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Araci Asinelli-Luz, Michelle Popenga Geraim Monteiro, Tatiane Delurdes de Lima-Berton
v. 27, n. 3, Passo Fundo, p. 718-733, set./dez. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
As contribuições da pedagogia do oprimido para a educação preventiva integral
1
Las contribuciones de la pedagogía de la educación preventiva integral oprimida
Contributions from the pedagogy of the oppressed to integral preventive education
Araci Asinelli-Luz
*
Michelle Popenga Geraim Monteiro
**
Tatiane Delurdes de Lima-Berton
***
Resumo
O presente artigo tem como objetivo enfatizar as contribuições da obra Pedagogia do Oprimido (1979, 1987) para
a prática da Educação Preventiva Integral na infância e adolescência. Este artigo é uma pesquisa de cunho qua-
litativo e teórico, tendo como metodologia o estudo bibliográco. No contexto social e educacional, em defesa
de uma educação humanizadora, problematizadora com base na conscientização, colaboração e participação,
Paulo Freire motiva discussões sobre a educação transformadora, ligando-a a possibilidades de ação e diálogo,
que constrói e reconstrói o sujeito, pois, ao expressar-se por meio da palavra, o indivíduo cria/recria o mundo.
É nesse processo que acontece a emancipação de forma coletiva, pois a educação está intrinsecamente ligada
à transformação social. Por isso, acredita-se que pensar por esta ótica aumenta a chance concreta de uma reali-
dade educativa melhor para crianças e adolescentes, especialmente aquelas que se encontram em situações de
vulnerabilidade e/ou risco social, implicando em uma ordem ética com justiça social, em favor da minimização
das violências (física, psicológica, moral, estrutural...) no âmbito escolar por meio de ações preventivas que va-
lorizem a humanização.
Palavras-chave: Humanização. Paulo Freire. Prevenção. Transformação social.
*
Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo, mestrado em Educação pela Universidade Federal do Para-
ná. Professora associada 4 junto ao Departamento de Teoria e Prática de Ensino, Setor de Educação da Universidade
Federal do Paraná. Atua na formação inicial e continuada de professores. Membro do PRONEA e da Comissão Nacio-
nal do PNLD pela SBPC e ex-secretária regional da SBPC no Paraná. E-mail: michellepgmonteiro@gmail.com; Orcid:
https://orcid.org/0000-0001-5880-054
**
Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná, mestre em Educação pela Universidade Federal do
Paraná. Atuou como professora colaboradora na Universidade Estadual do Paraná, campus Curitiba I, Escola de Mú-
sica e Belas Artes do Paraná, cursos de Licenciatura em Música e Artes Visuais e na Prefeitura Municipal de Curitiba.
E-mail: mizinhadobru@yahoo.com.br; Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3058-8987
***
Doutoranda em Educação na Universidade Federal do Paraná; Mestre em Educação pela Universidade Federal do
Paraná. Atuou na Prefeitura Municipal de Campo Largo como Educadora Social com crianças, adolescentes, jovens,
adultos e idosos no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. E-mail: tati8lima@gmail.com; Orcid: https://
orcid.org/0000-0001-6653-2593
Recebido em 28/02/2020 – Aprovado em 05/10/2020
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v27i3.12377
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Resumen
Este artículo pretende enfatizar las contribuciones de Pedagogia do Oprimido (1979, 1987) a la Educación Pre-
ventiva Integral en la infancia y la adolescencia. Este artículo es una investigación cualitativa y teórica, que utiliza
el estudio bibliográco como metodología. En el contexto social y educativo, en defensa de problematizar la
educación basada en la conciencia, la colaboración y la participación, Paulo Freire motiva las discusiones sobre
la educación transformadora, vinculándola a las posibilidades de acción y diálogo, que construye y reconstruye
el tema, porque al expresar a través de la palabra, el individuo crea / recrea el mundo. Es en este proceso que la
emancipación se lleva a cabo colectivamente, ya que la educación está intrínsecamente vinculada a la transfor-
mación social. Por lo tanto, se cree que pensar desde esta perspectiva aumenta las posibilidades concretas de
una mejor realidad educativa, lo que implica un orden ético con justicia social, a favor de minimizar la violencia
en el entorno escolar a través de acciones preventivas que valoren la humanización.
Palabras clave: Humanización. Paulo Freire. Prevención. Transformación social.
Abstract
This article aims to emphasize the contributions of Pedagogia do Oprimido (1979, 1987) to Integral Preventive
Education in childhood and adolescence. This article is a qualitative and theoretical research, using bibliogra-
phic study as methodology. In the social and educational context, in defense of na problematizing education
based on awareness, collaboration and participation, Paulo Freire motivates discussions about transformative
education, linking it to possibilities of action and dialogue, which builds and reconstructs the subject, because
by expressing himself if through the word, the individual creates / recreates the world. It is in this process that
emancipation takes place collectively, as education is intrinsically linked to social transformation. Therefore, it
is believed that thinking from this perspective increases the concrete chance of a better educational reality,
implying an ethical order with social justice, in favor of minimizing violence in the school environment through
preventive actions that value humanization.
