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v. 27, n. 3, Passo Fundo, p. 685-701, set./dez. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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Graduada em Filosoa pela UFPA e doutora em Educação pela PUC-SP. Professora titular da Universidade do Estado
do Pará e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação, sendo a atual coordenadora. É vice-presidente
Norte da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). Coordena o Núcleo de Educação
Popular Paulo Freire da UEPA e a Cátedra Paulo Freire da Amazônia. É editora da Revista Cocar e bolsista produtividade
do CNPq, Nível 2. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3458-584X. E-mail: nildeapoluceno@uol.com.br
Recebido em 25/10/2019 – Aprovado em 09/04/2020
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v27i3.12375
A pedagogia do oprimido de Paulo Freire e o ensino de losoa com crianças
The pedagogy of oppressed by Paulo Freire and the teaching of philosophy with children
La pedagogía do oprimido de Paulo Freire y la enseñanza de losofía con niños
Ivanilde Apoluceno de Oliveira
*
Resumo
Neste artigo tecemos reexões sobre o ensino de losoa com crianças em escola pública, tendo por base a
pedagogia do oprimido de Paulo Freire, buscando vericar como os/as educadores/as promovem a formação do
pensar lógico, crítico e a criatividade da criança. Este ensino é realizado em escola pública da cidade de Belém,
por educadores/as populares de um Núcleo de Educação Popular vinculado a uma universidade pública do es-
tado do Pará, como atividade de extensão. O ensino de losoa com crianças é trabalhado pelos/as educadores/
as na perspectiva de iniciação losóca, procurando-se desenvolver as suas raízes racionais, afetivas, éticas e
estéticas, visando à formação do pensar, do agir e do imaginar/criar da criança vista na sua integralidade. Neste
ensino, trabalha-se com a história da losoa, por meio de livros infantis, alguns produzidos por educadores/as
do próprio núcleo, buscando desenvolver as faculdades das crianças no ato de losofar, como o questionar e o
problematizar a realidade, conceituar, pensar, argumentar com coerência lógica, agir com base em valores éticos
e criar, estimulando a capacidade de imaginação das crianças e a aquisição de valores estéticos. Porém, neste
estudo, o foco é para a formação do pensar lógico, crítico e criativo das crianças. Neste estudo, foi realizada pes-
quisa bibliográca com levantamento documental, na qual foram efetivadas leituras sobre o ensino de losoa,
a educação de Paulo Freire, entre outras, bem como o levantamento de relatórios de atividades de extensão do
referido Núcleo de Educação Popular, dos livros infantis produzidos pelo próprio núcleo e outros utilizados nas
atividades, e como foram aplicados no ensino de losoa com crianças na escola. Entre os resultados, destaca-se
que as crianças nas atividades realizadas analisam os conteúdos, conceituam, argumentam e expressam sua
visão de mundo, desenvolvendo no ensino de losoa a capacidade do pensar crítico, lógico e criativo.
Palavras-chave: Ensino de losoa. Crianças. Pedagogia do oprimido. Paulo Freire.
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Abstract
We weave reections on the teaching of philosophy with children in public school in this article, based on the
Pedagogy of the Oppressed by Paulo Freire, seeking to verify how the educators promote the formation of the
child’s logical, critical thinking and creativity. This teaching is carried out in public school in the city of Belém,
by popular educators from a popular education nucleus linked to a public university of the State of Pará, as an
extension activity. It was carried out bibliographic research with documentary survey in this study, in which
readings on the teaching of philosophy were eective, the education of Paulo Freire, among others, as well as
the survey of reports of extension activities of the aforementioned Popular Education Nucleus, childrens books
produced by the nucleus and others used in activities and how they were applied in teaching philosophy with
children at school. Among the results, it is highlighted that the children in the activities performed analyse the
contents, conceptualize, argue and express their worldview, developing the capacity for critical, logical and crea-
tive thinking in the teaching of philosophy.
Keywords: Teaching of philosophy. Children. Pedagogy of the oppressed. Paulo Freire.
