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Celso Ilgo Henz, Patrícia Signor, Ivani Soares
v. 27, n. 3, Passo Fundo, p. 750-775, set./dez. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Andarilhando: movimentos que se entrelaçam em Marie-Christine Josso e Paulo Freire
Walking: movements that intertwine in Marie-Christine Josso and Paulo Freire
Caminar: movimientos que se entrelazan en Marie-Christine Josso y Paulo Freire
Celso Ilgo Henz
*
Patrícia Signor
**
Ivani Soares
***
Resumo
A escrita dialógica deste artigo pretende andarilhar dialogando com Marie-Christine Josso e Paulo Freire, movi-
mentando vivências, saberes e conhecimentos acerca desses dois importantes educadores e seus legados: Josso
com as Rodas de Conversa e Freire com os Círculos de Cultura. Ambos compartilham e revisitam Histórias de Vida
e Formação e têm o diálogo como condição primeira para que todos possam dizer a sua palavra e (re)encontrar-
-se com os outros e consigo mesmos, descobrindo-se como seres socio-históricos que estão permanentemente
ensinando e aprendendo, auto(trans)formando-se pela dialética mediação do mundo. Pelos estudos de Freire
(2013, 2015, 2016, entre outros) e Josso (2009, 2010), percebe-se a missão ontológica como sendo uma busca
inacabada e permanente pela libertação e pela auto(trans)formação, para o Ser Mais. E, ainda que condicionados
pela historicidade, mulheres e homens conscientizam-se de sua inteireza e (re)existenciam criticamente su
as
experiências no e com o mundo.
Palavras-chave:
Rodas de Conversa. Círculos de Cultura. Diálogo. Educação.
*
Doutor em Educação (UFRGS, 2003), com pós-doutorado pela Universidad de Sevilla, Espanha. Professor Associado
2 da UFSM. Professor da LP1: Formação, Saberes e Desenvolvimento Prossional do PPGE/UFSM. Coordenador do
Grupo de Estudos “DIALOGUS: Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire”. Orcid: https://orcid.org/0000-
0002-0571-5684. E-mail: celsoufsm@gmail.com
**
Doutoranda em Educação: Formação, Saberes e Desenvolvimento Prossional, da UFSM. Mestre em Educação. Co-
laboradora do Grupo de Estudo e Pesquisas DIALOGUS: Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire. Atua
como coordenadora e docente do curso de Pedagogia do Centro de Ensino Superior Riograndense (CESURG) de
Sarandi e como coordenadora pedagógica dos anos nais da Escola Municipal de Ensino Fundamental Santos Anjos
de Nova Boa Vista, RS. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8725-4115. E-mail: psignor89@gmail.com
***
Mestra em Políticas Públicas e Gestão Educacional, da UFSM. Colaboradora do Grupo de Estudo e Pesquisas Dialo-
gus: Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1248-9689. E-mail:
ivanirodhen@gmail.com
Recebido em 12/03/2020 – Aprovado em 05/10/2020
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v27i3.12379
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Abstract
The dialogical writing of this article intends to walk in dialogue with Marie-Christine Josso and Paulo Freire,
moving experiences, knowledge and knowledge about these two important educators and their legacies. Jos-
so with the Conversation Wheels and Freire with the Culture Circles, in which they share and revisit Life and
Formation Stories, and where dialogue is the rst condition for everyone to say their word” and (re) meet with
others and with themselves, discovering themselves as socio-historical beings who are permanently teaching
and learning, self ( trans) forming with each other, through the dialectical mediation of the world. . Through the
studies of Freire (2013, 2015, 2016, among others) and Josso (2009, 2010) the ontological mission is perceived as
an unnished and permanent search for liberation and self (trans) formation, for the Being More and, although
conditioned by historicity, women and men are aware of their wholeness and (re) critically exist their experien-
ces in and wi
th the world.
Keywords:
Circles of Conversation. Culture Circles. Dialogue. Education.
Resúmen
La escritura dialógica de este artículo tiene la intención de caminar en diálogo con Marie-Christine Josso y Paulo
Freire, moviendo experiencias y conocimiento sobre estos dos importantes educadores y sus legados: Josso con
las Ruedas de Conversación y Freire con los Círculos de Cultura. Ambos comparten y revisitan historias de vida y
formación, tienen el diálogo como primera condición para que todos puedan decir su palabra” y (re) encontrarse
con otros y consigo mismos, descubriéndose a sí mismos como seres sociohistóricos que están permanente-
mente enseñando y aprendiendo, autotransformando a través de la mediación dialéctica del mundo. A partir
de los estudios de Freire (2013, 2015, 2016, y otros) y Josso (2009, 2010), la misión ontológica se percibe como
una búsqueda inconclusa y permanente de liberación y auto-formación, para Ser Más. Y, aunque condicionado
por la historicidad, las mujeres y los hombres se dan cuenta de su integridad y volven a criticar sus experiencias
en y con el mundo
.
Palavras-clave:
Rodas de Conversa. Círculos de Cultura. Diálogo. Educación.
Primeiros passos
Josso e Freire trazem a condição do inacabamento humano na centralidade de
todas as práxis pelas quais seres humanos vão se educando e se formando na sua
genteidade de homens e mulheres, tanto individual como coletivamente. Em Josso
1
(2010b, p. 39): “À escala de uma vida, o processo de formação dá-se a conhecer por
meio dos desafios e apostas nascidos da dialética entre a condição individual e a
condição coletiva”. E, em Freire (2016c, p. 98), a medida que educandos se proble-
matizam “como seres no mundo e com o mundo” não só compreendem o “desafio
na própria ação de captá-lo” como sentem-se mais desafiados e comprometidos a
responderem ao desafio. E, por captarem o desafio como “um problema em suas
conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a com-
preensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez
mais desalienada”.
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Assim começamos a cirandar em diálogos reconstrutivos com Josso e Freire,
colocando-nos em um caminhar para si, dando-nos a conhecer e sentindo-nos enco-
rajados a buscarmos novas possibilidades. Nas (inter)relações com os outros e com
o mundo, somos constantemente desafiados, provocados a responder com nosso
sentir-pensar-agir com eles, em cuja dialética vamos nos auto(trans)formando pela
mesma processualidade com que nos tornamos coautores da auto(trans)formação
dos outros e da transformação do mundo. Nessas nossas andanças, por vezes es-
tamos sozinhos, noutras temos o privilégio de andarilhar
2
com outros seres, em
interação dialógica. A vantagem dessa última forma é que, dando-nos as mãos e
compartilhando o caminho, ele se torna mais prazeroso, mais instigante e mais
interessante. E é assim que, a partir dos estudos e das leituras que vimos fazendo,
nos autodesafiamos para entrelaçar palavras na utopia concreta da possibilidade
de ajudar a transformar o mundo em que vivemos pela construção dialética de
nossa própria auto(trans)formação.
Nesta escrita dialógica, vamos andarilhar cirandando e dialogando com Ma-
rie-Christine Josso e Paulo Freire, movimentando-nos entre nossas vivências,
nossos saberes e nossos conhecimentos. A ciranda nos parece uma figura bem ade-
quada para os movimentos de entrelaçamentos, já que temos o círculo como uma
representação importante nos dois educadores/escritores: Josso com as Rodas de
Conversa e Freire com os Círculos de Cultura, nos quais compartilham e revisitam
Histórias de Vida e Formação, e nos quais o diálogo é a condição primeira para que
todos possam “dizer a sua palavra” e (re)encontrarem-se com os outros e consigo
mesmos, descobrindo-se como seres socio-históricos que estão permanentemente
ensinando e aprendendo, auto(trans)formando-se uns com os outros, pela dialética
mediação do mundo.
Ambos, Josso e Freire, entrelaçam seus estudos com o profundo respeito e a
profunda confiança que nutrem pelo ser humano e seus processos auto(trans)for-
mativos. Josso ouviu mais de duzentos relatos de experiências de vida-formação de
pessoas em seus contextos formativos. Freire educou(-se) levando em conta o uni-
verso existencial dos aprendentes, em várias partes do mundo. Olhar as pessoas
para além delas mesmas e ver em cada uma o potencial que elas próprias desco-
nhecem, compreendendo-as em suas genteidades, parece ser uma das especialida-
des desses dois educadores. Ter um olhar aguçado e uma escuta sensível para com
as pessoas em seus contextos existenciais, ouvir mais do que dizem suas palavras,
entrar no universo em que vivem e constituem-se é, em Josso e Freire, premissa
para o entendimento da capacidade reflexiva-constitutiva dos seres humanos.
