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Sônia da Cunha Urt, Silvia Segovia Araujo Freire, Adaline Franco Rodrigues
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Falta de empatia ao trabalho docente: os dissabores vivenciados pelo professor
durante a pandemia
Lack of empathy to teaching work: the disables experienced by the teacher during the pandemic
Falta de empatía al trabajo docente: las discapacidades experimentadas por el maestro durante
la pandemia
Sônia da Cunha Urt*
Silvia Segovia Araujo Freire**
Adaline Franco Rodrigues***
Resumo
Este trabalho destaca a importância do desenvolvimento das funções psicológicas superiores, que são primor-
diais para possibilitar ao homem a percepção de si e de suas atitudes na relação com o outro na sociedade.
Também explora e denuncia a falta de empatia ao trabalho docente emergido durante a pandemia, além de
evidenciar a particularidade da educação escolar para o processo de constituição humana. Em contraposição,
oferece um recorte bibliográco de pesquisas que abarcam a empatia como fator preponderante para o en-
frentamento ao adoecimento do professor em épocas de crises e inseguranças pessoais e prossionais. Estas,
próprias do cenário atual, denunciaram o desapreço por esse prossional e apresentaram de forma explícita a
desigualdade social nos moldes do trabalho remoto. Os pressupostos teóricos da psicologia histórico-cultural
fundamentam as análises realizadas no artigo. O interesse no assunto abordado está relacionado a pesquisas
desenvolvidas pelo Programa de Doutorado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e pelo
Grupo de Estudo e
Pesquisas em Psicologia e Educação dessa instituição.
Palavras-chave:
funções psicológicas superiores; educação; psicologia histórico-cultural; pandemia; empatia.
* Doutora em Educação (Unicamp). Mestre em Educação (PUC-SP), Brasil. Professora Pesquisadora Sênior dos Programas
de Pós-Graduação em Educação e em Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Coordenadora
do Grupo de Estudo e Pesquisas em Psicologia e Educação (GEPPE) da UFMS. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0309-
3498. E-mail: surt@terra.com.br
** Doutoranda do Programa de Doutorado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - PPGEdu UFMS
- Campus Campo Grande, MS. Mestre em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste – Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil. Graduada em Psicologia (UFMS). Membro do GEPPE – Grupo de Estudo e Pesquisas
em Psicologia e Educação da UFMS. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0196-6945. E-mail: ssafsm@gmail.com
*** Doutoranda do Programa de Doutorado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - PPGEdu UFMS -
Campus Campo Grande, MS. Mestre em Ciências aplicadas à Saúde pela Universidade Federal de Goiás - UFG - Campus
Jataí, GO. Graduada em Fisioterapia pela Faculdade Mineirense FAMA, Mineiros, GO. Membro do GEPPE – Grupo de
Estudo e Pesquisas em Psicologia e Educação da UFMS. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1605-5391. E-mail: adaline-
franco@gmail.com
Recebido em: 29/10/2020 – Aprovado em: 12/08/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i3.11797
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Abstract
This work highlights the importance of developing higher psychological functions, which are essential to enable
humans to perceive themselves and their attitudes in relation to others in society. It also explores and denou-
nces the lack of empathy for the teaching work that emerged during the pandemic, in addition to highlighting
the particularity of school education for the process of human constitution. In contrast, it oers a bibliographic
excerpt of research that includes empathy as a preponderant factor for coping with the illness of the teacher
in times of crises and personal and professional insecurities. These, typical of the current scenario, denounced
the lack of appreciation for this professional and explicitly presented social inequality along the lines of remote
work. The theoretical assumptions of Historical-Cultural Psychology underlie the analyzes carried out in the arti-
cle. The interest in the subject addressed is related to research developed by the Doctoral Program in Education
at the Federal University of Mato Grosso do Sul and the Study and Research Group in Psycho
logy and Education
of that institution.
Keywords:
higher psychological functions; education; historical-cultural psychology; pandemic; empathy.
Resumen
Este trabajo destaca la importancia de desarrollar funciones psicológicas superiores, que son fundamentales
para que los hombres puedan percibirse a sí mismos y sus actitudes en relación con los demás en la sociedad.
También explora y denuncia la falta de empatía por la labor docente surgida durante la pandemia, además de
resaltar la particularidad de la educación escolar para el proceso de constitución humana. Por el contrario, ofrece
un extracto bibliográco de investigación que incluye la empatía como factor preponderante para el afronta-
miento de la enfermedad del docente en tiempos de crisis e inseguridades personales y profesionales. Estos,
propios del escenario actual, denunciaron la falta de valoración de este profesional y explicitaron la desigualdad
social en la línea del trabajo a distancia. Los supuestos teóricos de la Psicología Histórico-Cultural subyacen a los
análisis realizados en el artículo. El interés en el tema mencionado está relacionado con la investigación desar-
rollada por el Programa de Doctorado en Educación de la Universidad Federal de Mato Grosso do Sul y el Grupo
de Estudios e In
vestigación en Psicología y Educación de esa institución.