Keywords: Humanization. Paulo Freire. Prevention. Social transformation.
Introdução
O ser humano, em sua existência, busca pela evolução. Porém, há manifes-
tações de vulnerabilidade que podem provocar dificuldades e/ou riscos para seu
desenvolvimento. Considera-se que, por ser vulnerável, há influências internas e
externas advindas de deficiências de múltiplas naturezas, aflições, dificuldades
sem defesa. Há fatores que influenciam o contexto em que está inserido, como,
por exemplo, a globalização: um sistema socioeconômico que não possui oposições,
oportunizando que não sejam construídas referências de apoio às classes menos fa-
vorecidas. Nessa perspectiva, a vulnerabilidade se manifesta de muitas maneiras,
em diversas fontes que condicionam a existência (ROMERO, 2009).
Na esfera biológica, o ser humano está sujeito a todos os tipos de doenças, em
que, com o aumento da longevidade, os problemas sociais se agravam – há preva-
lência de doenças em idades mais avançadas e em classes de menor escolaridade.
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O aumento descontrolado da população humana, falta do desenvolvimento de auto-
consciência dos sujeitos devido a escassa escolarização das classes populares; ten-
dência de deixar o atendimento médico da população no viés da privatização; oferta
de serviços públicos deficientes/inexistentes; grande concentração da população
nas cidades, aumentando a fonte de conflitos. Em relação às esferas psicológica e
social, existem perturbações associadas à depressão, ansiedade, estresse e de refle-
xo do sistema orgânico, a primazia de interesses materiais dominantes no sistema
social acarretam em sujeitos consumidores e produtores de “coisas”; há a produção
massiva; descuido do ambiente físico; estímulo à aquisição de bens de consumo e
divertimentos alienantes, luta pela sobrevivência, direitos humanos violados, bem
como a exposição a diversos tipos de violência (ROMERO, 2009).
Tratando-se do desenvolvimento humano e das influências que sofre direta
e indiretamente, as crianças e adolescentes se tornam ainda mais vulneráveis. A
questão da violência, que está disseminada na sociedade contemporânea, talvez
seja hoje um dos principais problemas que deve ser superado pelas por meio das
mais diversas políticas públicas seus programas e ações. Dentre tantas violências
que assombram a realidade e impedem a garantia dos direitos fundamentais de
crianças e adolescentes, há, por exemplo, as de natureza psicológica, cujas carac-
terísticas envolvem as condutas que afetam o âmbito psicológico, causando abalo
emocional e diminuição da autoestima, devido promoção de constrangimentos, hu-
milhações, manipulações e ameaças. A de natureza moral envolve casos de calúnia,
injúria e difamação, enquanto a violência de natureza física atinge a integridade ou
saúde corporal. Ainda, a violência de natureza sexual envolve as agressões e abu-
sos que obrigam a criança/adolescente a manter ou a participar de relação sexual.
Além dessas violências, há também as discriminatórias, estrutural, de negligência,
abandono, bullying, cyberbullying, dentre outras (MONTEIRO; LIMA-BERTON;
ASINELLI-LUZ, 2019).
Tratando-se de vulnerabilidades, a infância e a adolescência são marcadas
por momentos de fragilidades e dependência humana, o que as torna socialmente e
emocionalmente fragilizadas. Nesse sentido, considerando os desdobramentos que
envolvem as vulnerabilidades e desigualdades presentes, diversas são as violên-
cias que implicam na infância e na adolescência, destacando as inúmeras violações
de direitos por que passam, a considerar as violências intrafamiliares, sociais, es-
truturais, entre pares e tantas outras (LIMA-BERTON; MONTEIRO; ASINEL-
LI-LUZ, 2019). Porém, em relação à escola, pesquisadores (LOPES NETO, 2011;
MONTEIRO, 2017b; TOGNETTA, 2013; SALMIVALLI, 1999, 2010, 2014) têm se
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preocupado com o aumento das violências e a dimensionalidade que elas atingem
entre os estudantes.
Não se trata de um assunto novo, nem tampouco de fácil compreensão e in-
tervenção, principalmente em se tratando de crianças e adolescentes. Os males
que as violências acarretam devem ser contestados em qualquer situação, pois o
fato de dependerem dos adultos e serem frágeis e vulneráveis justifica mais, e não
menos, investimentos em medidas de prevenção e proteção, sendo assim, nenhuma
violência contra crianças é justificável e toda ela pode ser evitada. Para Pinheiro
(2010, p. 15), a exposição à violência “pode gerar inabilidades sociais que podem
perdurar por toda a vida e também problemas emocionais e cognitivos, obesidade e
comportamentos de risco em relação à saúde [...]”.
