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A vida e a obra de Johann Friedrich Herbart numa nova perspectiva
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 28, n. 3, Passo Fundo, p. 855-876, set./dez. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A vida e a obra de Johann Friedrich Herbart numa nova perspectiva1
La vida y el trabajo del Johann Friedrich Herbart en una nueva perspectiva
The life and work of Johann Friedrich Herbart in a new perspective
Hans-Jürgen Lorenz*
Resumo
O presente trabalho é uma revisão bibliográca e documental de cunho analítico e hermenêutico. Com base em
registros e documentos, o texto pretende reapresentar o lósofo e educador alemão Johann Friedrich Herbart a
partir de um outro olhar, contrapondo a caracterização que se cristalizou nos manuais de história e nas teorias
pedagógicas que retratam o pensador como um pedagogo tradicional e autoritário. Descortinando elementos
biográcos da vida e do pensamento, o texto objetiva revelar momentos marcantes de sua trajetória acadêmica,
como a experiência em Berna na Suíça, o contato com Fichte em Jena, a cátedra em Königsberg e as passagens
pela Universidade de Göttingen, assim como de elementos pessoais, como a presença da música e sua ligação
com diferentes personagens determinantes em sua vida. Intenciona-se aproximar o leitor a aspectos da vida de
Herbart que revelam todo seu esforço e sua dedicação na sistematização e na investigação da pedagogia e da
defesa da liberdade de pensamento. O texto revisita fontes importantes de investigação como a biograa feita
por Walter Asmus, que traz elementos minuciosos da vida do pensador. O texto pretende contribuir com os es-
forços que, a partir da década de 1960, buscam revisar as ideias losócas e pedagógicas de Herbart.
Palavras-chave: biograa; Herbart; pedagogia; formação de professores.
Resumen
El presente trabajo es una revisión bibliográca y documental de naturaleza analítica y hermenéutica. Basán-
dose en registros y documentos, el texto pretende representar al lósofo y educador alemán Johann Friedrich
Herbart desde otro punto de vista, oponiéndose a la caracterización que ha cristalizado en los manuales de
historia y las teorías pedagógicas que retratan al pensador como un pedagogo tradicional y autoritario. El texto
tiene como objetivo revelar momentos signicativos de su carrera académica, como su experiencia en Berna,
su contacto con Fichte en Jena, su cátedra en Königsberg y sus visitas a la Universidad de Göttingen, así como
elementos personales como la presencia de la música y su conexión con diferentes personajes determinantes
de su vida. La intención es acercar al lector a aspectos de la vida de Herbart que revelan todo su esfuerzo y dedi-
cación en la sistematización e investigación de la pedagogía y la defensa de la libertad de pensamiento. El texto
vuelve a visitar importantes fuentes de investigación como la biografía de Walter Asmus, que aporta elementos
detallados de la vida del pensador. El texto pretende contribuir a los esfuerzos que a partir de los años 60 tratan
de revisar las ideas losócas y pedagógicas de Herbart.
Palabras clave: biografía; Herbart; pedagogía; formación de profesores.
* Doutor em Educação. Diretor aposentado do Herbartgymnasium de Oldenburg, Alemanha. Orcid: https://orcid.
org/0000-0001-9607-2436. E-mail h.j.lorenz@nwn.de
Recebido em: 29/01/2021 – Aprovado em: 25/11/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i3.12235
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Abstract
The present work is a bibliographic and documentary review of analytical and hermeneutical nature. Based on
records and documents, the text intends to re-present the German philosopher and educator Johann Friedrich
Herbart from another point of view, opposing the characterization that has crystallized in history manuals and
pedagogical theories that portray the thinker as a traditional and authoritarian pedagogue. The text unveils
biographical elements of life and thought, revealing moments of his academic career such as his experience in
Bern, his contact with Fichte in Jena, his professorship in Königsberg, and his visits to the University of Göttingen,
as well as personal elements such as the presence of music and its connection with dierent determining cha-
racters in his life. The intention is to bring the reader closer to aspects of Herbart‘s life that reveal all his eort and
dedication in the systematization and investigation of pedagogy and the defense of freedom of thought. The
text revisits important sources of research such as Walter Asmus‘ biography, which brings detailed elements of
the thinker‘s life. The text intends to contribute to the eorts that since the 1960s have sought to revise Herbart‘s
philosophical and pedagogical ideas.
Keywords: biography; Herbart; pedagogy; teacher training.
Oldenburg: cidade natal de Herbart
Sobre Johann Friedrich Herbart (1776-1844), poder-se-ia dizer o mesmo que
Schiller sobre Wallenstein2: “Confundido entre ódio e admiração por seus partidá-
rios, sua imagem flutua na história” (SCHILLER, 2004, p. 12). Pode-se dizer que
certa rejeição a suas ideias se baseia na simples confusão entre o próprio Herbart
e o modo como os sucessores o representaram. É o caso dos herbartianos que de-
rivaram de sua obra os rígidos estágios formais de ensino, provocando posições
anti-herbartianas ao fracasso do próprio movimento no início do século XX. Uma
segunda acusação dos pedagogos reformistas, liderados por professores como o pe-
dagogo Ziller em Leipzig ou Rein em Jena, defendia que a pedagogia herbartiana
promovia uma educação acrítica. No entanto, em 1972, o pedagogo Jörg Ruhloff
evidenciou o equivocado núcleo das objecções às ideias pedagógicas de Johann Frie-
drich Herbart, afirmando que:
É quase um caso de sarcasmo histórico, que justamente o teórico, aquele que desde o prin-
cípio lançou dúvidas sobre o potencial educacional das escolas públicas, foi o encosto por
um bom meio século para os mestre-escola alemães. Esse crítico esqueleto escolar, deve
ser retirado do sistema pedagógico de Herbart, para que o cadáver metodológico de ensino
formal [os passos formais] pudesse efetivar a escola como instrumento de poder do Estado
(RUHLOFF, 1982, p. 66).
A ironia da história é que reformadores educacionais, em meio às tensões pro-
vocadas pelos embates com os herbartianos, não perceberam que estavam realmen-
te lutando com Herbart contra seus alunos, que tinham formalizado suas opiniões
e muitas vezes as viraram ao avesso. É nesse sentido que o presente ensaio tem
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por objetivo, sob todos os escombros históricos, trazer de volta à luz, na medida do
possível, a pessoa de Johann Friedrich Herbart e suas ideias pedagógicas.
O monumento no parque em frente ao Herbartgymnasum3 encarna assim uma
imagem de Herbart questionável. A viúva de 85 anos, Mary Jane Herbart, escreveu
de Königsberg ao diretor Strackerjan, afirmando que a imagem de Herbart era
demasiada séria e que sentia a ausência da simpatia que era própria do pensador
(STRACKERJAN, 1880). A impressão é que lhe foi atribuída uma feição carran-
cuda, transformando Herbart numa espécie de imperativo categórico ambulante,
imagem repetida insistentemente por vários autores infelizmente ainda hoje. Esse
não deve ser o lugar de um clássico, um dos maiores clássicos da pedagogia. A
afirmação de que Herbart era praticamente um “imperativo categórico ambulan-
te” encontra um contraponto na afirmação de que “[…] ele era muito receptivo à
música, sem que esta contradição se refletisse no todo. Herbart não era alguém
que só tocava partituras perfeitamente, mas, como veremos mais tarde, compôs e
improvisou livremente no piano” (ASMUS, 1968, p. 35).