Palabras-clave: funciones psicológicas superiores; educación; psicología histórico-cultural; pandemia; empatía.
Introdução
Estudar o desenvolvimento e as ações do sujeito implica considerar a mediação,
os valores, os comportamentos cristalizados presentes nas relações e sua condição
social e histórica. As funções mentais superiores e especificamente os processos de
desenvolvimento das emoções e sentimentos vão sendo constituídos à medida que
o indivíduo se desenvolve e vivencia as experiências da vida social e cultural, o que
envolve a integração de múltiplos elementos: consciência, linguagem, pensamento,
percepção, atenção e comportamento.
Entender o comportamento humano e especialmente as falhas no desenvolvi-
mento ou nas habilidades emocionais sugere apreendê-lo mediante a compreensão
de sua inserção sociocultural, como Vygotsky1 sugere ao afirmar que, dessa forma,
a cultura torna-se parte da natureza humana, em um processo histórico e social.
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Isso significa que o ser humano é parte de uma espécie biológica, que só se forma
e se desenvolve no interior de um grupo pertencente a uma cultura. O sujeito re-
presenta a capacidade de posicionamento de indivíduos e de grupos, de forma que
todas as relações interpessoais interferem em sua constituição, na formação dos
sistemas psicológicos e na construção da própria consciência.
Ao considerar um contexto de adversidades, como de uma pandemia, por
exemplo, pode-se verificar que o homem ainda precisa alavancar-se enquanto es-
pécie humana e ser social. Nesse momento, comportamentos diante de situações
dessemelhantes e de profissionais que atuam centrados em suas especialidades
têm denunciado a desmoralização por meio dos discursos chocantes por parte dessa
sociedade, especificamente aos trabalhadores da educação. São esses discursos que
expedem indagações como: quais as falhas no desenvolvimento humano? Quanto a
privação à educação contribui para a formação de sujeitos incapazes de se coloca-
rem no lugar do outro em momentos como o do cenário atual em que vive o mundo?
Dessa forma, este artigo pretende discutir as condições impostas ao trabalho e
à saúde dos docentes em tempo de pandemia e, em tempo, discorrer sobre a impor-
tância do desenvolvimento humano e de suas funções psicológicas superiores, para
que possamos viver em sociedade exercendo a empatia e o respeito.
O desenvolvimento das funções psicológicas superiores e sua imprescindibilidade
para as relações humanas
Vygotsky fundamentou sua teoria no materialismo histórico-dialético, consi-
derando que o homem se desenvolve de forma quantitativa e qualitativa, combina-
do às transformações históricas e culturais, de acordo com a sociedade na qual está
inserido. Seu desenvolvimento ocorre por meio da mediação, com uso de instrumen-
tos e signos que fazem parte de um processo complexo e culturalmente estabelecido
por intermédio das relações sociais. Esse ser humano é histórico, estabelece-se em
função de suas necessidades e das transformações realizadas na natureza, e suas
ações modificam a si e a própria natureza. Trata se de uma relação dialética, ho-
mem e natureza, história e cultura, processos psicológicos elementares e processos
psicológicos superiores, portanto, a natureza do homem é histórica.
Vygotsky (2007) atribui diferença entre as funções elementares e as funções
superiores, afirmando que as primeiras se dão por meio de estímulos no ambiente,
enquanto as segundas são autogeradas, criadas, e se tornam a causa imediata do
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comportamento. Ele considera que o desenvolvimento advém da junção de duas
linhas: os processos elementares, de antecedentes biológicos, e as funções psicoló-
gicas superiores, de origem sociocultural.
A história do desenvolvimento das funções psicológicas superiores seria impos-
sível sem um estudo de sua pré-história, de suas raízes orgânicas e de seu arranjo
orgânico. A junção da ação da fala, dos olhos e das mãos provoca a internalização
do campo visual, tornando-se percepção. Esse processo dá origem às formas carac-
teristicamente humanas de comportamento (VYGOTSKY, 2007).
Por compreender o sujeito em sua totalidade, Vygotsky não separa o biológico
do cultural e o intelecto do afeto. Ao contrário, ele almeja compreender o proces-
so de desenvolvimento humano e apontar as formas de modificação e maturação
de suas funções, entre elas as funções psicológicas superiores, que caracterizam a
espécie humana (REGO, 2014). As necessidades humanas, como as emoções, os de-
sejos, os interesses e as motivações, compreendem todo esse processo, que também
resulta no desenvolvimento do pensamento, da fala social, da escrita e, logo, torna-
-se abstrata. Percebe-se, dessa forma, a importância do ensino escolar, descrevendo
que a maturação ocorre de forma plena quando o acesso à educação é possibilitado
ao homem. Portanto, a educação escolar pode unir as funções elementares e as fun-
ções superiores em uma única direção, permitindo as relações entre pensamento e
linguagem, a apreensão dos elementos culturais e sociais desenvolvidos ao longo da
historicidade e a internalização de conhecimentos e significados.