Resumen
En este artículo reexionamos sobre la enseñanza de la losofía con niños en una escuela pública, basada en la
Pedagogía del Oprimido de Paulo Freire, buscando vericar cómo los educadores promueven la formación del
pensamiento lógico, crítico y creativo del niño. Esta enseñanza se realiza en una escuela pública en la ciudad
de Belém, por educadores populares de un Centro de Educación Popular vinculado a una Universidad pública
del Estado de Pará, como una actividad de extensión. La enseñanza de la losofía con los niños es trabajada por
educadores desde la perspectiva de la iniciación losóca, buscando desarrollar sus raíces racionales, afectivas,
éticas y estéticas, con el objetivo de formar el pensamiento, la actuación y la imaginación/creación del niño
visto en su totalidad. En esta enseñanza trabajamos con la historia de la losofía, a través de libros infantiles,
algunos producidos por educadores del Núcleo mismo, buscando desarrollar las facultades de los niños en el
acto de losofar, como cuestionar y problematizar la realidad, conceptualizar, pensar, argumentan con coheren-
cia lógica, actúan en base a valores éticos y crean, estimulando la imaginación de los niños y la adquisición de
valores estéticos. Sin embargo, en este estudio, el enfoque está en la formación del pensamiento lógico, crítico y
creativo de los niños. En este estudio, se realizó una investigación bibliográca con encuesta documental, en la
que se realizaron lecturas sobre la enseñanza de la losofía, la educación de Paulo Freire, entre otros, así como la
encuesta de informes de actividades de extensión del referido Centro de Educación Popular, de libros infantiles
producidos por el Núcleo y otros utilizados en las actividades, y cómo se aplicaron en la enseñanza de losofía
con niños en la escuela. Entre los resultados, se destaca que los niños en las actividades realizadas analizan los
contenidos, conceptualizan, discuten y expresan su cosmovisión, desarrollando en la enseñanza de la losofía la
capacidad de pensamiento crítico, lógico y creativo.
Palabras clave: Enseñanza de losofía. Niños. Pedagogía del Oprimido. Paulo Freire.
Introdução
Neste artigo tecemos reflexões sobre o ensino de filosofia com crianças em
escola pública, tendo por base a pedagogia do oprimido de Paulo Freire.
Uma das principais referências da educação de Paulo Freire é o livro Pedago-
gia do Oprimido, escrito de 1967 a 1968 e publicado nos Estados Unidos em 1970,
e no Brasil em 1975 (CASALI, 2009). Nessa obra, Paulo Freire apresenta uma
pedagogia do oprimido, cuja característica é o engajamento ético-político com os
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oprimidos, ou seja, todos que sofrem opressão social tanto por questão de classe
quanto por outros fatores: etnia, idade, sexo, etc.
A opressão é conceituada por Freire (1983, p. 47, grifo nosso) como “um ato
proibitivo do ser mais dos [seres humanos]”, compreendendo que, no processo de
opressão, o ser humano é negado em sua vocação ontológica para ser mais, consti-
tuindo-se em uma ação de desumanização.
O livro Pedagogia do Oprimido é estruturante do seu pensamento educacional
por apresentar a crítica à concepção tradicional de educação, que denomina de
bancária, por ser impositiva de conteúdos, competitiva, meritocrática, alienante e
excludente, e anunciar as diretrizes e categorias fundantes da sua pedagogia, que
se configura em dialógica, crítica e libertadora.
Como o próprio Freire (1983, p. 17) afirma, a pedagogia do oprimido faz “da
opressão e de suas causas objeto de reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu
engajamento necessário na luta por sua libertação”. Destaca, ainda, que a pedago-
gia do oprimido tem raízes na luta por sua libertação. “E tem que ver, nos próprios
oprimidos, que se saibam ou comecem criticamente, a saber-se oprimidos, um dos
seus sujeitos”. Por isso, precisa ser crítica, humanizadora e libertadora.
Assim, com base no livro Pedagogia do Oprimido, a pedagogia de Paulo Freire
é vista como libertadora, humanista, dialógica e do oprimido. É nesse sentido que
será tratada neste artigo, como uma pedagogia do oprimido.
O objetivo deste artigo é verificar como educadores/as promovem a formação
do pensar lógico, crítico e criativo da criança no ensino de filosofia. Esse ensino é
realizado em escola pública da cidade de Belém, por educadores/as populares de
um Núcleo de Educação Popular vinculado a uma universidade pública do estado
do Pará, como atividade de extensão.
O ensino de filosofia com crianças é trabalhado pelos/as educadores/as na pers-
pectiva de iniciação filosófica, procurando-se desenvolver as suas raízes racionais,
afetivas, éticas e estéticas, visando à formação do pensar, do agir e do imaginar/
criar da criança vista na sua integralidade.
Freire (2001b, p. 18) compreende o ser humano na sua inteireza de ser, razão-
-corpo, cognitivo-afetividade, quando afirma: “sou uma inteireza e não uma dicoto-
mia [...]. Conheço com meu corpo todo, sentimentos, paixão. Razão também”.