Seu avô, Michael Herbart, possuía particularidades e valores fundamentais
que reencontraremos em seu neto. Michael Herbart, nascido em 1703 em Ostheim,
na Francônia, depois dos seus últimos estudos em Wittenberg e Helmstedt, e Vi-
ce-Reitor em Delmenhorst, em dezembro de 1734, assume como Reitor da Escola
Latina em Oldenburg. Michael Herbart é enérgico e aberto ao que é novo, esforçan-
do-se, dentro do quadro estreito que lhe era dado, para estabilizar e desenvolver
ainda mais a escola latina, interna e externamente. Após a morte de Michael Her-
bart em 1768, o então conhecido médico e escritor Dr. Gramberg escreveu: “Pode-se
dizer com certeza que o verdadeiro iluminismo em Oldenburg é, em grande parte,
sua obra” (apud ASMUS, 1968, p. 35).
O pai de Herbart, Thomas Gerhard, era praticamente o oposto do seu avô, um
jurista egocêntrico e seco que, como membro do Conselho Jurídico e Consistório,
se dedicou exclusivamente às suas funções administrativas. O fato de o casamento
com a filha de médico Luzia Margareta Schütte não durar por muito tempo não foi
surpreendente, dado o antagonismo dos dois temperamentos. Ela é descrita como
inteligente, interessada pela literatura contemporânea, espirituosa e jovial, en-
quanto o marido se enterrava no trabalho e frequentava o clube da cidade. Um ano
após o casamento dos seus pais, Johann Friedrich Herbart nasceu, em 4 de maio
de 1776, em Langenstraße 86, a casa dos seus avós maternos. Precocemente, a mu-
sicalidade se manifestava e, ainda na infância, ele despertava como um habilidoso
dançarino. Herbart escreveu em retrospectiva de sua juventude: “Gritar, saltar,
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cantar e dançar eram a minha melhor vida até aos 14 anos de idade” (H16, p. 96).4
Já aos oito anos, aprendeu violino, violoncelo, harpa e piano simultaneamente, e
aos 11 anos já dava pequenos concertos.5
Em 1788, o jovem Johann Friedrich, de 12 anos, entrou na escola secundária
de cinco anos de latim, que se tornou escola ginasial, em 1792. Como um gradua-
do do que era então o seminário filológico mais progressista da Universidade de
Göttingen e um filantropo entusiasta, o Reitor Manso tinha lutado por reformas
contra a ignorância da maioria do Consistório, como mais alta autoridade esco-
lar. Só quando Esdras Mutzenbecher assumiu a liderança do Consistório é que
ele conseguiu implementar reformas há muito esperadas, como o princípio do pro-
fessorado por áreas e cursos de dois anos para as turmas do ensino superior. A
única diferença era que os professores das disciplinas naquela época eram mais ou
menos talentosos candidatos de teologia que estavam esperando por um escritório
paroquial. Herbart, mais tarde, criticou o ensino como muito pouco planejado e não
suficientemente estimulante na filosofia.
Um olhar sobre a distribuição da carga horária por disciplinas mostra a pre-
dominância das línguas antigas: onze horas de latim, quatro horas de grego contra
duas horas de alemão, nenhuma matemática e apenas duas horas de ciências da
natureza, cujo conteúdo corresponde às aulas de biologia da escola secundária de
hoje. Duas horas de inglês foram a única concessão à modernidade, sendo que o co-
nhecimento do inglês ainda se tornaria importante para Herbart quando, dezenove
anos depois, se casaria com a inglesa Mary Jane Drakenote.
Já na escola, Herbart se encontrou com a filosofia de Immanuel Kant, que foi
determinante em toda a sua vida e no seu pensamento futuro, sobretudo ao assu-
mir a cátedra de Kant em Königsberg, em 1809. E nesse processo, de acordo com
a tradição introduzida pelo seu avô, no dia 4 de abril de 1794, Herbart concluiria
o ensino médio com um discurso em latim na prefeitura da cidade, reportando-se
a Cícero e ao pensamento de Kant sobre o bem supremo e o princípio da filosofia
prática. Soube-se que o jovem Herbart tinha deixado a escola primária com um
poderoso discurso latino sob os aplausos de todos. Como ele tinha pouco em comum
com o pai, o conselheiro e diretor do governo de Oldenburg, Gerhard Anton von
Halem, era o amigo paterno do jovem Johann Friedrich Herbart, comprovado por
uma extensa correspondência.
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Estudos em Jena entre 1794 e 1797
Escolher Jena como um lugar para estudar revela o desejo de Herbart ficar o
mais longe possível de Oldenburg e da miséria doméstica de seus pais. Era desejo
principalmente da mãe de Herbart que este estudasse direito, mas foi atraído pela
filosofia, tendo em Fichte sua referência em Jena. Fichte logo tomou conhecimento
de Herbart através da mediação do historiador de Oldenburg, Woltmann, e o con-
vidou para tomar parte à sua mesa de almoços.
A mãe de Herbart não deixou seu filho sair de seu domínio: depois de ter
vendido todos os móveis por causa de seu divórcio iminente, partiu incógnita para
Jena e, fingindo ser a irmã de seu filho, tomou parte de diversas atividades, como
ela mesma relatou em uma de suas cartas ao seu amante: “De minha parte, eu
teria sido capaz de fazer algo assim [vivência estudantil] já a vinte anos atrás e,
quando eu ando pela cidade à noite com um manto azul e chapéu redondo, sou uma
estudante tão boa quanto qualquer um deles” (H16, p. 30).
Como a Sra. Herbart era bem instruída na literatura contemporânea, ela se
tornou a interlocutora da Sra. Fichte e uma espécie de representante literária en-
tre as nobres damas. Embora seus contemporâneos enfatizem a suposta relação
de proximidade entre mãe e filho, sua constrangedora evasão de Oldenburg se
desenhava como uma denúncia contra ela.
Como aluno destacado de Fichte, Herbart tornou-se progressivamente um crí-
tico de seu mestre sob a influência das posições de Kant. Decisiva foi a entrada de
Herbart na Associação dos Homens Livres (Bund freier Männer), uma associação
de estudantes e professores que se reuniam para palestras e subsequentes rodadas
de discussão. Aqui, Herbart conheceu pessoas das quais se tornaria amigo para
toda a vida, especialmente o posterior prefeito de Bremen, Smidt. Herbart era mui-
to procurado como pensador independente, professor de poesia e pianista.
A partir da chegada de seu piano de Oldenburg no outono de 1797, a música
voltou a ter um papel relevante em sua vida, de modo que ele foi logo considerado o
melhor pianista de Jena, rendendo convites para se apresentar em eventos sociais,
tocando sonatas duplas de quatro mãos com a bela esposa do jurista Hufeland.
Aqui, ele também começou suas primeiras composições musicais para peças como
A dignidade das mulheres (Die Würde der Frauen) de Schiller e poemas de seus
amigos. Infelizmente, a maioria dessas composições foram perdidas.
Para se fortalecer fisicamente, Herbart fez aulas de esgrima e principalmente
aulas de equitação. O instrutor de equitação elogiou-o como um aluno esperanço-
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so, tornando as cavalgadas em Königsberg quase diárias. Uma testemunha ocular
relata:
Quando chegamos perto do portão, encontramos um senhor, que estava prestes a ir para
o campo aberto num belo corcel. O mesmo deve ter atraído a atenção de cada pessoa que
encontrara, não só pela sua aparência elegante, mas também pela sua atitude nobre, es-
pecialmente pelo seu olho iluminado e espirituoso. Depois de nos ter saudado, perguntei a
Lettau: Meu filho, conheces o senhor que acaba de nos saudar ainda que não pessoalmente?
Seu nome, porém, você já deve ter ouvido. Ele se chama Herbart. Ele é um dos nossos mes-
tres da edificação pedagógica (ASMUS, 1967, p. 29).
Embora ainda não tivesse feito muitos progressos nesse sentido em Jena, ele
deveria lançar as bases de sua pedagogia na próxima estação da Suíça.