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O lugar a partir de onde emergem os possíveis entrelaçamentos entre as pro-
positivas educativo-auto(trans)formadoras é uma andarilhagem cooperativa e dia-
lógico-reflexiva que vimos compartilhando com professores da educação básica e
do ensino superior, estudantes de graduação e pós-graduação, que integramos o
Grupo Dialogus: educação, auto(trans)formação e humanização com Paulo Freire
(UFSM), registrado junto ao CNPq desde 2011, e que desenvolve o Projeto de Pes-
quisa Educação e Cidadania: diálogos auto(trans)formativos com professoras e pro-
fessores e o Projeto de Extensão Hora do Conto: meninas e meninos lendo a palavra
e auto(trans)formando realidades
3
. Nos ensaios que aqui intentamos sistematizar,
faz-se presente a polissemia das muitas palavras ou narrativas de mulheres e ho-
mens que entendemos estar nos constituindo em nossas genteidades por meio dos
processos de pesquisa-auto(trans)formação com os Círculos Dialógicos Investigati-
vo-formativos e com as contações de histórias com crianças e adolescentes. Assim,
a nossa autoria, no presente texto, reconhece a coautoria pela escuta sensível, pelo
dizer a sua palavra, pela reflexão crítica e pelo registro (re)criativo propiciados nos
encontros sistemáticos e nas pesquisas de mestrado e doutorado que têm em Josso
e Freire importantes companheiros epistemológico-políticos.
Na construção desta narrativa, nossa autoria reconhece, ainda, os saberes
adquiridos a partir da convivência com sujeitos da Educação de Jovens e Adultos
(EJA) face ao desafio da alfabetização e da formação com professores que traba-
lham com essa modalidade; os Círculos de Cultura e as Rodas de Conversa como
propostas de educação libertadora e de auto(trans)formação, evidenciando o pro-
cesso de formação, de conhecimento e de aprendizagem, presentes nas Histórias de
Vida e Formação de Josso e comuns nos Círculos de Cultura de Freire. E, porque
Josso acredita nas narrativas de vida como uma maneira de ressignificar a pró-
pria vida e Freire defende o direito de os homens e de as mulheres dizerem a sua
palavra, contarem a sua história, trataremos o diálogo como centralidade desses
processos de aprender a dizer a sua palavra, vendo uns aos outros no que não se
mostram, e ouvindo seus não ditos pela escuta sensível e pelo olhar atento que as
rodas de conversa e os círculos de cultura intencionam e propiciam.
Vamos ainda entrelaçar o assunto da conscientização e da tomada de cons-
ciência como processos intra e interpessoais que levam à descoberta dos condicio-
namentos e inacabamentos, premissas essas incapazes de impedir o Ser Mais
4
no
mundo em devir no qual a educação e a vida humana são um quefazer permanente.
Por fim, os temas da libertação e da auto(trans)formação, na descoberta de si como
seres condicionados, mas, com possibilidades de Ser Mais e encontrarem o seu lu-
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gar no Cosmo, virá nos desafiar, trazendo histórias de aprendentes e suas relações
com o saber.
A guisa de informações iniciais, referimos que, de acordo com Josso (2010b,
p.61), o cerne para a compreensão da obra “Experiências de Vida e Formação”,
sobre a qual nos debruçamos conversando com o referencial freireano, numa pers-
pectiva de “pesquisa das alavancas de transformação em ligação que colocam o
sujeito como ator do seu advir” é “uma perspectiva global de todas as dimensões de
nosso ser no mundo”. A autora nos alerta que o processo proposto pelas Histórias
de Vida e Formação “é uma metodologia de pesquisa e de formação orientada por
um projeto de conhecimento coletivo e individual, associado a um projeto de for-
mação existencialmente individualizado” (2010b, p. 113). Assim, essa perspectiva
cósmica de nosso ser no mundo se educa na descoberta de que “o mundo, agora, já
não é algo sobre que se fala com falsas palavras, mas o mediatizador dos sujeitos
da educação, a incidência da ação transformadora dos homens, de que resulte a sua
humanização” (FREIRE, 2016c, p. 105). Percebemos, no estudo das narrativas de
vida, de Josso, a proximidade com a afirmação de Freire quando nos diz que “exis-
tir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo” (FREIRE, 2016c, p. 108).
Desafiados pelos diferentes espaços-tempos históricos, cabe a mulheres e homens
problematizarem a própria existência humana; destarte, “descobrem que pouco sa-
bem de si, de seu ‘posto no cosmos’ e se inquietam por saber mais. Estará, aliás, no
reconhecimento do seu pouco saber de si uma das razões dessa procura” (FREIRE,
2016c, p. 39). Em movimentos convergentes, colocam-se as palavras de Josso: “as
Histórias de Vida em Formação contam, sob a forma de uma peregrinação ‘vital’,
a busca de um saber-viver que se desenvolve em torno de quatro eixos principais
5
(JOSSO, 2010b, p. 115).
Os adultos aprendentes como razão de ser das suas propostas: alfabetização e
formação com professores
Situando as propostas de Josso e de Freire, remetemo-nos aos momentos his-
tóricos, aos desafios das práxis educativas com jovens e adultos e às necessidades
de um trabalho auto(trans)formativo com os professores dessa modalidade. Freire
desenvolveu a sua proposta de educação dialógico-libertadora como processo de
conscientização junto aos trabalhadores rurais do sertão nordestino, em Angicos/
RN, na década de 60. Conhecedora do trabalho e das publicações de Freire, nos
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anos 80, Marie Christine Josso e “outros pesquisadores-formadores do movimento
das histórias de vida em formação”, iniciaram “muitas pessoas nessa abordagem
com o suporte das histórias de vida, em seminários universitários ou na forma-
ção continuada de profissionais da educação, do campo social e da saúde, fora do
contexto universitário” (JOSSO, 2010b, p. 30). Ambos os educadores acreditavam/
acreditam na utopia possível de auto(trans)formar gente pela alfabetização.
No Brasil, Angicos foi a primeira experiência divulgada e influenciadora de
outras na história da educação e “introduziu o conceito de que, na relação de pro-
fessor e aluno, é fundamental uma situação dialógica de aprendizagem” na qual a
fala e o conhecimento de ambos “são enriquecedoras para a construção do saber”
(FERNANDES; TERRA, 1994, p. 8). Em Genebra, a questão da formação do sujeito
e do sujeito em formação é abordada através de experiências centradas na capaci-
dade de cada um viver como sujeito de suas formações. É um projeto que intenta
contribuir “para a constituição de um sujeito que trabalha para a consciência de
si e do seu meio, bem como para a qualidade de sua presença no mundo” (JOSSO,
2010a, p. 27).
A questão do dialogismo nos Círculos de Cultura revolucionou “as perspecti-
vas da educação” e desencadeou “revoluções subsequentes na imaginação dos edu-
cadores” (FERNANDES; TERRA, 1994, p. 8), concretizada pela escuta e pela pos-
sibilidade de dizer a sua palavra àqueles que estão imersos no universo popular.
Trazia uma proposta de educação nova e em grande escala, tomando como ponto de
partida a experiência dos aprendentes, ávidos por atividades que os auxiliassem
nos processos de ensino-aprendizagem, dialetizando alfabetização e conscientiza-
ção. Essa postura dos aprendentes também é explicada por Josso quando nos diz
que, em um contexto educativo, “os aprendentes adultos só concebem o reconheci-
mento dos saberes adquiridos sob a forma que lhes é conhecida, as equivalências,
e desejam que a tarefa seja logo definida para que possam terminá-la de uma vez
por todas” (JOSSO, 2010b, p. 268).
O grande mentor intelectual do programa de alfabetização de adultos, no Bra-
sil, foi Paulo Freire, que, depois, por ocasião do Golpe de 64, exilado, andou como
um peregrino das 40 horas “saído dos grotões das caatingas nordestinas, com sua
pedagogia do oprimido” alimentando “uma conjuntura histórica mundial, inscrita,
hoje, numa bibliografia de cerca de 5 mil referências, expandida para o mundo
pelos habitantes de Angicos de 1963, personagens vivos de uma realidade possí-
vel de libertação do homem pela educação” (FERNANDES; TERRA, 1994, p. 11).