Um importante fato ressaltado por Vygotsky (2007) é a articulação do conheci-
mento espontâneo ou adquirido ao conhecimento científico. O conhecimento espon-
tâneo refere-se ao que a criança adquire por pertencer a um grupo social, as expe-
riências que traz consigo, vivências culturalmente estabelecidas; e o conhecimento
científico é o aprendizado sistemático, organizado, os conteúdos escolares.
A psicologia histórico-cultural apregoa uma compreensão de que o homem se
constitui nas relações com o mundo, por meio das experiências acumuladas histori-
camente, e, dessa forma, desenvolve-se e interage socialmente. Tais constituição e
interação ocorrem por meio do processo ensino-aprendizagem que se concretiza na
educação. Na concepção de Urt e Morettini (2005), a educação, por se constituir em
um procedimento organizado de transmissão da experiência social, desempenha
um papel determinante no processo de desenvolvimento psíquico da criança.
Martins (2015, p. 271) descreve que o processo de aquisição das particulari-
dades humanas, no caso os comportamentos complexos culturalmente formados,
ocorre por meio da prática histórico-social e afirma ainda que:
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Os processos de internalização, por sua vez, se interpõem entre os planos das relações
interpessoais (interpsíquicas) e das relações intrapessoais (intrapsíquicas); o que significa
dizer que instituem-se a partir do universo de objetivações humanas disponibilizadas para
cada indivíduo singular pela mediação de outros indivíduos, ou seja, por meio de processos
educativos.
A educação é, sem dúvida, o meio para que o homem possa aprimorar-se como
espécie e desenvolver-se de maneira auspiciosa, para relações conscientes, afetivas,
de respeito e humanizadas. Vygotsky (2007) e Smirnov (1969) avigoram o valor da
afetividade na constituição do humano, ao apresentarem o sujeito como composto
por corpo, afeto, cognição e meio social de modo indissociável, em que um é causa
e efeito do outro, produto e produtor do outro, cuja fragmentação torna-se impossí-
vel, o que justifica o método dialético para se estudar o desenvolvimento humano.
Assim, a historicidade provoca o desenvolvimento emocional em função do
tempo e pelo meio em que se desenvolve, visto que, no percurso histórico de desen-
volvimento da humanidade, modificam-se os significados e sentidos dos sentimen-
tos e emoções de outrora, o que, em uma época histórica, provoca sentimentos es-
peciais nos membros de uma classe social determinada, pode provocar sentimentos
opostos nos membros de outra classe social e em outra época histórica (SMIRNOV,
1969). Isso reflete no modo como a sociedade se constitui e ascende também aos
sentimentos morais, às normas e aos sentimentos estéticos dos seres humanos,
que, da mesma forma, dependem das relações estabelecidas pelo desenvolvimento
emocional ocorrido desde a infância.
É nesse sentido que se ressalta a importância do desenvolvimento das funções
psicológicas superiores e confere atenção à peculiaridade dos sentimentos e o quan-
to a educação complementa esse processo. O homem é um ser social, que necessita
de outros homens, as suas relações lhe permitem desenvolver e aprender de forma
que possa estabelecer e manter suas relações com o mundo e permitem ampla com-
preensão do outro, de cada função e sua contribuição para a história e a cultura de
uma sociedade. Logo, envolvê-lo em toda circunstância que envolve a sociedade que
pertence, no seu tempo e em sua história, favorece o seu posicionamento consciente
e compreensivo frente às adversidades, por exemplo, uma pandemia, frente às pes-
soas e às atividades humanas nesse contexto, atividade descrita aqui no sentido do
trabalho, que requerem respeito e empatia.
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A empatia como fruto da relação consciente e hominizada
Segundo Goleman (1995, p.136), a palavra empatia tem origem grega – empa-
theia, que significa tendência para sentir o que se sentiria caso estivesse no lugar
de outra pessoa. Já Brolezzi (2014, p. 155) aponta que o termo empatia teria nas-
cido da palavra alemã Einfühlung, que significa “sentir dentro”, “sentir em”, atri-
buída ao filósofo alemão Robert Vischer (1847-1933), usada por ele em 1873, para
delinear a experiência estética da simples contemplação de uma pintura artística,
que poderia provocar uma simpatia (sentir com) estética. O autor salienta ainda
que o conceito de empatia é relativamente recente e passou por um processo de
ampliação, metamorfose e diversificação no decorrer dos anos. Assim, atualmente,
empatia é um conceito designado para elucidar uma cadeia de manifestações hu-
manas que indicam o conhecimento do outro, abrangendo suas ideias e seus senti-
mentos. Tais manifestações ocorrem cotidianamente, de várias formas, e propiciam
ao sujeito “colocar-se no lugar do outro”; “sentir o que o outro sente, na perspectiva
do outro”; ou então, são apresentadas como “uma resposta de uma pessoa ao estado
afetivo de outra” (BASTOS; CARVALHO, 1992, p. 114).