Neste ensino, trabalha-se com a história da filosofia, por meio de livros infan-
tis, alguns produzidos por educadores/as do próprio núcleo, buscando, também,
desenvolver as faculdades das crianças no ato de filosofar, como o questionar e o
problematizar a realidade, conceituar, pensar, argumentar com coerência lógica,
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agir com base em valores éticos e criar, estimulando a capacidade de imaginação
das crianças e a aquisição de valores estéticos. Assim, neste estudo, o foco é para a
formação do pensar lógico, crítico e criativo das crianças.
Essas ações educativas têm por base as seguintes categorias da pedagogia do
oprimido de Paulo Freire: o diálogo, o ato de perguntar, o estímulo à curiosidade, à
criatividade e à autonomia dos sujeitos educacionais, assim como o ato de proble-
matizar a realidade social.
Neste estudo, tanto a pesquisa bibliográfica quanto o levantamento documen-
tal foram realizados, tendo sido efetivadas leituras sobre o ensino de filosofia, a
educação de Paulo Freire, entre outras, bem como o levantamento de relatórios de
atividades de extensão do referido Núcleo de Educação Popular, de livros infantis
produzidos pelo próprio núcleo e outros utilizados nas atividades, e como foram
aplicados no ensino de filosofia com crianças nas escolas.
Desta forma, este artigo está direcionado para as atividades educacionais
realizadas no ensino de filosofia com crianças, incluindo o uso de livros infantis,
visando investigar: como é promovida a formação do pensar lógico, crítico e criativo
da criança?
É importante ressaltar que o Núcleo de Educação Popular já elaborou dois
livros infantis para o ensino de filosofia com crianças, por meio de um trabalho
coletivo dos educadores, tendo como pondo de partida a realidade da Amazônia
Paraense, instigando nas crianças o interesse pela filosofia.
A produção de livros filosóficos para crianças surgiu no núcleo pela necessi-
dade de se trabalhar a história da filosofia e apresentar os filósofos e seus temas
de reflexões filosóficas. Como os livros que abordam questões filosóficas não são
facilmente encontrados no âmbito da literatura infantil, os/as educadores/as resol-
veram produzir os livros infantis.
Inicialmente, apresentamos o porquê de as crianças filosofarem, em seguida,
a pedagogia do oprimido de Paulo Freire e o ensino freireano de filosofia com crian-
ças, por meio da descrição e análise de duas estratégias metodológicas realizadas
pelos/as educadores/as na formação do pensar lógico, crítico e criativo da criança: o
círculo cultural dialógico e de problematização e o uso de livros infantis filosóficos.
O porquê de as crianças losofarem
A filosofia é entendida como a busca em conhecer e solucionar as problemáti-
cas existenciais e socioculturais do ser humano. A filosofia se apresenta:
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[...] como uma “maneira de pensar” que tem “um conteúdo próprio: os aspectos fundamen-
tais da realidade e da existência humana” [...] é um projeto, e não uma obra acabada; é uma
“busca perene de ampliação do saber” e procura apropriar-se da realidade para ir além
da explicação, da descrição dessa realidade, num movimento histórico de constituição das
significações e do próprio mundo humano (LORIERI; RIOS, 2004, p. 24-25).
A filosofia se configura como uma atividade humana, porque todo o ser hu-
mano filosofa em sua relação com o mundo, levantando problemas e encarando os
desafios vivenciados no cotidiano social e que provocam questionamentos e estimu-
lam a busca de conhecer os fatos e de solucioná-los.
O ser humano, então, diante dos problemas que a realidade social apresenta,
assume uma atitude filosófica. De modo que:
Filosofar [...] se impõe não como puro encanto, mas como espanto diante do mundo, diante
das coisas, da História que precisa ser compreendida ao ser vivida no jogo em que, ao fazê-
-la, somos por ela feitos e refeitos (FREIRE, 2000, p. 102).
Na visão de Gramsci (1991, p. 11), “todos os homens são filósofos”, pois ex-
pressam na linguagem, no senso comum, na cultura popular, etc., uma filosofia
construída de forma ocasional e espontânea. Filosofia compreendida como uma
visão de mundo produto de questionamentos e reflexões sobre ações, sentimentos
e ideias, extraída da vivência cotidiana e gerada pela curiosidade. Dessa forma, a
filosofia se apresenta como ato de filosofar, ou seja, como uma atitude filosófica do
ser humano perante o mundo e como teoria ou pensamento filosófico, isto é, atitude
de investigação filosófica do ser humano perante o mundo.