Refletir sobre o desenvolvimento humano na infância e na adolescência e, em
especial aquelas em situação de vulnerabilidade e/ou risco social, demanda da dis-
cussão e da prática de uma educação emancipatória e de constante provocação da
consciência crítica social, uma vez que as crianças e adolescentes precisam tor-
nar-se agentes de transformação, não apenas do contexto em que estão inseridas,
mas, principalmente, das próprias vidas. Na busca por referenciais que auxiliem e
inspirem na promoção do desenvolvimento e dos direitos humanos, há as grandes
contribuições do educador brasileiro Paulo Freire. Dentre tantas obras instigado-
ras, Pedagogia do Oprimido (1987) foi escolhida como base para o presente estudo,
porque é aquela que se identifica com o chamamento à lucidez para a produção de
uma cultura de liberdade e transformação social, tendo a educação como problema-
tizadora e, como suporte, a leitura do mundo e o desenvolvimento de uma eman-
cipação e uma consciência crítica social. Em meio a um contexto caracterizado por
desigualdades e opressões que foram marcados pelas condições históricas sociais e
humanas, é uma obra que mobiliza sentimentos e ações em prol da cidadania por
via da Educação. Neste estudo, têm-se a criança na condição de oprimida, que em
meio a tantos opressores (que podem estar na família, na escola, na comunidade ou
em outros espaços de interação), busca-se o seu desenvolvimento pleno e a garantia
dos direitos fundamentais.
Por meio da leitura dessa obra, pode-se fazer uma reflexão acerca das desigual-
dades e violências, físicas, sociais e estruturais, ocasionadas no âmbito da infância
e adolescência, em todas as camadas sociais brasileiras e que são manifestadas por
meio de situações cotidianas que são vivenciadas, em especial, aquelas crianças e
adolescentes que são desprovidas socialmente, que se encontram em um contexto
de vulnerabilidade, risco social. Assim, há um consenso por um movimento que
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busca a valorização da justiça social, pois estas lutam por melhorias na qualidade
de vida e na distribuição de oportunidades para equalizar a população e pelas dis-
cussões preventivas, fortalecendo o desenvolvimento humano no que diz respeito a
mudanças de atitudes e condutas em prol da valorização do ser humano. Em se tra-
tando de vulnerabilidades, a infância e a adolescência são marcadas por momentos
de fragilidades e dependência humana, o que as torna social e emocionalmente
fragilizadas. Nesse sentido, considerando os desdobramentos que envolvem as vul-
nerabilidades e desigualdades presentes, diversas são as violências que implicam
na infância e na adolescência, destacando as inúmeras violações de direitos por que
passam, a considerar as violências intrafamiliares, sociais, estruturais, entre pares
e tantas outras (LIMA-BERTON; MONTEIRO; ASINELLI-LUZ, 2019). Porém, em
relação à escola, pesquisadores (LOPES NETO, 2011; MONTEIRO, 2017b; TOG-
NETTA, 2013; SALMIVALLI, 1999, 2010, 2014) têm se preocupado com o aumento
das violências e a dimensionalidade que as mesmas atingem entre os estudantes.
Depois da família, a escola é o segundo ambiente de maior convivência entre
pares e de manifestações de experiências coletivas, de formação de identidades e de
aprendizado cognitivo e social. Por isso, o ambiente escolar deve proporcionar aos
estudantes nele inseridos, o desenvolvimento humano necessário. A escola, enquan
-
to instituição social, promotora da socialização, reflete os conflitos e as diferenças
que surgem por meio dos tipos e das possibilidades de relacionamentos existentes
e repercute as transformações que acontecem no mundo, lidando com diferentes
implicações. O preparo dos estudantes para superarem as adversidades que apare
-
cem neste percurso por meio de ações preventivas é fundamental, em especial na
formulação de soluções para a resolução de conflitos (DESSEN; POLONIA, 2007).
Diante disso, acredita-se que a chave para a efetivação de ações preventivas
eficazes é a educação transformadora, com o foco na busca da construção do sujei-
to. Sendo assim, essas considerações conduzem o presente artigo para a seguinte
questão norteadora: de que forma a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire pode
contribuir com a prática de uma Educação Preventiva Integral na infância e ado-
lescência? Pensa-se na perspectiva da Pedagogia Social, de modo a construir diálo-
go e transformação social por meio da Educação – essa, humana e humanizadora.
E para o presente artigo, assume-se a dimensão humanizadora de prevenção,
indicando-a como processo de conhecimento, crescimento e desenvolvimento do ser
humano como um todo. Evidenciam-se, neste estudo, a criança e o adolescente, com
as suas condições biopsicossociais, em universos históricos, políticos, econômicos
e sociais, refletindo principalmente sobre as que estão em situações de vulnerabi-
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lidade e/ou risco social. Pensa-se na perspectiva da Pedagogia Social, com objeti-
vo geral de salientar as contribuições da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire
para a prática de uma Educação Preventiva Integral na infância e adolescência.