Ao passo que a empatia não é uma conduta observável por si, mas uma cir-
cunstância induzida e vivenciada a partir de evidências indiretas, como a orienta-
ção de um comportamento para um objetivo, suas consequências, a coerência de
certas relações estabelecidas em um intervalo de tempo e o caráter das reações de
um ser humano ao comportamento do outro, conforme afirmam Bussab, Pedrosa
e Carvalho (2007), não é uma atitude somente, tampouco só uma emoção, mas um
conjunto de sentimentos, valores e ações frente ao universo do outro.
Vygotsky (1999) também se apropriou do conceito de empatia vinculado à estéti-
ca e destacou a importância da arte, sua compreensão, interpretação e participação,
no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, pois, lado a lado à educação,
expande a cultura, o conhecimento, as características de uma sociedade. Além dis-
so, por meio da arte, o homem pode sentir-se, expressar-se e colocar-se no lugar do
outro, a partir do momento que compreende e interpreta uma obra, seja literária,
uma pintura ou peças teatrais, músicas, entre outras. Arte é cultura, é educação, é
possibilidade de desenvolvimento humano e de um dos sentimentos essenciais para
a vida em sociedade: a empatia (BARROCO; SUPERTI, 2014; BROLEZZI, 2014).
O termo apareceu nas produções de Vygotsky, especialmente nas obras da
fase produtiva inicial, como no livro Psicologia da arte (1925/1999), na tentativa
de elucidar a afinidade entre a imitação interior e a habilidade de compreensão
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dos outros, conferindo a eles sentimentos, emoções e pensamentos. Tais elementos
podem ser encontrados nos conceitos mais explorados pelo autor, como catarse e
vivência. Seus conceitos de empatia podem convir a diversos ramos da Filosofia,
como a fenomenologia, e da Psicologia. Em particular da psicologia social, da edu-
cação e da neurociência, resultando em importante contribuição para compreender
os fenômenos educativos (BROLEZZI, 2014; PRESTES; TUNES, 2012).
Brolezzi (2014) analisa a interligação dos conceitos empatia e catarse apli-
cados à estética e à arte, e tais considerações podem ser transcendidas a todos os
aspectos das relações sociais, visto que se compreende que, para Vygotsky, o que
produz a catarse é o elemento social subconsciente no indivíduo. A transformação
na catarse conjugaria a elevação das emoções com outras funções mentais, aos
níveis consciente, social e universal, de forma a envolver os aspectos cognitivos, so-
ciais e culturais. Esse pressuposto está relacionado ao desenvolvimento do conceito
de empatia – sem empatia, não há catarse.
Adentra-se, aí, ao conceito de vivência, imprescindível aos processos de desen-
volvimento das funções mentais superiores e das relações humanas. Vygotsky (1999)
percebe que, a partir da empatia pela arte, há a superação do sentimento individual,
e seu aspecto criativo está no fato de ela possibilitar a transferência de uma vivên-
cia comum. Não obstante, as emoções e os sentimentos são fenômenos inteligentes,
muito além de meros reflexos sensoriais de predisposições biológicas, e a empatia se
faz nessa interação entre o que se experimenta, o que se pensa e o que se sente. Che-
ga-se, então, ao termo vivência, utilizado pelo autor para representar a ideia de que
uma situação objetiva pode ser interpretada, vivida, percebida ou experimentada
diferentemente por diversos sujeitos (BROLEZZI, 2014; PRESTES; TUNES, 2012).
Vê-se, assim, que a capacidade de promover empatia nos relacionamentos com
as pessoas com as quais convivemos, seja em casa ou no trabalho, é uma das parti-
cularidades da inteligência interpessoal e basilar para quem quer se tornar emocio-
nalmente eficaz (TAKAKI; SANT’ANA, 2004), ou seja, esse processo ocorre a partir
das relações sociais e do desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Percalços e dissabores vividos pelos docentes durante a pandemia
As relações, especialmente no campo educacional, foram transformadas com-
pletamente frente à pandemia da Covid-19, que exigiu das instituições de ensino,
públicas e privadas, o repensar de novas formas de organização pedagógica. Essa
realidade fez com que a precarização do trabalho docente fosse ainda mais inten-
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sificada, fazendo vir à tona a necessidade de olhar de perto a saúde mental dos
professores, de tecer considerações e até mesmo delatar os falsos paradigmas e as
falsas concepções populares acerca do trabalho docente nessa nova estruturação do
espaço e da forma de ensino.
