ESPAÇO
PEDAGÓGICO
DIÁLOGO COM
EDUCADORES
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Diálogo com educadores
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Diálogo com educadores
Vanderléia Leodete Pulga*
Renata Maraschin**
Altair Alberto Fávero***
Na seção “Diálogo com educadores” deste volume da revista Espaço Pedagó-
gico (REP), contamos com a instigante entrevista concedida pela professora e pes-
quisadora Dra. Vanderléia Laodete Pulga, doutora em Educação – Educação em
saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (2014), premiada
em 1º lugar na categoria Pesquisas e Sistematizações na 2ª edição do Prêmio Victor
Valla pela Abrasco e pelo Ministério da Saúde. Vanderléia fez seu mestrado em
Educação – Educação, Cultura Popular e Saúde no Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGEdu) da Universidade de Passo Fundo (UPF) (2003), e sua dis-
sertação foi premiada em 3º lugar na 1ª edição Prêmio Margarida Alves. Também é
especialista em Preceptoria no Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Instituto Sírio
Recebido em: 11/03/2021 – Aprovado em: 11/03/2021.
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i2.12342
* Doutora em Educação - Educação em saúde (UFRGS/2014), premiada em 1º lugar na categoria Pesquisas e Sistema-
tizações na 2ª edição do Prêmio Victor Valla pela Abrasco e Ministério da Saúde. Mestre em Educação - Educação,
Cultura Popular e Saúde (UPF/2003), dissertação premiada em 3º lugar na 1ª edição Prêmio Margarida Alves. Especia-
lista em Preceptoria no SUS pelo Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa. Especialista em Docência na Saúde pela
UFRGS. Graduada em Filosoa (IFIBE/UPF/1998/2000). Docente de Saúde Coletiva da UFFS/Campus Passo Fundo/RS
na graduação em Medicina. Coordenadora da COREMU da UFFS e do Programa de Residência Multiprossional em
Saúde - Área de Concentração - Atenção Básica - Saúde da Família e Comunidade - da UFFS. Integrante do Grupo
de Pesquisa Inovação em Saúde Coletiva: políticas, saberes e práticas de promoção da saúde da UFFS. Orcid: http://
orcid.org/0000-0002-1918-0916. E-mail: vanderleia.pulga@us.edu.br
** Graduação em Fisioterapia pela Universidade de Passo Fundo (2005). Especialização em Terapia Manual e Postural
pelo Centro Universitário de Maringá (2009). Especialista em Fisioterapia Respiratória pela Associação Brasileira de
Fisioterapia Cardiorrespiratória e Fisioterapia em Terapia Intensiva (ASSOBRAFIR) (2016). Mestrado em Envelheci-
mento Humano pela Universidade de Passo Fundo (2011). Doutorado em Educação pela Universidade de Passo
Fundo (2017). Estágio pós-doutoral em andamento em Educação - Bolsa Capes. Participa do grupo de estudos Filo-
soa e Educação (UPF) e do Projeto de Pesquisa Formação Humana e exercício de si, cadastrados no CNPq. Atuou
como docente em nível de graduação e pós-graduação na área da saúde. Pesquisa os seguintes temas: formação
humana, formação e atuação prossional em saúde, hermenêutica losóca, educação em saúde, cuidado de si,
envelhecimento humano, pedagogia das competências, metodologias ativas de ensino e aprendizagem, pedagogia
hermenêutica, sioterapia respiratória, sioterapia pediátrica. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0595-1641. E-mail:
rechinpf@gmail.com
*** Pós-doutorado (bolsista Capes) pela Universidad Autónoma del Estado de México (2012), doutorado em Educação
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007), mestrado em Filosoa pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (1998), especialização em Epistemologia das Ciências Sociais (1993) e graduação em Filoso-
a Licenciatura Plena pela Universidade de Passo Fundo (1989). Atualmente é professor titular III e pesquisador da
Universidade de Passo Fundo desde 1992. É professor do Corpo docente permanente do Mestrado e Doutorado em
Educação (desde 2008) atuando na linha de Políticas Educacionais. É coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Educação Superior (GEPES - UPF/RS). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9187-7283. E-mail: favero@upf.br
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Libanês de Ensino e Pesquisa; especialista em Docência na Saúde (UFRGS); gra-
duada em Filosofia (Ifibe/UPF/1998/2000). É docente de Saúde Coletiva da Univer-
sidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Passo Fundo, RS, na graduação
em Medicina. Coordenadora da Coremu da UFFS e do Programa de Residência
Multiprofissional em Saúde – área de concentração: Atenção Básica – Saúde da
Família e Comunidade – da UFFS. Integrante do Grupo de Pesquisa Inovação em
Saúde Coletiva: políticas, saberes e práticas de promoção da saúde da UFFS. Te-
mas de estudo: saúde coletiva; educação em/na saúde; residências em saúde/educa-
ção popular em saúde, integração ensino-serviço-comunidade, gestão participativa
em saúde; gênero e saúde; movimentos sociais. Integrante da Coordenação do GT
Educação Popular e Saúde da Abrasco. Membro da direção da Associação Brasilei-
ra da Rede Unida (2010-2016). Integrante da Articulação Nacional de Movimentos
e Práticas de Educação Popular e Saúde.
A presente entrevista foi concedia ao Dr. Altair Alberto Fávero e à Dra. Renata
Maraschin, coordenadores do Dossiê Educação e Saúde. De imediato, manifestamos
nosso profundo agradecimento à Dra. Vanderléia por nos conceder esta entrevista.