Preceptor em Berna (1797 – 1800)
Através de um amigo suíço, foi oferecido a Herbart um lugar como preceptor
dos filhos de Altlandvogt Steiger. A carta de candidatura de Herbart é esclarece-
dora:
[…] espero assim poder ensiná-los [os três filhos] geografia, história, física, matemática,
sobre o estilo alemão, língua latina e grego. Seria um grande prazer para mim, acrescentar
algumas lições musicais, pois tenho estado envolvido desde a minha juventude com o piano,
o violino e o baixo contínuo (H16, p. 48).
Também se torna evidente a sua preocupação pedagógica, assumindo a não
imposição autoritária aos alunos, mas em ajudá-los a desenvolver as suas capa-
cidades a partir de si mesmos, quando ele escreve: “Seria de minha maior alegria
poder tornar-me algo mais do que apenas um professor para eles” (H16, p. 48).
Herbart colocou como condição para além do ensino, a realização de experiências e
exercícios junto à natureza com seus pupilos, como levantamento geométrico nas
montanhas, motivo que levou o pedagogo americano Kilpatrik a se referir em 1935,
com razão, a Herbart, em seu ensino por projetos.
Por ocasião do 150º aniversário do Herbartgymnasium em 1994, o prof. Klafki
descreveu extensivamente as abordagens pedagógicas de Herbart a partir de seus
relatos de preceptor, que constituíram a base para a Pedagogia Geral de 1806. Po-
demos apenas mencionar brevemente alguns pensamentos: (1) o ensino educativo
deve respeitar a individualidade do aluno e ajudá-lo a pensar e julgar de forma
independente, como escreve Herbart já no primeiro relatório, afirmando que a edu-
cação seria tirania se não desejasse conduzir o sujeito para a liberdade; esta não
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foi a expressão de excentricidade de um jovem de 21 anos, mas permaneceria uma
constante em seu pensamento pedagógico; (2) a experimentação deve levar para
além do âmbito do ensino, ocorrendo em atividades práticas e ações autorresponsá-
veis; palavra-chave: projeto; (3) o objetivo de toda a educação deve ser desenvolver
o interesse múltiplo do aluno ao longo da sua vida; (4) o fundamento de todo ensino
é o tato pedagógico do educador e, por isso, toda ação pedagógica deve se fundar
em confiança, a partir da compreensão da força e da fragilidade de cada educando.
Os relatos da experiência de Herbart como preceptor na família Steiger são
bastante autocríticos, quando, por exemplo, reconhece suas dificuldades e falhas
com o mais velho, Ludwig, de 14 anos, que já estava na puberdade. Com o mais
novo, Karl, de 10 anos, ele teve muito mais sucesso, sendo que ambos ficaram
ligados por uma amizade que duraria por toda a vida. Karl Steiger escreveu sobre
aquela época:
Ele também nos ensinou química usando um pequeno aparelho. Herbart não era apenas
um professor, mas muito mais um educador, segundo o método de Sócrates, à medida que
não treinava, mas prioritariamente despertava a inteligência do educando e assim permi-
tia que ele se desenvolvesse por si mesmo (H19, p. 92).
Outra experiência importante para Herbart refere-se às visitas a Pestalozzi
em Burgdorf, que se refletiram na sua primeira publicação – ABC da Intuição de
Pestalozzi apresentada em 1802 em Göttingen. Em razão do iminente divórcio, a
mãe de Herbart chamou seu filho de volta a Oldenburg em abril de 1800. Herbart
foi brevemente em Oldenburg pela última vez. O casamento infeliz de seus pais
sobrecarregara Herbart durante sua vida e, assim, Oldenburg fora arruinada para
ele. Após o divórcio, a Sra. Herbart foi para Paris com a filha adotiva Antonie Her-
bart e o médico pessoal de Schiller, Dr. Harbauer, que ela conheceu em Jena. Lá,
ela morreu no ano seguinte, em 1802.
Preparação para uma carreira acadêmica em Bremen entre 1800 e 1802
No período seguinte, após sua curta visita a Oldenburg em 1800, Herbart
ficou com a família do senador Smidt e, mais tarde, do prefeito de Bremen. Aqui,
ele se preparou para seu doutorado e habilitação em Göttingen, escrevendo seus
primeiros escritos educacionais. Em 1801, redigiu ideias para um currículo pe-
dagógico para o Domgymnasium de Bremen, com foco nos estudos superiores em
matemática. Também com base nesse currículo, ensinou matemática aos princi-
piantes em 1801. O manuscrito original foi doado pelo filho de Sr. Smidt em 1876
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à então escola primária para a inauguração do monumento no centenário de Her-
bart. Assim, a decisiva reforma da escola de Bremen de 1817, para uma instituição
dupla composta por uma escola primária (Gymnasium) e uma escola secundária
(Realschule), remonta a Herbart.
Os contemporâneos de Bremen descreveram Herbart da seguinte forma:
Cabelo loiro encaracolado até ao ombro, emoldurando um rosto alongado, finamente dese-
nhado, sério, de aspecto atraente, com grandes olhos azuis e espirituosos: elegante, formal,
no início quase dolorosamente reservado! Mas se ele deixar olhar para o seu interior, então
ele pode ser muito amável. Amigo no contato com mulheres com as quais não lhe faltava
senso superior [...] ele desfrutava com elas de uma popularidade extraordinária. Mestre
no piano, ele tinha o dom de contar através dos tons daquilo que movia seu ser interior
(SMIDT, 1913, não paginado).
Isso depõe contra a repetida afirmação de que Herbart era um racionalista
emocionalmente frio, porque – horrivelmente dito – introduziu a matemática na
psicologia. Herbart financiou a sua estadia em Bremen com aulas particulares de
grego, latim e matemática superior. Assim expressa um incidente:
Estava com a cabeça cheia de raízes e secções cônicas; então meus jovens mestres, acabara
de me deixar aquela que já havia vindo nas sete manhãs anteriores - Então veio a menina
Castendyk [uma criada da Irmã Smidts] e deu-me um pedaço do jornal semanal de Bremer
e disse: ‘O senhor poderia gentilmente ler o encaminhamento da senhora doutora’ (N´Em-
pfehlung von Fro Doctrin, un of se nich so goht sin wullen, un lesen dat mal!). Eu li: ‘Solici-
ta-se gentilmente ao Sr. Herbart que me mostre o seu alojamento ou, se ele já não estiver
aqui, pede-se aos seus conhecidos que o façam porque algo me foi enviado de Basileia para
ele. Von Schmidt, residente em Faulengasse (H16, p. 233).
Para a revista de Oldenburger de Halems Irene, Herbart escreveu um extenso
artigo: Sobre a mais nova obra de Pestalozzi: Como Gertrud ensinou seus filhos,
no qual refletiu sobre as suas experiências com Pestalozzi em Burgdorf. Dois anos
mais tarde, em Göttingen, publicou a já citada versão ampliada sob o título ABC
da intuição de Pestalozzi.
Herbart preparou-se com determinação para o seu doutoramento e habilitação
em Göttingen. Ele foi para lá em maio de 1802, com três jovens calouros confiados
a ele. Herbart escreveu a um amigo: “O que estou procurando aqui em Göttingen?
Na ausência da minha posição de professor perdida em Berna, estou à procura de
um púlpito!6” (H16, p. 254). Herbart começou os trabalhos de defesa decididamente
em 15 de outubro de 1802, às quatro da tarde, realizando o exame principal para o
doutoramento. Herbart deve ter impressionado os examinadores, que o admitiram
à disputa de doutorado e habilitação. Já no dia 22 de outubro, ele defendeu suas
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10 teses em uma disputa de duas horas e, no dia seguinte, defendeu 12 teses da
habilitação. Hoje, algo semelhante a isso dura cerca de 8 anos ou mais.