Mas, não basta falar de aprendizagens, é preciso falar da contrapartida, ou seja,
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das desaprendizagens; afinal, “qual formador, hoje em dia, duvidaria de que o ato
de aprendizagem é acompanhado de desaprendizagens?” (JOSSO, 2010b, p. 270),
principalmente em um contexto de educação de adultos, no qual os aprendentes
já chegam repletos de saberes construídos empiricamente ao longo de toda uma
vida. Josso preconiza que uma consciência aguda das questões, dos problemas e
mesmo dos impasses que são as manchetes do dia a dia será solicitada a ser con-
textualizada e ressignificada para possibilitar manter um emprego; desenvolver
competências para imaginar soluções “para a solidariedade social ameaçada, para
os conflitos que se exacerbam, para a miséria que cada vez mais atinge os homens,
qualquer que seja a região do globo” (JOSSO, 2010b, p. 274). Para ela, nesse senti-
do, o aprender é “descobrir novos meios de pensar e fazer diferente” transformando
o ato de aprender em ato de fazer pesquisa, desenvolvendo “a capacidade de aten-
ção e de presença consciente” e tornando “o horizonte temporal da formação dos
adultos”, mais do que em um aqui e agora, mas também em um “hoje que orienta
o amanhã”.
No projeto de alfabetização de adultos encampado por Paulo Freire, homens e
mulheres pobres aprendiam a ler e a escrever partindo da própria realidade, pelo
diálogo crítico-reflexivo sobre suas vidas. O conceito antropológico de cultura era
apresentado, distinguindo, com palavras e exemplos simples, do cotidiano, o que
se pode entender por objeto de natureza e objeto de cultura, fazendo nascer, desde
logo, a consciência da valorização desses dois mundos, por todos vividos; “a partir
daí, o analfabeto começaria a operação de mudança de suas atitudes anteriores”
(FERNANDES; TERRA, 1994, p. 171), fazendo com que os participantes se sentis-
sem “fazedores desse mundo de cultura”, o que desencadearia a conscientização e
o engajamento no processo de auto(trans)formação. Em Josso, a intenção de pes-
quisa volta-se para “a formação como problemática de um indivíduo com uma in-
tencionalidade tornando-se a relação entre individual e coletivo uma problemática
que permeia a relação pedagógica constitutiva de sua dinâmica” (JOSSO, 2010a,
p. 31). Trata-se do que é aprender do ponto de vista do aprendente, da formação
intelectual como sendo a tomada de consciência de um conjunto de pontos de vista
possíveis sobre si mesmo e seu meio.
Em Angicos, a alfabetização andava de mãos dadas com a politização e situa-
ções sociológicas eram apresentadas para diálogo com os aprendentes, de forma
que o estudo de palavras geradoras possibilitava a reflexão política. Assim, contor-
nando as dificuldades iniciais para “escrever nos trilhos”, entre “palavras mortas”
(que não existiam) e “palavras pensamento” (quando existiam) as “horas” (aulas)
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se seguiam (FERNANDES; TERRA, 1994, p. 179) na construção e (re)construção
da linguagem até a 40ª hora, no final da qual Freire falou que aqueles homens e
aquelas mulheres estavam preparados para deixar de ser massa de manobra e
estavam em condições de decidir em quem votar. Os agora alfabetizados, como a
Sra. Francisca Andrade, lavadeira, afirmavam coisas como “Eu não sou mais mas-
sa, faço parte do povo, posso batalhar por meus direitos” (FERNANDES; TERRA,
1994, p. 194). Josso (2010a, p. 39) reconhece a socialização em dois momentos: o
primeiro centrado no indivíduo que aprende a tornar-se membro da sociedade, e o
segundo que permite incorporar um indivíduo já socializado em novos setores do
mundo objetivo da sociedade, introduzindo a ideia de uma formação continuada
acompanhando o curso da vida.
Josso (2009, p. 2) ainda nos diz que é na imaginação de formas de aprendiza-
gem que o desafio de situações educativas se encontra, transformando “a vivência
proposta em experiência analisada”; e que “os professores devem cultivar o seu
imaginário e a sua capacidade de imaginação, para se tornarem ‘bons educadores’,
ajustados, por um lado, à formação pessoal (existencial) dos alunos e, por outro,
aos recursos que eles precisam na sociedade em que vivem”. Esse foi o exercício
que fizeram os educadores, no Brasil (em sua maioria estudantes universitários),
formados na pedagogia freireana, ou seja, foram relacionando seus saberes aos
saberes do universo vivencial dos aprendentes e enfrentando, a medida que se
apresentavam, os desafios da aprendizagem de forma que o trabalho de alfabetiza-
ção de adultos, partindo de Angicos, espalhou-se Brasil afora.
Em seu livro “Caminhar para si”, ao falar da formação como projeto, Josso
utiliza Freire para ilustrar, dizendo que este “desenvolve um conceito de formação
inseparável do de liberdade, fundado sobre um conceito de humano como ‘ser de
busca’” (JOSSO, 2010a, p. 62). Ainda segundo a leitura de Josso, a concepção da
proposta de alfabetização de Freire é uma “pesquisa participante, cujo objetivo é a
descoberta de temas geradores que servirão de mediação à formação do educador
e dos aprendentes” (JOSSO, 2010a, p. 62). Quanto ao seu próprio trabalho, Josso
destaca que a originalidade da metodologia de pesquisa-formação em histórias de
vida diz respeito, em primeiro lugar, à constante preocupação com que os autores
de narrativas consigam produzir conhecimentos que tenham sentido para eles, que
se inscrevam num projeto de conhecimento que os institua como sujeitos, afinal,
“de que serve uma teoria se ela não permite ter poder sobre uma realidade” (JOS-
SO, 2010a, p. 30).
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Freire partia do universo dos aprendentes para significar a aprendizagem.
Josso, em sua escrita, interroga-se sobre “os processos de formação psicológica,
psicossociológica, econômica, política e cultural” que contam de forma singular as
histórias de vida, procurando “ouvir do lugar desses processos e de sua articulação
na dinâmica dessas vidas” (JOSSO, 2010b, p. 35). Freire chamou atenção para os
sujeitos de saberes de experiência feitos e Josso trabalha na “compreensão dos
processos de formação, de conhecimento e de aprendizagem do ponto de vista dos
adultos aprendentes a partir de suas experiências formadoras”, o que chama de
“experiências como vivências particulares” (JOSSO, 2010b, p. 47).
Nessa linha convergente seguiram/seguem os dois estudiosos, espalhando sa-
beres por tempos e caminhos distintos, mas com pontos em comum, como poderá
ser percebido ao longo do próximo tópico, no qual abordaremos, mais a fundo, a
dinâmica dos Círculos de Cultura, de Freire, e das Rodas de Conversa, de Josso.
Círculos de Cultura e Rodas de Conversa como propostas de educação libertadora
e autoformação
Os Círculos de Cultura criados por Paulo Freire consideram as situações de
vida de alfabetizandos e o seu universo existencial como desafios e possibilidades
do interesse em alfabetizar-se. “No Círculo de Cultura
6
, o diálogo deixa de ser uma
simples metodologia ou uma técnica de ação grupal e passa a ser a própria diretriz
de uma experiência didática centrada no suposto de que aprender é aprender a
‘dizer a sua palavra’” (BRANDÃO, 2017, p. 69). Nessa forma de ensinar-aprender
não há um professor que tudo sabe e sim uma horizontalidade de saberes entre
ensinante e aprendente em que ora o professor aprende ao ensinar, ora o estudante
ensina ao aprender, ainda que continue sendo, o professor, responsável por toda a
diretividade do processo. Segundo Brandão (2017, p. 69), a proposta de Freire era
de uma “educação libertadora” pelo diálogo e pela vivência da aprendizagem como
processo (com)partilhado de saberes nos quais “surgem e se difundem práticas de
ensinar-e-aprender fundadas na horizontalidade das interações pedagógicas”, em
oposição a uma “educação bancária”.
Josso entende que o processo de formação e o processo de conhecimento são
articulados pelo conceito de experiência em um espiral retroativo que permite com-
preender a utilização de ambos no trabalho biográfico. “Com efeito, nessa retroa-
ção, cada processo pode, alternadamente, tornar-se o referencial do outro e trazer
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complementos e precisões à narrativa, favorecendo, assim, uma compreensão mais
aprofundada da dinâmica da existencialidade” (JOSSO, 2010b, p. 100-101).