REP Você é uma educadora reconhecida no âmbito da saúde. Conte-nos um
pouco de sua trajetória de vida e sua formação acadêmica. Qual foi o percurso de
sua formação até chegar aos campos da educação e da saúde?
Dra. Vanderléia – Minha profunda alegria e gratidão à equipe editorial pelo
convite para compartilhar minha trajetória como educadora aqui na REP da UPF,
instituição que tem contribuição histórica na minha formação pessoal e profissio-
nal.
De origem camponesa, sou filha de pequenos agricultores, nascida no interior
de Guaporé, atualmente é o município de União da Serra, Rio Grande do Sul. Es-
tudei na escola pública em Pulador até a 6ª série, última possibilidade existente no
local para o estudo. Depois, tive que estudar em Bento Gonçalves e em Guaporé,
para concluir o 1º Grau e cursar Magistério, que preparava para atuar com edu-
cação para as séries iniciais, pois sempre adorei crianças e sonhava em ser profes-
sora. Foi um período que também trabalhei no cuidado de crianças e da casa de
parentes para ter onde morar e poder estudar.
Nesse período, na Diocese de Passo Fundo e nas regiões do Rio Grande do Sul,
havia a organização dos jovens através da Pastoral da Juventude, onde fui convi-
dada a participar de um Treinamento de Ação Pastoral. Me engajei nessa organi-
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zação da Pastoral da Juventude Estudantil inicialmente, mas logo me identifiquei
e me comprometi com a Pastoral da Juventude Rural, que mobilizava milhares de
jovens rurais com o lema “Jovem da roça também tem valor”, para refletir sobre
o êxodo rural, as alternativas para a juventude viver no meio rural. Nesse espaço
organizativo, logo fui desafiada a contribuir no setor de formação/educação e de
comunicação, onde atuei por vários anos como educadora popular nos finais de
semana.
Concluí o Magistério e voltei a viver no meio rural, onde trabalhava na roça
num turno e, no outro, era professora concursada do município de Guaporé, atuan-
do em escola multisseriada de 1ª a 5ª série. Foi um período de trabalho como pro-
fessora e na militância junto à Pastoral da Juventude Rural da área de Guaporé
(acompanhando 500 grupos de jovens rurais na época) e atuando junto com as
famílias sem-terra que eram pais dos alunos onde eu atuava e com grupos de mu-
lheres da roça. Foi um período em que nos mobilizamos muito na construção de
propostas de direitos que foram encaminhadas aos deputados federais constituin-
tes para incluir na Constituição de 1988, em especial, relacionadas às áreas rural,
da saúde, da previdência social e da educação. Nesse ano histórico do processo
constituinte, vim para Passo Fundo e comecei a trabalhar no Centro de Educação
e Assessoramento Popular (Ceap) como educadora popular, atuando na assessoria
educativa da Pastoral da Juventude Rural, na ESCAJUR, que era a escola para
jovens; junto à Organização das Mulheres da Roça, que depois se constituiu no Mo-
vimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Camponesas. Também atuei junto
aos sindicatos de trabalhadores Rurais e Grupos de periferia urbana. Fiz muitos
cursos, dentre eles, um no Instituto Cajamar com Paulo Freire, de formação de
formadores populares.
Foi na atuação como educadora popular que me aproximei da luta pelo direito
universal à saúde, que me encantou e me seduziu ao lindo encontro entre a educa-
ção e a saúde; enquanto fazia graduação em Filosofia durante as noites.
Atuei como professora de Ensino Religioso (estudei Teologia e Pastoral) e Fi-
losofia para adolescentes e jovens em colégio, como educadora no Ceap, no Movi-
mento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul (MMTRS/RS) e
na articulação nacional dessas mulheres do campo. Em 1999, com o então gover-
nador Olívio Dutra, fui convidada a trabalhar na assessoria de movimentos sociais
do gabinete da Secretária de Saúde do estado, tendo atuação, especialmente, na
implementação da agenda dos movimentos populares para o acesso ao direito à
saúde, na formulação da Política Intersecretarial de Plantas Medicinais; nas ações
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vinculadas a políticas públicas para as mulheres e no processo de capacitação de
conselheiros e atores sociais para o SUS, junto com os conselhos municipais, esta-
dual e nacional de saúde.
Nesse período, desafiei-me e passei na seleção do mestrado junto ao PPGEdu
da UPF, pesquisando, com as mulheres trabalhadoras rurais, a dimensão educati-
va da luta por saúde desenvolvida pelo MMTR/RS. Depois, atuei como consultora
técnica junto ao Ministério da Saúde, na parceria com a Organização Pan-America-
na da Saúde e a Unesco, junto às Secretarias de Gestão do Trabalho e da Educação
na Saúde e a da Gestão Estratégica e Participativa da Saúde, durante 6 anos.
Esse processo me desafiou a atuar em programas de especialização junto à UPF, à
Universidade de Caxias do Sul e na Escola de Saúde Pública da Bahia, nos cursos
relacionados à saúde.
Posteriormente, passei no concurso do Grupo Hospitalar Conceição (GHC),
onde atuei na Gestão do Trabalho e Educação junto às equipes de saúde deste com-
plexo hospitalar e na Gerência de Ensino e Pesquisa, na coordenação do ensino, na
criação da Escola GHC e como docente dos cursos técnicos, de especialização e da
residência integrada em saúde. Foi um momento em que senti a necessidade de me
qualificar na pesquisa e passei no processo seletivo do doutorado em Educação da
UFRGS.