Nessas teses, ficavam evidentes suas ideias pedagógicas, assim como na tese
10: “A arte da educação não se baseia apenas na experiência” (H1, p. 278) (Ars
paedagogica non experientia sola nititur). Ou seja, a experiência sozinha não é
suficiente como a sola fide de Lutero, mas compõe o ensino. Herbart principiava
sempre pela sua experiência prática, mas também manteve a estreita ligação entre
prática e teoria, que, para ele, levava à reflexão. Ele próprio sempre esteve envol-
vido com o ensino até 1833. Escreveu contra a experiência irrefletida da pedagogia:
“um professor nonagenário tem apenas a experiência de seus noventa anos de pro-
fissão vividos” (H2, p. 7).
A tese 11 mostra seu conceito amplo e abrangente de educação: “A poesia e
a matemática são as principais forças da educação das crianças” (In liberorum
educatione Poeseos et Matheseos maxima vis est) (H1, p. 278). No entanto, o termo
grego poeseos, que Herbart usou aqui, inclui não só a literatura, mas todos os as-
suntos linguísticos, abrangendo a história e, por fim, o termo matheseos ao lado da
matemática e das ciências naturais.
A 12ª tese se opõe ao conhecimento dos manuais escolares que, na sua época,
eram muito difundidos nas antigas línguas e, em seu lugar, exige a leitura de tex-
tos integrais (H1, p. 278).
Docente em Göttinger entre 1802 e 1808
No semestre de inverno de 1802/1803, o quadro negro de avisos anuncia os
horários do Dr. Herbart: “Pedagogia após ditados com a adição de uma hora de
convívio às quartas e sextas-feiras, às 5 horas da tarde” (H1, p. LXVI). O jovem con-
ferencista logo foi notado: falava livremente, pedia a seus ouvintes para não tomar
notas, mas para pensar junto, e que depois ele ditaria um resumo, convidando-os
para o acompanharem à sua casa para uma hora de convivência. “Além disso, para
aqueles senhores que gostariam de manter uma conversa mais longa sobre o tema
apresentado, podem me encontrar no meu apartamento na casa do Padre Fritsch à
tardinha das 16:30 às 18 horas” (H1, p. 289). Herbart manteve isso mesmo quanto
lia sobre filosofia e logo reuniu um círculo de estudantes à sua volta, que se encon-
travam três ou quatro vezes semanalmente com ele como uma sociedade literária
e, juntos, liam inclusive literatura alemã contemporânea.
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Em 1804, ele publicou um pequeno texto sob o título: A representação estética
do mundo como ocupação principal da educação (H1, p. 259-274). Um ensaio enge-
nhoso e que ecoou pelos temas básicos do seu pensamento pedagógico:
Fazer com que o aluno se encontre como escolhendo o bem, como rejeitando o mal: isto
ou nada é a formação do caráter! […]. Nem toda obediência à primeira ordem é moral. O
obediente deve ter examinado, escolhido, honrado o comando – isto é, ele mesmo deve ter
elegido o comando. A moral ordena a si mesma (H1, p. 261-262).
Aqui, fala claramente um representante da Aufklärung, que assumindo o sen-
tido de autonomia de Kant, da autodeterminação, também o exige do aluno. Para
além disso, o potencial de possibilidades da estética para a educação até hoje ainda
não foi suficientemente explorado. Herbart chamou a atenção em Heidelberg e
foi-lhe oferecida uma cátedra de filosofia em 1804. A Universidade de Göttingen
reagiu rapidamente e ofereceu ao doutor em Filosofia uma cátedra e um aumento
de salário em consideração à sua reconhecida docência e aos seus talentos. Herbart
ficou em Göttingen. Pouco depois, recebeu uma chamada para Landshut, que tam-
bém rejeitou.
No semestre de inverno 1805/1806, o professor Herbart realizava cinco horas
de leituras de introdução à filosofia, à ética e à pedagogia. Durante esse período,
Herbart escreveu seu mais importante trabalho: A pedagogia geral derivada do
propósito da educação (Die allgemeine Pädagogik aus dem Zweck der Erziehung
abgeleitet) (H2, p. 1-139). Esta foi a primeira apresentação da pedagogia como uma
ciência específica, pois, até então, ela sempre fora considerada como apêndice da fi-
losofia prática. O ano 1806 seria fatídico para a Alemanha com a ocupação francesa,
sendo que Göttingen se tornou parte do reino da Westfália sob o reinado de König
Lustig, Jerome7. A universidade foi subordinada à prefeitura do Departamento de
Leine8, procurando manter sua independência sob o mote “a cidade pertence ao Rei,
a Universidade à Europa” (die Stadt gehört dem König, die Universität Europa).
Nessa época sombria, Herbart mandou imprimir a sua Filosofia prática geral
(H2, p. 329-458) e voltou-se para a composição de uma sonata, que foi impressa em
1808 em Leipzig, reeditada e executada mais tarde, em Oldenburg, para a celebra-
ção da inauguração do memorial de Herbart, em 3 de maio de 1876. Em meio a isso,
Herbart tinha fundado uma Sociedade Pedagógica, na qual reunia os seus alunos
mais talentosos. A atmosfera foi descrita pelo posterior supervisor pedagógico da
cidade de Hannover, Kohlrausch:
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No Inverno de 1808/09 eu ouvi um colega que estava com Herbart sobre pedagogia e entrei
para uma sociedade pedagógica fundada por ele. Nesta se fazia uma livre discussão sobre
os pensamentos estimulados pelas palestras pedagógicas sobre o ensino e a educação [...]
e nós desenvolvemos nossos próprios pontos de vista em ensaios, que Herbart mandara
imprimir junto com um prefácio seu (ASMUS, 1968, p. 264).
Na cátedra de Kant em Königsberg entre 1809 e 1833
Tanto quanto era gratificante para Herbart ver ressoar suas ideias entre seus
alunos em Göttingen, tanto menos gratificantes eram as condições políticas no Rei-
no de Westfália sob o luxuoso König Lustig. Em 21 de outubro de 1808, Herbart
recebeu uma chamada para assumir a cátedra de Kant. Ele foi indicado como a
cabeça pensante de notável perspicácia e talento e, por causa de sua Pedagogia ge-
ral, foi considerado capaz para “tomar parte no trabalho de uma profunda reforma
na renovação educacional da Prússia”. Com isso, realiza-se para Herbart um sonho
dos tempos de estudante, como ele escreveu a seu amigo Smidt:
[...] para mim foi de uma sorte inesperada, alcançar aquele lugar que tantas vezes desejei
em sonhos recorrentes enquanto jovem quando estudava as obras do círculo de Königsberg.
Com todo o gosto ocuparei esse posto especial na obrigação em ajudar a preservar a memó-
ria de Kant (H17, p. 28).
Foi exatamente o que Herbart fez em inúmeros discursos para celebrar o ani-
versário de Kant. O quanto Herbart viu a mudança da área da ocupação francesa
para Königsberg, como uma mudança para novas perspectivas, pode ser visto nas
seguintes observações: “Eu preciso de um novo estímulo externo […]. Eu não vou
deixar a Alemanha, mas sim viajar para a Alemanha”. Isso também lhe deu es-
peranças em participar das reformas prussianas: “Estou feliz por servir o rei que
sobreviveu tanto e que ainda tem a coragem de abraçar mudanças tão grandes”
(H17, p. 28).