No Círculo de Cultura, os participantes têm um núcleo de origem comum, eles
se conhecem e conhecem os contextos existenciais em que vivem; já têm, portanto,
uma ambiência de pertencimento formada, de forma que o trabalho pode fluir mais
espontaneamente do que entre grupos de origens ou locais diferentes. Não obs-
tante, a sua leitura de mundo pode ser ingênua e quase mágica, diante do que, se
faz necessário ir problematizando para outros possíveis olhares ressignificadores
por meio do diálogo crítico-reflexivo. No círculo, ninguém é mais ou melhor do que
ninguém e os alfabetizandos aprendentes se percebem seres de saberes de expe-
riências feitos, merecedores de ter sua dignidade reconhecida e compreendida como
condição sine qua non para o sucesso do processo de ensino-aprendizagem e para o
resgate da autoestima.
Josso fala das narrativas de vida em uma roda de conversa, elucidando o que
queremos dizer sobre a importância dos aprendentes conhecerem-se uns aos outros
e aos seus contextos de existencialidade. A autora enfatiza que falar das experiên-
cias pessoais é como contar a si mesmo a própria história, atribuindo valor ao vivi-
do “na continuidade temporal do nosso ser psicossomático” (JOSSO, 2010b, p.47).
Em Freire, encontramos a importância de mulheres e homens perceberem suas
igualdades como condição mesma para o diálogo, com o qual a autossuficiência é
incompatível, pois que, os seres humanos aos quais falta humildade não podem
aproximar-se do povo nem serem seus companheiros de pronúncia do mundo. “Se
alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe
falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles” (FREI-
RE, 2016c, p. 112).
Para que seja possível um trabalho no qual todos os participantes sejam res-
peitados em seu processo de aprendizagem, é indispensável que os programas de
formação de professores que vão atuar com adultos repensem o papel desses profis-
sionais. Nos Círculos de Cultura, professores deixam de ter a função principal de
transmitir conhecimentos e passam a ser coordenadores/facilitadores do processo
de criação de possibilidades de aprendizagens, levando aprendentes a verem coisas
que antes não eram capazes de perceber e a desenvolverem-se em sua autonomia;
também Josso (2010b, p. 142) orienta sobre a importância da figura do “animador
7
na roda de conversa de narrativas de vida, dizendo que a confiança e a liberdade
de expressão existente entre os animadores, “parece ter tido um efeito de entrosa-
mento positivo”.
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É importante perceber que, apesar de todas as dificuldades, as pessoas adul-
tas sobreviveram e formaram sua existencialidade sem serem alfabetizadas. En-
tão, para que queiram o ‘algo mais’ que a alfabetização pode lhes proporcionar
precisam estar convencidas de que esse esforço lhes possibilitará emanciparem-se,
libertando-se dos condicionamentos e reconhecendo-se como capazes de autonomia
para serem mais. Daí que, alfabetizar é ajudar a aprender a dizer a sua palavra
como empoderamento para tomar nas próprias mãos a constituição da história e
do mundo em que homens e mulheres sintam-se em condições de lutar por sua
dignidade humana. A decodificação da realidade existencial de alfabetizandos é
que possibilitará a melhor escolha das palavras ou expressões (palavras-gerado-
ras) que serão utilizadas para alcançar a compreensão dos signos que tenham mais
significação naquele universo de vivências e na compreensão da própria vida.
Estamos falando aqui também do que Josso refere como sendo a “recordação-
-referência” que servirá como experiência formadora, usando o que for aprendido
dali para a frente como uma referência para outras situações parecidas que vierem
a acontecer. “São as experiências que podemos utilizar como ilustração numa histó-
ria para descrever uma transformação, um estado de coisas, um complexo afetivo,
uma ideia, como também uma situação, um acontecimento, uma atividade ou um
encontro” (JOSSO, 2010b, p. 37).
Nos Círculos de Cultura, alfabetizandos são agentes ativos no processo de es-
colha das palavras que lhe são significativas; não recebem esse material pronto,
sua aprendizagem parte da pesquisa que encampam e as palavras escolhidas são
cenas vivas, que podem ser observadas, discutidas, retratadas e, inclusive, escritas
e lidas. No trabalho biográfico, são também os atores/autores das histórias de vida
e formação agentes ativos que se complementam, a exemplo de uma espiral retroa-
tiva que se retroalimenta em três etapas ou níveis que evidenciam o processo de
formação, de conhecimento e de aprendizagem, e que “quando trabalhados pelas
pessoas em formação na sucessão cronológica das etapas referidas, podem também
ser vividos, ao mesmo tempo, em cada fase, em circuitos abertos e retroativos”
(JOSSO, 2010b, p. 87), o que permitiria aprofundar, progressivamente o momento
da apropriação do questionamento.
Josso fala da partilha oral das narrativas de vida a partir “do ator ao au-
tor-contador”, dizendo que elas podem ser dinamizadas em pequenos grupos, em
duplas ou com o grupo todo, a depender do que a pessoa facilitadora/animadora
pretenda. Diz, ainda, que essa narração será orientada pela reconstituição do que
as pessoas entendam que a experiência que narram signifique, quer se trate de
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situações, acontecimentos, encontros ou atividades e que essa narrativa será usada
para “explicar e compreender o que, hoje, elas se tornaram no que diz respeito às
suas competências, aos seus recursos, às suas intenções, aos seus valores, às suas
escolhas de vida, aos seus projetos, às suas ideias sobre elas próprias e sobre o seu
meio humano e natural.” (JOSSO, 2010b, p. 177-178), o que vai se constituindo em
reflexividade.
Isso é uma espécie de diálogo problematizador em que os participantes po-
derão interagir para sanar dúvidas, esclarecer algum fato ou apenas aprofundar
a sua compreensão sobre a narrativa do outro que pode também ser similar à sua
própria narrativa. Ainda sobre esse aspecto, Freire conversa com Josso, pois afir-
ma que na “prática problematizadora, dialógica por excelência”, o conteúdo “se
organiza e se constitui na visão do mundo dos educandos, em que se encontram
seus ‘temas geradores’” (FREIRE, 2016c, p. 142). Essa processualidade dialógica
pela escuta sensível e pelo olhar atento ao outro, é muito importante para cada
participante “[...] para que se possa sentir, ao mesmo tempo tão semelhante e tão
diferente. É nesse momento que é iniciada a procura daquilo que gera a singulari-
dade na generalidade” (JOSSO, 2010b, p. 179).
Percebendo-se iguais, apesar das diferenças, terão condições de refletir sobre
sua igualdade com os outros homens e as outras mulheres que formam a socieda-
de/mundo em que vivem. Isso tem relação direta com o conceito freireano de que
“os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2016c,
p. 96). Depois de falar e de ouvir, virá a fase de registro da sua história, ou seja,
autor-contador, em diálogo com ator-ouvinte, passará a ser autor-escritor (elabo-
rando o registro (re)criativo de sua fala). “Trata-se, então, de contar a sua história
numa escrita que exija um relacionar das experiências contadas na narrativa oral
ou acrescentadas graças às ressonâncias provocadas pela audição de uma ou de
várias outras narrativas” (JOSSO, 2010b, p. 179).
Para executar essa tarefa, a pessoa ator-autor-leitor-escritor terá de tomar
distanciamento da sua própria história e perceber como fazer a ligação entre um
e outro acontecimento para que a narrativa tenha significado. O professor Ernani
Maria Fiori, no prefácio da obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, destaca
esse distanciamento necessário da narrativa oral para o registro escrito dizendo
que “nessa ambiguidade com que a consciência faz o seu mundo, afastando-o de
si, no distanciamento objetivante que o presentifica como mundo consciente, a pa-
lavra adquire a autonomia que a torna disponível para ser recriada na expressão
escrita” (FREIRE, 2016c, p. 27). Na busca de significação, outras lembranças são
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desencadeadas no próprio ator/autor e nos que o ouvem de forma que todos podem
ressignificarem-se e às situações vividas. Sobre isso, Josso nos ensina que essa
dimensão reflexiva vai exigir a construção de uma narrativa que evidencie, in-
terna e externamente, “os aspectos formadores das experiências de vida e os fios
condutores da sua dinâmica” impondo “um novo esforço de distanciamento face a
si mesmo” (JOSSO, 2010b, p. 179).
Através das histórias de vida, revividas pelo distanciamento das recordações-
-lembranças e suas ressignificações, as pessoas são levadas à reflexão sobre o que
motivou um ou outro acontecimento, tecendo fios invisíveis que farão as ligações
entre os fatos narrados e tornarão compreensíveis as situações existenciais que
formam seu percurso, revelando a forma de sentir/pensar/agir de cada um. A au-
tora destaca ainda o sentido das lições que podemos aprender a partir das nossas
experiências, dizendo que o trabalho sobre as narrativas de vida será como uma
passagem da tomada de consciência da formação do sujeito “para a emergência de
um sujeito da formação por meio da mediação de uma reflexão crítica sobre a forma
de pensar o seu itinerário experimental existencial” (JOSSO, 2010b, p. 184).
