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ESPAÇO PEDAGÓGICO
Paulo Freire
v. 27, n. 3, Passo Fundo, p. 591-611, set./dez. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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convidar-me. Às vezes, eu venho sendo desconvidado reacionariamente. Mas, agora,
quase que eu me obrigava, há dias passados, a telefonar à Solange e a pedir desculpas
por não vir. Mas, ao mesmo tempo em que certas razões de ordem muito privada me
empurravam a pensar nesta hipótese, outras razões de ordem política me faziam
contornar as razões de ordem mais privada e continuar, ou preservar, ou manter a
aceitação deste convite que me foi feito há quase um ano atrás, para vir aqui hoje.
Em certo sentido, eu quase adivinhava – e acho que uma das qualidades, das vir-
tudes de um educador ou uma educadora de perspectiva, no mínimo, progressista, é de
viver, gestar, através de sua prática, a qualidade de quase adivinhar as coisas, de agu
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çar sua sensibilidade, o sentido das coisas – e quase adivinhando o que faria, tal qual
se fez, de se divulgar que a professora Vanilda Paiva e eu não estaríamos aqui, quase
adivinhando isso, eu preferi estar aqui para mostrar como adivinhei direitamente.
Mas – e isso eu peço, no começo dessa conversa, dessa tarde calorosa e calorenta
que se parece muito com as minhas tardes do Nordeste, que vocês conhecem de perto
–, eu gostaria de dizer que, em mantendo a aceitação do convite, eu tive, porém, ra
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zões privadas que não cabem aqui expor. Tive, então, que aceitar uma fórmula de vir
a vocês pela metade e não totalmente. Significa que eu tive que antecipar a minha
volta a São Paulo para hoje, e não para amanhã; eu preciso dormir em casa hoje. E
essa é a razão pela qual, às quatro e meia, eu viajo, e gostaria que vocês me perdoas
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sem, mas às quatro e vinte e cinco eu me levanto daqui com eles dois e saímos sem
nenhum empecilho para tomar o carro, porque eu preciso tomar o avião hoje de noite.
Depois dessas explicações de ordem privada, mas que se tornam públicas, eu gos
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taria, então, de começar, de introduzir a nossa conversa desta tarde. Eu gostaria de,
mais ou menos, pensar em voz alta num primeiro momento deste encontro, de pensar
em voz alta sobre educação popular. Não tanto do ponto de vista histórico – tomando
a história como se deu e como se dá –, mas tomando a educação popular como eu a
entendo, a compreendo, não necessariamente como muitas de vocês compreendem.
Antes de chegar a falar um pouco sobre como entendo a educação popular, me
parece, como questão de exigência metodológica, importante ou fundamental que
reflexione um pouco, nesse sentido, reiteradamente, porque seria inviável que eu,
hoje, dissesse aqui coisas absolutamente diferentes das que disse há oito dias pas-
sados em Rio Grande, quando estive lá falando para um auditório bem menor que
este. Eu não sou um homem de gênio e não invento coisas todos os dias. Mas, mes-
mo reiterando algumas das minhas afirmações anteriores, gostaria de aqui, agora,
pensar um pouco sobre alguns aspectos do que eu venho chamando a natureza da
prática educativa, e depois chegar à educação popular.