A viagem de Göttingen a Königsberg durou de meados de março a meados
de abril. Lá, ele chegou a tempo de celebrar o aniversário de Kant em singela so-
lenidade na Casa Alemã, em 22 de abril de 1809. Como a corte prussiana residia
em Königsberg, Herbart foi apresentado à corte, o que resultou em encontros fre-
quentes com o príncipe herdeiro, de quem se tornou agradável companhia no seu
“mais agradável saber”, ao “improvisar engenhosamente ao piano”, apresentando e
explicando seus instrumentos matemáticos e esclarecendo e corrigindo enunciados
(GÜNTHER, 1887, p. 283). Ali, Herbart também encontrou o seu chefe de secção
Wilhelm von Humboldt, que escreveu numa carta a Goethe, que “gostava muito de
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ter nas proximidades o mais recém-nomeado Herbart de Göttingen, do que ler as
resenhas de seus livros de longe” (GEIGER, 1909, p. 205).
Herbart sempre defendeu a combinação de teoria e prática, e por esta razão
se envolveu constantemente com o ensino. Criou um seminário de didática para
professores, com objetivo de desenvolver experiências de ensino prático. Hoje, como
afirma Hentig, isso seria chamado de “escola de laboratório”. O próprio Herbart
descreveu este seminário didático numa carta de 24 de outubro de 1808 ao De-
partamento Cultural Prussiano (Kultusverwaltung), durante as tratativas de seu
chamado para Königsberg, como relata Ziller (1871, p. 179):
Gradualmente, os professores seriam formados de maneira a que os seus métodos tivessem
de ser aperfeiçoados através da observação e da partilha mútua de suas experiências. […]
então talvez uma pequena escola experimental destas, pois penso que seria a preparação
mais adequada para planos futuros em maior escala. É uma afirmação de Kant: Primeiro
as escolas experimentais, depois as escolas normais!
Durante muitos anos, Herbart foi também membro e, por vezes, diretor da
“deputação científica”, uma comissão de reforma do Ministério da Cultura, até a
sua dissolução em 1816. Também presidiu a comissão de exame científico, foi mem-
bro da comissão de exame de conclusão de curso secundário dos ginasiais da Prús-
sia Oriental, conselheiro escolar com assento e voto no colegiado escolar provincial,
que era a maior autoridade escolar da Prússia Oriental. Além desses trabalhos
de gestão, também havia ainda os cargos de honra das comissões acadêmicas de
Decano, Reitor, Senador, destacando-se como estimado orador acadêmico.
Através dos seus votos em separado como Reitor e Senador da Universidade
de Königsberg, a sua defesa da liberdade de ensino foi o fio condutor, por exemplo,
quando toma posição contra uma decisão do ministério de restringir a liberdade de
escolha dos estudantes da Faculdade de Direito ou contra a substituição do curador
da universidade por um chanceler, que teria se tornado o supervisor dos professo-
res. Encontraremos também esta linha novamente em seu posicionamento sobre os
Sete de Göttingen, em 1837.
Em meio a tudo isso, o jovem professor conheceu em sua pensão a jovem in-
glesa Mary Jane Drake. Ela tinha perdido sua mãe e sua madrasta cedo, e seu pai,
James Lawrence Drake, primeiro comerciante de grãos da região de Memel, por
causa da barreira continental, retornou à Inglaterra. Em 13 de janeiro de 1811, a
cerimônia de casamento teve lugar em Memel. Em 1819, o casal pôde finalmente
se mudar para uma casa espaçosa na Königstraße, onde também proferiu as suas
palestras e onde a sua mulher cuidava dos dez pensionistas do seu seminário di-
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dático. Em 1828, o casal Herbart acolheu o filho de seu amigo matemático Stiemer
– Otto, portador de deficiência mental e que ficara órfão. A esposa de Herbart
desempenhou um papel especial na criação de Otto Stiemer.
Já em Göttingen, o estilo livre das palestras de Herbart havia sido elogiado.
O que foi aqui elogiado positivamente sobre o tipo de palestra também se aplicou
ao tipo de explicações de termos e experiências importantes. Incluímos uma breve
explicação na seguinte descrição que se refere à Psicologia como ciência fundada
novamente a partir da experiência, da metafísica e da matemática (Psychologie
als Wissenschaft, neu gegründet auf Erfahrung, Metaphysik und Mathematik).
Enquanto no estrangeiro – por exemplo, na Áustria, na Rússia e nos EUA –, este
trabalho foi e é valorizado de forma muito diferente, na Alemanha, deparou-se
com uma falta de compreensão. Há uma razão muito simples para isso, porque na
Alemanha foram principalmente os estudiosos de humanidades que lidaram com o
pensamento de Herbart, cujo conhecimento matemático e, sobretudo, científico da
antiga escola de gramática do século XIX era bastante pobre.
Até mesmo o letrado Wilhelm Grimm destacou, em carta datada de 3 de de-
zembro de 1833 ao alemão Lachmann em Berlim, o seguinte:
Esta bela reviravolta me lembra que Herbart [...] quis apresentar a filosofia em fórmulas
matemáticas, que muito agrada aos estudantes. Eu acho que é porque eles não o entendem.
Se eu pudesse confiar em meus olhos, eu teria colocado sua psicologia junto com a álgebra
em nossa biblioteca (GRIMM; GRIMM; LACHMANN, 1927, p. 868).
Lachmann, defendendo a psicologia matemática de Herbart contra o hege-
lianismo então prevalecente, respondeu ironicamente: “Entretanto, recomendo-o
a vocês e informo que o jovem Brandis (filho do professor de filosofia de Bonn) se
orgulha de Herbart. É preciso considerar que é sempre melhor com ele do que com
a hegemonia que ainda estamos trabalhando” (GRIMM; GRIMM; LACHMANN,
1927, p. 872).
Isso também pode ser visto no livro do diretor do seminário de Oldenburg
em 1908, Dr. Ostermann, que intitulou seu trabalho de forma pomposa, como Os
principais erros da psicologia de Herbart (Die hauptsächlichen Irrtümer der Her-
bartschen Psychologie), assumindo uma posição idealista de Herbart – totalmente
absurda –, tal como a recusa da liberdade da vontade e a consciência uniforme,
não entendendo, portanto, a concepção nem a preocupação de Herbart. Sobre esses
enunciados, o próprio Herbart já tinha se antecipado:
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Quem disser que não posso pensar em uma vontade para mim, que já não seja livre como
tal, deve ser respondido: Guardai a liberdade, porque no sentido em que tomais esta pala-
vra, ela está realmente disponível. A alma humana não é um teatro de fantoches, nossos
desejos e resoluções não são marionetes, nenhum malabarista está por trás delas, mas nos-
sa verdadeira vida está em nossa vontade, e esta vida não tem sua regra fora de si mesma,
mas dentro de si mesma. Ela tem sua própria regra puramente espiritual, de modo algum,
emprestada da regra do mundo do corpo; mas esta regra é certa e firme nele, e por causa
desta firme determinação ela ainda tem mais semelhança com as leis de impulso e pressão
que com a admiração de uma liberdade supostamente incompreensível (H5, p. 91).
Pesquisadores americanos de tempos mais recentes avaliam que a psicologia
de Herbart provocou uma ruptura fundamental em direção a novas descobertas.
Travers (1983, p. 52) comentou em 1983, em seu livro Como a pesquisa mudou as
escolas americanas (How research has changed American schools):
Herbart abriu as portas para a nossa moderna concepção de educação ao reconhecer que
a informação flui através dos sentidos, levando à formação de um sistema interligado de
conhecimento no indivíduo. [...]. Herbart iniciou este caminho de pensamento, que levou
a experiências sobre a aquisição de conhecimento através da experiência sensual e que
eventualmente levou ao programa de educação sensorial de Maria Montessori (1870-1952).
A Psicologia Matemática pressupõe a ideia de que qualquer coisa pode ser medida, e Her-
bart escreveu sobre a medição da atenção e a percepção de que uma ideia deve ter poder
suficiente para ultrapassar o limiar ou limite para entrar na consciência.