Em Josso (2007, p. 2-3), “a existencialidade é abordada por meio de uma tra-
ma totalmente original – porque singular – no seio de uma humanidade partilha-
da”. Por isso, frequentemente, nas pesquisas com histórias de formação, a autora
emprega “a expressão de nossa existência singular-plural”. De acordo com Josso,
essa perspectiva resulta de uma prática metodológica e de uma epistemologia “que
dá acesso ao significado da existencialidade no singular plural em movimento”.
Essa dinâmica fundamental que orienta todos os percursos “nasce da confrontação
entre os interesses e as lógicas individuais por um lado e, por outro, das lógicas e
das pressões coletivas”, de forma a serem reveladas as potencialidades das pes-
soas e suas possibilidades frente às pressões dos diferentes contextos formativos,
apresentando-se o percurso de vida como “uma longa transação ao longo da qual a
pessoa age sobre seu meio ambiente”, ajustando-se a ele “momentaneamente ou de
maneira duradoura”. Freire (2015a, p. 278) reconhece a necessidade “da unidade
na diversidade” como uma prática pedagógica indispensável à luta contra a domi-
nação, dizendo que a luta por uma democracia menos injusta é uma obra de arte
que nos chama e nos espera.
Em Josso, a construção da identidade é a ponta do iceberg da existencialidade
no sentido do saber-fazer, saber-pensar e saber-ser em relação com o outro; abor-
dando o “conhecimento de si mesmo pelo viés das transformações do ser” dentro de
uma existencialidade e de uma trajetória que “põe em cena um ser-sujeito às voltas
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com as pessoas, com os contextos e com ele-mesmo, numa tensão permanente entre
os modelos possíveis de identificação com o outro (conformização) e as aspirações à
diferenciação (singularização)” (JOSSO, 2007, p. 420).
Em Freire, encontramos o conceito de domesticação para referir-se a essa con-
formização do ser que, desconhecendo outra realidade existencial, permanece apri-
sionado pelo contexto de nascimento. O autor ressalta o “poder invisível da domes-
ticação alienante que alcança a eficiência extraordinária no que venho chamando
‘burocratização da mente’”, e que seria um estado de conformismo e de “acomoda-
ção diante de situações consideradas fatalisticamente como imutáveis”, a posição
de quem “encara os fatos como algo consumado” e “vê a vida como determinismo e
não como possibilidade” (FREIRE, 2015b, p. 111-112). Na sequência, Freire afirma
ter sempre recusado os fatalismos. “Prefiro a rebeldia que me confirma como gente
e que jamais deixou de provar que o ser humano é maior do que os mecanismos que
o minimizam” (FREIRE, 2015b, p. 112-113).
Voltando a Josso e à metodologia de seus trabalhos biográficos realizados nas
pesquisas com as histórias de vida e formação, complementamos dizendo que esses
trabalhos iniciam com a construção da própria história, feita pelos participantes,
individualmente. O trabalho de narração será permeado por vivências grupais,
de forma que os participantes, ao mesmo tempo em que investem neles mesmos,
possam interagir com o grupo. Esse é o momento a que Josso chama “pesquisa-for-
mação” e no qual cada participante poderá situar seu percurso de vida “como um
momento de questionamento retroativo e prospectivo sobre seu(s) projeto(s) de vida
e sua(s) demanda(s) de formação atual. Apresentado o tema da “reflexão biográfica,
os participantes são convidados a expor ao grupo o interesse que tal reflexão tem
para eles, a fim de começarem a formular um projeto de conhecimento” (JOSSO,
2007, p. 421). Então, haverá a escuta dos narradores, agrupados em grupos de
três ou quatro, a depender do número total de participantes. Nos pequenos gru-
pos, cada um poderá “apresentar as experiências de seu percurso de vida que ele
considera formadoras e fundadoras” e dizer no que assim o foram; os participantes
podem interromper e fazer questionamentos ou pedir esclarecimentos sobre o que
não entenderam. De acordo com os participantes, “a apresentação e a escuta de
histórias introduz uma dialética de identificação e de diferenciação que alimenta o
questionamento sobre seu próprio percurso”.
“A história de vida como revisitação dos elos que nos habitam: desatar nosso
passado para nos atarmos com ele abrindo possibilidades”; tal qual “nós de espia”,
que “reúnem duas cordas, entrelaçando-as com perfeita simetria” de forma que
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“não fica muito apertado, mesmo quando está molhado”, evoca relações relativa-
mente equilibradas (JOSSO, 2006, p. 376). A autora anuncia que “em um mundo
tão sofredor de laços impossíveis, rompidos, recusados, traídos, maltratados, entre
os seres e os povos” ela só pode “enunciar uma esperança e uma convicção” de que
“os procedimentos histórias de vida se multipliquem, a fim de que todos aqueles
e aquelas que os utilizam e os vivenciam possam encontrar, por meio dessa forma
particular, um novo laço social, um caminho de humanidade partilhada” (JOSSO,
2006, p. 373-383). Na sequência, propõe que nos desliguemos do que nos fecha so-
bre nós mesmos para (re)ligarmo-nos ao melhor de nós e dos outros, fazendo novas
ligações que nos possibilitem relatar outras histórias de vida.
Concepções de diálogo, a dimensão do reconhecimento de si e do outro e as
constituições do processo de formação
Numa perspectiva próxima ao que propõe Josso, o diálogo tem em Freire uma
dimensão profunda e libertadora, sendo mesmo uma exigência existencial. O con-
ceito encontra no educador a amorosidade e o cuidado em, muito além de defini-
-lo, vivê-lo e refleti-lo intensamente. E o diálogo, em Freire, faz-se numa relação
horizontal, na confiança de um no outro, funda-se no amor, na humildade e na
fé nos homens, pois “seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé,
o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos” (FREIRE,
2016c, p. 109-113).
A vida do educador pernambucano foi eticamente calcada nos princípios da
relação dialógica consigo, com os outros e com o mundo. Para ele, o diálogo é fenô-
meno humano que se materializa pela palavra. Contudo, a palavra é mais do que
apenas um meio para que ele se faça. A palavra impõe-nos elementos constituti-
vos em duas dimensões: a ação e a reflexão, solidárias em uma interação radical.
Freire afirma que “não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a
palavra verdadeira seja transformar o mundo” (FREIRE, 2016c, p. 107).
Retornando a Josso, também é possível perceber a importância do diálogo, já
que, para a autora, é no diálogo com os outros que procuramos uma cointerpreta-
ção da nossa experiência. “É nesse movimento dialético que nos formamos como
humanos, quer dizer: no polo da (auto)interpretação” (JOSSO, 2010b, p. 54). Ou
seja, quanto dialogamos temos a oportunidade de distanciarmo-nos de nós mesmos
e refletirmos sobre nossa experiência existencial, materializando nosso mundo na
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percepção do mundo do outro. Também para Freire não há palavra verdadeira
dita sozinha, ou para alguém; a palavra é dita com o outro, e sua pronúncia não
se esgota. A verdadeira palavra é o próprio diálogo. “O diálogo é este encontro dos
homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto
na relação eu-tu” (FREIRE, 2016c, p. 109).
Em Freire, a educação está intimamente relacionada ao diálogo, “na medida
em que não é (a educação) a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos
interlocutores que buscam a significação dos significados” (FREIRE, 1983, p. 46).
Em uma práxis educadora dialógica, como vivenciou o educador, “o diálogo e a
problematização não adormecem ninguém. Conscientizam” (FREIRE, 1983, p. 36).
O diálogo propõe a autorreflexão, que chega a um profundo estado de tomada de
consciência, retirando o homem e a mulher de uma condição de espectadores, fi-
gurantes, mas inseridos em uma historicidade, da qual participam com autoria e
consciência.
Na obra Educação como prática da liberdade, Freire abordou o discernimen-
to da temporalidade que leva o homem e a mulher a terem consciência da sua
historicidade, sendo capazes de discernirem e transcenderem. “O homem existe
no tempo. Está dentro. Está fora. Herda. Incorpora. Modifica. Porque não está
preso a um tempo reduzido a um hoje permanente que o esmaga, emerge dele.