Freire (1983), em Pedagogia do Oprimido, ressalta a capacidade do ser hu-
mano de se colocar a si mesmo como problema, mediante a consciência de sua
incompletude e de sua compreensão de que é um ser que não sabe tudo, por isso se
constitui em um “ser de busca” do conhecimento.
Mais uma vez os homens [e as mulheres], desafiados pela dramaticidade da hora atual,
se propõem a si mesmos, como problema. Descobrem que pouco sabem de si, de seu “posto
no cosmos”, e se inquietam por saber mais. Estará, aliás, no reconhecimento do seu pouco
saber de si uma das razões desta procura. Ao instalar-se na quase, senão trágica descoberta
do seu pouco saber de si, se fazem problema a eles mesmos. Indagam. Respondem, e suas
respostas os levam a novas perguntas (FREIRE, 1983, p. 29).
O ato de perguntar, na visão de Freire (1983), está situado no âmbito da pro-
blematização do ser humano sobre si mesmo. A pergunta está relacionada à curio-
sidade do ser humano, cuja radicalidade é a consciência de sua inconclusão, no seu
permanente processo social e histórico de busca.
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A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como
pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que
sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haverá criticidade sem a curiosi-
dade que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescen-
tando algo a ele que fazemos (FREIRE, 2007, p. 32).
O perguntar, então, faz parte do processo de existir humano, sendo necessário
à prática educacional, considerando que “uma educação de perguntas é a única
educação criativa e apta a estimular a capacidade humana de assombrar-se, de
responder ao seu assombro e resolver seus verdadeiros problemas essenciais, exis-
tenciais. E o próprio conhecimento” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 52).
É nesta perspectiva que compreendemos que a criança pode filosofar. As crian-
ças, tais como os adultos, são curiosas, estão em processo de conhecimento e fazem
perguntas sobre a vida, a natureza e os acontecimentos socioculturais. Perguntam
para conhecer as coisas, sendo capazes de encontrar respostas às suas próprias
perguntas e inquietações (DEWEY, 1959 apud PAGNI; BROCANELLI, 2007).
O ensino de filosofia, na perspectiva de uma pedagogia da pergunta, consiste
em estimular a curiosidade e o ato de perguntar das crianças na ação educativa.
Lipman, Sharp e Oscanyan (2001) afirmam que as crianças podem filosofar,
porque se deslumbram e são curiosas perante a realidade. Ao perguntar o porquê
das coisas, expressam o seu espírito inquiridor e levantam temas filosóficos. Os au-
tores consideram, ainda, que a filosofia é favorável ao desenvolvimento das crian-
ças, ao possibilitar-lhes realizar juízos logicamente corretos, estimular atitudes
éticas e o pensamento reflexivo.
Entretanto, na perspectiva da pedagogia do oprimido, compreendemos, como
Freire (1993, p. 79), que: “ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na
prática social de que tomamos parte”, e a formação da criança é integral. Nesse
sentido, a filosofia não pode ser apenas dirigida à razão, ela deve ter raízes também
na afetividade e na estética.
Uma educação que englobe a estética é aquela que coloca o indivíduo “em conta-
to com os sentidos que circulam em sua cultura, para que, assimilando-os, ele possa
nela viver [...]. Significa permitir que ele conheça as múltiplas significações e as
compreenda a partir de suas vivências” (DUARTE, 1988 apud MARIN, 2007, p. 114).
Assim, formar ética e esteticamente crianças pressupõe o desenvolvimento de
atividades pedagógicas criativas e críticas, entre as quais as artísticas.
Jamais pude pensar a prática educativa [...] intocada pela questão dos valores, portanto,
da ética, pela questão dos sonhos e da utopia, quer dizer, das opções políticas, pela questão
do conhecimento e da boniteza, isto é, da gnosiologia e da estética (FREIRE, 2000, p. 89).
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É na perspectiva de uma educação crítica e criativa que se compreende ser o
ensino de filosofia com crianças, que se apresenta como processo de iniciação filo-
sófica. A criança tem acesso ao contato com o pensamento de alguns filósofos, por
meio da literatura infantil, sendo trabalhadas pedagogicamente com elas questões
filosóficas: o conhecimento, a ética, a estética, a lógica, entre outras. Neste estudo,
o foco é para questões da lógica, da criticidade e da criatividade.