Também nesse período atuei, através da parceria do GHC com o município
de Passo Fundo, no processo de criação do Curso de Medicina. Em 2013, passei no
concurso para ser docente na UFFS, onde estou até hoje, como professora de Saú-
de Coletiva e coordenadora da Residência Multiprofissional em Saúde na Atenção
Básica.
Já na UFFS, senti a necessidade de aprimorar os conhecimentos no ensino na
área da Saúde e me tornei Especialista em Docência na Saúde pela UFRGS e em
Preceptoria no SUS pelo Instituto Sírio Libanês.
Cabe ressaltar meu engajamento junto ao Grupo Temático de Educação Popu-
lar e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, na Associação Brasileira
Rede Unida, na Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Po-
pular em Saúde, no Movimento de Mulheres Camponesas, no Instituto Cultural e
Educacional Paulo Freire e em Conselhos de Saúde.
Acredito que o processo vivenciado nos espaços formais de ensino aliado à
prática profissional nos diversos locais de trabalho e no engajamento e militância
social, popular e feminista foram sendo a base para ser uma educadora com perfil
popular e na saúde coletiva.
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REP De 2001 a 2003, você realizou seu mestrado na UPF, defendendo a
dissertação Educação, cultura popular e saúde: experiências de mulheres traba-
lhadoras rurais; e, de 2010 a 2014, realizou o doutorado na UFRGS, defendendo
a tese Mulheres camponesas plantando saúde, semeando sonhos, tecendo redes de
cuidado e de educação em defesa da vida. Quais aspectos importantes poderiam ser
ressaltados nessas duas pesquisas e quais suas contribuições para sua formação
como pesquisadora e na produção acadêmica atual?
Dra. Vanderléia – O mestrado e o doutorado me desafiaram para a reali-
zação da pesquisa exploratória e qualitativa junto às mulheres camponesas em
Programas de Pós-Graduação em Educação. Foi um desafio, pois, na época, poucas
eram as pesquisas com enfoque de gênero e de saúde no campo da Educação, ênfase
das duas pesquisas realizadas.
Na dissertação de mestrado, intitulada Educação, cultura popular e saúde: ex-
periências de mulheres trabalhadoras rurais, realizada no Programa de Pós-Gra-
duação em Educação da UPF, sob orientação do Dr. Telmo Marcon, as protagonistas
da pesquisa foram as mulheres camponesas engajadas no Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul (MMTR/RS), através de estudo de caso
na Região Litorânea. Buscou compreender as bases e motivações que davam sus-
tentação à luta por saúde no movimento, bem como os significados, representações,
sentidos e tensionamentos existentes no MMTR, articuladas ao processo da reforma
sanitária no Brasil e da dimensão de gênero e classe. Num contexto onde as políticas
públicas de saúde no Brasil vêm sendo historicamente demarcadas pelo confronto
entre as necessidades do povo e os interesses do capital, a duras consequências para
as classes populares e as mulheres, foi no MMTR/RS que as mulheres construíram
um espaço de luta e valorização das mulheres camponesas na conquista de direitos, e
a saúde foi uma das lutas centrais deste movimento. Nele, as mulheres foram ressig-
nificando a vida e vivenciando experiências de libertação enquanto sentido profun-
do de sua práxis portadora de uma dinâmica educativa e uma mística libertadora.
Nesse processo, a luta pela saúde possibilitou a construção de novos significados
à integralidade da saúde, o fortalecimento de pertença das mulheres para com o
movimento, ao mesmo tempo em que foram realizando ações de enfrentamento ao
projeto neoliberal e à cultura machista. As experiências de organização e luta deste
movimento contribuíram para repensar o modo de cuidar a vida e a saúde
O resultado da pesquisa e da dissertação do mestrado foi um dos trabalhos
premiados que recebeu o 3º lugar no Prêmio Margarida Alves Estudos Rurais e
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de Gênero, iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Pro-
grama de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia e do Núcleo de Estudos
Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), em parceria com a Associação Brasi-
leira (ABA), com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e com
a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2006.
Já a pesquisa que deu origem à tese de doutorado junto ao PPGEdu da
UFRGS, vinculada à Linha de Pesquisa “Trabalho, Movimentos Sociais e Edu-
cação”, sob orientação da Dra. Marlene Ribeiro, intitulada Mulheres camponesas
plantando saúde, semeando sonhos, tecendo redes de cuidado e de educação em
defesa da vida, foi realizada com o Movimento de Mulheres Camponesas Nacional.
Consistiu na identificação de contribuições político-pedagógicas dos movimentos
sociais populares nas experiências e práticas culturais, integrativas, tradicionais
de cuidado e de educação popular em saúde, especialmente do Movimento de Mu-
lheres Camponesas, para contribuir com os processos de formação de profissionais/
trabalhadores(as) da saúde para sua atuação no SUS em comunidades do campo,
da floresta e das águas. A pesquisa foi realizada junto ao Movimento de Mulheres
Camponesas através de análise de observações, registros, documentos, histórias de
vida, oficinas e círculos de cultura feitos com mulheres integrantes dessa organi-
zação, como também as redes de interação com a educação popular e permanente
em saúde. A pesquisa articulou essas experiências e seus saberes no contexto de
produção de vida, saúde e adoecimento das populações que vivem nesses territórios
e os desafios para o cuidado integral e a educação em saúde. Territórios marcados
pelos interesses do capital transnacional e seus impactos sobre os(as) campone-
ses(as), onde os determinantes sociais e as desigualdades compõem a complexidade
da situação de saúde dessas populações.
