1016 ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Geise Kelly Alves de Morais, Aparecida Favoreto
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A pedagogia herbartiana e a sua inserção no cenário brasileiro:
uma leitura histórica
Herbatian pedagogy and its insertion in the Brazilian scenery: a historical reading
La pedagogía herbartiana y su inserción en el escenario brasileño: una lectura histórica
Geise Kelly Alves de Morais*
Aparecida Favoreto**
Resumo
Na historiograa educacional brasileira, não há unidade na análise sobre a pedagogia herbartiana. Nesse senti-
do, na primeira parte deste artigo, apresenta-se como ela foi sendo referenciada de forma controversa no Brasil,
sendo ora citada como um modelo que deveria ser incorporado ao ensino, ora como exemplo de uma pedago-
gia conservadora e de um psicologismo e didatismo não recomendáveis. Diante desse impasse e observando
a complexidade do debate presente nas obras de Herbart, na segunda parte deste artigo, em uma perspectiva
histórica e dialética, procura-se analisar os fundamentos dos princípios pedagógicos herbartianos. No geral, bus-
ca-se expor o caráter histórico do debate pedagógico e, nesse sentido, destaca-se que a obra de Herbart é um
documento extraordinário para pensar a pedagogia, o qual, lido para além de sua margem, é um testemunho de
como a pedagogia representa uma tomada de posição perante o processo histórico.
Palavras-chave: historiograa educacional brasileira; pedagogia de Herbart; instrução educativa.
Abstract
In Brazilian educational historiography there is no unity in the analysis of Herbartian pedagogy. In this sense,
the rst part of this article presents how it was controversially referenced in Brazil, being sometimes cited as a
model that should be incorporated into teaching, sometimes as an example of a conservative pedagogy and a
psychologism and didacticism not recommendable. Faced with this impasse and observing the complexity of
the debate present in Herbart’s works, the second part of this article, from a historical and dialectical perspective,
seeks to analyze the foundations of Herbart’s pedagogical principles. In general, it seeks to expose the historical
character of the pedagogical debate and, in this sense, it is highlighted that Herbart’s work is an extraordinary
document for thinking about pedagogy, which, read beyond its margin, is a testimony of how the Pedagogy
represents taking a stand in the face of the historical process.
Keywords: Brazilian educational historiography; Herbart pedagogy; educational instruction.
* Mestra em Educação pela Unioeste. Especialista em Neuropedagogia pela Univale. Graduada em Pedagogia pela
Unioeste. Membro do Grupo de Pesquisa História e Historiograa na Educação da Unioeste, campus de Cascavel, PR.
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-4708-0015. E-mail: geise.morais@yahoo.com.br
** Doutora em Educação pela UFPR. Mestre em Educação pela UEM. Graduada em História pela UEM. Docente Associa-
da e Pesquisadora do Mestrado e do Doutorado em Educação e do Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual
do Oeste do Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa História e Historiograa na Educação da Unioeste, campus de
Cascavel, PR. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-3883-5604. E-mail: cidafavoreto20@gmail.com
Recebido em: 22/02/2021 – Aprovado em: 26/11/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i3.12213
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Resumen
En la historiografía educativa brasileña no hay unidad en el análisis de la pedagogía herbartiana. En este sentido,
la primera parte de este artículo presenta cómo fue referenciado polémicamente en Brasil, siendo citado a veces
como un modelo que debe incorporarse a la enseñanza, a veces como ejemplo de una pedagogía conservadora
y un psicologismo y didactismo no recomendable. Ante este impasse y observando la complejidad del debate
presente en las obras de Herbart, la segunda parte de este artículo, desde una perspectiva histórica y dialéctica,
busca analizar los fundamentos de los principios pedagógicos de Herbart. En general, se busca exponer el carác-
ter histórico del debate pedagógico y, en este sentido, se destaca que la obra de Herbart es un documento ex-
traordinario para pensar la pedagogía, que, leído más allá de su margen, es un testimonio de cómo la Pedagogía
representa posicionarse frente al proceso histórico.
Palabras clave: historiografía educativa brasileña; pedagogía de Herbart; instrucción educativa.
Introdução
A historiografia educacional brasileira, principalmente a direcionada à for-
mação inicial de professores, comumente costuma chamar a atenção para alguns
teóricos, situando-os em uma ou em outra tendência pedagógica. Se, por um lado,
isso possibilita que os estudantes se familiarizem com o debate pedagógico, por ou-
tro, conforme o lugar em que são situados, alguns teóricos são postos na berlinda,
desmotivando um estudo mais aprofundado sobre seus escritos.
Nesse sentido, cita-se Johann Friedrich Herbart (1776-1841)1, que, situado
como representante da Pedagogia Tradicional2, não tem atraído muitos estudos no
Brasil, ficando mais conhecido pelos quadros comparativos dos passos pedagógicos,
do que por suas produções. Desse modo, apesar de ser um teórico reconhecido e ci-
tado com frequência, “sempre foi lido de modo recortado, picotado [...], e por muitas
vezes, de modo parcial e equivocado” (NEITZEL, 2018, 15).
A exemplo da historiografia educacional brasileira, como veremos a seguir,
poucas vezes é diretamente citado e, quando mencionado, são observadas algumas
análises controversas. Enquanto alguns estudiosos apontam que sua pedagogia
poderia contribuir para com a educação e a sociedade3, outros afirmam ser defensor
de uma educação autoritária e de um psicologismo e didatismo não recomendáveis4.
Diante deste impasse e considerando a riqueza teórica de Herbart, na primei-
ra parte deste artigo, apresentamos como se dá a sua inserção no Brasil, em segui-
da são exibidas as linhas fundamentais de sua Instrução Educativa5. Entretanto,
longe de pretender classificar Herbart e/ou refutar ou defender seus intérpretes,
objetivamos refletir sobre o caráter histórico do debate pedagógico.
Para isto, numa perspectiva histórica e dialética, com base em alguns intér-
pretes do pensamento herbartiano no Brasil, busca-se apontar como a sua teoria
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foi adquirindo significados diferentes no decorrer do processo de constituição do
sistema educacional brasileiro. No mesmo sentido, com base nos escritos de Her-
bart e de outros estudiosos do seu pensamento, buscou-se analisar sua concepção
de Instrução. Porém, não de forma isolada, mas como uma perspectiva educacional
defendida frente aos embates sociais de uma Alemanha que transitava de um regi-
me feudal para a constituição do capitalismo.
Assim sendo, as questões aqui denominadas como sendo de Herbart e/ou de
seus intérpretes, mais do que questões de ordem individuais, normativas e/ou téc-
nicas, são vistas como tomadas de posições perante as necessidades e diversidades
do processo histórico. Para a educação, esta análise visa contribuir com a formação
de professores, visto que busca ampliar a visão sobre os debates pedagógicos.