A pedagogia do oprimido de Paulo Freire como pressuposto do ensino de losoa
com crianças
O ensino de filosofia com crianças, realizado desde 2007, em escola pública de
Belém, está centrado nas seguintes diretrizes da pedagogia do oprimido de Paulo
Freire (2007):
a) ensinar não é transferir conhecimento, e sim “criar as possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção” (2007, p. 47);
b) ensinar exige criticidade, com vistas a superar a visão ingênua de mun-
do; promover a passagem da curiosidade ingênua para a curiosidade episte-
mológica;
c) ensinar exige ética e estética, Freire considera que a formação crítica
deve ser feita vinculada a uma rigorosa “formação ética ao lado sempre da
estética. Decência e boniteza de mãos dadas” (2007, p. 32);
d) ensinar exige curiosidade, importa para Freire que “professores e alu-
nos se assumam epistemologicamente curiosos” (2007, p. 86);
e) ensinar exige respeito aos saberes dos educandos, promovendo a “re-
lação desses saberes com o ensino dos conteúdos” (2007, p. 30);
f) ensinar exige respeito à autonomia do ser humano, que requer do
docente uma prática coerente com essa exigência;
g) ensinar exige disponibilidade para o diálogo e saber escutar, que
implica no sujeito se abrir ao mundo e aos outros, inaugurando com seu ges-
to a relação dialógica, que perpassa pela escuta do outro e se confirma como
inquietação, curiosidade, inconclusão em constante movimento na história;
h) ensinar exige alegria e esperança, como clima do espaço pedagógico, com
vistas ao processo de humanização e de transformação social (2007, p. 72);
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i) ensinar exige querer bem aos educandos, porque “a afetividade não
está excluída da cognoscibilidade”; o querer bem significa “a disponibilidade
à alegria de viver”, uma ação de amorosidade indispensável no ato educati-
vo (2007, p. 141).
Nesse sentido, o ensino de filosofia com crianças articula a criticidade com a
ética e a estética, é alegre, estimula a curiosidade e a problematização da realida-
de, promove a amorosidade, a autonomia dos sujeitos e a esperança de um mundo
melhor.
As principais categorias freireanas utilizadas são: a pergunta, o diálogo, a
amorosidade, a problematização e a autonomia.
O ato de perguntar, em Freire e Faundez (1985), faz parte da existência hu-
mana, cujo ponto de partida do questionar é a curiosidade, configurando-se o ato de
perguntar a origem do conhecimento. Assim, na prática pedagógica é imprescindí-
vel o estímulo à curiosidade e à criatividade por meio da pergunta.
Para Freire (1980, p. 83), o que fundamentalmente importa à educação:
[...] é a problematização do mundo do trabalho, das obras, dos produtos, das ideias, das con-
vicções, das aspirações, dos mitos, da arte, da ciência, enfim, o mundo da cultura e da história,
que resultado das relações homem-mundo, condiciona os próprios homens, seus criadores.
É o mundo humano que é objeto de problematização dos homens e mulheres
na ação educativa, mundo no qual o próprio ser humano está inserido e também
dialeticamente problematizado.
O diálogo e a problematização em Paulo Freire apresentam uma dimensão
política. O diálogo possibilita às pessoas de segmentos sociais excluídos “dizerem
sua palavra”, expressando sua forma de ver o mundo e de se ver como pessoa e
cidadã, além de problematizarem de forma crítica a realidade social. A cidadania,
para Freire (2001a, p. 130-131), “passa pela participação popular, pela voz [...]. A
voz é um direito de perguntar, criticar, de sugerir”. E a problematização permite
aos excluídos socialmente efetuar uma análise crítica sobre a realidade, que se
apresenta como problema, visando modificá-la.
Na pedagogia do oprimido de Paulo Freire, a problematização se processa por
meio do diálogo, no qual os sujeitos cognoscentes se comunicam.
Na dialogicidade, na problematização, educador-educando e educando-educador vão ambos
desenvolvendo uma postura crítica da qual resulta a percepção de que este conjunto de sa-
ber se encontra em interação. Saber que reflete o mundo e os homens, no mundo e com ele,
explicando o mundo, mas sobretudo, tendo de justificar-se na sua transformação (FREIRE,
1983, p. 55).
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A amorosidade está vinculada ao diálogo, conceituado por Freire (1980, p. 43)
como “encontro amoroso dos homens [e mulheres] que, mediatizados pelo mundo,
o pronunciam, isto é, o transformam, e transformando-o, o humanizam para a hu-
manização de todos”.
