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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Possui a disciplina papel formativo? Um ponto controverso das teorias educacionais
v. 28, n. 3, Passo Fundo, p. 975-994, set./dez. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
disciplina é um dispositivo de poder a serviço do autogoverno humano, que se tra-
duz em diferentes práticas de si visando a própria transformação ética do sujeito.
Se a disciplina não possui só o sentido negativo, como poder coercitivo opressor,
mas também positivo, manifestando-se pedagogicamente como diferentes formas
de exercício visando o fortalecimento ético do sujeito educacional, há bons motivos
para revigora-la nos meios educacionais atuais. O sentido formativo da disciplina
pode servir como contraponto não só às práticas como também às teorias educacio-
nais que a reduzem à força dominadora opressiva. O recurso ao sentido formativo
de disciplina, enquanto trabalho ético de si sobre si mesmo, torna-se indispensável
para enfrentar a crescente e descontrolada corrupção do atual mundo social e polí-
tico. Em síntese, a investigação sobre o seu sentido formativo presente na tradição
clássica do pensamento filosófico e pedagógico também constitui referência teórica
importante para a crítica necessária do conservadorismo autoritário que toma con-
ta do cenária cultural, educacional e político, contemporâneo.
Notas
1 Contrariamente à sugestão feita por Andreas English, no ensaio publicado neste volume da Espaço Peda-
gógico, prefiro manter o termo disciplina como forma mais adequada de tradução da palavra alemão Zucht,
e não como orientação moral, embora ao empregar Zucht Herbart certamente tem em mente o problema da
orientação como aspecto constitutivo nuclear da formação humana na perspectiva moral.
2 Rara exceção é o trabalho de Jan Masschelein e Maarten Simons (2013, p. 52-65), os quais atribuem
sentido formativo à disciplina na medida em que a concebem como tecnologia escolar a favor do cultivo
espiritual do educando.
3 É preciso considerar, contudo, que leituras recentes da obra Vigiar e punir, confrontando-a com o pensa-
mento do Foucault tardio, procuram relativizar a redução da disciplina ao poder controlador e vigilante.
Veja, a este respeito, no campo pedagógico, o ensaio „Foucault revisitado: uma releitura da disciplina
através do conceito de antropotécnica“, de Carlos Ernesto Noguera-Ramírez e Ana Cristina León-Palencia
(2015, p. 209-239).
4 Tenho em mente aqui a distinção entre liberdade individual e liberdade social feita por Axel Honneth
(2011).
5 Foucault (1989, p. 277-293) trata primeiramente do tema da governamentaalidade na aula de 1 de feverei-
ro de 1978, no curso proferido no Collège de France.
6 No primeiro livro da Pedagogia Geral Herbart opõe o amor e a autoridade ao castigo físico e à aplicação
abusiva do manual de ensino. Ocupo-me em interpretar o problema do “Governo das Crianças“ em dois
ensaios recentemente publicados (DALBOSCO, 2018a e 2018b). Também, sobre o mesmo tema, ver o livro
sobre Herbart de Odair Neitzel (2019).
7 Utilizaremos as siglas usuais para as seguintes obras: GMS: Grundlegung zur Metaphysik der Sitten
(Fundamentação da Metafísica dos Costumes); Päd: Über Pädagogik (Sobre Pedagogia). Estes escritos
serão citados segundo a Akademie-Ausgabe (AA), indicando-se primeiro a abreviatura da obra, seguida do
número do volume em romano e da respectiva paginação em arábico.
8 Para uma reflexão sobre o aspecto destrutivo do amor próprio e anecessidade de sua educação especifica-
mente no pensamento de Rousseau, consultar Dalbosco (2016).
9 Enquanto a ação pedagógica do governo constitui o fio condutor da exposição do livro primeiro da Pedago-
gia geral, a ação pedagógica do ensino é fio condutor do livro segundo.