A inserção de Herbart no debate educacional brasileiro
No final do século XIX, o Brasil passou por mudanças de grande impacto na
vida social, principalmente com a abolição dos escravizados (1888) e com a procla-
mação da I República (1889). No processo, para além da necessidade de reorgani-
zação política e econômica, em termos culturais, duas necessidades eram urgentes:
encontrar novas forças de trabalho e construir o sentimento nacional. Em ambos
os casos, a escola popular passa a ser apontada como um importante apoio na pos-
sibilidade de solução de tais necessidades, na mesma medida em que cresceram as
críticas quanto ao descaso dos governantes brasileiros com a causa educacional6.
Na urgência de buscar nova mão de obra, enquanto o Brasil não atraía imi-
grantes suficientes para o trabalho nas lavouras de café, a exemplo de Bastos
(1996, p. 273), o pensamento era “escola para todos, para o filho do negro, para o
próprio negro adulto, eis tudo! Emancipar e instruir são duas operações intima-
mente ligadas”.
A falta de instrução do povo também foi vista como uma barreira ao processo
de consolidação da nova nação7. Aproximando-se do final do século XIX, a escola
passou a ser “concebida como a instituição responsável pela formação do sentimen-
to de cidadania necessário para colocar o país rumo ao progresso e à consolidação
da democracia, nos moldes dos países civilizados” (MORMUL; MACHADO, 2011,
p. 264). Conforme Favoreto (1998, p. 4), naquele contexto, o sistema capitalista
passou “a impulsionar com mais força a produção brasileira, exigindo uma nova ci-
vilização, mais integrada ao ritmo e ao modo de produção capitalista”, o que impul-
sionou o debate sobre a necessidade de construir um sistema nacional de educação
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pública. Entretanto, se os debates se intensificaram na defesa da escola pública,
por outro lado, tal como destaca Xavier (1990), o ensino permaneceu enciclopédico
e acessível apenas a uma elite.
No final do século XIX, Rui Barbosa (1849-1923), preocupado com os rumos do
Brasil e imbuído da ideia de que a educação escolar poderia contribuir para o de-
senvolvimento do país, produziu um amplo material de análise e de projeção para
a educação brasileira. Nesse sentido, nos seus Pareceres (1882) e Annais Parlamen-
tares (1883)8, pontuou que no Brasil, além da carência de escolas e de um sistema
nacional de educação, o ensino realizado estava no limite do possível de uma nação
que se presumia livre e civilizada, pois o número de analfabetos era grande e os
poucos que tinham acesso à escola, recebiam um ensino longe do nível científico
necessário. Para ele, o ensino brasileiro, antes de “usar um método de ensinar; é
pelo contrário, o método de inabilitar para aprender” (BARBOSA, 1946, p. 33, v. X,
tomo II). Assim sendo, ainda afirmou:
Desacostumam-se, porém, de pensar, ao ponto de não discernirem, nas expressões mais
frequentes e comezinhas no uso diário das lições, o nexo que as prende aos fatos e às coisas
mais triviais e ordinárias da vida. ‘Lembro-me’, diz um grande escritor americano [Henry
George], ‘de uma menina, perfeitamente desenvolvida no estudo escolar da geografia e as-
tronomia, que ficou espantada um dia, ao saber que chão do pátio da casa de sua mãe fazia
realmente parte da superfície da terra’ (BARBOSA, 1946, p. 44, v. X, tomo II).
Esse intelectual, fundamentado nas experiências e reflexões acerca da ins-
trução que estava ocorrendo em diversos países das Américas e da Europa, buscou
analisar a situação do ensino brasileiro da época e, com base em dados e números
defendeu a necessidade de o Estado investir na oferta e na organização da educa-
ção popular.
No que se refere à pedagogia, Barbosa (1946), citando filósofos e pedagogos,
tais como Johann Fichte, Friedrich Fröbel, Johann Heinrich Pestalozzi, Herbart
Spencer, John Stuart Mill, Thomas Henry Huxley, entre muitos outros, fundamen-
tou a necessidade de reformas no ensino, inclusive como forma de elevação moral.
Nesse aspecto, baseando-se nos princípios da chamada “pedagogia contemporânea”
e/ou “método intuitivo” e as “Lições de coisas9, defendeu que deveria haver “a uni-
dade e a harmonia entre todos os conhecimentos”, bem como a “ordem a disciplina”
em todos os níveis e matérias (BARBOSA, 1946, p. 369-370, v. X, tomo II), o que,
em termos filosóficos, aproximava-se dos princípios herbartianos. Conforme expli-
cam Santos e Alves (2019, p. 282):
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[...] partir da intuição das coisas, do concreto para o abstrato do simples ao complexo, tor-
nou o método intuitivo proposto inicialmente por Pestalozzi e seguido por Herbart, uma
das metodologias mais importantes presentes nas reformas educacionais de vários países,
colocando no centro do problema pedagógico o papel do professor, do educando e da instru-
ção em sua totalidade.
No processo histórico brasileiro, a demanda por escola foi ampliada com a
chegada dos imigrantes, visto que esse anseio já fazia parte de sua cultura, além
de que era preciso avançar na construção do sentimento nacional. Nas primeiras
décadas do século XX, semelhante ao que ocorria em alguns países da América e
da Europa10, o Brasil vivia um momento de reorganização política e econômica,
influenciando o debate educacional11. Segundo Favoreto (2015, p. 76),
Naquele período, o debate educacional brasileiro se intensificou, e assim, cresceram as
defesas de formação geral e técnica, condizentes com o desenvolvimento da industrialização
e da democracia. Defendia-se também, a construção de uma política nacional de educação,
a qual, além de integrar todas as regiões em um único sistema de ensino, possibilitasse
a efetivação da educação pública e gratuita. Desse debate, vários setores da sociedade se
posicionaram. Aliás, tal período foi marcado por reformas educacionais realizadas em al-
guns Estados da União, um processo que ganhou maior vigor com a criação da Associação
Brasileira de Educação (ABE) em 1924, a qual promoveu diversas Conferências Nacionais
de Educação, que registraram importantes contribuições sobre o debate escolar e políticas
educacionais.
Nesse processo, Lourenço Filho (1897-1970), estudioso do pensamento peda-
gógico de Rui Barbosa, aproximou-se de algumas de suas perspectivas educacio-
nais. No caso, de forma semelhante, em 1929, em sua obra Introdução ao estudo da
escola nova, Lourenço Filho (1978) afirmou que a educação poderia ser promotora
da civilidade, da construção do sentimento nacional e da organização da sociedade,
ao passo em que aprofundou algumas reflexões sobre a psicologia infantil. Nisso,
Lourenço Filho (1978) apoiou-se nas discussões de Herbart e apontou a necessida-
de da psicologia na educação infantil.