Desse modo, tem-se como objetivos específicos: reforçar a importância dos estudos
de Paulo Freire para a promoção da educação problematizadora/transformadora;
evidenciar a Educação Preventiva Integral para o desenvolvimento humano na
infância e adolescência; relacionar a Pedagogia do Oprimido à prática da Educação
Preventiva Integral; reconhecer a importância da prevenção e do diálogo no proces-
so educativo da criança e do adolescente.
Portanto, o artigo compõe-se de um estudo que abrange a educação trans-
formadora, problematizadora, humanizadora de Paulo Freire, capaz de inspirar
educadores e educandos a construírem juntos uma relação horizontal, a fim da
promoção da educação preventiva integral e que, consequentemente, auxilie na
minimização das violências sofridas na infância e adolescência. Trata-se de um es-
tudo qualitativo e teórico, na perspectiva freiriana. Nesse âmbito, a relevância do
estudo na área educacional justifica-se em razão da produção de conhecimento no
campo teórico-metodológico para a comunidade escolar e científica, como forma de
reflexão sobre as relações sociais, além de tornar-se um meio de suscitar discussões
entre sociedade acadêmica e demais agentes inseridos no campo da educação. Ade-
mais, reforça a importância da garantia e preservação dos direitos fundamentais
das crianças e adolescentes, na prevenção de violências e, na atuação de retirá-las
da condição de oprimidas, na busca de oportunizar o seu desenvolvimento pleno.
A pedagogia do oprimido no contexto da educação preventiva integral: infância e
adolescência
O conhecimento nas áreas da infância e adolescência tem ganhado destaque
e notoriedade nos últimos tempos e trazem diversas possibilidades de atuação em
relação à proteção e aos direitos fundamentais desses sujeitos. Por serem conside-
rados indivíduos vulneráveis, as crianças e adolescentes estão mais suscetíveis às
violências, em uma condição de oprimidas. E essas fragilidades podem relacionar-se
à submissão em relação ao adulto, em que este pode comportar-se como opressor,
da subestimação das potencialidades na infância e na adolescência, bem como da
não importância dessas fases para a construção da identidade e da sociabilidade na
condição de seres humanos. Essas fragilidades envolvendo crianças e adolescentes
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se aproximam do pensamento de Paulo Freire (1987, p. 16), ao destacar o processo
de desumanização envolvendo o opressor, a opressão, as violências, as injustiças
sociais que distorcem a real humanização: “a desumanização, que não se verifica
apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma
diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais”. Nesse âmbito,
é necessário realizar reflexões sobre as violências sociais e estruturais, sobre as
desigualdades que são geradas por fatores históricos, sociais e econômicos, assim
como dos caminhos a se promover a prevenção e, consequentemente, a justiça e a
igualdade (MONTEIRO; LIMA-BERTON; ASINELLI-LUZ, 2018).
Santomé (1998, p. 131-135) expressa:
As culturas ou as vozes dos grupos sociais minoritários e/ou marginalizados, que não dis-
põem de estruturas importantes de poder costumam ser silenciadas, ou mesmo estereoti-
padas e deformadas para anular suas possibilidades de reação. Entre essas culturas ausen-
tes podemos destacar as culturas infantis e juvenis. [...]. Uma instituição escolar que não
conseguir vincular essa cultura juvenil que os jovens vivem tão apaixonadamente em seu
ambiente, em sua família, com seus amigos e amigas, etc., com as disciplinas mais acadê-
micas do currículo, está deixando de cumprir um objetivo assumido por todo mundo, que é o
de ligar as instituições escolares ao ambiente, como única maneira de ajudar os estudantes
a melhorar a compreensão de suas realidades e a comprometer-se com sua transformação.
As reflexões sobre os aspectos sociais, econômicos e educacionais presentes na
sociedade, trazem a discussão de dois aspectos importantes que Paulo Freire em
sua obra Pedagogia do Oprimido aborda: de um lado a educação bancária, que se
mostra por meio da opressão da classe dominante em detrimento a humanização; e
do outro, a educação libertadora, que enfatiza a transformação do sujeito, por meio
da reflexão crítica social (MONTEIRO; LIMA-BERTON; ASINELLI-LUZ, 2018).
Por isso, a violência presente no ambiente escolar, local no qual acontece grande
parte das interações e socializações entre pares, também ganha relevância nas
pesquisas, pois é considerado um problema social que tem gerado preocupações em
diversos setores sociais devido a sua gravidade e disseminação.
A educação bancária transforma o processo educativo em um simples depósito
de informações e considera o estudante como passivo e inerte. Em contrapartida,
a educação libertadora visa ao exercício da ação educativa como liberdade, consti-
tuindo-se de reflexões críticas, éticas e solidárias, em que os sujeitos do processo
educacional trabalham em respeito e diálogo. Nesse processo, a medida que o su-
jeito reconhece a sua capacidade de leitura do mundo e de adaptação às demandas
sociais, há possíveis transformações. Por isso, há a necessidade da construção da
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liberdade ao lado da generosidade, para a assimilação da democracia em detrimen-
to da obediência e do medo (MONTEIRO; LIMA-BERTON; ASINELLI-LUZ, 2018).