Na pedagogia do oprimido, a amorosidade envolve a intercomunicação e o res-
peito entre os sujeitos. O amor é definido por Freire (1981, p. 29) como uma “inter-
comunicação íntima de duas consciências que se respeitam”.
Além do diálogo e da amorosidade, a autonomia é fundamental na pedagogia
de Paulo Freire. Ter autonomia significa ser sujeito na construção de sua história,
cultura e educação. Para Freire, a autonomia envolve escolhas e decisões. Dessa
forma, a autonomia “vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras deci-
sões, que vão sendo tomadas [pelos indivíduos]” (2007, p. 107).
O ensino de filosofia com crianças visa que a criança seja capaz de: problema-
tizar a realidade social em que vive; ter autonomia em sua forma de pensar; poten-
cializar o seu pensar crítico, reflexivo e criativo; viabilizar a compreensão entre a
produção histórica e filosófica expressa nos livros infantis e a atitude cotidiana de
filosofar.
Assim, além de desenvolver o ato de filosofar, o uso de livros infantis via-
biliza o contato com o pensamento de filósofos, para que as crianças conheçam um
pouco da história da filosofia e se informem sobre algumas questões filosóficas,
relacionando-as com o seu contexto sociocultural.
O ensino de losoa com crianças: a formação do pensar lógico, crítico e criativo
O círculo cultural dialógico e de problematização
O círculo cultural dialógico e de problematização proposto como estratégia
metodológica no ensino de filosofia com crianças tem por base os círculos de cultura
de Paulo Freire, nos quais:
[...] dialogicamente se ensinava e se aprendia. Em que se conhecia em lugar de se fazer
transferência de conhecimento. Em que se produzia conhecimento em lugar de justaposição
ou da superposição de conhecimento feitas pelo educador a ou sobre o educando. Em que se
construíam novas hipóteses de leitura do mundo (FREIRE, 2003, p. 161).
Nesse círculo, são realizadas conversas dialógicas com as crianças, tendo
por base um tema gerador, por meio das quais as crianças são incentivadas a per-
guntar, a levantar problemas e a refletir sobre eles, sem repressões.
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Desta forma, do diálogo sobre o tema, expresso por situações existenciais e
sociais, emergem questões para reflexão no círculo, sendo utilizadas diversas es-
tratégias educacionais, entre as quais o uso de livros infantis, slides, teatro, etc.
Levantamento de perguntas existenciais
No círculo cultural, as crianças levantam questões filosóficas existenciais,
como o porquê da morte, buscando conhecer e esclarecer os fatos.
Criança: — Por que a gente morre?
(RELATÓRIO NEP, 2007a, p. 03).
Criança: — Por que Deus fez a gente?
(AMADOR, 2007, p. 95).
Pensar com coerência lógica e argumentação
As crianças expressam um pensar com coerência lógica, apresentando concor-
dância e contra argumentação.
Educador: — Então quer dizer que o isolamento é quando o ser humano mora sozinho?
Crianças: — Não.
Criança: — Não. Tem gente que mora com a família que é isolada.
Criança: — É mesmo.
(AMADOR, 2007, p. 71).
Educador: — Existe um número certo de membros para compor uma família?
Crianças: — Não.
Criança: — Existe.
Criança: — Desconcordo.
(AMADOR, 2007, p. 79).
Educador: — Então o que é carinho?
Criança: — É o amor.
Criança: — Eu não acho.
Criança: — Eu acho!
Educador: — Você poderia explicar porque não acha que o carinho é amor?
Criança: — Porque o amor é uma coisa que namora e vai casar.
(AMADOR, 2007, p. 74).
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Conceituar as coisas
No círculo cultural, as crianças também conceituam as coisas, usando situa-
ções concretas da realidade social.
Educador: — E os filhos e as filhas possuem papel na família? [...]
Criança: — É ajudar os pais a trabalhar [...]
Criança: — A prima quando ela chega.
Criança: — Para cinhar.
Educador: — O que é cinhar?
Criança: — É cinhar o mato com ancinho.
Criança: — Limpar o terreiro.
(AMADOR, 2007, p. 75).
Formação do senso crítico
As crianças, no círculo cultural, apresentam senso crítico:
Educador: — Por que a poluição nos igarapés está acontecendo?
Criança: — Porque jogam lixo.
Criança: — As pessoas jogam lixo nos igarapés.
Criança: — Elas acham que é bom jogar lixo nos igarapés. [...]