José Eustáquio Romão, na introdução da obra de Hilgenheger (2010, p. 36), ao
discorrer sobre o pensamento de Herbart no Brasil, afirma que Lourenço Filho refe-
riu-se a “Herbart como ‘um grande sistematizador’ da obra de Fröbel e Pestalozzi”.
Também destaca que Lourenço Filho foi um importante divulgador do conceito de
Instrução Educativa e dos chamados passos formais. Nesse sentido, Romão (2010),
transcrevendo uma parte da obra em que Lourenço Filho cita Speyer, o apresenta
como um divulgador dos passos pedagógicos de Herbart:
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Seriam eles: o de clareza da apresentação dos elementos sensíveis de cada assunto; o de
associação; o de sistematização e. por fim, o de aplicação. No primeiro, o principal cuidado
deveria ser o de fundar o trabalho na intuição do discípulo, levado a ver, ouvir, sentir direta-
mente as realidades de seu ambiente. No segundo, o de relacionar as noções assim obtidas
com as que porventura já existissem em sua mente, desenvolvendo-lhe a capacidade a que
Herbart deu o nome de apercepção. No terceiro, dever-se-ia levar o aluno das imagens iso-
ladas à organização de conceitos, por generalização crescente. Notando por si semelhanças
e diferenças, lograria ele atingir os princípios gerais, regras, leis e definições. Por fim, seria
necessário aplicar tais conhecimentos a situações práticas. As regras de linguagem de arit-
mética ou outra disciplina qualquer, bem como as normas de boa conduta seriam ensaiadas
em casos concretos (LOURENÇO FILHO, 2002, p. 229-230 apud ROMÃO, 2010, p. 37).
Concordando com o pensamento de Herbart, Lourenço Filho (1978, p. 200)
compreendia que o espaço escolar poderia contribuir para “[...] controlar os impul-
sos da ação e, mais que isso, a das intenções, propósitos ou fins da ação, segundo
os quais a experiência individual e social logra a organização”. Ainda seguindo os
pressupostos pedagógicos herbartianos, Lourenço Filho defendeu que o ensino de-
veria se constituir pautado no interesse da criança, bem como deveria se fazer com-
preendendo as seguintes etapas: observação, associação e expressão, com destaque
aos exercícios de observação. Nesse aspecto, destacou também que a observação se-
ria a raiz daquilo que ele conhecia como Ensino Intuitivo. Assim, o autor esclarece:
Os exercícios de observação são para mim o meio de pôr em movimento as demais ativida-
des mentais; formam a base racional de todos os exercícios. Compreende tudo que tenho por
fim pôr diretamente a criança em contato com os objetos, os seres, os fenômenos, os acon-
tecimentos. As lições chamadas de coisas são as que mais se aproximam desses exercícios.
Contudo, preferimos o termo observação, porque mais significativo da operação mental que
desejamos favorecer. (LOURENÇO FILHO, 1978, p. 193).
Entretanto, com o desenvolvimento do debate escolanovista, tal como ficou
conhecido no Brasil, as discussões educacionais de Herbart foram sendo substituí-
das, principalmente pelos princípios pedagógicos de Dewey (1859-1952), o qual se
posicionou criticamente contra a chamada Escola Tradicional.
Segundo Neitzel (2018), Dewey, antes de opor-se a Herbart, em dado momento
teve proximidade com o seu pensamento, tanto que reconheceu alguns de seus
méritos. Como exemplo, cita a negação da existência das faculdades inatas, a in-
serção da Psicologia no processo educativo e, principalmente, o mérito de Herbart
ter inovado o processo de ensino, tornando-o algo consciente e planejado, frente aos
métodos do treino, baseados no acaso.
Contudo, Gomes (2003) adverte que o formalismo e a rigidez da pedagogia
herbartiana foram alguns dos motivos que atraíram críticas. Nesse sentido, escre-
ve que “esse formalismo e essa rigidez explicam, ao menos em parte, os ataques
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que lhe dirigiam um John Dewey – que, aliás, durante algum tempo, pertenceu a
grupos herbartianos” (GOMES, 2003, p. XXV). De fato, apesar de Dewey (1979) ter
reconhecido os méritos da pedagogia herbartiana, ele destacou alguns problemas.
Assim, ao discorrer sobre a educação conservadora e a progressista, apontou que a
pedagogia herbartiana se centrava em um movimento educativo que viria de fora
para dentro, focando em uma direção e uma combinação da apresentação do mate-
rial educativo, acreditando que com isso pudesse despertar arranjos e reações no
educando. Dewey (1979, p. 77) também criticou a perspectiva educativa que focava
“no dever do professor em instruir”, sendo “quase silenciosa sobre seu privilégio
de aprender”. Para o filósofo norte-americano, Herbart não dava o devido apreço à
participação, às atitudes e às disposições inconscientes do educando, mas insistia
no ensino de “coisas anteriores, sobre o passado” (DEWEY, 1979, p. 77). Ainda
salientou que a pedagogia herbartiana se atinha na “formação de atividades”, não
observando que estas eram apenas meios educativos e, logo em seguida, comple-
menta que a educação seria “um processo de reconstrução e de reorganização” (DE-
WEY, 1979, p. 78).
Entretanto, apesar das críticas ao formalismo herbartiano, com base em Neit-
zel (2018, p. 123), destaca-se que é muito difícil saber de quanto desse “formalismo
realmente é pensamento de Herbart e quanto é uma interpretação das correntes
que se seguiram a ele”12. Neste sentido, independente do fundamento da crítica, ad-
verte-se que, de modo geral, a pedagogia herbartiana passou a ser mais lembrada
pelo modo extremamente formal, cientificista e logicista do que pela sua contribui-
ção com a educação de sua época.
A propósito de tais críticas, vale lembrar que no Brasil, na medida em que
o movimento escolanovista se posicionou contra a herança da cultura jesuítica e
o ensino baseado na repetição de generalizações, a condenação de Dewey (1979)
à escola tradicional e às críticas de Durkheim (2012) à concepção educacional de
Herbart13, traduziram-se em um distanciamento da pedagogia herbartiana. Nesse
caso, a psicologia herbartiana foi deixando de ser referenciada como inovadora,
bem como sua defesa da instrução dos conceitos científicos e da formação do dever
ético, foi sendo substituída pela defesa da ciência experimental e da formação de
uma atitude experimental e participativa.
Anísio Teixeira (1900-1971), um dos maiores defensores da pedagogia de De-
wey no Brasil, sem se referir a Herbart, ao escrever, em 1935, a Educação para
a democracia, pontuou com firmeza que a nova situação social exigia um intenso
movimento de reajuste educativo. Desse modo, criticando a lógica puramente de-
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dutiva, bem como os princípios evolutivos da natureza humana de Spencer e os fins
educacionais baseados em um ideal rígido de moral, escreveu que a educação não
poderia ser “simplesmente preparação para a vida, mas a própria vida em perma-
nente desenvolvimento” (TEIXEIRA, 1997, p. 89).