A tese refletiu sobre a ação das mulheres camponesas na produção de cuidado
da vida e da saúde na sua trajetória histórica, os eixos estruturantes articulados
às relações sociais de gênero, raça/etnia, classe e orientação sexual, ao feminismo e
ao projeto popular de agricultura camponesa. Reafirmou o que já havia sido iden-
tificado na pesquisa anterior, em que, diante da fragilidade de políticas públicas
para as populações do campo, florestas e águas, o MMC surgiu como espaço de luta
e valorização das mulheres camponesas; a conquista de direitos e a saúde emergem
como uma das lutas importantes do movimento. Nele, as mulheres se ressignifi-
cam, têm o cuidado com a vida e a saúde como base central do seu agir e fazem
experiências de libertação e emancipação, enquanto sentido profundo de sua práxis
portadora de uma dinâmica educativo-terapêutica e uma mística libertadora.
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Mas avança no sentido de que, das experiências de organização, de cuidado,
de luta e de formação que o movimento desenvolve, bem como a interação com os
movimentos e as práticas de educação popular em saúde e de educação permanente
em saúde, emergem as contribuições político-pedagógicas que ajudam a repensar
o modo de cuidar a vida e a saúde, bem como as políticas públicas de educação da
saúde, tanto para o meio acadêmico como para os processos de trabalho e educação
na saúde junto ao SUS e seus atores, principalmente para a atuação no campo, nas
florestas e nas águas.
A pesquisa realizada, seus resultados expressos na tese, foi premiada em
1º lugar na categoria Pesquisas e Sistematizações na 2ª edição do Prêmio “Victor
Valla de Educação Popular em Saúde”, organizado pelo Ministério da Saúde em
parceria com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e os Conselhos
Nacionais de Secretários de Saúde (Conass) e de Secretarias Municipais de Saúde
(Conasems), que buscou estimular e reconhecer iniciativas de educação popular em
saúde voltadas ao enfrentamento dos determinantes sociais da saúde e que articu-
lassem os saberes e práticas populares com as ações e políticas públicas de saúde.
REP Como você avalia os avanços e as dificuldades em fazer pesquisa nos
campos da educação e da saúde no atual cenário brasileiro?
Dra. Vanderléia – Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), “saúde é
um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a au-
sência de doença”. No Brasil, fruto da luta pela Reforma Sanitária, conquistou-se,
na Constituição federal de 1988, uma concepção ampliada de saúde, fortemente
vinculada aos direitos humanos, sociais, e ao projeto de desenvolvimento, além de
afirmar os princípios da universalidade, da integralidade e da equidade, ao pre-
conizar que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação” (Art. 196).
Nessa perspectiva, a saúde é base essencial do desenvolvimento do país e a
pesquisa pode dar uma grande contribuição para a saúde e para o desenvolvimen-
to. Assim, é fundamental investir em estratégias eficientes que integrem os novos
conhecimentos e a sua utilização em benefício da população e contribuir para me-
lhorar a vida e a saúde dos povos.
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O Brasil teve participação ativa no debate mundial sobre a pesquisa em saúde
levando a formulação dos marcos institucionais para o desenvolvimento científico e
tecnológico em saúde do nosso país, aprovados na 2ª Conferência Nacional de Ciên-
cia, Tecnologia e Inovação em Saúde, em 2004, a partir de consenso técnico-político.
Assim, a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde e a
Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde vinham sendo os instru-
mentos norteadores das ações de fomento promovidas pelo Ministério da Saúde até
2016. Havia uma compreensão de que as investigações deveriam buscar respostas
e soluções para os problemas prioritários de saúde da população e da gestão do
SUS. Assim como ocorre em outros países, no Brasil, o principal desafio histórico
refere-se à capacidade de incorporação dos resultados das pesquisas no sistema e
nos serviços de saúde.
A pesquisa em saúde e para a saúde precisa considerar os aspectos relaciona-
dos à transição epidemiológica que o Brasil e o mundo passam, onde há uma combi-
nação de doenças infectocontagiosas; as pandemias, em especial a do coronavírus;
doenças crônicas e situações de violência urbana, no trânsito, de gênero e étnico-
-raciais que incidem sobre o adoecimento e mortes; a transição demográfica com o
aumento da expectativa de vida da população e os desafios do cuidado relacionados
ao envelhecimento da população; assim como um conjunto de sofrimentos e adoe-
cimentos produzidos pelas condições de vida, pelas iniquidades e desigualdades
sociais, falta de saneamento básico, condições e relações de trabalho, as questões
ambientais e seus impactos sobre a saúde dos povos.
Sabemos a relevância das pesquisas científicas para os avanços e as conquis-
tas no campo da saúde em geral e da medicina para o aumento da expectativa de
vida da população e para os tratamentos de inúmeras doenças. Entretanto, é pre-
ciso avançar na realização de mais pesquisas, de mais recursos e de fortalecimento
de sistema nacional de pesquisa em saúde e para a saúde vinculados aos atuais
desafios globais colocados.
Cabe destacar que tem relevância, para avançar nas pesquisas, o fortaleci-
mento do ensino na saúde e dos programas de pós-graduação, assim como o aporte
financeiro para pesquisa, ciência e tecnologia, processo que vem sendo reduzido,
especialmente depois do Golpe de 2016 e com a aprovação da EC 95, que congelou
os recursos para a saúde e a educação.
Ademais, desenvolver pesquisas junto ao cotidiano da saúde, seja sobre siste-
mas de saúde, serviços, processos de trabalho, equipes, territórios, comunidades,
formas de participação, educação em/na saúde, dentre outros, são necessidades
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colocadas para o campo da pesquisa e o aprimoramento de proposições com o em-
basamento técnico-científico.
