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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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“Se tomo um pileque, dou a vez na direção?”: investigando percepções de adolescentes cabo-verdianos e brasileiros sobre a prevenção...
v. 28, n. 2, Passo Fundo, p. 768-790, maio/ago. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
nesse discurso, a ideia de o protagonista ser muito jovem para perder a vida, tendo
toda uma vida pela frente, apresenta uma força para a não concretização da ação.
Tal ideia foi identificada nos estudos de Rodriguez e Kovács (2005a) e Barbosa,
Melchiori e Neme (2011). Os primeiros apresentam o relato de um adolescente do
seu estudo que diz o seguinte: “quero morrer com mais de 80 anos, quero primeiro
viver e depois pensar na morte” (RODRIGUEZ; KOVÁCS, 2005a, p. 139), ficando
clara uma suposição de que a morte ocorre só para idosos. Barbosa, Melchiori e
Neme (2011, p. 178), ao estudarem o significado da morte, evidenciaram relatos de
adolescentes que visualizam a morte como aniquiladora dos projetos de vida, como
pode-se visualizar no seguinte depoimento: “Eu ainda não fiz tudo o que eu queria.
Eu tenho muita coisa para fazer ainda e não quero morrer sem fazer isso. Tenho
tantos sonhos”.
Apresentam-se, a seguir, os discursos coletivos favoráveis à realização da ação
pretendida pelo adolescente (DSC 2CV e DSC 2BR):
DSC 2CV – Vamos curtir, não vai acontecer nada
Se eu tivesse no lugar do Pedro, eu faria o mesmo – pegaria o carro, pois estaria bêbado com meus amigos,
mas, se eu fosse mais responsável, não faria isso. Talvez ele resolveu ter essa ideia por influência dos ami-
gos. Ambos querem se divertir, então eles vão dizer “vamos, pegue o carro, pois assim vamos nos divertir
mais, as miúdas vão gostar”. Ele vai pensar “eles têm razão”. Os amigos deveriam dizer “não vamos fazer
isso, é perigoso”, mas acho que a influência fala mais alto. Podia haver uma opção mais responsável, mas, no
grupo, as pessoas podiam dizer “ah, deixa de coisas, vamos curtir, não vai acontecer nada”, e eles acabavam
por ir. Eu acho que não é fácil na situação do Pedro de decidir porque é, por exemplo, se eu estou com uns
amigos e eles dizerem para pegar o carro do pai e se eu disser que não posso pegar, eles vão dizer que não é
fixe4, não vou me dar com ele mais. Para decidir num momento, é muita, muita personalidade mesmo. É uma
pessoa que não importa se vai ter uns amigos após a festa. Normalmente, quem faz isso são pessoas que
pedem muito daquele apoio no grupo, principalmente na adolescência, nós que precisamos muito daquela
afetividade, de estar inserido no grupo. Sempre existe a pessoa no grupo que tem, podemos dizer, mais adre-
nalina. Não sei muito bem explicar, é mais insistente: “Vamos, temos que ir, não vai acontecer nada, vamos
tentar”. E mesmo tendo talvez a consciência de “ah, e caso acontecer?”, mas fica mais para o lado positivo e
pensa “ah, não vai acontecer nada, é só essa vez, ninguém vai saber”. Então, às vezes, nem é porque não é
amigo de verdade, é simplesmente para satisfazer a curiosidade, o calor da emoção.
DSC 2BR – Iriam fazer no calor do momento
Possivelmente, iriam fazer, porque estão bêbados. Isso influencia muito, pois, na hora que ele tá assim,
vamos dizer assim, um pouquinho alterado assim, aí, no caso, a gente tá fazendo as coisas, e quando a
gente vê, não tem noção do que pode acontecer. Fica meio inconsciente dos atos. Ainda mais na influência
dos amigos. Se ele teve a ideia ou se ele comentou com os amigos, com certeza os outros vão instigar ele a
fazer isso. Eles estão numa rodinha bebendo, ninguém vai falar não. Se estivesse tudo bêbado, é óbvio que
a gente ia sair, com certeza. A idade também interfere. Se fossem mais velhos, talvez tivessem uma ideia
mais racional. Eu, nesse contexto, teria, infelizmente essa atitude irresponsável. Ia querer me aventurar sem
responsabilidade, sem medir o que pode ocorrer, as consequências dos atos. No calor do momento, quer se
divertir com as amizades.