Entretanto, sem desconsiderar o valor do embate educacional promovido pelos
precursores do escolanovismo, é necessário ressaltar que eles, ao exaltarem a pe-
dagogia experimental em contraposição ao “formalismo” e “rigidez” da Pedagogia
Tradicional, induziram a historiografia ao esquecimento sobre o quanto as duas
teorias possuem proximidades. Conforme o comentário de Neitzel (2018, p. 123),
Vale sinalizar também para a proximidade das duas teorias, tanto a progressiva como a
proposta de instrução-educativa de Herbart, sendo que ambas consideram a experiência
sensível e empírica como ponto de partida, mas ambas exigem uma dose de formalismo,
organização e sistematização.
No Brasil, na medida em que o debate educacional foi se constituindo, diver-
sos estudiosos brasileiros, propondo esclarecer as distinções entre as principais
correntes pedagógicas, elaboraram e divulgaram um quadro comparativo entre as
tendências. Por exemplo, Libâneo (2002), Saviani (2012), Ghiraldelli Jr. (2006),
entre outros, remetem o método pedagógico de Herbart aos cinco passos formais14
da Pedagogia Tradicional. Nesse sentido, cita-se Ghiraldelli Jr. (2006, p. 20, grifos
nossos):
O processo de ensino a aula —, derivado de uma didática herbartiana, seguiria cinco pas-
sos: preparação, apresentação, associação, generalização e aplicação. A aula começa, então,
com o professor recordando o assunto da aula anterior (preparação). O assunto antes
exposto deve encaminhar para a necessidade de novos estudos, o que convoca a nova lição
(apresentação). Baseando-se em analogia, o professor recorre aos procedimentos utili-
zados na resolução dos problemas da lição anterior para solucionar os novos problemas
(associação). Em seguida, mostra como as regras recém aprendidas podem servir para
diversos casos (generalização). Por fim, coloca os alunos no trabalho de resolução de pro-
blemas semelhantes ao da aula dada (aplicação), inclusive com o objetivo de verificar o
conhecimento aprendido.
Todavia, outros autores têm apontado a necessidade de retomar a leitura das
obras de Herbart. Desse modo, influenciados teoricamente ou pelo contexto atual
que força repensar as doutrinas pedagógicas15, mesmo que timidamente, Herbart
tem sido retomado nas pesquisas acadêmicas. Nesse aspecto, cita-se o estudo de
Zanatta (2012, p. 112), a qual reconhece o pioneirismo do pedagogo alemão ao
propor a Pedagogia como uma área do saber “com fins e método de ensino bem
definidos”.
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Favoreto e Galter (2018), na esteira do debate sobre os fundamentos da peda-
gogia, voltam-se para Herbart no intuito de compreender como ele pensou a edu-
cação de acordo com os problemas sociais de sua época. Nesse aspecto, destacam
como o pedagogo alemão se baseou na psicologia para buscar uma instrução para
promover o esforço do aluno, ao passo que buscou na filosofia os fins educacionais,
objetivando, assim, desenvolver adultos com autodisciplina, livre arbítrio e senti-
mento de dever. Para as autoras, estes propósitos de Herbart correspondiam aos
valores divulgados pela sociedade capitalista, atendendo ao interesse em formar
os jovens para os princípios burgueses que se consolidavam na época. Analisando
Herbart em relação ao contexto histórico da época, as autoras afirmam:
[...] em contraposição à historiografia que pontua Herbart como defensor de uma pedagogia
autoritária, conservadora, disciplinar, grifa-se que ele apresentou uma perspectiva educa-
cional que buscava responder aos anseios da sociedade capitalista que se configura como a
nova ordem mundial (FAVORETO; GALTER, 2018, p. 141).
Neitzel (2018, p. 141), ao buscar compreender a sua teoria herbartiana sobre
a Instrução Educativa, ressalta que a sua proposta educacional tem por finalidade
a moralidade, sendo que “esse fim está presente na multiplicidade de interesses e é
comum a todos os sujeitos”. Também aponta a importância do pensamento de Her-
bart para educação, principalmente no que se refere à sua perspectiva de formar
indivíduos mais ativos e autônomos.
Engajado na desconstrução de ser Herbart um exemplar da Pedagogia Tra-
dicional, Cláudio A. Dalbosco (2018, p. 2) tem procurado desmistificar o que a
história da pedagogia convencionou caracterizá-lo como “conservador, que teria
menosprezado, em nome da defesa intransigente dos conteúdos e do papel diretivo
do professor, a posição ativa do aluno no processo de ensino-aprendizagem”. Nesse
intento, busca apresentá-lo como “precursor moderno dos métodos ativos sem que
com isso tenha destituído a autoridade legítima do educador, como diretor intelec-
tual, do processo pedagógico” (DALBOSCO, 2018, p. 3). O mesmo autor afirma que
Herbart buscou:
Propiciar que o aluno faça os próprios aprofundamentos e que passe deles à reflexão é um
dos principais desafios metodológicos do ensino. Desse modo, aprofundamento e reflexão
estão na base da formação intelectual múltipla, pois estimulam o professor e aluno a des-
cobrirem suas disposições (capacidades), desenvolvendo-as nas mais diferentes direções
(DALBOSCO, 2018, p. 13).
Contrapondo-se às teses que afiançam que a pedagogia herbartiana é auto-
ritária, o autor supracitado afirma que a teoria pedagógica de Herbart objetiva
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colocar o educando “em posição ativa, mantendo a centralidade formadora do edu-
cador” (DALBOSCO, 2018, p. 3). Nesse mesmo sentido, ainda destaca que a trí-
plice ação pedagógica (ação de governo, ensino e disciplina) defendida por ele não
seria limitadora. Ao contrário, seu sistema educacional almejava uma formação
múltipla, tanto no sentido de criar disposição para aprender quanto fornecendo
os conhecimentos necessários para compreender as coisas e preparar para a vida.
Pressupostos gerais da pedagogia herbartiana
No que se refere às reflexões educacionais de Herbart, é importante men-
cionarmos que elas foram sendo constituídas paulatinamente, por intermédio de
um conjunto de aproximações e distanciamento de outros teóricos. Com base em
Hilgenheger (2010), destaca-se que Fichte (1762-1814), professor de Herbart na
Universidade de Iena, foi inspirador na constituição do seu “rigor intelectual” e na
configuração das suas reflexões, ou seja, pela “forma de deduções”. Porém, logo em
seguida, acabou se distanciando da “‘teoria da ciência’ e da filosofia prática de seu
mestre”, resguardando dele a crítica ao “pensamento idealista”, o que lhe possibili-
tou desenvolver “sua própria filosofia realista” (HILGENHEGER, 2010, p. 12). Do
mesmo modo, em um conjunto de estudos sobre a metafísica, a lógica matemática e
a psicologia, Herbart foi adquirindo autonomia intelectual e produzindo sua teoria.