REP Você realizou especializações relacionadas à docência na saúde e à
preceptoria no SUS. Como foi essa experiência e o que destacaria de significativo
dessas experiências, bem como o impacto delas para a educação em saúde?
Dra. Vanderléia – A Constituição federal, em seu artigo 200, preconiza que
uma das competências do SUS é a de ordenar a formação de recursos humanos na
área de saúde. Essa premissa foi dispositivo importante para que, no processo de
construção e implementação do SUS, já se constitua como Sistema Saúde-Escola,
onde todos os cursos da área da saúde têm suas atividades educativas práticas,
vivenciais, de estágios e especializações no SUS.
A área da formação na saúde vem percorrendo processos de ativação de mu-
danças nos cursos da saúde desde a década de 1990, a fim de aproximar as bases
curriculares com o cotidiano do SUS, seus serviços, equipes, territórios e comuni-
dades e de fortalecer as pesquisas inseridas nas realidades da saúde.
Sabemos que a gente aprende nos processos educativos formais nas escolas e
nos diferentes níveis educacionais, mas que também se aprende com as vivências
e experiências do nosso cotidiano. Com base nas perspectivas educacionais liberta-
doras e emancipatórias, a partir dos anos 2000, constrói-se um movimento forte no
campo da educação em/na saúde, a partir da compreensão de que os processos de
trabalho na saúde produzem aprendizados significativos, se colocados em reflexão
individual e coletiva junto às equipes de saúde, e que, nos processos de participa-
ção social, há dimensões político-pedagógicas que podem fortalecer o protagonismo
popular. Nessa perspectiva, foram construídas a Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde e a Política Nacional de Educação Popular em Saúde, junto
ao SUS.
Para implantar essas políticas de educação, foram construídas estratégias de
formação como cursos nacionais de facilitadores de educação permanente em saú-
de, de formação de educadores, de descentralização do SUS, dentre outros.
O Curso de Especialização em Docência na Saúde foi uma dessas ações que
realizou processo seletivo e que formou muitos especialistas em docência na saúde,
vinculada às reais necessidades do SUS para a formação de novos profissionais,
para os cursos técnicos, de graduação e pós-graduação. O aprofundamento pedagó-
gico com as bases orientadoras, as metodologias, as ferramentas educativas para
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ser educadores de profissionais da saúde que aprendem a cuidar cuidando e os
desafios específicos para a formação destes profissionais.
Neste período, também teve a aprovação da Lei do Mais Médicos, através da
vinda de médicos estrangeiros e da expansão das Escolas Médicas com a abertura
de novos cursos, dentre eles o da UFFS em Passo Fundo, RS, e em Chapecó, SC.
Foram estratégias formativas que incidiram diretamente na qualificação profissio-
nal, na ampliação de acesso para mais de 60 milhões de pessoas e para a qualifica-
ção da assistência à saúde da população brasileira como um todo. Entretanto, os re-
trocessos são visíveis no atual cenário brasileiro, onde não há mais essa prioridade.
Outra modalidade fundamental de formação na saúde se expressa nos Pro-
gramas de Residências em Saúde (médica, multiprofissional e uniprofissional), em
que milhares de profissionais fazem suas especializações em serviço e realizam
pesquisa inserida no SUS. Apesar de ainda não termos uma Política Nacional de
Residências em Saúde, os Programas de Residências constituem-se como uma das
melhores estratégias de formação de especialistas para as mais diversas áreas da
saúde. Algumas instituições ofertaram Cursos de Especialização de Preceptoria no
SUS, para especializar profissionais que estão nos serviços de saúde e desempe-
nham, além do cuidado às pessoas, a formação de novos profissionais em serviço,
numa função designada de preceptoria.
Assim, desafiei-me ao processo seletivo do Instituto Sírio Libanês para reali-
zar essa especialização, por ser a Coordenadora da Residência Multiprofissional
em Saúde da UFFS. Ao ser selecionada, pude realizar essa especialização e apro-
fundar as bases pedagógicas da formação em serviço que integra ensino-serviço-co-
munidade; as ferramentas, pesquisas e metodologias ativas e participativas para a
formação de especialistas inseridos nos serviços de saúde do SUS.
REP Em sua trajetória formativa, você se graduou em Filosofia, na UPF,
no ano 2000, escrevendo o trabalho final de curso intitulado A dimensão educativa
da estratégia socialista em Gramsci, com a orientação do Pe. Elli Benincá, que nos
deixou no ano passado. Conte-nos um pouco de sua experiência formativa junto a
este grande educador.
Dra. Vanderléia – A graduação em Filosofia foi um marco fundamental para
minha formação humana e profissional, pois possibilitou o aprofundamento das
bases orientadoras para a vida, para o desenvolvimento do pensamento reflexivo
e inserido na práxis. Para o trabalho final, busquei em Gramsci as reflexões sobre
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a dimensão educativa presente nos processos de luta e de emancipação política na
perspectiva socialista. Ele foi um filósofo que refletiu muito sobre o porquê havia
um processo de naturalização da dominação do fascismo e do nazismo que mata-
vam milhares de pessoas. Suas Cartas na Prisão, suas reflexões, me ajudaram a
compreender como se dão os processos de dominação política e cultural das socie-
dades, sobre a disputa de hegemonia na sociedade, desafiando os sujeitos políticos
(no sentido de que todos/as fazemos política tanto no agir, como no ato de omissão)
e que todos/as somos filósofos/as no sentido de que temos um conjunto de ideias
que orientam nosso agir, seja consciente ou não. Gramsci evidencia a importância
da cultura e dos intelectuais orgânicos às classes populares para contribuir nos
processos de emancipação.