Banha-se nele. Temporaliza-se” (FREIRE, 2014, p. 57). Essa temporalidade é que
situa o diálogo como uma prática necessária e fundada durante os processos de
formação com educadores. Afinal, é pela palavra e pelas experiências que educa-
dores conseguem relacionar-se e exteriorizarem as aprendizagens e as vivências
de suas práxis. Uma escola que não considera a temporalidade de seus sujeitos –
educandos e educadores – e que não lhes permite a palavra enquanto instrumento
para o diálogo, ignora a existência social de integração em um contexto específico
e apenas reproduz conhecimentos, sem levar em conta a significação deles na vida
de seus participantes.
Quando o sujeito da escola consegue compreender sua participação no proces-
so de pensar o currículo, realizar práticas, discutir questões pertinentes ao contex-
to e utilizar o conhecimento como instrumento de compreensão de sua realidade, a
concepção crítica fica evidente, uma vez que esse sujeito é capaz de refletir acerca
de suas vivências e a sua relação com o conhecimento amplia-se. A busca por uma
educação mais democrática, participativa, crítica e reflexiva, requer a construção
de espaços de diálogo e de partilha dentro da escola, entre estudantes e educado-
res. Sobre esse processo de reflexão, Freire explica a mente intransitiva, a transi-
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tiva ingênua até chegar na transitiva crítica, a qual leva a uma educação dialogal
e ativa, que “voltada para a responsabilidade social e política, se caracteriza pela
profundidade na interpretação dos problemas” (FREIRE, 2014, p. 84). É nessa po-
sição transitivamente crítica que se encontra a matriz verdadeira da democracia,
cujo maior desafio na educação libertadora é o diálogo crítico-reflexivo e problema-
tizador com educandos e com a comunidade.
Pensar o diálogo como elemento fundamental na formação com professores é
reconhecê-los como autores de seu processo de formação, pela ótica de que as expe-
riências vividas na e com a escola, com educandos e com a comunidade pertencem
ao processo de constituição do profissional e do currículo escolar. Josso (2010b),
ao abordar como ocorrem os processos de conhecimento, relaciona a capacidade
de transformar as vivências em experiências que gerem significações, partindo de
contextos específicos e relevantes para a vida.
Além de buscar a definição de diálogo em Freire e Josso, faz-se necessário ter
claro o que o diálogo não é. Não há diálogo na ignorância do outro como alguém em
igual condição para dizer a sua palavra. Não existe diálogo que segrega ou super-
valoriza um posicionamento sobre outro. Não há diálogo quando um dos sujeitos
se fecha às contribuições do outro ou um teme ser superado pelo outro. O diálogo
não acontece no “todo-poderosismo do professor ou da professora” nem a relação
dialógica anula a possibilidade do ato de ensinar, “pelo contrário, ela funda este
ato, que se completa e se sela no outro, o de aprender, e ambos só se tornam ver-
dadeiramente possíveis quando o pensamento crítico, inquieto, do educador ou da
educadora não freia a capacidade de pensar do educando” (FREIRE, 2016b, p. 163).
A dimensão intensa do diálogo são nossas próprias ações. Freire afirmava
que a postura progressista da educação é quando nos mostramos abertos ao outro,
de modo que nossas palavras sejam nossas ações. Essa coerência pedagógica, que
é um esforço constante, não é atingida facilmente e deve residir, segundo Freire
(2015b), em tentar diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos. Isso
tem uma aproximação com aquele discurso comum de que “alguém” deve dizer o
que o educador precisa fazer de sua prática. Ambos, Josso e Freire concordam que,
ao dizer a sua palavra, mulheres e homens contam sua história: Freire defendia
o direito de “dizerem a sua palavra” e Josso acredita nas narrativas de vida como
uma maneira de ressignificar a própria vida. Dois educadores, em dois lados do
mundo, vivendo em espaços-tempo de encontro e desencontro, entrelaçados pela
mesma crença nos seres humanos e na sua capacidade infinita de superar-se, de
auto(trans)formar-se, de ser mais pela vida e pela experiência conscientizada.
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Conscientização e tomada de consciência: processos intra e interpessoais e a
descoberta dos condicionamentos e inacabamentos
A tomada de consciência de si exige um desenvolvimento de todas as nossas “an-
tenas de relação com o mundo” através do exercício de “nossas competências genéricas
transversais”; exige ser “sujeito-ator capaz de desenvolver sua capacidade em estar
presente a si em todas as circunstâncias” (JOSSO, 2010b, p. 63), compreender nossos
processos internos (intrapessoais) e as influências que as relações com os outros (in
-
terpessoais) exercem sobre nós. “Para iniciar a marcha para o desconhecido é preciso
poder, querer e saber colocar-se como sujeito mais ou menos ativo de sua vida, na sua
vida” (JOSSO, 2010b, p. 63). Para isso, as experiências vividas precisam resultar em
conhecimento. Mais do que viver, é preciso experienciar. Josso diferencia os termos
vivência e experiência, sendo aquela o conjunto de implicações e interações diárias e
essa a atividade específica que analisa as vivências para extrair delas conhecimento.
Para a autora, as experiências são capazes de se tornarem formadoras dos sujeitos e
relevantes nos processos de aquisição de conhecimento a partir do momento em que
as significações elaboradas são assimiladas a conjuntos comportamentais ou simbó
-
licos “Por estar o sujeito informado sobre si mesmo, sobre sua dinâmica, é possível,
daí por diante, começar a acreditar-se capaz de distanciamento e, por isso, de uma
autonomização em relação a determinações que pesam sobre ele ou que ele integrou
identificando-se com elas (JOSSO, 2010b, p. 266-267). Freire nos falou que só o ser
humano é capaz de distanciar-se do mundo, objetivando-o ou admirando-o para, de
-
pois, atuar conscientemente sobre a realidade objetivada e que nisso está a unidade
indissolúvel entre sua ação e sua reflexão sobre o mundo (FREIRE, 2016a, p. 56).
Para Josso, a tomada de consciência não é um momento decisivo ou uma radi
-
calidade de um momento, e sim um “acumulado de compreensões” que podem levar
a mudanças. Não segue ordem de discurso, uma vez que é uma análise consciencial
da realidade interior ou exterior. “A tomada de consciência é o indicador da presença
ativa do sujeito, ferramenta mental de sua autonomização” (JOSSO, 2010a, p. 267); é
como se as atenções fossem focadas para um fragmento da realidade e a compreensão
dela pudesse desencadear alguma modificação no nível de atenção das ações. Segun
-
do a autora, esses momentos de consciência são parte do processo de compreensão do
sujeito quanto a si mesmo, o outro e o mundo, intimamente ligados aos conhecimen
-
tos. Quando as experiências se situam em um campo profissional, como a docência, a
presença de um grupo e de uma instituição é dispositivo para reconhecer informações
e realizar registros que influenciarão na produção de experiências, é reconhecer-se
realizando projetos e operando escolhas que constituirão as experiências.
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Pensar a formação com professores põe em jogo conhecimentos existenciais,
parte do processo de tomada de consciência e de estar consciente. Para Josso, “tor-
nar-se sujeito nesse processo significa, pois, estar consciente de um ‘si dinâmico’,
imanente e transcendente ao ser psicossomático e à totalidade de seus registros”
(JOSSO, 2010a, p. 273). O ambiente escolar é, por si só, dinâmico e se auto(trans)
forma com seus sujeitos que nunca são os mesmos; porém, tocados ou não pelos
conhecimentos, são capazes de vivenciar experiências que podem produzir signifi-
cações. Segundo a autora, o sujeito está em transformação, já que reconsidera va-
lorizações e que é remetido à sua subjetividade frente às subjetividades dos grupos
aos quais pertence, mas se mobiliza e age por si, sobre si mesmo. Por isso, para ela,
a tomada de consciência é ao mesmo tempo ponto de partida e de chegada para o
processo de conhecimento. Uma dinâmica, um vaivém que entrelaça o interior e
os impactos informacionais exteriores que provocam uma série de adaptações em
uma interioridade movimentada por sua relação com o outro e com o mundo.
Freire deu à palavra conscientização
[...] um conteúdo político-pedagógico tão particular a ponto de nos permitir afirmar que
ela “renasceu”, tornando-o “pai” desse vocábulo. Para Paulo Freire, conscientização é o
desenvolvimento crítico da tomada de consciência. [...] A conscientização é a tomada de
consciência que se aprofunda (FREIRE, 2016a, p. 15).