O processo de superação da opressão e da violação dos direitos humanos deve nascer dos
oprimidos, sendo esse um parto doloroso, pelo qual o oprimido que quiser se libertar terá de
passar, em vista de não ser mais nem oprimido, nem opressor, mas um sujeito “livre”. Para
isso acontecer, os oprimidos precisam se dar conta de sua realidade para, então, lutarem
pela transformação da opressão, da violação (MAGRI, 2012, p. 51).
Como fator fundamental para antecipar demandas dos escolares, a prevenção
se faz necessária, no sentido de evitar que o problema seja instaurado. Preven-
ção se relaciona com acolhimento do sujeito em sua história, em seu contexto, em
suas necessidades, permitindo que seja seu próprio protagonista, atuando diante
dos desafios, a fim de enfrentá-los. A perspectiva da Educação Preventiva Integral
reforça o diálogo como mediador nas interações sociais, desenvolvendo a empatia
e reforçando o processo educativo para a liberdade e respeito ao ser humano (ASI-
NELLI-LUZ, 2014).
Como um eixo central para a promoção das relações e construções de visões
de mundo, é necessário atentar-se à efetivação da prática docente como caráter
filosófico que resgata o sujeito oprimido, que vivencia as imposições do sistema e
só consegue se libertar à medida que pensa sobre a ação. Para isso, destaca-se a
autonomia na prática do educador, para que ele consiga um exercício de docência
por meio do estabelecimento de relações mais próximas do educando, não seguindo
apenas um currículo, mas percebendo a diversidade de seus educandos, organizan-
do-se sempre na renovação da sua própria prática (refazendo-se de suas vivências).
Destaca-se que o (a) educador (a), em seu exercício, requer uma profunda com-
preensão sobre a reflexão da ação, possibilitando que se perceba no contexto, na
realidade que vive e que deve transformar, bem como da sua relação direta com o
educando (FREIRE, 1996; CARRARO; CURY, 2015).
O conceito de tensão dialética aplica-se na sequência de ações que acontecem no processo de
aprendizagem – aprender, apreender, reaprender, incorporar, avançar – e é nesse processo
que ocorrerá a construção do real, que exige uma ressignificação constante do papel desem-
penhado pelo professor que, antes de ensinar, aprende (CARRARO; CURY, 2015, p. 93).
Em relação ao ser humano, leitura crítica e mediação, o docente aprende a
aprender, tornando o saber como algo acessível, que transforma, que promove for-
mação, que transcende e que modifica o outro. A sua prática torna-se um processo
de conhecimento em nível sistemático, implicando sabedoria à medida que se ensi-
na e aprende. Logo, o educador e o educando são sujeitos em constante formação.
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Para isso, Paulo Freire (1987) evidencia como ponto de partida para a compreensão
da complexidade do ser humano o diálogo, em um processo democrático e crítico.
Nesse contexto, o diálogo é a ferramenta de aproximação e essência do indivíduo,
pois é ele que constrói vínculos, desenvolve sentidos, oportuniza novas aprendiza-
gens, forma cidadãos e promove a transformação social.
Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível
a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que o funda.
Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essencialmente ta-
refa de sujeitos e que não possa verificar-se na relação de dominação (FREIRE, 1987, p. 45).
Assim, destaca-se o diálogo como um mecanismo de oportunidade de intera-
ção, como uma das formas de práticas de prevenção das violências. Sendo assim,
pode-se destaca a Cultura da Paz como um dos modelos de enfrentamento das
violências, uma vez que ela enfatiza a promoção do diálogo como forma de resolu-
ção de conflitos. Assim, na discussão sobre as violências, a Cultura da Paz aparece
como fundamento e metodologia, sendo alicerce e base para as iniciativas de pre-
venção do fenômeno, se enquadrando em um modelo de educação preventiva inte-
gral, já que esta prioriza a humanização e a valorização do ser humano. Portanto,
a ênfase na sistematização nas relações de paz no interior das escolas, bem como
o aprofundamento nesta temática, é fundamental para melhorar e aprimorar os
programas e projetos de minimização e de prevenção. Partindo desses pressupostos
de prevenção, pode-se dizer que a construção da paz está relacionada ao proces-
so de práticas de convivências não violentas, dando ênfase aos valores pessoais e
sociais, estabelecidos nos pressupostos do diálogo, do respeito e da diversidade. A
partir do pensamento de Paulo Freire, demonstra-se uma postura de generosidade
e compreensão diante das diferenças sociais e culturais, tolerância e respeito à lei-
tura de mundo do outro (SALLES FILHO, 2008; MONTEIRO, 2017b; MONTEIRO;
LIMA-BERTON; ASINELLI-LUZ; 2018).