Nas palavras de Hilgenheger (2010, p. 12):
Em sua metafísica, Herbart retoma a doutrina das mônadas de Gottfried Willhelm Leib-
niz. Levando em consideração os problemas levantados por Immanuel Kant na Crítica da
razão pura, Herbart busca em suas deduções metafísicas apreender o real pelos conceitos.
A metafísica de Herbart compreende, especialmente, uma psicologia minuciosamente ela-
borada, que se tornou um marco na história desta disciplina. Herbart foi o primeiro a uti-
lizar com uma lógica implacável os métodos do cálculo infinitesimal moderno para resolver
problemas da pesquisa filosófica. Segundo ele, a psicologia tem suas raízes na experiência,
na metafísica e nas matemáticas.
Seguindo os princípios neo-humanistas16 de Kant, Herbart herdou o ideal de
ética e de Schiller o ideal de uma formação “intelectual, ética e estética”, esta-
belecendo uma relação entre a moral social e o processo cognitivo desenvolvido
pela escola. Já baseado na racionalidade filosófica de Fichte, defendeu que seria
fundamental a constituição de um processo educativo, de modo a experienciar a
essência das coisas por intermédio da aproximação do sujeito com o objeto (PATRÍ-
CIO, 2003, p. VIII).
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No que se refere ao seu pensamento pedagógico, as suas experiências como
preceptor na Suíça permitiram-lhe aproximar seus estudos filosóficos com a educa-
ção, em especial com “suas teorias psicológicas e éticas” (EBY, 1976, p. 409). Nesse
mesmo sentido, sua amizade com Pestalozzi (1746-1827)17 foi um fator importante,
pois contribuiu com o avanço na sistematização de sua teoria pedagógica.
Ainda sobre o processo de constituição de sua teoria, é necessário considerar
o contexto histórico-social alemão vivido por ele, o qual, segundo Zanatta (2012),
tinha um povo que considerava a educação um elemento essencial na constituição
da nação e do cidadão alemão. Nessa perspectiva, mesmo estando a Alemanha
aquém no processo de constituição do Estado moderno18, em termos educacionais,
as discussões aproximavam-se das ocorridas na Europa Ocidental.
A esse ideal intelectual acrescentam-se o crescimento do pensamento protestan-
te, as invasões napoleônicas (1804-1815) e os primeiros sinais de desenvolvimento da
indústria, que, de forma diversa, impuseram a necessidade dos povos germânicos se
unificarem em uma nova ética social19. Desse modo, não se tratava apenas de uma
nova força unificadora, mas todo um modelo de vida social estava em transição.
Nos decênios que se seguiram à Revolução Francesa, os povos germânicos ne-
cessitaram de uma nova formação que atendesse às exigências da vida moderna.
Nesse aspecto, não poderiam se manter distribuídos em feudos isolados, mas ne-
cessitavam estar interligados em uma nova consciência e comportamento. Para
tanto, a escolarização foi pensada como elemento social que poderia associar o co-
nhecimento científico à autonomia e ao dever ético (KITCHEN, 2013; FAVORETO;
GALTER, 2018).
Naquele contexto, Herbart dedicou-se ao estudo de um projeto educacional.
Ele acreditava que a educação poderia contribuir de maneira útil no desenvolvi-
mento de cada um, possibilitando constituir um comportamento ético, ou seja, uma
nova “força moral do caráter”. Conhecendo o debate filosófico em torno da questão
educacional, Herbart avança trazendo as contribuições da psicologia na condução
pedagógica. Assim, aponta como a educação poderia mudar o indivíduo. Aliando os
princípios da filosofia (ética) aos da psicologia20, ele compõe os princípios da peda-
gogia. Conforme ressalta Patrício (2003, p. VI), no antelóquio da obra Pedagogia
geral de Herbart:
A psicologia dá-nos o homem no seu ser; a ética dá-no-lo no seu dever – ser. Assente na
psicologia – que lhe dá o que é – e com os olhos colocados na ética – que lhe dá o ideal do
homem –, à pedagogia cumpre realizar o itinerário da educação, ou seja, do aperfeiçoamen-
to moral do homem.
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Disso resultou a inserção da sistematização consciente da pedagogia, bem
como determinou o rigor quanto aos “meios” (psicologia) e aos “fins” (filosofia ética)
da educação. Então, para Herbart, a arte de educar deveria ser ancorada pela ciên-
cia, de modo que o educador tivesse um guia seguro no instruir e no educar. Nesse
sentido, escreveu Herbart (2003, p. 16, grifo do autor):
A Pedagogia é a ciência que o educador necessita para si. Deve, no entanto, possuir também a
ciência para a comunicar. E, devo confessá-lo aqui, não posso conceber a educação sem instru-
ção e, inversamente, não reconheço, ao menos nesta obra, instrução alguma que não eduque.
E acrescentou afirmando que, “para a educação através da instrução, exigi
ciência e capacidade intelectual tais, que sejam capazes de considerar e de repre-
sentar a realidade próxima como um fragmento do grande todo” (HERBART, 2003,
p. 19, grifo do autor).
Não obstante, para Herbart (2003, p. 14-15), o educador deveria ter “ciência e
capacidade intelectual”, de modo que “a primeira ciência do educador seria a psi-
cologia”, meio pelo qual se compreenderia “as emoções humanas”. Nesse sentido,
o “indivíduo só pode ser encontrado, jamais inferido”. Então, a psicologia e a ética
convergir-se-iam para um ponto único, ou seja, a Instrução Educativa. Tal como
afirmou Hilgenheger (2010, p. 18), para Herbart, a educação só seria “possível
como formação de um espírito passível de ser formado, ou seja, por meio de uma
instrução adequada”.
Assim, Herbart postulou que o ato de educar e instruir se constituiriam por
três ações pedagógicas: o governo, a instrução e a disciplina, que, de forma
distinta e combinada, perpassariam pelos três pilares da educação: “o liceu (giná-
sio), a escola primária superior (chamada também de escola principal) e a escola
elementar (também chamada pequena escola)”, os quais contribuiriam para a ma-
nutenção “de um sistema unificado porque em cada um dos três ramos se pratica a
instrução educativa” (HILGENHEGER, 2010, p. 28).
