemos
monitorar o progresso de cada aluno.
É nessa perspectiva que desenvolvemos uma proposta de extensão: “Alunos
com TEA como desencadeadores de processos formativos e inovação pedagógi-
ca” (MELO; SANTIAGO, 2018). Nesse projeto, buscamos conhecer o processo de
aprendizagem de cada aluno com TEA no contexto das escolas participantes do pro-
jeto. Usamos como proposta teórico-metodológica o Index para a Inclusão (BOOTH;
AINSCOW, 2012), que contempla três dimensões interdependentes de inclusão, a
saber: culturas, políticas e práticas. Esse material nos permite compreender o pro-
cesso de inclusão em um sentido mais amplo, pois redimensiona a necessidade de
estabelecer culturas, no sentido de colocar valores em ação e repensar concepções
voltadas para o processo de ensino-aprendizagem e a constituição de ambientes
acolhedores em que todos se sintam pertencentes no ambiente escolar; as políticas
são relacionadas ao projeto político-pedagógico e à gestão das inter-relações no es-
paço escolar, que, por sua vez, trazem implicações para as práticas pedagógicas e
as relações curriculares.
Entendemos que o processo de inclusão envolve todos na escola e aposta na
participação e no acolhimento das famílias, que têm um importante papel no pro-
cesso de inclusão de alunos com TEA e outras barreiras de aprendizagem e par-
ticipação. Hoje, mais do que nunca, percebemos o envolvimento e o protagonismo
das famílias, que têm buscado conhecimento e formação para garantir os direitos
educacionais dos filhos. Contamos com diversos grupos de familiares que se organi-
zam nas redes sociais, produzindo conteúdos que visam auxiliar e orientar outras
famílias que vivem situações semelhantes. Outro fator importante é o protagonis-
mo de algumas crianças e jovens que têm produzido livros e blogs com o propósito
de apresentar suas vivências, enquanto pessoas identificadas com TEA.
Podemos considerar que, nos últimos anos, houve grandes avanços quanto à
produção e ao acúmulo de experiências e de conhecimentos sobre TEA, mas ainda
há muitos desafios para serem superados. Ao que tudo indica, temos caminhado
rumo a uma perspectiva social de deficiência, cuja ideia básica é que a deficiência
não deve ser entendida como um problema individual, mas uma questão da vida
em sociedade, transferindo a responsabilidade pelas barreiras do indivíduo para a
incapacidade da sociedade em prever e se ajustar à diversidade.
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No contexto de pandemia de Covid-19, que redimensiona as relações sociais e
suspende as atividades escolares presenciais, as crianças com autismo têm sofrido
forte impacto por conta de suas barreiras de comunicação e de interação social, al-
gumas escolas têm enviado atividades ou proposto ensino remoto aos seus alunos,
o que torna a participação da família essencial ao processo. Mais do que nunca, é
necessário pensar propostas que promovam acessibilidade curricular, de modo a
garantir a participação e a aprendizagem de todos os alunos, independentemente
de suas barreiras.
Considerações nais
Buscamos articular saúde e educação no processo de diagnóstico e interven-
ção de pessoas com TEA. Nesse processo, identificamos que o modelo médico de
deficiência teve forte impacto e influenciou de forma significativa o processo edu-
cacional de alunos com TEA, que, durante determinado período, esteve restrito a
escolas especiais. Com o surgimento do modelo integrativo e, nas últimas décadas,
em virtude de políticas públicas pautadas pelos princípios da inclusão, temos per-
cebido um crescente número de alunos com TEA nas escolas regulares.
Com base no direito ao acesso à educação, percebemos que educação e saúde
são serviços essenciais para garantir o desenvolvimento e o processo de inclusão
de alunos com TEA. O diagnóstico e a estimulação precoce favorecem o desenvolvi-
mento das crianças com TEA. Nesse contexto, uma abordagem multidisciplinar e
complementar envolvendo serviços da saúde e da educação pode garantir o direito
à participação e à aprendizagem aos alunos com autismo, minimizando barreiras à
aprendizagem e riscos de exclusão.
Aprender a compreender a pessoa com TEA não é um caminho fácil, trata-
-se de um grande desafio, principalmente no que diz respeito à aprendizagem dos
conteúdos acadêmicos. O TEA é um convite a dialogar e refletir sobre práticas que
oportunizem a participação e a aprendizagem da pessoa com autismo e de seus fa-
miliares, sob a mediação de professores e equipe multidisciplinar, na proposição de
novos olhares e perspectivas, que se desdobram em possibilidades de intervenção,
estimulação precoce, propostas de acessibilidade curricular, atendimento educacio-
nal especializado e mediação no processo de aprendizagem.
Uma abordagem interdisciplinar envolvendo saúde e educação pode oportu-
nizar novos saberes, assim como favorecer o processo de inclusão em educação e o
processo de humanização na saúde, em uma perspectiva voltada a um modelo so-
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cial de deficiência, que não se detém na falta, mas que compreende o outro em sua
singularidade, oferecendo condições de ampliar as potencialidades, a autonomia e
a participação na sociedade.
Nota
1 O AEE é um serviço da Educação Especial que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de
acessibilidade que eliminem barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessi-
dades específicas. Ele deve ser articulado com a proposta da escola regular, embora suas atividades se
diferenciem das realizadas em salas de aula de ensino comum (BRASIL, 2009).
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