Pereira, Santos e Manenti (2020), em artigo publicado em maio de 2020, que
trata da saúde mental de docentes em tempos de pandemia, relatam que no Bra-
sil a pandemia teve seus primeiros efeitos em 03 de fevereiro de 2020, segundo
publicação da Portaria n. 188, do Ministério da Saúde, que declarou Emergência
em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN). Em 26 de fevereiro de 2020,
ocorreu o primeiro caso confirmado de paciente infectado no país e, a partir de
então, instaurou-se um momento de tensão que atingiu a estruturação da educação
brasileira. Inicialmente, o calendário letivo foi suspenso, acreditando-se que as ati-
vidades logo retornariam, mas, com o passar dos dias e os números de infectados e
óbitos cada vez maiores, percebeu-se que o retorno deveria ser postergado. Median-
te essa situação, as escolas privadas, prejudicadas e pressionadas por seus clientes,
iniciaram atividades remotas como estratégia didático-pedagógica. Tal panorama
se estendeu rapidamente às escolas públicas. Frente ao aumento desse tipo de
atividade, o Conselho Nacional de Educação emitiu o Parecer 05/2020, reorgani-
zando o calendário escolar e permitindo atividades não presenciais. Esse momento
evidenciou e agravou a precarização do trabalho docente. Mais que isso, expôs o
perfil alienante, excludente e explorador do capital diante das formas que o traba-
lho assume. Nesse cenário, evidenciaram-se, ainda, as concepções cristalizadas de
organização da sociedade, que as forças conservadoras trazem arraigadas, no que
tange à carga-horária, à mão de obra e à (des)valorização profissional.
Zaidan e Galvão (2020) corroboram esse apontamento e observam que essa
situação não se instalou com a pandemia, mas é consequência da exasperação de
forças conservadoras e neoliberais na política brasileira, que fortalece a exploração
da mão de obra, uma vez que o trabalho toma todos os momentos e espaços do
ambiente de descanso, do lar das professoras e dos professores, sem que sejam res-
sarcidos(as) por isso. Essa situação nem é percebida ou valorizada, e muitas vezes
o trabalho docente é subestimado. Além disso, em diversas situações, os docentes
não são preparados para utilização das ferramentas de aula remota.
Essa conjuntura acarreta muitos elementos corrosivos para o sistema edu-
cacional, como o árduo trabalho da reinvenção e da resiliência, a proatividade e a
perspicácia em manter uma educação remota que se faça ativa, presente e mini-
mamente acessível, associada às lacunas das condições trabalhistas, estruturais e
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formativas desses profissionais da educação (ZAIDAN; GALVÃO, 2020; PEREIRA;
SANTOS; MANENTI, 2020).
Durante os meses de mudanças na formatação do espaço de ensino e das rela-
ções de trabalho, distintos relatos, desabafos, postagens e notícias foram publica-
dos, confirmando os obstáculos e os sofrimentos vividos pelos profissionais da edu-
cação. Alguns recortes dessas publicações foram feitos e são descritos a seguir, na
tentativa de elucidar o que foi vivenciado pelos professores durante esse período.
Em reportagem publicada em junho de 2020, Hashizume (2020) relatou a
realidade de uma aula pública virtual realizada por professoras da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal de Ciências
da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), destacando os efeitos da pandemia sobre a
saúde mental. Nessa ocasião, a professora Mayte Amazarray, do departamento de
Psicologia da UFCSPA, apresentou uma síntese das consequências da pandemia
para os profissionais da educação, como a mudança abrupta da rotina de vida sem
a possibilidade de um preparo; a sobreposição de papéis e atividades (maternidade,
trabalho, questões domésticas etc.); o excesso de notícias sobre a pandemia e, por
fim, as consequências econômicas e sociais ligadas a esse cenário.
Idemar Vanderlei Beki (2020), dirigente de um núcleo Sindical em Londrina,
PR, publicou, em julho daquele ano, um artigo de opinião no site da Associação
dos Professores do Paraná do Sindicato de Londrina, relatando as dificuldades dos
professores no uso de plataformas online, com a burocratização do serviço, o au-
mento da carga horária e a dificuldade de acesso dos alunos. O texto apresenta
também uma pesquisa com 270 professores(as) da rede estadual de ensino do Para-
ná, realizada por esse mesmo sindicato, que aponta que quase 30% dos professores
entrevistados apresentavam alguma queixa de sofrimento mental e sobrecarga de
trabalho em virtude do momento vivido. A ansiedade e o estresse foram os fatores
mais preocupantes (16,4%), seguidos do sentimento de cobrança (por colegas de
trabalho, alunos e familiares) e de demandas que geram angústias, cansaço e dores
(10,2%), além de muito tempo em frente ao computador, com excesso de cansaço
audiovisual e dores corporais (13,3%).