Nesse sentido, a Educação Preventiva Integral busca a promoção da formação
humana a médio e longo prazo, pois prioriza a mudança de atitudes e condutas,
uma vez que uma intervenção momentânea pode apenas alterar por um curto es-
paço de tempo a percepção do problema (ASINELLI-LUZ, 2000). A prevenção exige
planejamento a partir dos conhecimentos históricos e culturais do meio social de
que se está inserido, bem como pressupor as necessidades reais do ser humano,
valorizando a vida e priorizando as instâncias imediatas de necessidades básicas
humanas (ASINELLI-LUZ, 2000). Quem inicia o processo de avanço das violências
vividas na escola não são as crianças ou adolescentes que se envolvem, mas todo
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aquele que detém o poder de atuação e decisão neste meio e/ou sua morosidade,
impedindo que a cultura da prevenção, do chegar antes, insere-se na escola como
um instrumento de desenvolvimento da cidadania (ASINELLI-LUZ, 2000).
Não haveria oprimidos, se não houvesse uma relação de violência que os conforma como
violentados, numa situação objetiva de opressão. Inauguram a violência os que oprimem,
os que exploram, os que não se reconhecem nos outros; não os oprimidos, os explorados, os
que não são reconhecidos pelos que os oprimem como outro. Inauguram o desamor, não os
desamados, mas os que não amam, porque apenas se amam. Os que inauguram o terror
não são os débeis, que a ele são submetidos, mas os violentos que, com seu poder, criam
a situação concreta em que se geram os “demitidos da vida”, os esfarrapados do mundo.
Quem inaugura a tirania não são os tiranizados, mas os tiranos. Quem inaugura o ódio não
são os odiados, mas os que primeiro odiaram. Quem inaugura a negação dos homens não
são os que tiveram a sua humanidade negada, mas os que a negaram, negando também a
sua. Quem inaugura a força não são os que se tornaram fracos sob a robustez dos fortes,
mas os fortes que os debilitaram (FREIRE, 1979, p. 45).
Nesse sentido, vale ressaltar a importância da prevenção humanizadora na
escola, auxiliando no processo de reversão da alienação dos jovens e, em contra-
partida, promover o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre as proble-
máticas do mundo e as que o circundam. Assim, “a prevenção pode, então, ser
entendida como uma forma de fortalecimento das relações inter e intrapessoais
(professor-aluno, aluno-aluno e cada um consigo mesmo) no âmbito da sala de aula
e da escola, a partir de um clima adequado de crescimento e valorização da vida”
(ASINELLI-LUZ, 2000, p. 57).
Enfrentar desigualdades, riscos e vulnerabilidades sociais exige conhecimen-
tos e estudos voltados à compreensão de fatores econômicos, socioculturais, psicoló-
gicos, políticos e de contextualização comunitária, a fim de elaborar e desenvolver
metodologias de ação coletiva para a superação de problemáticas. Paulo Freire
(1996) apresenta que essas relações estabelecidas pelos sujeitos permitirão a cons-
trução coletiva dos conhecimentos, havendo mudanças significativas para o exercí-
cio da criticidade, da dialogicidade e do potencial transformador.
Em conexão com a importância do diálogo e da aproximação do sujeito com
suas realidades, a Educação Preventiva Integral busca a construção individual,
social, com incentivo à troca de experiências, às interações. Como o foco é o sujeito,
suas relações, sua história de vida, retira-se a centralidade nos problemas e exal-
tam-se as potencialidades, o modo de compreensão e leitura de mundo, a consciên-
cia das ações e da condição de vida, bem como o planejamento e a construção de
projetos de vida, de protagonismos da própria trajetória. Por haver intencionalida-
de, estimula-se o desenvolvimento humano por meio de suas condições biológicas,
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físicas, sociais, políticas, culturais e essenciais, a fim de prepará-lo para o enfren-
tamento e a superação de possíveis entraves em sua trajetória (ASINELLI-LUZ,
2014; LIMA, 2017a; ALMEIDA; ARONE, 2017). Ao encontro do caráter dialógico,
transformador, crítico e político de Freire (1987), reforça-se que a educação precisa
provocar o senso crítico, as interações sociais, a reflexão, a autonomia, sendo que,
“ao contrário da bancária, a educação problematizadora responde a essência do
ser da consciência, que é sua intencionalidade, nega os comunicados e existência à
comunicação, baseada no diálogo” (1987, p. 77).
A educação não se direciona apenas à ampliação do conhecimento, mas promo-
ve à emancipação, a autonomia, a provocação de uma intencionalidade que poderá
beneficiar o plano individual e coletivo. Sua notoriedade e impacto extrapolam os
muros escolares e desenvolvem o senso crítico, político e cidadão, além de esferas
profissionais, culturais, esportivas, de saúde e lazer (TRILLA; GHANEM, 2008).
Por então se envolver na amplitude do ser e de suas características próprias e de
projeção de vida, a escola deve destacar o trabalho com as problemáticas trans-
versais e, neste caso, pode-se incluir as violências de forma geral, abordando as
temáticas com a busca de informações em fontes variadas, sistematizando o co-
nhecimento e organizando projetos que sejam contextualizados à realidade vivida.
Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educa-
ção não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos
educandos, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles
elementos que este lhe entregou de forma inestruturada (FREIRE, 1979, p. 98).
A criança, o adolescente, o ser humano em si se constitui de processos, tempos
e contextos que precisam ser observados na grande concepção do que é o desen-
volvimento humano (BRONFENBRENNER, 2011), por isso, torna-se fundamental
que o processo da educação seja voltado para esses sujeitos e suas realidades. O
educador, na sua posição horizontal junto ao educando, precisa estimular o diálogo,
a intencionalidade, a reflexão, a consciência das ações e das relações para evitar
situações de vulnerabilidade e/ou riscos sociais e que possam prejudicar seu desen-
volvimento.
O ponto de partida da educação libertadora se caracteriza exatamente com essa dimensão
da relação do homem com a realidade em que vive pelo fato de que o processo educacional
deve ser a partir da realidade dos educandos, e não a partir das ideias do professor. O mun-
do agora não é algo sobre o que meramente se fala com falsas palavras, que se tem noções
de partes, mas é agora o mundo mediador dos sujeitos no processo educacional (MAGRI,
2012, p. 52).
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A abordagem realizada entre o educador e educando, com olhar problematiza-
dor, traz à tona a escuta e o diálogo. Essa dinâmica exige do corpo escolar uma mu-
dança no olhar, uma forma de repensar a educação a partir das demandas sociais
que surgem. O diálogo torna-se um fator fundamental para todo o processo. Na
busca pela justiça social, pela sua compreensão dentro dos contextos da socieda-
de, se faz necessário refletir sobre as demandas e potencialidades de cada sujeito.
Compreender valores, culturas, realidades fazem com que o sujeito compreenda os
processos de construção da sociedade, da cidadania e da democracia (MONTEIRO;
LIMA-BERTON; ASINELLI-LUZ, 2019).
O diálogo é a essência da emancipação humana, é sempre uma relação de iguais midia-
tizados pelo mundo. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é
transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de
todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho,
ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais
(FREIRE, 1987, p. 78).
Dialogar requer esforço, atenção e dedicação dos envolvidos. É um canal de
exploração de percepções, pensamentos e novas perspectivas. Diálogo é também
prevenção, é uma atitude responsável e humanizadora: ele auxilia na compreen-
são de quem é o ser humano, de como se desenvolve, atribuindo dessa maneira,
conhecimento sobre seus comportamentos (LIMA, 2017a). O educador, presente
conscientemente no âmbito escolar precisa auxiliar o educando na superação das
problemáticas relacionadas às vulnerabilidades e riscos sociais. Não apenas focan-
do no profissional, mas principalmente no sujeito: é preciso observar o educando
como a solução, ao invés de ser o problema.
À medida que o ser humano reconhece a sua capacidade de adaptar-se às
demandas que surgem na sociedade e pensa para melhorar suas operações, ocorre
então a possibilidade de transformação. A educação, por sua vez, reforça o pensa-
mento sobre a maneira de assimilar a constituição da realidade, da cidadania, da
democracia, pois, se o autoritarismo não abre espaço, não há como se desenvolver a
liberdade. Assim, só haverá possibilidades à medida que a liberdade for construída
ao lado da autoridade e da ética ao invés da obediência e do medo. Freire (2000)
reforça a tarefa primordial de zelo e afetividade ao praticar a liberdade com autori-
dade e sem autoritarismo, educando e se educando (aceitação respeitosa) à medida
que interagem na perspectiva democrática e ética.
É preciso trabalhar em uma visão ampliada do ser. E trabalhar na perspec-
tiva da Educação Preventiva Integral reforça que a prevenção se trata do “chegar
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antes”, conhecer o sujeito e atuar antecipadamente ao problema. É estimular o
desenvolvimento pleno e suas relações sociais para que seja possível suprir suas
demandas e prevenir fenômenos que prejudiquem sua evolução. Na condição de
seres humanos, precisa-se reconhecer a existência. Freire (1987, 2000) destaca que
desde a infância a criança precisará aprender que a autonomia se autenticará no
respeito à autonomia dos outros. Para isso, os pais não devem aplicar-se à tirania
da liberdade, na qual pensam e permitem que seus filhos sejam livres sem limites.
Provocar a leitura crítica potencializa o fazer pedagógico, envolvendo a organização
de classes populares para a reinvenção da sociedade. É lutar por uma problemática
com a legitimidade de um sonho ético, político e de superação de uma realidade
injusta. Surge então, a necessidade do trabalho do educador progressista, capaz de,
humildemente, auxiliar nos desafios, a fim de possibilitar a criticidade mediante
a realidade política, histórica e social da presença no mundo. Por fim, atuando
em prol uma Educação Preventiva Integral, Paulo Freire, educador humanizado e
humanizador, instiga a reflexão de apostar e tornar possível o empoderamento do
sujeito e de seus grupos, permitindo a intervenção no mundo para transformá-lo e
não apenas para mantê-lo da maneira como está.