A orientação do Pe. Elli Benincá foi de um educador-filósofo encantador. Ele
foi o mestre que interrogava e desafiava a gente a ser mais, a buscar mais; a nos
inquietarmos para sermos pesquisadores/as e a sermos filósofos/as e educadores/
as. Ele trazia também os ensinamentos de Paulo Freire e nos mostrava, pelo seu
agir, como sermos educadores/as comprometidos/as e implicados/as com os edu-
candos/as e seus processos educativos construindo protagonismo, emancipação e
pessoas engajadas na transformação da sociedade e das relações humanas numa
perspectiva da solidariedade, da justiça e da igualdade. Sou profundamente grata
por conviver, aprender e fazer parte de percursos nos caminhos educativos liberta-
dores ainda em curso, apesar dos tempos sombrios que vivemos. Aprendi com ele
que, ao caminhar junto com as classes populares e com as pessoas que interagem
conosco, compartilhamos saberes, conhecimentos, práticas, experiências e, ao co-
locá-las em reflexão, produzimos novos conhecimentos que poderão ser potências
para a transformação.
Assim como este ano celebramos o Centenário de Paulo Freire, podemos tra-
zer junto o Pe. Elli Benincá com seu legado relacionado à Educação Libertadora!
REP – Você é, atualmente, professora na UFFS, Campus Passo Fundo. Fale-
-nos um pouco dessa experiência e de que forma você avalia o processo de expansão
e interiorização das universidades federais ocorrido nas duas últimas décadas.
Dra. Vanderléia – Eu sou apaixonada pelo que faço! O desafio político-pe-
dagógico de formar pessoas para cuidar de pessoas, no processo de cuidado em
saúde junto ao SUS é intenso, complexo e apaixonante porque exige implicação
permanente com o cuidar e o educar como dimensões indissociáveis. Como afir-
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mava Paulo Freire que não há como educar sem amar o mundo e as pessoas, eu
acrescento que não tem como educar e cuidar sem ser um ato de amor à vida, às
pessoas e ao mundo.
A UFFS nasceu da luta social dos movimentos sociais populares da região Sul
do Brasil e o Campus Passo Fundo, com o Curso de Medicina, foi resultado da com-
binação entre a mobilização popular, de órgãos públicos e da sociedade em geral;
de Políticas Públicas de Expansão do Ensino Superior no Brasil, assim como a de
Expansão das Escolas Médicas, com a capacidade e agilidade de atores políticos,
gestores públicos da região, do estado do Rio Grande do Sul e do Brasil e da reitoria
da Universidade Federal da Fronteira Sul daquele período que teve agilidade e
compromisso para incidir rapidamente num contexto de oportunidade histórica.
Atuei no processo de criação com papel técnico designada pelo Grupo Hos-
pitalar Conceição na parceria com o município de Passo Fundo e na cooperação
técnica com a UFFS e posso afirmar que a articulação desses três elementos com
o compromisso efetivo dos diversos atores sociais e políticos engajados garantiu
esse processo de criação de uma universidade pública e popular, interestadual e
multicampi em toda a região da Fronteira Sul do Brasil, com a sede da reitoria em
Chapecó, Santa Catarina, com Campus em Erechim, Cerro Largo e Passo Fundo
no Rio Grande do Sul, e em Realeza e Laranjeiras do Sul no Paraná.
A Política de Expansão e interiorização do Ensino Profissional e Superior no
Brasil a partir dos Governos Lula e Dilma foi fundamental para garantir acesso aos
jovens que não tinham possibilidades de estudar e, ao mesmo tempo, possibilitou,
com a criação dos Institutos Federais e das Universidades Federais, novas moda-
lidades e processos pedagógicos tão necessários para os desafios contemporâneos.
Assim, o acesso ao ensino através do Enem com a política de cotas (sociais,
étnico-raciais e de pessoas com deficiências) possibilitou a inclusão social das clas-
ses populares ao ensino profissionalizante e ao ensino superior, onde mais de 80%
dos estudantes, no caso da UFFS, são a primeira geração na família a cursar nível
superior.
A indissocialibidade entre ensino, pesquisa e extensão é um aspecto a desta-
car, assim como o compromisso e implicação com o desenvolvimento regional e seu
vínculo com os diversos atores sociais da comunidade regional como protagonistas.
A UFFS tem participação da comunidade regional no Conselho Universitário, no
Conselho Estratégico e Social, nos Conselhos de Campi e nos Conselhos Comunitá-
rios em cada um dos campi; além de que há a participação dos docentes, técnicos,
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discentes e comunidade regional nos processos democráticos de escolha de reitor e
de diretores dos campi.
Infelizmente, a partir do Golpe de 2016 que retirou a Presidenta Dilma do
poder, vemos dia a dia a democracia sendo ameaçada, os retrocessos não só no que
se refere ao fim da expansão do ensino superior, mas a retirada de direitos traba-
lhistas, previdenciários, da educação, saúde, da assistência social, da pesquisa...
Um desmonte e desmantelamento das Políticas Públicas, dos direitos de cidadania
e uma ofensiva neofascista, com a lógica da necropolítica, levando o Brasil de volta
ao mapa da fome, do aumento das desigualdades sociais, das iniquidades, da vio-
lência e das morte diárias que nos colocam em luto permanente.