Anna Rachel Ferreira (2020) publicou, em agosto de 2020, pela Revista Brasil
Escola, um texto intitulado “Teste: professor, como anda a sua saúde mental?”,
no qual apresenta alguns dados de pesquisa realizada em maio de 2020 por esse
mesmo site, a fim de verificar a situação dos docentes durante a pandemia. Os
dados apontam que, dos 8.121 profissionais da educação básica que responderam
às perguntas, 28% avaliaram tal situação como péssima ou ruim e 30%, como ra-
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zoável. Apenas 8% afirmaram que se sentem ótimos ao comparar a própria saúde
emocional antes e depois da quarentena. Na sequência, a autora apresentou al-
guns quesitos para o enfrentamento desse período e do sofrimento psíquico, como a
necessidade de escutar, entender e apoiar o outro.
Também em agosto, Janaína Junqueira Valaci Cruvinel e Karina Klinke
(2020) publicaram, no site “Pensar a Educação”, as dificuldades e a precarização
do trabalho docente em Minas Gerais. Nessa reportagem, as autoras relataram
que os profissionais da educação sequer participaram de qualquer decisão para a
estruturação da educação de forma remota. As autoras finalizam a reportagem re-
fletindo que é nesse contexto autoritário que o papel dos profissionais da educação
é precarizado, em um novo modelo de ensino – enquanto docentes se desdobram
em suas tarefas diárias, outros atores sociais são convocados a pensar a educação.
No mesmo mês, Lucas Santana (2020) publicou, na Revista Nova Escola, os
relatos da dificuldade cotidiana do ensino a distância e a esperança de dias melhores
para três professoras. A primeira, moradora de Piraí, no interior do Rio de Janeiro,
professora do primeiro ano do ensino fundamental, relatou a sensação de impotência
frente à nova realidade, ao mesmo tempo em que se referiu ao medo de voltar às ati-
vidades presenciais e ao risco de contaminação. Observou ainda que menos de 25%
dos alunos acessam a plataforma online, e os que não têm acesso à internet podem
buscar as atividades elaboradas por ela e impressas na escola. A segunda professora,
moradora de Porto Alegre, RS, que leciona para os anos iniciais do ensino fundamen-
tal e do ensino médio, na rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, desabafou
afirmando que: “de repente, suas vidas mudaram da água para o vinho”. Relatou
que sentiu medo e insegurança diante de um vírus desconhecido que transformou
seu cotidiano e mencionou o receio de retorno às atividades com aglomeração. Por
fim, a terceira professora, educadora do quinto ano da rede municipal e moradora de
Campinas, SP, explicou que imaginava que tudo ocorreria bem rápido e logo voltaria
ao normal. Confessou que já passou por situações de ficar deprimida e angustiada e
que chorou ao ver os alunos em uma videochamada pela primeira vez.
A (des)empatia frente aos dissabores vivenciados pelo professor em tempos de
pandemia
O mundo todo vive uma situação atípica, em função da pandemia instaurada
pela doença infecciosa causada pelo SARS-CoV-2. A Covid-19 carrega, além das
incertezas, o medo, a dor, a fadiga e o desespero para todos, inclusive para os docen-
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tes. Ao considerar o sujeito um ser histórico e social, pode-se compreender o quanto
esse momento tem apresentado dificuldades para que este mantenha as relações
necessárias para o seu desenvolvimento, especificamente no que tange à educação.
Urt e Morettini (2005, p. 105) descrevem que a natureza do desenvolvimento psí-
quico do homem é socio-histórico, “visto que o indivíduo assimila experiências das
gerações passadas e as transmite, e isto se processa por meio da educação”. É na
educação escolar que o homem pode ter a oportunidade de desenvolver, aprender
e apropriar-se de conhecimentos que favorecerão sua constituição e suas relações.
O ser humano precisa das relações sociais, porque é a partir delas que se
constitui, desenvolve suas funções psicológicas superiores, perpetua a história e a
sociedade. A empatia, como resposta afetiva desenvolvida e produto do desenvolvi-
mento das funções mentais superiores, faz parte desse processo de constituição e
torna-se fundamental para a compreensão e o respeito ao outro.
Em se tratando do trabalho docente, pesquisas recentes apontam um quadro
de exaustão dos professores, que passaram a relatar sintomas de ansiedade e esgo-
tamento mental frente às cobranças e às pressões de diferentes ordens relacionadas
às novas formas assumidas pelo trabalho (OLIVEIRA, J., 2020; PRAUN, 2020).
Nesse momento, percebe-se também uma crescente desvalorização desse profissio-
nal e uma enxurrada de críticas indevidas pelos mais diversos motivos. Facilmen-
te, pode-se deparar com comentários pejorativos que se dirigem ao professor como
alguém que hoje “recebe o salário sem trabalhar” ou “ganha para ficar em casa”.