Criança: — Quando jogam lixo no rio, é porque não sabe pensar.
Criança: — É porque não tem noção.
Criança: — Ela está acabando com a natureza.
(AMADOR, 2007, p. 103-104).
Educador: — Por que o ser humano bate no outro?
Criança: — Porque ele sente raiva e coloca para fora.
Educador: — Quando o homem bate na mulher, ele é chamado de covarde. E quando a
mulher bate no homem?
Criança: — É para se proteger dele [...]
Criança: — Tem a Lei Maria da Penha.
Criança: — Ela se protegeu.
Criança: — Eu não vou deixar o meu marido me bater!
Educador: — Será que ele também perdeu a cabeça e não pensou?
Crianças: — Foi.
Educador: — E quando nós pensamos?
Criança: — Ah! É diferente.
(RELATÓRIO NEP, 2007a, p. 03).
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Educador: — O que é certo?
Educando 5: — O certo é pensar. Antes de fazer, tem que pensar.
Educador: — Os animais, porque não pensam, fazem o errado?
Educandos: — É.
Educanda 2: — Por exemplo o macaco faz tudo errado porque ele não pensa.
Educanda 1: — Errado é uma coisa que a gente não pensa antes de fazer.
Educador: — Quando a gente pensa antes, e não sai do jeito que a gente queria depois?
Educando 4: — A gente tenta de novo.
Educanda 2: — A gente faz de novo.
Educando 4: — Até dar certo.
(RELATÓRIO NEP, 2007b, p. 4).
A utilização de livros para desenvolvimento de habilidades lógicas e criativas
Alguns círculos de cultura foram iniciados com diálogos incentivados pela
apresentação de um livro.
Os livros infantis filosóficos são utilizados por meio de diferentes estratégias
metodológicas, envolvendo leituras coletivas e em pequenos grupos e o círculo cul-
tural para levantamento de questões sobre o livro, buscando identificar o nível de
compreensão do conteúdo do livro em estudo.
Livro Zoom
O livro apresentado às crianças foi o Zoom, que não possui textos, somente
imagens, com o uso de slides projetados na tela. Nessa apresentação, com o intuito
de incentivar a curiosidade e a relação lógica entre o todo e a parte, o tema em
debate foi a curiosidade.
Educadora: — E o que é curiosidade?
Criança 1: — É uma pergunta sem resposta.
Criança 2: — É você olhar e sentir vontade de ir ver.
Criança 3: — É você querer fazer.
Criança 4: — É você não pensar em só olhar, é ir ver de perto, pegar, tocar.
Criança 5: — É abrir um pacote somente para ver o que é.
Criança 6: — É não deixar passar sem ver o que é.
Criança 7: — É uma atração para saber o que é.
Criança 8: — É você se sentir atraído pelo diferente.
Criança 9: — É a vontade de ver o que é.
Criança 10: — É tudo isso...
(RELATÓRIO NEP, 2010, p. 04).
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Livro sobre Descartes
O livro René Descartes (HASSEN, 2009) conta a história de um menino, cha-
mado Renê, que, além de brincar, pensava. Ele, num dado dia, pensou sobre o
sonho e a realidade e desconfiou do que via ao seu redor. O que era ilusão? O que
era verdade? Pensou e concluiu, mesmo que pensasse errado, quem pensa precisa
existir. Por isso, afirmou: “Penso, logo existo”.
O livro foi apresentado em forma de slides, por meio de leitura coletiva realiza-
da pelo educador e pelas crianças. Após a leitura, foi constituído o círculo cultural,
no qual as crianças debateram sobre a ilusão, o que existe e a verdade, tendo por
base o que leram no livro.
Criança 2: — A ilusão é quando a gente vê uma coisa que não é verdade, que nem a lama
que o menino viu (Descartes).
Criança 1: — É uma menina por causa do cabelo.
Criança 2: — Não é. O nome é de menino: René.
Criança 1: — Ah! é.
Educador: — O trote do cavaleiro era de verdade?
Crianças: — Não. Era ilusão.
Criança 2: — Tudo que ele (Descartes) pensava era ilusão.
Educador: — A ilusão é pensamento?
Crianças: — É.
Criança 2: — Aí quem pensa é porque existe.
Educador: — Por mais que pense errado?
Criança 2: — Não importa, pensou, existiu.
Educador: — A gente passa a existir quando pensa?
Criança 2: — É. Acho que passa, sem pensar a gente nunca ia existir.