REP Como você avalia as medidas recentes de cortes do governo a recursos
para o financiamento das pesquisas e das bolsas de mestrado e doutorado?
Dra. Vanderléia – Infelizmente, o Brasil está vivendo um de seus maiores
retrocessos no que se refere aos direitos. Os cortes na Educação e Saúde resultado
tanto da Aprovação da Emenda Constitucional 95 que congelou os recursos por 20
anos, como também por outras medidas de corte de recursos e da desestruturação
das Políticas Públicas, são elementos deste cenário sombrio e desesperador. É como
se deixasse uma pessoa morrendo por falta de água, onde a pessoa sente que está
definhando, enfraquecendo e morrendo, mas os outros não percebem.
Sem financiamento para os programas de mestrado e doutorado e para a pes-
quisa o Brasil vai perdendo sua capacidade de inovação e de produção de ciência e
tecnologia que são fundamentais para a soberania do país.
O sucateamento do ensino público federal, aliado ao processo que vai rompen-
do com a autonomia universitária pelas intervenções e nomeações de reitores/as
que não representam o resultado dos processos participativos decisórios internos
de cada instituição está desestruturando as bases da educação pública federal.
REP Qual sua avaliação em relação aos rumos do ensino público no país?
Como você vê o acesso a este ensino, sobretudo em relação às populações mais
fragilizadas, como indígenas, quilombolas e população rural?
Dra. Vanderléia – O tensionamento entre o fortalecimento da educação pú-
blica, de qualidade, inclusiva e universal de um lado e, de outro, os caminhos da
privatização do ensino marcam a trajetória das políticas educacionais. O atual
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contexto tende a fortalecer trilhas para privatização do ensino e sua subordinação
político-pedagógica aos interesses do mercado. Diante do contexto da pandemia da
Covid-19, essa situação se agrava, pois o acesso não é universal às ferramentas tec-
nológicas para o ensino remoto, telepresencial síncrono e assíncrono ou educação
na modalidade a distância (EaD) ou mesmo na modalidade híbrida, aumentando
as desigualdades sociais e de inclusão de grande parte das crianças, jovens e adul-
tos em todos os níveis de ensino.
A população mais fragilizada socialmente é que está enfrentando as maiores
dificuldades, o que tenderá a aumentar as desigualdades sociais, econômicas e cul-
turais.
Esse processo aliado aos cortes orçamentários para a educação diminuirá ain-
da mais a oferta de vagas públicas ou as dificuldades de acesso e de permanência
nos diversos níveis educacionais para a população das periferias urbanas, para os
povos indígenas, às comunidades quilombolas e para quem vive nas áreas mais
remotas do meio rural, campo e florestas.
REP Especificamente sobre Educação e Saúde (temática do Dossiê da Es-
paço Pedagógico), frente ao cenário pandêmico que vivenciamos, o que você teria a
dizer sobre os rumos desses dois campos ou mesmo da articulação entre eles?
Dra. Vanderléia – O ano de 2020 será marcado na história pela pandemia
da Covid-19, também conhecida como pandemia de coronavírus, uma pandemia
em curso de uma doença respiratória aguda causada pelo coronavírus da Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SRAG) 2 (SARS-CoV-2). Iniciamos o ano de 2021 com
essa situação de “guerra invisível” com o agravamento da pandemia que levou a
vida de mais de 250 mil pessoas no Brasil, sendo a principal causa de morte em
populações em áreas de periferia urbana e em grupos sociais vulnerabilizados.
Sabemos que para enfrentar a pandemia da Covid-19, o Estado brasileiro tem
a obrigação moral e constitucional de coordenar ações emergenciais para contro-
lá-la, superá-la e reduzir impactos econômicos e sociais sobre a nação brasileira.
Mas infelizmente, constata-se irresponsabilidade, inércia e omissão das autorida-
des federais, assim como de alguns gestores estaduais e de âmbitos municipais,
demonstrada pelo fato de o Brasil estar há um ano da pandemia e a situação se
agrava dia a dia e coloca a população inteira em risco.
Após muitas lutas pela Reforma Sanitária, o povo brasileiro conquistou o di-
reito à saúde na Constituição Federal de 1988 e o Sistema Único de Saúde com seu
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caráter público, universal, integral, equânime, descentralizado e com participação
popular. Graças ao SUS, que resiste mesmo diante de fragilidades e do desfinan-
ciamento, a população está tendo possibilidades de cuidado nesse momento pan-
dêmico.
No entanto, a pandemia atingiu o Brasil em meio a uma agenda de reformas
centrada na austeridade fiscal e na redução do papel do Estado que resultou em
desfinanciamento do SUS e fragilização das políticas sociais, e agrava ainda mais
a situação de vida e de saúde dos grupos sob maior risco de adoecimento e morte,
acentuando as iniquidades geradas por raça/cor, classe, etnia, gênero, idade, defi-
ciências, origem geográfica e orientação sexual. Assim como a experiência de ou-
tras epidemias mostra, em especial as mulheres têm sofrido fortemente o impacto
da Covid-19.
Frente à situação do quadro de recessão mundial e nacional causado pela pan-
demia, são necessárias medidas de promoção e geração de emprego e renda e de
proteção social à população. De modo imediato, é necessário contemplar os grupos
sob maior risco de adoecimento e morte, como pessoas idosas e em vulnerabilidade
socioeconômica, como trabalhadores precarizados, população negra, povos indíge-
nas, população LGBTI+, pessoas em situação de rua, ciganos, migrantes e refugia-
dos, pessoas com deficiência, populações privadas de liberdade.