Esses comentários apontam a falta de reconhecimento, de empatia e informação
em relação ao trabalho docente. A negação ou a falta de empatia frente ao trabalho
desse profissional ignora as elevadas horas e os esforços dispensados na elaboração
de atividades, aulas, provas, reuniões online, bem como a falta de facilidade com as
plataformas digitais, além de outras atividades burocráticas cuja finalidade é im-
pulsionar o processo de aprendizagem mesmo em um momento atípico da sociedade.
Essa constatação remete às observações de diferentes situações explicitadas
no âmbito da educação brasileira. Mariano e Muniz (2006), por exemplo, descre-
veram que o cenário educativo brasileiro apresenta um quadro deficiente no que
se refere às questões relacionadas à saúde dos professores, às condições de tra-
balho, à formação e à prática profissional docente do ensino público. O panorama
descrito pelos autores foi observado em tempos comuns, mas o que pensar sobre
as condições de trabalho e a carga física e emocional em tempos de pandemia? A
pormenorização do trabalho do sujeito professor em um momento de pandemia
escancara a falta da educação. Atenção! Estamos falando da educação e não de
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educação. A educação é a forma de construir o caráter social e material do homem,
sua subjetividade e aquisição de saberes primordiais para sua vida, pois é por meio
da organização da educação que a cultura é historicamente transmitida.
Entende-se que Vygotsky atribuiu à educação escolar um papel indispensável
no desenvolvimento humano, caracterizando-a como fator imprescindível para a
aprendizagem de conteúdos historicamente organizados e possíveis de contribuir
para o desenvolvimento das funções mentais das crianças, tornando-as posterior-
mente homens ou mulheres críticos, humanos e conscientes de suas atitudes para
a vida em sociedade. Essa concepção da educação é descrita por Rego (2014, p. 104),
que reforça a compreensão de que o espaço escolar possibilita as transformações na
vida do ser humano:
Na escola as atividades educativas, diferentes daquelas que ocorrem no cotidiano extraes-
colar, são sistemáticas, têm uma intencionalidade deliberada e compromisso explicito (le-
gitimado historicamente) em tornar acessível o conhecimento formalmente organizado.
Nesse contexto, as crianças são desafiadas a entender as bases dos sistemas de concepções
cientificas e a tomar consciência de seus próprios processos mentais.
Dessa forma, percebe-se como a falta da educação influencia na formação do
sujeito, na sua subjetividade e na capacidade de abstração, para ter uma com-
preensão de diferentes circunstâncias de forma ampla e precisa, como no caso
de uma pandemia. Não colaborar com o distanciamento social, não ter empatia,
não compreender a dimensão das consequências, desconsiderar todo o trabalho
dos docentes, entre outras atitudes, podem ser resumidas por uma sociedade cujo
desenvolvimento cultural e educacional se demonstra corrompido. É importante
ressaltar que esse fator, percebido durante a pandemia, soma-se a inúmeros outros
que favorecem o adoecimento docente.
Apesar do distanciamento social, as atividades docentes têm sido desempe-
nhadas perante inúmeras dificuldades, com o intuito de colaborar com o aprendi-
zado e contribuir para o desenvolvimento das crianças. Dados descritos no relatório
sobre o trabalho docente em tempos de pandemia, organizado por Dalila Andrade
Oliveira (2020), apontam que grande parte (84%) dos(as) professores(as) de todo o
país continua a desenvolver atividades de trabalho de forma remota; quase meta-
de (46%) desses(as) docentes continua interagindo com os estudantes; e mais da
metade (53,6%) não possui preparo para ministrar aulas não presenciais. Os dados
considerados nesse relatório, a partir de pesquisa realizada em todos os estados
brasileiros, confirmam por si só a excessiva carga física e psíquica carregada pelos
docentes durante o período de pandemia.
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Em meio à turbulência da Covid-19, torna-se imperativo pensar em medidas
necessárias para evitar a disseminação do vírus, em novas formas de trabalho, no
desrespeito ao docente e em medidas que possam colaborar para a saúde mental
desses profissionais ainda durante esse momento. Silva et al. (2020) indicam a
necessidade de instrumentalizar os docentes para o uso de tecnologias, a criação de
espaços virtuais compostos de equipes multiprofissionais, para propiciar cuidado à
saúde mental desses trabalhadores por meio da compreensão das angústias e dos
sentimentos que envolvem suas vidas no contexto de pandemia.
Jackson Filho et al. (2020) ressaltam a importância de se dar visibilidade ao
aspecto do adoecimento durante o período de pandemia, para que não implique em
sua pouca valorização nas políticas públicas. O campo do trabalho de forma inte-
gral deve ser considerado nesse momento de enfrentamento da Covid-19. Conside-
ra-se, porém, que poucos compreendem a dimensão e as forças dispensadas para a
contenção do vírus SARS-CoV-2. Por meio das pesquisas, da ciência e da educação,
estão sendo empenhados esforços possíveis e impossíveis para que a vida humana
não seja dizimada por esse vírus. Pois bem, soa como escárnio quando se fala que a
continuidade da vida humana depende justamente do setor que se encontra em ta-
manha difamação, desvalorização e empobrecimento por essa sociedade neoliberal.