No que se refere ao governo, a primeira ação pedagógica e predominante
na primeira infância se faria pela coerção externa, em que o adulto, certo dos fins
educacionais e da capacidade do educando, “através do poder” e de um poder “su-
ficientemente forte” e por “repetidas vezes”, tanto quanto “forem necessárias”,
formariam a criança antes que se manifestasse nela “os traços de uma vontade
própria”, preparando-a para a instrução (HERBART, 2003, p. 30-31).
A instrução cuidaria do alargamento do círculo de ideias e de interesses,
fornecendo os conhecimentos e os conceitos necessários para formar as habilida-
des necessárias no exercício das funções. A instrução, por intermédio das repre-
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sentações estéticas, literárias e mais os conhecimentos matemáticos e científicos,
possibilitaria a compreensão do mundo e dos homens, transmitindo novos conheci-
mentos, aperfeiçoando “aptidões preexistentes” e fazendo “despontar capacidades
úteis” (HILGENHEGER, 2010, p. 14).
A disciplina, com base nas experiências anteriores, buscaria a autodisciplina,
tornando o educando capaz de agir com autonomia e ética. Assim, atuaria “sobre
a alma da juventude com a intenção de formar” e atribuir “realidade a conceitos
construídos logicamente a partir de características” (HERBART, 2003, p. 180-181).
Por intermédio desse conjunto de elementos, sem distinguir instrução de edu-
cação, Herbart acreditava que poderia realizar a educação geral. Para ele, por vá-
rios arranjos e conteúdos, paulatinamente, seria possível desenvolver a atenção, a
memória, os pensamentos, a percepção, a capacidade de estabelecer relações e até
os sentimentos e os comportamentos dos educandos. Desse modo, o referido teórico
buscava contribuir com “a formação harmônica de todas as potencialidades”, de
modo a preparar os homens para viverem harmoniosamente em uma sociedade
que já apresentava uma “multiplicidade de interesse” em meio a uma “multiplici-
dade de ocupações” (HERBART, 2003, p. 47-48). Assim, tal como afirmou Hilgenhe-
ger (2010, p. 14), “nasce um novo paradigma do pensamento e da ação pedagógica”.
De forma geral, pode-se afirmar que a Instrução Educativa de Herbart con-
grega um amplo plano de educação, o qual pressupunha que, por intermédio de
sucessivas situações previamente organizadas pelo educador, poderia fortalecer a
inteligência, formar a vontade21 e o caráter22 do educando. Desde modo, por inter-
médio de sua pedagogia, Herbart acreditava que poderia formar a moral. Segundo
Hilgenheger (2010, p. 19), para o pedagogo alemão,
A instrução visa, antes de tudo, a fazer convenientemente ‘compreender’ o mundo e os
homens. Esta ‘compreensão do mundo’ guiada pelo ensino, no entanto, não serve apenas à
transmissão de conhecimentos e à formação de aptidões e qualificações; ela está, priorita-
riamente, a serviço da ‘tomada de consciência moral’ e do ‘reforço do caráter’. Pela instrução
se exerce uma influência na formação do caráter.
Concebendo uma inseparabilidade entre instrução e educação, Herbart tam-
bém engendra uma inseparabilidade entre educação e a metodologia da instrução.
Em suas palavras,
A reflexão, quando passiva, percebe as relações das várias coisas entre si. Vê também cada
coisa como elo das relações no seu devido lugar. A ordem exata de uma reflexão rica tem o
nome de sistema. Não pode, porém, haver sistema, nem ordem, nem relação, sem clareza
de cada elemento, uma vez que a relação não consiste na mistura, existindo apenas entre
os elos isolados e de novo ligados (HERBART, 2003, p. 66, grifo do autor).
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Nesse sentido, para ele, a educação não poderia se constituir por tradição ou
por acasos, mas o educador deveria dominar “metodicamente o próprio pensamen-
to” (HERBART, 2003, p. 66). Igualmente, o educador deveria estar atento ao ato
educativo, de modo a perceber cada elemento e os elos de interação entre eles.
Assim, entendendo a educação como um sistema, adverte que o educador deveria
planejar e executar sua ação, tendo em consideração o desenvolvimento do educan-
do e os propósitos finais da formação.
Desse modo, tal como esclarece Hilgenheger (2010, p. 20), a Instrução Educa-
tiva de Herbart se fundamentava na “doutrina psicológica do Interesse”. Ou seja,
o interesse seria fundamental para o bom êxito da educação, pois, pelo interesse,
criaria “as primeiras ligações entre o sujeito e o objeto e determina, assim, o ‘hori-
zonte’ do homem como campo daquilo que ele percebe ou não do mundo” (HILGE-
NHEGER, 2010, p. 20). Destarte, o interesse seria a força motriz na instrução, po-
rém, não poderia ser confundido como algo que se deseja. Segundo Herbart (2003,
p. 69, grifos do autor),
O objeto do interesse nunca se pode identificar com o que é desejado, porque o desejo (ao
querer apropriar-se de algo) aspira algo de futuro que ainda não possui. O interesse, pelo
contrário, desenvolve-se com a observação e prende-se ao presente observado. O interesse
só transcende a simples percepção, pelo fato de nele a coisa observada conquistar de prefe-
rência o espírito e se impor mediante uma certa causalidade entre as outras representações.
Para o referido teórico, nenhum desejo momentâneo deveria ocupar toda a
alma, mas a educação deveria tratar de um interesse social, ou seja, deveria voltar-
-se para a formação do caráter do ser humano que se relaciona com outros huma-
nos. Nesse mesmo aspecto, pressupondo que o interesse individual é mais irregular
e inconsistente, afirmou que a instrução educativa deveria assentar na “multiplici-
dade” de interesses, visto que, em longo prazo, apresenta maior consistência e har-
monia. Em outros termos, afirma que “existem muitas individualidades. A ideia de
multiplicidade é apenas uma” e nela estão contidas as individualidades e por ela
se pode medir as individualidades (HERBART, 2003, p. 58 apud HILGENHEGER,
2010, p. 94). Nesse sentido, no processo educativo,
O interesse parte de objetos e de ocupações interessantes. É da riqueza destes que re-
sulta o interesse múltiplo. Criá-lo e apresenta-lo devidamente é questão do ensino, que
apenas continua e completa o trabalho prévio resultante da experiência e das relações
(HERBART, 2003, p. 59, grifos do autor).
No caso, as representações23, fruto da doutrina psicológica do interesse, sur-
gem como mecanismos de desenvolvimento das potencialidades do educando. Nessa
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lógica, caberia ao educador no exercício da instrução educativa, apoiando-se nas
representações que já foram “trazidas à consciência” do educando, avançar do senso
comum ao conhecimento científico. Tal ação, por sua vez, desencadeia o que Herbart
denomina de massa perceptiva, ou seja, “a realidade psíquica do ser humano, um
agregado estruturado e vivo de representações” (PATRÍCIO, 2003, p. IX).