Para o educador, as consciências intra e interpessoais não se dissociam; antes,
andam juntas. No prefácio do livro Pedagogia do Oprimido, Ernani Maria Fiori nos
diz que: “A consciência do mundo e a consciência de si crescem juntas e em razão
direta; uma é a luz interior da outra, uma comprometida com a outra” (FREIRE,
2016c, p. 20). E ambas pressupõem a consciência do inacabamento, pois que, caso
se acreditassem acabados, não teriam os homens e as mulheres mais como e por-
que evoluir, não poderiam aprender uns com os outros. É somente porque se sabem
inconclusos que podem auto(trans)formarem seu pensar/sentir/agir, podem evoluir,
adquirir novos conhecimentos e experienciar novas vivências. No saberem-se ina-
cabados os homens e as mulheres:
[...] encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana.
Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm. Daí que seja a educação
um quefazer permanente. [...]. Desta maneira, a educação se re-faz constantemente na prá-
xis. Para ser tem que estar sendo. Sua ‘duração’ – no sentido bergsoniano do termo – como
processo, está no jogo dos contrários permanência-mudança. Enquanto a concepção ‘bancá-
ria’ dá ênfase à permanência, a concepção problematizadora reforça a mudança (FREIRE,
2016c, p. 102, grifo do autor).
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E toda mudança é um processo de conhecimento. Para mudar é preciso conhe-
cer, dar-se conta, conscientizar-se de querer algo diferente do que se tem/vive/sente.
O processo de conscientização é definido por Josso como um elemento do processo de
conhecimento no qual é possível avaliar a importância do sujeito nesses processos e
sua capacidade de estar consciente daquilo que faz consigo mesmo. É pela ruptura
que o sujeito se transforma e evolui psicossomaticamente. Josso (2010a, p. 301) de
-
fende que a conscientização é “arriscar-se a entrar em um funcionamento psíquico,
para compreender o que nele acontece em relação a uma transformação consciencial”.
Sem oferecer essa oportunidade aos educadores, a conscientização pode não
encontrar espaço para acontecer. A metodologia do diálogo na formação com edu-
cadores possui um caráter provisório, em constante modificação, uma vez que en-
volve sujeitos em um ambiente tão dinâmico e inconstante, cheio de vidas e de
experiências a cada narrativa. Daí que os momentos de diálogo necessitam ser
constantes, contextualizados e de intenso respeito e interação com os sujeitos que
compõem a escola. Para Josso (2010b, p. 41), somente por serem “objetivações co-
letivamente construídas a partir das tomadas de consciência do que constitui as
nossas potencialidades humanas” é que as disciplinas “que constituem as ciências
do humano podem servir de referenciais para a autointerpretação”.
Sendo a consciência uma “presença atenta a si próprio, aos outros e ao seu
ambiente” e estando “ligada aos graus de sensibilidade de cada pessoa no que se
refere aos seus sentidos” (JOSSO, 2010b, p. 50, nota 1) podemos inferir que o olhar
atento e a escuta sensível para consigo mesmo e para com os outros são elementos
indispensáveis na tomada de consciência dos condicionamentos e dos inacabamen-
tos, fundamentais no processo de auto(trans)formação. Em Freire vimos que o pon-
to de partida do movimento de caminhar para frente e construir o futuro está nos
seres humanos mesmos, e estes só podem mover-se pela apropriação da tomada de
consciência da realidade histórica na qual vivem, e só se justifica “na medida em
que se dirige ao ser mais, à humanização dos homens” (FREIRE, 2016c, p. 104).
Libertação e (auto)formação: descobrir-se condicionados e a vocação ontológica
de Ser Mais, encontrando o seu lugar no Cosmos
Por vezes, não nos damos conta de que vivemos em um estado de violência
que fere nossa ontológica e histórica vocação de ser mais. “Basta, porém, que ho-
mens estejam sendo proibidos de ser mais para que a situação objetiva em que tal
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proibição se verifica seja, em si mesma, uma violência” (FREIRE, 2016c, p. 58).
Acostumados com o desamor e o silenciamento opressor, não aprendemos o amor
e o “dizer a sua palavra”. Nesse estágio, nosso “ser de atenção consciente”, aquele
que “está no coração de nosso ser no mundo e de nossa capacidade de existir, conec-
tado com nós mesmos e com nosso ambiente humano e natural” (JOSSO, 2010b,
p. 75), encontra-se desconectado, adormecido. Nossa desconexão e inconsciência
por não conhecermos outra realidade, no entanto, não faz com que a situação seja
menos real. Com o passar do tempo, ao longo de nossa existência, fragmentos de
lucidez irão manifestar-se, “colocando em cena um sujeito que embora ainda não se
reconheça sempre como tal, age sobre situações, reage a outras, ou, ainda, deixa-se
levar pelas circunstâncias” (JOSSO, 2010, p. 91); as realidades, por mais condi-
cionantes que sejam, não estão determinadas a serem imutáveis, e nossa vocação
enquanto seres humanos é ousar sempre em inéditos viáveis na busca pelo Ser
Mais gente: nossa vocação ontológica.
Passamos agora a falar um pouco sobre o sentir/pensar/agir do ser huma-
no Paulo Freire. Para começar, pegamos emprestadas as palavras de seu amigo
pessoal, estudioso e companheiro de jornada, Moacir Gadotti (GADOTTI, 2007,
p. 23), quando afirma que Freire: “Era uma pessoa bondosa, generosa, solidária.
Ele queria bem às pessoas, falava bem delas, era sempre ético, positivo e respeitoso
para com todos e todas. Todos os títulos dos seus livros são positivos, esperançosos,
mesmo quando escritos com indignação”; e prossegue, “ele escrevia para as pessoas
que amava, por isso, tudo o que escrevia deveria pertencer àqueles para os quais
ele o havia feito: os oprimidos. Por isso não se incomodava em ver alguns de seus
escritos reproduzidos sem consulta prévia” (GADOTTI, 2007, p. 23).
Complementamos as palavras de Gadotti com o que disse o autor do mais fa-
moso prefácio das obras de Freire, Ernani Maria Fiori, que também acompanhou
a jornada de luta do educador pela educação e pela libertação com os oprimidos.
Ao apresentar uma das obras mais traduzidas do mundo, a Pedagogia do Oprimi
-
do, Fiori caracteriza Freire como um educador comprometido com a vida, que não
produz ideias, e sim pensa existências. Afirma que seu esforço se concentra em
pensar a práxis
8
humana na busca de sua interioridade, totalizando-a como uma
busca pela libertação. Fiori traduz a luta de Freire como uma luta em favor dos
oprimidos, na busca constante da vocação ontológica do ser mais; e declara, ainda,
que Freire não ensina a repetir palavras, não se restringe a desenvolver a capa
-
cidade de pensá-las segundo as exigências lógicas do discurso abstrato; simples-
mente, coloca o alfabetizando em condições de poder (re)existenciar criticamente
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as palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida, poder e saber “dizer a
sua palavra”.
A práxis educativa de Freire (re)dimensiona o ser humano em sua aprendiza-
gem, em seus princípios e em sua alfabetização, (re)dinamizando o processo históri-
co de sua existência: “[...] desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem
a si mesmos como problema, descobrem que pouco sabem de si, de seu ‘posto no
cosmos’, e se inquietam por saber mais” (FREIRE, 2016c, p. 39). Aí reside um dos
grandes desafios da proposta político-epistemológica-antropológica de Freire a nós:
a desacomodação e a constante busca pelo novo, pelo mais de nós mesmos e pelo
desafio da superação da situação de condicionamento dada a nós pela realidade.
Josso corrobora esse pensamento quando nos diz que a “consciência de ser sujeito
de sua história, permite dimensionar o desafio de qualquer formação” (JOSSO,
2010b, p. 72).
Por esse processo de superação da situação de condicionamento dada a nós
pela realidade, Fiori afirma que a pedagogia é também antropologia. No instante
em que se enxergam condicionados, mulheres e homens também se descobrem na
possibilidade de uma vida e um mundo diferentes, e a misteriosa e contraditória
consciência passa a presentificar-se, a representar-se e a compor-se no e com o
mundo, pelo diálogo conscientizador com os outros. No livro Educação como Prática
da Liberdade (FREIRE, 2014), obra anterior à Pedagogia do Oprimido, Freire já
discute a necessidade de homens e mulheres não se adaptarem à realidade, mas
buscarem intervir e transformá-la. E, na Pedagogia do Oprimido, Freire estabele-
ce a relação de poder entre os seres humanos: a de oprimido e a de opressor. Ele
preocupa-se em destacar o processo de desumanização, como não viabilidade onto-
lógica, mas como realidade histórica. E, partindo dessa lamentável realidade, na
condição de inconclusão, buscar outra viabilidade: a humanização. Quando homens
e mulheres têm sua humanização negada na injustiça, na exploração, na opressão,
na violência, o desafio é a luta pela liberdade, pela justiça e pela recuperação da
humanidade. “[...] se admitíssemos que a desumanização é a vocação histórica dos
homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar uma atitude cínica ou de
total desespero” (FREIRE, 2016c, p. 40).
