
1092 ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Fernanda Antônia Barbosa da Mota, Heraldo Aparecido Silva
v. 28, n. 3, Passo Fundo, p. 1087-1103, set./dez. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
mento, o corpo é disciplinado para desempenhar funções socialmente produtivas,
através de técnicas criadas para a docilização dos corpos; em um segundo momen-
to, o corpo é controlado biologicamente tanto para durar mais ou menos quanto
para gerar mais ou menos outros corpos ou, inversamente, para não gerar de modo
algum. O poder disciplinar da anátomo-política se certifica de preparar os corpos
para serem adequadamente integrados ao maquinário do sistema econômico ca-
pitalista, exercendo a dupla função de trabalhador e consumidor. Já a biopolítica
exerce um controle biológico sobre os corpos, determinando os limites e a qualidade
de vida, o controle de natalidade e a longevidade populacional.
Este bio-poder, sem a menor dúvida, foi elemento indispensável ao desenvolvimento do ca-
pitalismo, que só pôde ser garantido à custa da inserção dos corpos no aparelho de produção
e por meio de um ajustamento dos fenômenos da população aos processos econômicos. Mas,
o capitalismo exigiu mais do que isso, foi-lhe necessário o crescimento tanto de seu reforço
quanto de sua utilizabilidade e sua docilidade; foram-lhe necessários métodos de poder capa-
zes de majorar as forças, as aptidões, a vida em geral, sem por isto torná-las mais difíceis de
sujeitar; se o desenvolvimento dos grandes aparelhos de Estado como instituições de poder,
garantiu a manutenção das relações de produção, os rudimentos de anátomo e de biopolítica,
inventados no século XVIII como técnicas de poder presentes em todos os níveis do corpo
social e utilizadas por instituições bem diversas (a família, o Exército, a escola, a polícia, a
medicina individual ou a administração das coletividades), agiram no nível dos processos
econômicos, do seu desenrolar, das forças que estão em ação em tais processos e os sustentam;
operaram também, como fatores de segregação e de hierarquização social, agindo sobre as
forças respectivas tanto de uns como de outros, garantindo relações de dominação e efeitos
de hegemonia; o ajustamento da acumulação dos homens à do capital, a articulação do cres-
cimento dos grupos humanos à expansão das forças produtivas e a repartição diferencial do
lucro, foram, em parte, tornados possíveis pelo exercício do bio-poder com suas formas e pro-
cedimentos múltiplos. O investimento sobre o corpo vivo, sua valorização e a gestão distribu-
tiva de suas forças foram indispensáveis naquele momento (FOUCAULT, 1988, p. 132-133).
Como argumentamos anteriormente, a provisória saída dos sujeitos da comple-
xa engrenagem social, propiciada à revelia de nossos desejos e vontades pela situação
pandêmica atual, possibilita um olhar diferenciado sobre muitos aspectos da vida.
Nesse sentido, as práticas de si podem representar uma forma de governo contrária
aos preceitos políticos e biopolíticos de disciplina e controle dos nossos corpos.
Governar é agir sobre si mesmo, em vistas de se posicionar criticamente diante de quais-
quer ações de condução. Inexistem relações de governo que não sejam aquelas exercidas
sobre sujeitos livres, que dispõem de um campo plural de possibilidades e alternativas.
Essas alternativas se estendem, desde a aceitação de uma determinada condução até a
constituição de contracondutas ao modo como ela é exercida. As contracondutas são eleva-
das a novo ponto de partida, diante das diferentes relações de governo; elas designam um
cuidado político de si, porque o sujeito é constituído como tal em virtude da relação política
do governo de si mesmo em face do governo dos outros (CANDIOTTO, 2010, p. 161).