Dias e Pinto (2020) enfatizam a importância da educação quando descrevem
que, com inteligência, integridade, competência e planejamento, essa crise pode
ensinar e, em tempo futuro, contribuir para formar cidadãos conscientes e me-
lhorar a educação no Brasil e no mundo. Assim como Pessoa (2020) descreve que,
apesar de todo obscurantismo e negacionismo, é preciso entender a importância da
educação, para que se pense em uma transformação social pós-pandemia, e adverte
sobre a necessidade de formar jovens com valores éticos, altruístas, colaborativos,
propondo uma sociedade mais justa, baseada na igualdade democrática e inclusiva.
A educação coopera com a conexão do conhecimento adquirido por meio das
experiências ao conhecimento científico, organizado, eleva o pensamento e a ca-
pacidade crítica do homem e faz com que ele perceba seu papel na sociedade e as
condições favoráveis para o seu crescimento pessoal. Inegavelmente, a educação
pode favorecer e contribuir para a transformação da sociedade, desde que todos
possam ter acesso a ela, em seus mais profundos e verdadeiros sentidos, signifi-
cados e recursos necessários para o aprendizado. Uma sociedade que considera a
educação como principal mecanismo de desenvolvimento pessoal, cultural, histó-
rico e econômico torna-se um coletivo de pessoas com valores éticos e morais que,
em momentos atípicos, como em uma pandemia, disseminam respeito, cooperação,
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responsabilidades mútuas e empatia. Também não difamam a ciência, não abatem
a dor do outro, não desvalorizam o trabalho alheio, não contribuem para o adoeci-
mento do próximo, não realizam discursos vulgares, do tipo “ir passando a boiada”,
como forma de se dar seus jeitos.
É na luta por uma sociedade mais justa, pela valorização dos profissionais,
mesmo diante das imensuráveis dificuldades e limitações, que este trabalho se
refere aos docentes, à educação, à pesquisa e à ciência, que não cedem e não se
curvam perante as tentativas tenebrosas dessa sociedade capitalista.
Considerações nais
A pandemia denunciou, de forma transparente, sem qualquer artifício, a ne-
cessidade de se pensar a educação como processo de formação, constituição e trans-
formação do homem, pelo fato de ter expressado a desigualdade sem subterfúgios
como a máxima dessa sociedade. A escola, com sua peculiaridade, como instituição
social e de direito de todos, escancara nesse momento a falta de respeito e inves-
timento na educação brasileira. Os comportamentos e os discursos direcionados
ao docente apresentam total falta de respeito e conhecimento sobre sua função
singular na sociedade e sua contribuição na formação do homem.
O homem se relaciona com o mundo, e esse mundo precisa estar preparado
para contribuir com a constituição de cada ser singular. O desenvolvimento das
funções psicológicas superiores é fundamental para que o sujeito possa se relacio-
nar, se desenvolver, aprender e colaborar com a formação de outros sujeitos, por
meio da internalização e da compreensão dos processos mentais que se pode per-
mitir viver como sujeito participativo e consciente, e não meramente repetidor de
comportamentos e conceitos impostos por uma sociedade desagregadora e desigual.
Não resta dúvidas sobre a necessidade de novos estudos acerca do processo
de trabalho e adoecimento docente, porém, a pandemia expôs, de forma cristalina,
como o professor é percebido pela sociedade. Percebe-se, em suma, que a sociedade
organizada sob ideais capitalistas, de legado neoliberal, reforçados pelo cenário
político brasileiro, cuja prioridade é a estabilização econômica “custe o que cus-
tar e a vida que custar”, é a grande fomentadora desta falta da educação e, por
consequência, da falta da empatia promulgada. Aqui, os pais e/ou responsáveis
percebem o professor como o cuidador, alguém que tem dia e hora marcados para
cuidar de seus filhos por determinado período, ao mesmo tempo em que desvalo-
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rizam a sobrecarga e o trabalho desempenhado pelo sujeito professor durante sua
atividade e sua peculiaridade.
Por fim, ressalta-se como a pandemia, de forma explícita, tem delatado essa
(des)empatia ao trabalho docente e nas relações sociais como um todo, por isso, re-
força-se o quanto a educação voltada para o desenvolvimento afetivo, humanizador
e empático é imprescindível ao sujeito e à sua constituição, para que se possa viver
em uma sociedade que objetive a formação e a emancipação humana.
Nota
1 Nas referências ao psicólogo soviético, a grafia de seu nome é registrada de diversas formas, como Vigotski,
Vigotsky, Vygotsky. No entanto, neste trabalho, aparece na forma Vygotsky, preservando a grafia adotada
por diferentes autores, quando citado nas indicações bibliográficas.
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