Na obra “À sombra desta mangueira” (FREIRE, 2013a), o educador afirma
que é a história que nos limita, nos condiciona e nos impulsiona a produzir co-
nhecimentos na construção do vir a ser de cada sujeito e que nada que possamos
engendrar se dará fora do tempo, da história; a morte da história é também a morte
de homens e mulheres que fazem e refazem a história. Por isso se diz que há supe-
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ração de uma fase por outra, e há continuidade da história, na transformação do
mundo, assim como estão em constante mobilidade as mulheres e os homens que
nele e com ele se (re)constroem.
E isso podemos relacionar com o conceito de singular-plural, de Josso, no mo-
mento em que designa “uma problemática que acompanha o percurso da vida vi-
venciada numa tensão permanente entre as transformações impostas pelo coletivo
e a evolução dos sonhos, desejos e aspirações individuais” (JOSSO, 2010b, p. 72).
Por isso as mulheres e os homens contam sua história, falam de suas vidas e falam
das outras formas de vida. Também Freire insistia que é na comunicação e na
intercomunicação que desenvolvemos nossa compreensão do mundo.
Atuar, refletir, avaliar, programar, investigar, transformar são especificidades dos seres
humanos no e com o mundo. A vida vai virando existência e o suporte mundo quando a
consciência de mim, emergindo, já se acha em relação dialética com o mundo (FREIRE,
2013a, p. 33-34).
“Se a vocação ontológica do homem é a de ser sujeito e não objeto, só poderá
desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre suas condições espaço-temporais,
introduz-se nelas, de maneira crítica” (FREIRE, 2014, p. 82), o que faz da educação
também uma forma de intervenção no mundo. Freire apresentava homens e mu-
lheres como seres de relações. “Este ser ‘temporalizado e situado’, ontologicamente
inacabado - sujeito por vocação, objeto por distorção -, descobre que não só está na
realidade, mas também que está com ela. Realidade que é objetiva, independente
dele, possível de ser reconhecida e com a qual se relaciona” (FREIRE, 2014, p. 82).
Eis, então, o desafio de os homens e as mulheres manterem sempre uma atitu-
de crítica, a qual os levará a aprender o que necessitam para integrarem-se a sua
época e superá-la à medida que percebem novas ansiedades emergentes e possibi-
lidades para serem mais; a transição entre épocas exige um indispensável compor-
tamento crítico, com o qual possam se defender dos fatalismos e irracionalidades
de cada momento histórico. Por isso, os homens e as mulheres não podem apenas
“estar na realidade, mas de estar com ela” (FREIRE, 2014, p. 91), uma vez que é
diante do mundo, na relação sujeito-objeto que nasce o conhecimento. Na obra Po-
lítica e Educação, Freire afirma que “ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos
poucos, na prática social de que nos tornamos parte” (FREIRE, 2001, p. 40). Por
isso, em seu programa de alfabetização, mais do que abordar um método de ensinar
a ler e a escrever a palavra, ele buscou conscientizar cidadãos para sua atuação no
e com o mundo. Freire não enxergava a educação como um processo de adaptação
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do indivíduo à sociedade, ele acreditava que para ser mais o homem devia transfor-
mar a realidade (FREIRE, 2014, p. 38).
Corroborando com a visão ontológica do homem, em sua busca por Ser Mais,
encontramos em Josso o termo ‘busca’ para essa procura de um ‘algo mais’; o termo
é aqui empregado, no entanto, com vários significados que se aproximam da pers-
pectiva freireana como
[...] a procura de uma nova arte de viver em ligação, captando a vida em seu movimento; a
procura de uma existencialidade encarnada; a aspiração a um sentimento de existência em
transformação pela mediação da invenção de um “si evolutivo”, o desejo de uma identidade
em constante vir-a-ser (JOSSO, 2010b, p. 65).
A autora ressalta que, graças às transformações conscientes, essas signifi-
cações habitam os processos de exploração das nossas potencialidades enquanto
seres no mundo. Josso refere, ainda, que as histórias de vida em formação eviden-
ciam uma espécie de peregrinação vital na busca de um saber viver a que os auto-
res afirmam emprenharem-se, por caminhos variados, ao longo da vida: “a busca
de felicidade, a busca de si e de nós, a busca de conhecimento ou busca do ‘real’ e a
busca de sentido” (JOSSO, 2010b, p. 116).
Assim, percebemos nossa missão ontológica como sendo uma busca inacabada
e permanente pela libertação e pela auto(trans)formação, para o Ser Mais; e, ainda
que condicionados pela historicidade, conscientizamo-nos de nossa inteireza e do
nosso direito de assumir um lugar no Cosmos; nos (re)existencializamos critica-
mente para poder e saber dizer nossa palavra, na misteriosa e contraditória cons-
ciência da possibilidade de nos compormos frente a nossa existência e experiência
no e com o mundo.
Notas
1
Marie-Christine Josso é socióloga e antropóloga, doutora em Ciências da Educação da Universidade de
Genebra, especialista nas problemáticas da Educação de Adultos e na Formação Profissional Continuada
para Acompanhamento, Ensino e Assistência Social e à Saúde (Revista @ambienteeducação, dez. 2009).
2
Brandão escreve sobre o verbete “andarilhagem” no Dicionário Paulo Freire (2017a, p. 41): “Somos huma-
nos porque aprendemos a andar [...] a pendular entre um ‘estar aqui’ e um contínuo ‘partir’, ‘ir para’”. E
conta que Paulo Freire teria recebido o nome de “Andarilho da utopia”. Seremos um pouco assim, andari-
lhos da utopia, neste artigo.
3
Projeto que utiliza a metodologia de contação de histórias a crianças, adolescentes e adultos. Uma práxis
lúdica, imaginativa, (re)criativa e crítica, para a auto(trans)formação e o resgate da autoestima, acredi-
tando em um outro viável possível. As contações são feitas em forma de Círculos Dialógicos Investigativo-
-auto(trans)formativos (proposta epistemológico-política de pesquisa que vem sendo desenvolvida pelo
Grupo Dialogus, sob a coordenação do Prof. Celso Ilgo Henz), como forma de oportunizar todos a “dizerem
a sua palavra”, fazendo a sua leitura de mundo, baseadas no contexto socio-histórico, nas vivências, nos
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diferentes processos de escolarização, sempre a partir do lugar, das circunstâncias e das vozes que os con-
textualizam.
4
“A categoria ‘ser mais’ encontra-se situada na obra de Freire como um conceito chave para sua concepção
de ser humano. Como tal, articula-se com outros conceitos definidores da visão antropológica, sócio-política
e histórica de Freire, tais como, ‘inédito viável’, ‘inacabamento’ e ‘possibilidade histórica’”. (ZITKOSKI,
2017, p. 369).
5
Os quatro eixos principais a que Josso se refere são: a busca de felicidade, a busca de si e de nós, a busca
de conhecimento e a busca de sentido (JOSSO, 2010b, p. 116).
6
“O trabalho em equipe, o diálogo como criação de consensos entre iguais e diferentes e o círculo de cultura
são criações de Paulo Freire, dos movimentos de cultura popular” (BRANDÃO, 2017b, p. 69).
7
Ver Nota 1 (JOSSO, 2010b, p. 142). Experiência de vida e formação.
8
A ideia do conceito de práxis está presente na obra de Freire para ilustrar a união do processo de ação –
reflexão – ação sobre a prática pedagógica humana.
Referências
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ZITKOSKI, Jaime José (org.). Dicionário Paulo Freire. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2017a.
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des; ZITKOSKI, Jaime José (org.). Dicionário Paulo Freire. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica,
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tent/uploads/2007/09/proposta-113-final.pdf. Acesso em: 08 abr. 2018.
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deformadoras e transformadoras. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n. 2, p. 373-383, maio/
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JOSSO, Marie-Christine. O caminhar para si: uma perspectiva de formação de adultos e de
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ZITKOSKI, Jaime José. Ser Mais. In: STRECK, Danilo Redin; REDIN, Euclides; ZITKOSKI,
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