É fundamental as medidas de proteção aos trabalhadores/as da saúde e de ou-
tras áreas essenciais que estão adoecendo e morrendo em trabalhos determinantes
para manter a vida da população.
Medidas de isolamento social, uso de máscaras e de cuidados básicos de hi-
giene são fundamentais. Entretanto, os direitos básicos de acesso à água, sanea-
mento, moradia, alimentação e renda são fatores essenciais para que as pessoas
possam cuidar de si, de suas famílias e comunidades.
Outro elemento a destacar é que as orientações sobre a Covid-19 ou a pande-
mia do coronavírus, sua gravidade, letalidade e as medidas efetivas e científicas
propostas para serem feitas pela sociedade como um todo e as de dever do Estado
estão submersas numa guerra ideológica entre a ciência e a defesa da vida de um
lado, e, de outro, o negacionismo aliado aos interesses econômicos. Essa disputa
ideológica ocorre no mundo real e nos espaços virtuais que adentra no imaginário
da sociedade brasileira, que tem tido dificuldades de saber por onde se guiar em
meio às fake news e os tempos sombrios que passamos.
Cabe ressaltar que a comunidade científica brasileira tem demonstrado vitali-
dade e engajamento no contexto da crise, com participação marcante na testagem
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de vacinas e condução de inquéritos epidemiológicos, essenciais para avaliar a di-
nâmica da pandemia.
No contexto atual em que se somam diferentes processos sociais, sanitários,
políticos, econômicos e culturais produtores de adoecimentos, sofrimentos e mor-
tes, também pode ser compreendido como sindêmico e não só pandêmico, o que traz
um processo mais complexo tanto para compreender, como para as soluções.
O campo da Saúde está totalmente imerso na linha de frente do enfrentamen-
to à pandemia/sindemia junto ao Sistema de Saúde e impacta diretamente sobre os
processos de formação dos profissionais da saúde em todos os níveis.
A Educação está tendo impacto nunca imaginado de ter de se adaptar às tec-
nologias para o ensino remoto nesse contexto de isolamento social. Tanto a área da
saúde, como a da educação clamam por ações intersetoriais, multi e interdiscipli-
nares e uma convocação à criação, ressignificação e produção de estratégias, tecno-
logias e processos de cuidado, de conhecimentos capazes de enfrentar os desafios
do século XXI que traz, junto com a crise sanitária, as crises econômica, política,
cultural, ambiental e civilizatória.
A convocação deste momento é para repensar que sociedade queremos e que
possibilidades de desenvolvimento será mais viável para que todas as vidas no
Planeta Terra – nossa grande “Mãe e Casa Comum” –, possam ser preservadas,
valorizadas e protegidas, assim como, possam construir novas relações humanas e
humanitárias entre as pessoas, povos e nações entre si e com as outras formas de
vida no Planeta.
REP Até que ponto a expansão do setor privado empresarial no campo da
educação afronta os pressupostos do artigo 205 da Constituição de 1988, de uma
educação como dever do Estado e da família, visando “ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”?
Dra. Vanderléia – A expansão do setor privado empresarial no campo da
educação afronta todos os pressupostos do artigo 205 da Constituição de 1988 e
transforma a educação concebida como direito social de todos(as) em mercadoria a
ser ofertada a quem puder pagar. Fere o princípio do direito e seu caráter univer-
sal, restringe o acesso à educação e o coloca a serviço dos interesses econômicos,
rompendo com o dever de educar para o pleno desenvolvimento da pessoa, inci-
dindo diretamente no preparo para o exercício da cidadania, que ficará restrito
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aos interesses de quem detém o poder, e a qualificação para o trabalho ficará sub-
metida ao preparo de mão de obra e não para o exercício profissional autônomo e
protagonizado pelas pessoas.
Um desmonte das políticas educacionais tanto do ponto de vista dos princípios
orientadores como das possibilidades concretas e reais das classes populares fica-
rem à margem, sem acesso ao direito à educação.
REP Que palavras finais você deixaria para os leitores da REP sobre o pre-
sente e o futuro dos que lutam em prol da saúde e da educação de qualidade para
todos?
Dra. Vanderléia – Estamos em tempos de pandemia do coronavírus, Co-
vid-19, mas, na verdade, vivemos uma sindemia, com a combinação desta pan-
demia que assola a humanidade, mas as outras doenças continuam presentes e
aliadas aos impactos sobre os processos de saúde e adoecimento relacionados às
desigualdades sociais, que têm aumento de forma assustadora nesse período, à
redução de políticas sociais que incidem na saúde da população. Momento que nos
desafia a desenvolver a capacidade: a) de construir ferramentas de análise para
compreender os fenômenos; b) de ter visão crítico-reflexiva e científica para supe-
rar a alienação e a naturalização das formas de exploração, dominação, alienação,
discriminação e violência; c) de construir ferramentas para criar, ressignificar ou
produzir formas de resistência social popular, organizativa, mobilizadora e trans-
formadora das práticas, da realidade e das relações.
Tempos sombrios que nos desafiam à indignação diante das injustiças, das
violências e de tudo que fere a vida. Tempos que nos convocam ao esperançar que
Paulo Freire tanto nos ensinou, e que, ao celebrar seu centenário, neste ano, pos-
samos ressignificar e assumir o protagonismo popular de construção de valores,
relações e projetos de sociedade onde todas as vidas valem, devem, podem e serão
preservadas, protegidas, valorizadas e sejam a expressão de um novo modo de bem
viver no Brasil e no mundo!