Freud manda lembranças! E, de fato, Freud já demonstrou ter conhecimento
da psicologia de Herbart, como mostra Lindner em Livro didático de psicologia
empírica de acordo com o método genético (Lehrbuch der empirischen Psychologie
nach genetischer Methode) (LINDNER, 1858). O livro Convite ao estudo da filoso-
fia com consideração das necessidades das escolas segundarias (Einleitung in das
Studium der Philosophie mit Rücksicht auf das Bedürfnis der Gymnasien) (LIND-
NER, 1866) também se baseou na filosofia de Herbart. Ambos os trabalhos eram
de leitura obrigatória para os iniciantes na Áustria9.
Travers (1983, p. 52) afirmou ainda:
Embora a ideia de que o conhecimento é ordenado não fosse nova, a discussão de Herbart
sobre como a experiência sensorial é alterada, inserida e usada era inteiramente nova.
Herbart adotou o termo percepção de Leibniz para descrever como novas experiências sen-
soriais são processadas pelo conhecimento. Ele lançou assim as bases para uma psicologia
moderna da aprendizagem. A dificuldade de Herbart reside na falta de dados que lhe per-
mitissem desenvolver uma verdadeira psicologia matemática. No entanto, Herbart tinha
uma nova ideia importante que deu frutos após a sua morte.
Após este excurso sobre a psicologia de Herbart, voltamos à exposição metódi-
ca sobre Herbart a partir da caracterização de uma testemunha, como segue:
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Assim como Herbart, além da filosofia entre as ciências, era particularmente dedicado à mate-
mática e, entre as artes, especialmente à música, e procurou promover-se em ambas, além de
sua pesquisa produtiva, assim também a matemática e a música passaram inequivocamente
para o caráter de sua filosofia, na verdade para o modo como ele deduzia - abduzia - especial-
mente como ele costumava falar. Herbart sabia, enquanto recitava, sem giz, meramente com
palavras sonoramente brilhantes, como desenhar as figuras geométricas mais realistas no ar,
por assim dizer, com seu ABC da intuição, e guiar o ouvinte através de tais construções de
forma excelente para a compreensão das evidências seguintes. Herbart aumentou ainda mais
essa clareza e objetificação ao tratar os conceitos metafísicos, mas especialmente as ideias
psicológicas individuais com sua pressão e contrapressão, com sua inibição e aceleração, como
séries de tons que seguem as leis da matemática em suas relações precisamente calculáveis e,
podem ser rastreadas até elas, através de cálculos completos (ASMUS, 1967, p. 22).
O dr. Voigdt chamou a atenção para outro aspecto: o humor do Herbart. Uma
questão que, na minha opinião, tem recebido pouca atenção até agora. Relata dr.
Voigdt (apud ASMUS, 1967, p. 23): “[...] ele introduziu repetidamente a piada nos
experimentos, mostrando repetidamente o engano dos sentidos em experimentar.
Este desafio gracioso deu o refresco necessário para a inevitável secura da lógica”.
Ele também era capaz de desenhar seus oponentes idealistas, acima de tudo da
escola de Hegel, a quem ele ironicamente chamou de os “conceitos absolutos”, que
erroneamente o acusaram de pensamento mecanicista, determinista e, assim, de
negar a liberdade da vontade. Assim, ele escreveu uma resposta a uma crítica
sobre a questão de saber se o termo chama era um conceito a priori dado ou um
conceito derivado da experiência:
Bem, meu Senhor, tente ver a chama mais larga no topo do que no fundo, olhe a vela como
brilhante, a chama como escura, segure seu dedo na chama, e agora, pela liberdade do seu
reflexo, deixe a característica do calor ser removida do seu conceito de chama, enquanto
nós pessoas não livres, onde vemos a luz da chama, temos cuidado com o seu calor (apud
ASMUS, 1967, p. 24).
As consequências da restauração na Prússia
Em 1816, a euforia dos anos de reforma tinha desaparecido. A restauração
continuou no mesmo ano com a dissolução das deputações científicas, depois que já
havia sido iniciada a transferência da supervisão da escola sobre as Consistórias.
Sob a bandeira do trono e do altar, o governo prussiano ordenou que as reformas
parassem, em marcha para o Estado autoritário.
Em 1818, Herbart fez uma avaliação extremamente negativa das possibilida-
des de uma reforma escolar radical no seu Relatório sobre as classes escolares: “A
minha visão da atual agitação literária, política e eclesiástica não me permite espe-
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rar, nos nossos dias, uma verdadeira [isto é, para Herbart, iluminada] e duradoura
reforma do ensino público” (H4, p. 521).
Quanta razão Herbart manteve até 26 de novembro de 1900, isso ficou claro
quando olhamos a história do Herbartgymnasium. Os diretores das escolas secun-
dárias prussianas evidenciaram isso claramente em sua petição de 1886, na qual
foi constatado que a Prússia não estava atrasada apenas em relação aos outros
estados do Reich, mas era também o país menos desenvolvido da Europa Ocidental
em educação realista, ou seja, científica e continuada. Há várias razões para esse
atraso no tempo. O conceito de universidade de Humboldt, por muito idealista que
seja, impediu a discussão sobre as possibilidades e as necessidades da educação
e da formação politécnica. E, quando se tornou evidente em Viena, em 1848, que
muitos dos estudantes de tecnologia eram portadores de agitação política e social,
isso fortaleceu a posição dos adversários das chamadas “academias de metalúrgi-
cos”, “centros de espírito materialista” (TREUE, 1984, p. 569).
A decepção de Herbart com a Prússia cresceu quando, em 1831, depois da morte
de Hegel, ele não foi nomeado seu sucessor em Berlim, mas, em seu lugar, um hege-
liano insignificante. Embora eles ainda se adornassem com Kant e Hegel, não havia
lugar na Prússia para uma perspectiva de esclarecimento de fato. A atitude básica
de Herbart de defender a escola tanto do ataque direto do Estado quanto da igreja
não se enquadra mais na política baseada no trono e no altar. Então, em 1833, ele
aceitou uma chamada para Göttingen. No último aniversário de Herbart em Kö-
nigsberg, seu 57º aniversário, em 4 de maio de 1833, quase todo o corpo docente da
universidade apareceu em sua casa, e os estudantes trouxeram-lhe uma procissão
de luzes de lanterna. Herbart convidou seus alunos novamente no final de setembro,
em uma noite descrita em carta por Eduard Simson à sua noiva, que viria a se tornar
professor de direito, primeiro presidente do Reichstag e presidente da corte do Reich:
Eu teria ficado muito satisfeito com a noite se ela não tivesse terminado de uma forma verda-
deiramente tocante para mim. Herbart seguiu o nosso pedido para improvisar ao piano. Co-
meçou silenciosamente, de modo tímido e hesitante, como se fosse uma primeira apresenta-
ção. Com maior consciência e autoconfiança, conduziu e encaminhou para maior sonoridade.
Um salto repentino levou-o à distância, e sentiu-se que era nada menos do que a cadeira de
Kant, a qual ele se assentou. Aqui anos selvagens de guerra passam por ele, mas a ciência se
fortaleceu em suas mãos, e o reconhecimento não falta. No início há dissonâncias silenciosas,
gradualmente multiplicando e enrijecem, por fim suprimindo todos os sons agradáveis, e só
aqui e ali é que o lamento silencioso do grande homem maltratado passa. Por fim, a pers-
pectiva de ser privado destas condições e do seu cumprimento, mas a dor de ser arrancado
de círculos dos quais se sente amado e reverenciado. E finalmente, como um sinal de que o
amor pelo rei cavaleiro não tinha arrefecido apesar de todos os maus-tratos, as harmonias
fundiram-se gradual e surpreendentemente (apud ASMUS, 1967, p. 282).
