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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Solitude e isolamento: o caráter formativo do encontro consigo mesmo
v. 28, n. 3, Passo Fundo, p. 1036-1054, maio/ago. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
buscamos preencher, amiúde, novamente com grupos virtualmente arranjados. O
tempo todo, segundo observa Bauman (2011), nossas tentativas de ficarmos sós,
insuportável para muitos, são contornadas pelas redes sociais, as quais nos prome-
teram que nunca mais sentiríamos solidão ou seríamos excluídos. Nesse universo
on-line, todos nós podemos “estar” e “estar com”, além de podermos excluir, des-
conectar, mudar de grupo, caso o outro, presencial ou virtualmente, nos exija em
demasia. De qualquer forma, permanecemos “plugados” pelo medo de ficarmos sós
e de enfrentarmos o contraditório, seja ele vindo do outro, seja produzido por nós
mesmos quando pensamos. Ao fazermos isso, alerta Bauman (2011, p. 11), deixa-
mos “[...] escapar a chance da solitude: dessa sublime condição na qual a pessoa
pode ‘juntar pensamentos’, ponderar, refletir sobre eles, criar [...]”; o pensador po-
lonês então sentencia: “[...] quem nunca saboreou o gosto da solitude, talvez nunca
venha a saber o que deixou escapar, jogou fora e perdeu”.
Bauman (2011) lembra que as promessas feitas pelas tecnologias nos foram
oferecidas sem quaisquer advertências. Nunca nos disseram, por exemplo, que, ao
invés da incontornável condenação à solidão, estaríamos condenados a uma socia-
lização eterna, a estarmos sempre com alguém, disponíveis, conectados, midiatica-
mente agrupados, pertencentes, convocados, a qualquer hora, em qualquer lugar.
Também não nos alertaram que tudo isso seria ineficaz contra o nosso vazio exis-
tencial, razão pela qual, obstinada e ilusoriamente, continuamos a dar as costas a
nós mesmos e a visar apenas o que está do lado de fora. Neste fora, situamos tudo,
inclusive o outro, como um ser a serviço, um objeto para o nosso consumo, um cura-
tivo para nossa ferida narcísica ou uma fonte de lisonjas virtuais a funcionar como
“suprimentos” para alimentar nossa autoestima. Sentimos, mas evitamos pensar
o sentido. Percebemo-nos sós, mas não nos reconhecemos sós. Orgulhamo-nos de
sermos singulares, mas sequer admitimos que, em sendo assim, somos únicos, in-
dividuais, moleculares, em última instância, solitários. E mais: que essa solidão é
de um tipo radical, porque a vivemos dentro de um corpo ao qual somos condenados
desde o nosso nascimento. Tão radical é nossa solidão que só temos vida enquanto
colados a este corpo impossível de ser emprestado, trocado ou dividido, seja com
quem for. Estar só, portanto, é estar só neste locus indiviso e inabitável por outrem,
a não ser por nós mesmos.
Faz uma diferença enorme bem compreendermos isso, visto que a experiência
de cada um a respeito de si mesmo e do mundo, por ser absolutamente singular, é
sempre desigual relativamente à experiência alheia. Destarte, se existe algo que
nos permite a aproximação com o outro é justamente o fato de não sobrevivermos