De fato, o projeto pedagógico de Herbart inovou ao instituir a pedagogia como
área do saber. Conforme argumenta Neitzel (2015, p. 130), Herbart, ao amparar
sua pedagogia nas áreas complementares da ética e da psicologia, solidificou sua
defesa que “o fim da educação é a formação do caráter dos sujeitos” e que se faz
necessário “considerar os processos psicológicos de constituição de si”.
Para Favoreto e Galter (2018, p. 134), de forma distinta e sucessiva, Herbart
entendia a instrução educativa como um processo, por intermédio do qual “o ensino
progrediria do descritivo para o analítico e sintético, os quais se combinariam e
se fortificariam”. Para tanto, se iniciaria com as experiências sensoriais e, pau-
latinamente, de forma consciente, o educador conduziria a criança no desenvol-
vimento da capacidade de “abstrair, fazer generalizações e dominar os conceitos
que resistiram à prova do tempo”. Igualmente, seriam multiplicados os interesses,
a capacidade de compreender as coisas e de estabelecer relações. Nesse processo,
não só seriam ampliados os conhecimentos, mas também seriam formados adultos
com livre-arbítrio, ou seja, com autonomia e responsabilidade ética. Desse modo,
a educação poderia levar o educando a “aprender para a vida e não para a escola”
(HERBART, 2003, p. 137). Nesse caso, o ensino poderia formar indivíduos capazes
de se posicionarem de acordo com as novas exigências que estavam surgindo com o
crescimento da industrialização e formação do Estado moderno.
Considerações nais
Antes de chegar a qualquer afirmação conclusiva sobre Herbart e/ou sobre as
interpretações historiográficas, destacamos que as controvérsias da historiografia
educacional brasileira em torno de sua pedagogia expressam influências do pro-
cesso histórico. No caso, diante do crescimento das análises escolanovistas e suas
críticas ao formalismo e rigidez do Ensino Tradicional, Herbart não recebeu devida
atenção, sendo mais conhecido pelos cinco passos formais que foram atribuídos à
sua autoria.
Entretanto, ao ler sua obra, verifica-se uma imensa riqueza teórica em suas
ponderações sobre a pedagogia e sua função perante a sociedade. Herbart inseriu
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a educação escolar em um lugar de destaque e de forma magistral marcou o valor
da Pedagogia como ciência, inclusive apontando-a como meio adequado na forma-
ção geral do educando. Nessa perspectiva, também pensou a Instrução Educativa
como fim educacional necessário na condução social daquele período de transição
histórica. Cabe registrar que, vivendo um momento conturbado da história alemã,
Herbart produziu um projeto pedagógico fundamentado em um duplo alicerce, o da
ética e da psicologia e, a esse respeito, pensou a educação em relação à transforma-
ção social e ao desenvolvimento do indivíduo.
Assim, distinguir Herbart apenas pelos passos formais da Pedagogia Tradicio-
nal ou, de forma mais geral, estudar a pedagogia pelos rótulos pedagógicos, mesmo
que seja esclarecedor no primeiro momento, não contribui para compreender o sig-
nificado do debate pedagógico. É necessário ir além. No caso, o que distingui Her-
bart e faz dele um clássico é o fato de perceber a crise social do momento e trazer o
problema para o debate educacional. Desse modo, relacionado àquele contexto, ele
tomou uma posição, principalmente ao levar às últimas consequências sua ideia de
Instrução Educativa. Nesse sentido, destaca-se a sua defesa em formar indivíduos
mais éticos e autônomos, atendendo às novas necessidades que se despontavam
com o desenvolvimento do capitalismo na Europa.
Por fim, destaca-se que é preciso retomar sua obra, pois a sua luta e a defesa
da Instrução educativa muito nos ensinam.
Notas
1 Herbart nasceu em Oldenburg, Alemanha. O pai era advogado e a mãe se destacava na cultura literária,
sendo ela a sua educadora até os 12 anos. Ele estudou filosofia e educação na universidade de Iena e de-
senvolveu atividades de preceptor na Suíça e na Alemanha. Sobre a vida e formação de Herbart, consultar:
Herbart (2003) e Hilgenheger (2010).
2 Dentro do verbete elaborado por Dermeval Saviani (2006, não paginado), “a denominação ‘concepção pe-
dagógica tradicional’ ou ‘pedagogia tradicional’ foi introduzida no final do século XIX com o advento do
movimento renovador que, para marcar a novidade das propostas que começaram a ser veiculadas, clas-
sificaram como ‘tradicional’ a concepção até então dominante”. Para Saviani (2012), no decorrer de sua
existência, a Pedagogia Tradicional acumulou muitas críticas, principalmente por centrar o ensino no pro-
fessor, que por meio de um método expositivo transmite o conteúdo e valores acumulados pela sociedade.
Grifa também que sua “matriz teórica pode ser identificada nos cinco passos formais de Herbart” (2012, p.
42-43). Para maiores análises sobre a Pedagogia Tradicional e a pedagogia herbartiana, consultar: Libâ-
neo (1987), Ghiraldelli Jr. (2006), Hilgenheger (2010) e Zanatta (2012).
3 Sem especificar as distinções nas formas de análises, quanto às possíveis contribuições e inovação da edu-
cação preconizada por Herbart, pode-se citar: Lourenço Filho (1978), Dalbosco (2018), Favoreto e Galter
(2018), Neitzel (2018) e Zanatta (2012).
4 Sobre as críticas dirigidas ao psicologismo e didatismo de Herbart, consultar: Libâneo (1987), Saviani
(2012), entre outros.
5 Para expor a instrução educativa de Herbart, para além de contar com as análises de alguns de seus in-
térpretes, neste artigo, foca-se em duas de suas obras: Pedagogia geral (2003), publicada em Portugal pela
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fundação Calouste Gulbenkian; e uma antologia organizada por Norbert Hilgenheger, a qual foi traduzida
por José Eustáquio Romão e publicada no Brasil em 2010.
6 Com base em Alves (2001), destaca-se que já no final do século XIX, muitos países da Europa e alguns da
América, principalmente naqueles que a industrialização estava mais desenvolvida, a defesa da escola
pública crescia no poder público. No Brasil, conforme afirma Favoreto (1998), diversos intelectuais defen-
deram que a escola pública seria necessária para formar o novo quadro de trabalhadores e adequar o povo
a nova ordem política.
7 Diante da herança social deixada com a invasão das terras indígenas, escravização dos povos africanos e
indígenas, necessidades criadas com a Proclamação da República e com a crise do liberalismo internacio-
nal, a formação da consciência nacional foi anunciada, segundo Abud (1998), como um problema educacio-
nal, o qual tinha como interesse manter a unidade nacional e a ordem social da elite.
8 Para maiores informações sobre os Pareceres e Annais Parlamentares, consultar Barbosa (1946) e Macha-
do (2010).