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Novamente em Göttingen entre 1833 e 1841
Göttingen seria a última estação de sua vida. Herbart encontrou Göttingen
muito diferente de quando a deixara, com muitos de seus antigos colegas aposen-
tados ou falecidos. A filosofia era modesta, de tal modo que um ex-aluno o tinha
avisado sobre essa situação: “O espírito científico dos alunos é ruim, e é muito
provável que a fama de seu nome e o espírito de suas palestras contribuam para a
melhoria gradual. Mas você não deve criar muitas expectativas” (ASMUS, 1967,
p. 282).
Temos uma imagem nítida das condições na Universidade de Göttingen, a
essa altura, do mais tarde Reitor Friedrich de Wiesbaden, como assinala Asmus
(1967, p. 41):
No outono de 1833 eu me mudei para a Universidade de Göttingen, e foi uma sorte para
mim que Herbart tenha começado ao mesmo tempo a ensinar por lá. Comecei os meus estu-
dos com grande entusiasmo pela ciência, mas encontrei as minhas expectativas frustradas
de muitas maneiras. Nomes famosos tinham sido mencionados para mim, e eu imaginava
todos os mestres da ciência com ideais brilhantes, mas logo percebi que os ideais não corres-
pondiam no mínimo à realidade. Agora, dificilmente se pode fazer uma ideia das condições
acadêmicas da época. Os professores só deram palestras no sentido literal da palavra, ou
seja, em salas sem adornos, na maioria das vezes até mesmo impuras, aparecendo em rou-
pas e posturas descuidadas e obviamente não sabiam nada de retórica ou a negligenciaram
ao mais alto grau. Fomos impressionados, eu e meus colegas, pela mais agradável impres-
são a partir da aparição de Herbart. Ele havia montado um auditório com conferências,
que poderia ser chamado de elegante em comparação com todas as salas similares, com
iluminação suficiente e sempre aparecendo no mais fino e impecável terno social. Mas estas
aparências exteriores superiores eram eclipsadas pela sua inteligente palestra e excelente
retórica. Ele não leu de um livreto, nem mesmos nomes e datas, mas falou livremente, tão
fluente e expressivamente, como se todos estes pensamentos cativantes fossem uma inspi-
ração do momento. É costume pensar que a lógica é uma ciência seca - não sem razão - e,
no entanto, Herbart soube apresentá-la de tal forma que seus ouvintes o interromperam
com sinais de grande entusiasmo e aplausos tempestuosos. O seu olhar aguçado e pene-
trante descansava, sem que a leitura o incomodasse, com verdadeira magia no seu público.
A maior vantagem do seu método de ensino, no entanto, foi que ele nunca envolveu seus
pensamentos em palavras obscuras ou abstratas, mas pronunciou-as tão clara e definitiva-
mente que até mesmo os objetos mais difíceis podiam ser apreendidos e lembrados de forma
indelével. Não nos foi permitido reescrever; instigou-nos imediatamente a não o fazer. Não
nos foi permitido copiar; ele imediatamente nos pediu que não o fizéssemos. Mas, para tor-
nar possível a retomada, mandou imprimir um pequeno guia, que incorporava as principais
ideias abordadas em sua palestra, evitando o que nas palestras de outros professores pela
reescrita era mortificante para o espírito.
Esse testemunho de seus últimos anos faz com que o talento pedagógico de
Herbart se destaque sem dúvida com a constância de seu trabalho. Ele não era um
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teórico estranho ao mundo, mas atribuía fundamental importância a uma frutífera
contraposição entre a prática e a teoria. A escola jamais deveria isolá-las, mas, sim,
abri-las para a vida. Assim, sair da escola para a vida e novamente voltar da vida
para a escola.
Herbart não estava apenas interessado em arte, literatura e filosofia, mas
também, por exemplo, nos novos processos de obtenção de açúcar de beterraba,
como se pode ver numa troca de cartas com um proprietário de terras perto de
Göttingen. Na sua filosofia, Herbart foi um dos últimos representantes da filoso-
fia moderna que, como Leibniz e Kant, aderiu à unidade das humanidades e das
ciências naturais. É interessante notar que a filosofia alemã está começando a
descobrir Herbart como um didático e metodologista notável da filosofia, de modo
que o renomado editor de filosofia Felix Meiner Hamburg publicou novamente, em
1993, Lehrbuch zur Einleitung in die Philosophie, de Herbart, como uma introdu-
ção abrangente e completa à filosofia em geral.
Antes de chegar ao fim da sua vida, explicaremos as ideias pedagógicas de
Herbart, que ainda hoje são válidas, através de algumas frases-chave:
(1) A instrução educativa deve continuar a se desenvolver na criança, conec-
tando, selecionando, eventualmente corrigindo e sistematizando as repre-
sentações preexistentes advindas da experiência e da convivência. A edu-
cação deve ajudar o aluno a encontrar-se a si próprio e a desenvolver uma
personalidade autoconsciente.
(2) A educação deve incentivar o aluno através de um sentimento de realiza-
ção. Nesse contexto, deve-se lembrar mais uma vez que Herbart pensou em
projetos práticos como um complemento ao ensino, que ele também tinha
realizado na Suíça, em medições trigonométricas em montanhas e em ex-
perimentos de física e química, e que continuou em seu seminário didático
em Königsberg.
(3) A educação é uma prática que deve ser refletida repetidamente e que não
deve seguir a moda do tempo sem críticas.
(4) O ensino não tem apenas a função de transmitir conhecimento, mas tam-
bém a tarefa de educar para a convivência social, razão pela qual Herbart
sempre falou de instrução educativa. (5) Herbart inventou as chamadas
etapas formais de ensino? A responda é “Não”.
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Os assim denominados estágios
Os estágios formais de desenvolvimento cognitivo não foram entendidos como
seus sucessores então afirmaram, como um roteiro para desenvolver as aulas, mas
como pontos de orientação para todo o processo de ensino, diferentes também de
acordo com os níveis das classes. Na prática pedagógica, a dialética entre aprofun-
damento (através de novas informações) e reflexão (como a inserção e consolidação
do novo no que já foi aprendido) foi particularmente importante para Herbart. A
aplicação dos níveis formais para cada hora de ensino pelos herbartianos levou
a uma formalização unilateral, contra a qual os reformadores lutam com razão.
Os conteúdos educativos devem desenvolver um interesse múltiplo e equilibrado
entre “poesia e matemática”, com o objetivo de desenvolver um interesse ao longo
da vida, uma abertura intelectual no aluno. “O objetivo da aprendizagem é criar
interesse a partir dela” (H4, p. 521). Em 1948, Hermann Nohl chamou isso de Mu-
dança copernicana na pedagogia.
Já se tornou claro que Herbart, através de suas experiências negativas na
Prússia, defendeu-se contra qualquer interferência política direta do Estado. O
objetivo da educação deve ser o de promover o “esclarecimento múltiplo das men-
tes”, não a unilateralidade de sujeitos treinados. Ele permaneceu um iluminista
durante toda sua vida e, portanto, o desenvolvimento do indivíduo sempre esteve,
para ele, no centro de toda a educação.
O ano de 1837 seria fatídico para Herbart, cujas consequências ofuscaram o
fim de sua vida. Em setembro, apesar de seu estado frágil de saúde, como escreveu
aos seus amigos, Herbart presidiu como decano na faculdade filosófica a celebração
do centenário da Georgia Augusta, com um discurso em latim sobre o “realismo
natural” de seu antecessor, Gottlob Ernst Schulze. Assumira com muita crítica
o departamento: “O que os outros podem medir a seu favor será um momento de
sofrimento para mim”. Isso deveria se concretizar em breve. Aconteceu aquilo que
Herbart chamou mais tarde de A catástrofe de Göttingen.