(RELATÓRIO NEP, 2007b, p. 03).
Educador: — O que é verdade?
Crianças: — É aquilo que acontece.
Educador: — O que é mentira?
Criança 1: — Mentir é uma coisa assim. Quando a gente faz uma coisa pra nossa mãe, aí
depois a nossa mãe descobre, aí diz que é mentira.
Educador: — Então mentira é o que a nossa mãe diz que é mentira?
Crianças: — Não.
Criança 1: — Mentira é algo que a gente inventa para nossa mãe.
(RELATÓRIO NEP, 2007b, p. 03).
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Leitura e análise do livro Conversa com Sócrates
A sinopse do livro Conversa com Sócrates é a seguinte: o professor em sala fa-
lou um pouco sobre Sócrates e os meninos ficaram curiosos em conhecer mais sobre
o filósofo. Ao adormecerem embaixo de uma árvore, sonharam que estavam em
uma terra distante e se encontravam com Sócrates, que os denominou de Menino
do Porquê e Menina da Pergunta. Na conversa dialógica com os meninos, Sócrates
apresenta o que é a filosofia, o conhecimento e a maiêutica.
Para leitura desse livro, foi utilizada a estratégia metodológica da leitura co-
letiva. Após a leitura, foi analisado um trecho do livro no qual Sócrates pergunta
às crianças se todas as árvores são iguais. Os/as educadores/as, então, fizeram
a pergunta: “Todas as árvores são iguais?”. Mediante esta pergunta, as crianças
desenharam, na lousa e no caderno, as diferentes árvores que conheciam e que já
tinham visto em algum lugar (Figura 1).
Figura 1 – Atividade As árvores são todas iguais?”
Fonte: Relatório NEP (2015, p. 10).
No desenvolvimento da atividade, foi estabelecido o seguinte diálogo entre as
crianças e a educadora:
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Criança 1: — Professora, as árvores são seres vivos?
Educadora: — Sim, as árvores são seres vivos.
Criança 1: — Nós também somos seres vivos?
Educadora: — Sim, nós humanos também somos seres vivos.
Criança 2: — Ah!, então, se as árvores são seres vivos e nós também somos, quer dizer que
se as árvores não são todas iguais então nós também não somos, né?
Criança 1: — Era isso que eu ia perguntar!!!
(RELATÓRIO NEP, 2015, p. 10).
Jogo losóco
A atividade do “jogo filosófico” consistiu em apresentar um jogo sem regras
para as crianças. Ele correria da forma que as crianças achassem mais adequada.
Sem regras, as crianças jogariam de forma aleatória. Logo, elas perceberam que
todo jogo precisa de regras para que cumpra sua funcionalidade. Os/as educadores/
as, então, solicitaram que as crianças criassem ou seguissem as regras já estabe-
lecidas para cada jogo e, depois, jogassem. No final da atividade, cada grupo de
crianças criou um jogo com as suas respectivas regras (Figuras 2 e 3).
Figura 2 – Criação de regras dos jogos Figura 3 – Jogos utilizados em sala
Fonte: Relatório NEP (2016, p. 11). Fonte: Relatório NEP (2016, p. 11).
As crianças criaram regras e dinâmicas dos jogos, o que exigiu capacidades de
pensar, comparar, classificar, quantificar e refletir criticamente sobre como viabili-
zar a execução de um jogo.
Assim, as atividades realizadas indicaram que as crianças desenvolveram as
capacidades de pensar, questionar e refletir criticamente sobre fatos vivenciados
em seu cotidiano social.
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Considerações nais
No ensino de filosofia com crianças e adolescentes, tendo por base a pedagogia
do oprimido de Paulo Freire, fica evidente que a criança em sua iniciação filosófica
desenvolve capacidades lógicas fundamentais para a formação pessoal e educacio-
nal. O fomento ao pensar lógico, crítico e criativo é realizado na prática educativa
por meio de uma diversidade de estratégias, incluindo produções literárias, leitu-
ras de livros infantis, desenhos, entre outras.
No círculo dialógico, as crianças trazem para debate questões relacionadas ao
seu cotidiano social, que perpassam o seu fazer como crianças, o brincar, o estudar,
os problemas familiares e de cunho social. Assim, analisam os conteúdos, criam
desenhos, conceituam, argumentam e expressam sua visão de mundo. Com isso, as
crianças desenvolvem a capacidade do pensar lógico e crítico, bem como sua criati-
vidade no ensino de filosofia, articulado ao seu contexto sociocultural.
Referências
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