9 “Lição de coisas”, base do método intuitivo preconizado por Pestalozzi (1746-1827), caracterizava-se “por
oferecer dados sensíveis à observação, indo do particular ao geral”, do racional ao abstrato (ZANATTA,
2012, p. 107). Foi justamente, quando teve acesso ao manual “Lições de Coisas” (1861), de autoria de
Norman Alisson Calkins, que Rui Barbosa aproximou-se e interessou-se por este método, o qual naquele
contexto revolucionou a educação e os currículos de diversos países. A tradução e publicação do referido
manual foram realizadas por Rui Barbosa em 1883 e 1886, respectivamente. Sobre o tema, consultar:
Zanatta (2012) e Santos e Alves (2019).
10 Segundo Favoreto (2015), no início do século XX, o mundo foi marcado por alguns acontecimentos signifi-
cativos, entre os quais, destacando-se a Primeira Guerra Mundial e o prenúncio de uma Segunda; a queda
da bolsa de Nova York; a Revolução Operária na Rússia; o crescimento do sistema de comunicação (rádio,
telefone, automóvel e o avião) e a implementação do trabalho racional, de forma diversa, contribuíram
para aumentar a crença nos poderes da ciência e do Estado na intervenção econômica e na centralização
educacional.
11 No Brasil, juntamente com os inúmeros acontecimentos interacionais, outros específicos marcaram a épo-
ca, tais como: a crise da economia cafeeira; fim da “política café com leite”; constituição do Estado Novo;
imigração e crescimento urbano/industrial e dos Movimentos Sociais, que aceleraram a reorganização
política e econômica, bem como o processo de discussões sobre a reforma educacional. Sobre isso, consultar
Favoreto (2015).
12 Mesmo após sua morte, Herbart e o herbartismo tiveram adeptos e simpatizantes em muitos países além
da própria Alemanha. Sobre as especificidades destes grupos, consultar o prefácio à edição portuguesa da
obra Pedagogia geral (GOMES, 2003).
13 A crítica de Durkheim (2012) à educação herbartiana se fundamenta na hipótese de que sua proposta
buscava mais desenvolver a moral individual do que a sociedade.
14 Wilhem Rein (1847-1929), nome pertencente ao grupo de neo-herbartianos, foi quem introduziu algumas
modificações no sistema herbartiano, especificamente nas etapas da instrução, comumente propagadas pela
historiografia educacional brasileira como os cinco passos formais, mas que originalmente Herbart as orga-
nizou em dois momentos que se desdobram em quatro etapas. O primeiro momento, nomeado de “aprofunda-
mento”, desdobra-se nas etapas de “clareza” e “associação”. O segundo, nomeado de “reflexão”, perpassa pela
etapa do “sistema” e “método”. Para mais informações, consultar: Larroyo (1974) e Herbart (2003).
15 Os números de matrículas e de anos em que os alunos permanecem no ensino têm crescido no Brasil,
entretanto, os resultados atingidos nos sistemas de avaliações mostram que o rendimento dos alunos tem
sido baixo, trazendo à tona discussões sobre o currículo, as políticas públicas e a pedagogia, inclusive sobre
a ação reflexiva e a disciplina escolar. Para ampliar as discussões, consultar: Dalbosco (2018) e Favoreto,
Figueiredo e Deitos (2019).
16 O neo-humanismo caracteriza-se, principalmente, por pensar na formação humana (educação geral) com o
objetivo de “propiciar o desenvolvimento de todas as disposições (capacidades) humanas nas mais diferen-
tes direções” (DALBOSCO, 2018, p. 1132). Segundo Hilgenheger (2010), Herbart partilha deste princípio
como resultado da apropriação das ideias de Rousseau (1712-1778) e, principalmente, Immanuel Kant
(1724-1804).
17 O pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi, autor da pedagogia intuitiva fundamentada na psicologia
sensualista, afirmou que a vida mental se estrutura pautada nos sentidos, ou, valendo-se do concreto. De
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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acordo com Patrício (2003, p. VIII), no antelóquio da obra Pedagogia geral, “o destino dominantemente
pedagógico” de Herbart, “deve relacionar-se com o seu encontro com Pestalozzi, na Suíça”.
18 Próximo ao início do século XIX, o declínio do Antigo Regime e o advento do desenvolvimento Industrial
eram realidades em países como a França e a Inglaterra, contudo, na Alemanha os passos eram mais
lentos. No final do século XIX, a Alemanha ainda era “organizada por diversos e fragmentados principa-
dos e reinados com destaques à Prússia e a Áustria”. Seu “processo de unificação foi lento e difícil. Entre
diversos acordos e desacordos, por uma manobra da elite política, em que, cita-se o papel importante de
Otto Von Bismarck (1815-1898), a unificação do Estado Nacional Alemão foi formalizada em 1871” (FAVO-
RETO; GALTER, 2018, p. 132).
19 Segundo Favoreto e Galter (2018, p. 132), na época, para além das contradições impostas pelo declínio
do Antigo Regime e constituição de um Novo, os povos germânicos também conviviam com as invasões
napoleônicas e os crescentes “protestos contra a Igreja Católica”, principalmente por intermédio das ideias
de Lutero (1483-1546). Com as reformas protestantes, a Igreja Católica passou a perder “seu poder centra-
lizador” e logo, as relações sociais tornaram-se mais individualistas, “pondo em risco os ideais de unidade
nacional”.
20 Sobre a psicologia, a posição metafísica de Herbart radica-o na corrente do associacionismo de David
Hume. A psicologia herbartiana é algo como uma física do mundo da psique. Para mais informações, con-
sultar Herbart (2003) e Hilgenheger (2010).
21 De acordo com Herbart (2003, p. 145), a “vontade” é definida “como sede do caráter”, assemelhando-se a
um ideal constante. Para ele, a vontade se diferencia do desejo que se caracteriza como impulsos constituí-
dos pelo humor.
22 Herbart (2003, p. 145) designa por caráter o modo de decisão do sujeito. Ou seja, “aquilo que o homem quer,
comparado com o que não quer”. Sendo assim, “o caráter é a forma da vontade e, só pode ser compreendido
no contraste entre aquilo que ele decide e o que exclui”.
23 Conforme Favoreto e Galter (2018, p. 134), as representações consistem em objetos de pensamento que, ao
serem percebidos e trazidos à consciência, “poderiam contribuir para que o indivíduo pudesse interpretar
melhor seu mundo real, de modo a direcionar sua conduta para a vida social”. Neitzel (2020, p. 189) afirma
que as representações correspondem ao processo no qual a mente do indivíduo “estabelece certas diretrizes
e pressupostos que se tornam o equipamento pelo qual o sujeito faz a leitura da realidade e busca avaliar
o que é crível”.
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