Como resultado das várias leis de sucessão, a união singular entre Hannover
e Inglaterra foi extinta. Em Hanover, Ernst-August anunciou como um de seus
primeiros atos oficiais novas eleições, mas segundo a Constituição Estadual de
1819, suprimindo praticamente a Constituição de 1833. Sete jovens professores da
Universidade de Göttingen, incluindo os Irmãos Grimm e Dahlmann, os chamados
Sete de Göttinger, protestaram contra este golpe de Estado em nome da univer-
sidade, mas – e isso é importante nesse contexto – sem consultar previamente os
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seus colegas e as comissões acadêmicas. Além disso, Albert Oppermann tinha feito
cópias da sua carta sem o conhecimento dos sete e tinha enviado aos jornais, o que
levou a um escândalo real.
Espera-se que se tenha tornado claro, a partir do que foi dito até agora, que
Herbart não era um sujeito reacionário, nem um oportunista complacente. A mani-
festação dos Sete havia causado uma resistência maciça da universidade mediante
uma decisão majoritária de um protesto esvaziado. Smidt relata a defesa de Her-
bart por ocasião de seu último encontro com ele em maio de 1838:
Em maio de 1838 o vi pela última vez e passei à tarde e à noite junto de Herbart. Na sua
sala de estudo, tive uma hora a sós e confidencial com ele, [...]. O tema da nossa conversa
nessa altura foi principalmente o processo conhecido como os sete professores de Göttingen,
a sua situação e o seu posicionamento na conversa com o rei na sua fortaleza de caça, bem
como sobre tudo o mais. Você sabe o quanto nosso amigo foi repreendido por isso e o que ele
sofreu como resultado. Mas, mesmo que eu tivesse me comportado de forma diferente numa
situação destas, existe apenas um critério individual para a correção do julgamento de cada
indivíduo em situações deste tipo, por tudo o que ele me disse sobre o assunto, a minha ple-
na convicção de que ele não se tornaria infiel a si próprio, mesmo nestas circunstâncias. Ele
teve que considerar a preservação da Universidade com sua eficácia intelectual dependente
da educação da juventude alemã [...] como estando ameaçada (H1, p. XXXXIV).
Se considerarmos novamente a atitude constante que Herbart praticou ao lon-
go da sua vida para preservar a autonomia da educação nas escolas e nas ciências
da universidade em relação ao Estado e às igrejas, a sua atitude é consistente, mes-
mo que se critique a frase: “A política não tem lugar na ciência”, como apolítica e
ingênua. As experiências do nosso século com as múltiplas intervenções de regimes
ditatoriais na liberdade de pesquisa e ensino talvez nos possam fazer compreen-
der que Herbart estava preocupado em preservar a universidade do paternalismo
ideológico estatal.
Cerca de um ano antes da sua morte em 1840, Herbart sentiu uma fraqueza
física e estava ciente de que a sua vida estava lentamente chegando ao fim. Assim,
ele escreveu ao matemático e lógico Drobisch:
Eu também gostaria de me retirar dos corações. Se não fosse pelo trabalho oficial. Talvez
em breve me contente em fazer música com as mãos e os pés, porque agora tenho um pedal
de órgão no meu piano, onde passo o meu tempo – e ficar ocioso é saudável (ZILLER, 1871,
não paginado).
Em 11 de agosto de 1841, ele havia dado suas palestras em plena energia
mental, na noite em que um derrame o atingiu, do qual ele se recuperou, mas, na
manhã de 14 de agosto de 1841, um segundo derrame fatal o atingiu. Herbart foi
enterrado no cemitério de Albani, com uma procissão de lanternas de seus alunos.
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A vida e a obra de Johann Friedrich Herbart numa nova perspectiva
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 28, n. 3, Passo Fundo, p. 855-876, set./dez. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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Dez dias mais tarde, o Oldenburger Zeitung publicou o relatório do Göttinger
Leinezeitung sem comentários:
Göttingen, 14 de agosto: A nossa Georgia Augusta, tão abalada há já alguns anos, ficou
hoje novamente num profundo luto geral pela morte súbita do diretor Herbart, nascido
em Oldenburg. Herbart, o fundador de uma das mais importantes escolas filosóficas dos
últimos tempos, foi grande não só como pensador perspicaz e escritor frutífero, mas tam-
bém como professor acadêmico prático. Portanto, não é apenas a juventude acadêmica, que
sempre escutou com grande aplauso as palestras do falecido que perde, mas também todo
o mundo científico perde infinitamente muito pela morte deste homem (ZILLER, 1871, não
paginado).
Notas
1 Título original: Das leben und werk Johann Friedrich Herbarts (1776-1841) aus neuer sicht. Tradução e
revisão do Dr. Odair Neitzel e do Dr. Claudio Almir Dalbosco.
2 Aqui, referindo-se ao general Albrecht von Wallenstein e à sua trajetória na guerra dos 30 anos, que ins-
pirou a trilogia de Schiller com o mesmo nome.
3 O Herbartgynasium fica localizado na cidade natal de Herbart – Oldenburg. Foi erguido um monumento
em frente à escola em homenagem à passagem do centenário de seu nascimento, em 1876.
4 O autor adota o modo habitual de citação das obras completas de Herbart (1887/1989), abreviando a pró-
pria obra pela letra “H”, seguida do número do volume e da indicação de página. (NT).
5 Ver a carta de Weineke (H16, p. 249), Nadia Moro, 2006 (22). As condições do ambiente escolar da época
eram insuportáveis, mesmo para as crianças mais robustas: classes com até 150 crianças em salas estrei-
tas, úmidas e em mau estado de conservação eram a regra. A Sra. Jurista Herbart, portanto, enviou seu
filho para a escola noturna privada para meninas do suborganicista Carsten Hinrich Kruse. Ele veio da
instituição francesa, onde foi fundada em 1706 a primeira escola secundária na Alemanha. Foi ele que ins-
pirou o jovem Herbart para a matemática e as ciências naturais – disciplinas que mais tarde desempenha-
riam um papel de pouca relevância na escola latina – e com as quais o jovem Johann Friedrich se ocupou
em atividades físicas, jogos matemáticos e geográficos. Só sobreviveu um pedaço de papel datado daquela
época, cujo verso “n. 1” e cuja frente diz: “Em consideração a Johann Friedrich Herbart, pela comprovada
assiduidade demonstrada na escola particular. Oldenburg, Páscoa 1786, C. Kruse” (ASMUS, 1968, p. 57).
Da Páscoa de 1783, Johann Friedrich e outros filhos de funcionários da corte tiveram como tutor o candi-
dato Ültzen, que despertaria seu amor sobretudo pelo grego e pelo latim, mas também pela filosofia.
6 Traduzimos aqui o termo Katheder por púlpito, designando o tablado ou elevação em que ficava o quadro
do professor e de onde ele proferia sua aula (NT).
7 O Rei Jérôme Bonaparte ou Könnig Lustig era o irmão mais novo de Napoleão Bonaparte (NT).
8 Departamento de Leine (Département de la Leine) era uma das oito unidades administrativas do Reino da
Westfália e incorporava Göttingen de 1807 a 1814 (NT).
9 Sobre isso, ver também Jones (1984, p. 429).
Referências
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ASMUS, W. Johann Friedrich Herbart: eine pädagogische Biografie (Band I - Der Denker).
Heidelberg: Quelle & Meyer, 1968. v. I.
876 ESPAÇO PEDAGÓGICO
Hans-Jürgen Lorenz
v. 28, n. 3, Passo Fundo, p. 855-876, set./dez. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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