Considerações nais
A educação, como oportunidade de vivências e interações entre pares, esta-
belece conexão horizontal com seus agentes. Educadores e estudantes estão em
um processo intenso de ensino e aprendizagem, de interação e humanização, de
inesgotáveis possibilidades. A Educação é o caminho para a transformação do su-
jeito, para a interação social e a busca da humanização e, juntamente com ela, a
Educação Preventiva Integral, possibilita auxiliar o sujeito para a superação das
suas necessidades. Nesse sentido, pode-se afirmar a educação transformadora a
partir da realidade do sujeito como ponte para ações impactantes e efetivas em
meio àqueles que estão imersos em situações de desigualdades e vulnerabilidades
sociais, uma vez que a transformação acontece a partir da práxis.
Crianças e adolescentes, em suas condições reais, estabelecem relações com o
meio em que vive e, junto a eles, influenciam e são influenciados. Há a importância
de conhecer o processo e o contexto do sujeito para auxiliá-lo em sua construção
autônoma, bem como provocar políticas públicas de caráter protetiva, pautadas na
proximidade com a realidade: privilegiar fatores de proteção ao invés de reforçar os
fatores de risco na infância e adolescência. Faz-se necessário refletir e analisar al-
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gumas fragilidades existenciais, vividos pelos sujeitos na sociedade contemporânea
(nos colocando em conflito devido a fragilidade humana). O enfoque nos diversos
fenômenos sociais da vida urbana que caracterizam a vida diária cria um sistema
doente, de riscos e vulnerabilidades sociais. Por isso, a importância de observar a
sua própria condição vulnerável, não apenas do ponto de vista do outro, mas, prin-
cipalmente, da própria consciência na condição de um sujeito crítico, autônomo e
problematizado. Para isso, a educação, na condição de um processo transformador,
torna-se o caminho para a construção humana.
A Pedagogia do Oprimido, em sua visão libertadora, humanizadora e proble-
matizadora dos conflitos que geram opressores e oprimidos, poderia ser assumida
como um dos textos básicos para se entender e praticar a prevenção de forma efetiva
e eficaz. Compreender a infância e a adolescência como processo de desenvolvimen
-
to humano, que tem sua prática no contexto da contemporaneidade, provocando o
estudo de temas significativos e que evidenciem o diálogo como meio para as refle
-
xões coletivas, problematizando e evidenciando a palavra como caminho ético para
se cultivar a cultura das gerações pela paz. A paz se constrói por meio de atitudes
diárias, de valores humanos e sociais inseridos no cotidiano escolar. Ela se faz ne
-
cessária para o desenvolvimento de um ambiente sadio e harmonioso. A paz é ação.
Ressalta-se a importância do estabelecimento de mecanismos nas escolas que
priorizem a Educação Preventiva Integral como parte do trabalho pedagógico, in-
tegrados aos diversos temas e disciplinas que formam o currículo, enriquecendo
assim, a formação e o desenvolvimento humano, dando lugar a valores sociais e
interacionais, proporcionando a cooperação, o respeito à diferença e o diálogo. Nes-
se sentido, entende-se que a educação é o caminho para a humanização e para a
prevenção e o diálogo é um dos instrumentos que podemos utilizar como prática
pedagógica inicial para levar os estudantes à dialogicidade. A educação preventi-
va integral é um processo educativo que envolve ações de construção de conceitos
éticos e cidadãos, juntamente com os conteúdos programáticos da escola. Nesse
sentido, sem dúvida, a noção de empatia é primordial para a formação de compor-
tamentos generosos e solidários.
Ademais, pensar sobre o desenvolvimento humano, sobre infância, adoles-
cência, vai muito além das barreiras acadêmicas, uma vez que, refletindo a/na
condição de educadores, deve-se a consciência, o diálogo, em que se faz necessá-
rio aprofundar o conhecimento no ser e em suas relações/histórias de vida, para
então auxiliar no caminho de Educação Preventiva Integral. Para isso, podem-se
elaborar práticas relacionadas à construção da autonomia, da identidade e do in-
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centivo à interação social, para que gradativamente a qualidade de vida melhore.
Salientam-se as contribuições do grande educador Paulo Freire, que, com as pro-
vocações sobre a reflexão e prática da educação humanizadora, problematizadora,
de transformação social, oportuniza a construção de novos conhecimentos e o apro-
fundamento do olhar a respeito do ser, humano e de suas relações, bem como do
panorama de pesquisas envolvendo prevenção e o sujeito em sua totalidade. Com
esse trabalho de observar e discutir sobre o ser, a escola e os espaços de interação
proporcionam a formação de agentes multiplicadores, de uma postura voltada para
a Educação Preventiva Integral.
Nota
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-
perior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001”.
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