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v. 27, n. 3, Passo Fundo, p. 809-833, set./dez. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
*
Graduada em Pedagogia pela universidade Federal do Maranhão; especialista em magistério superior pelo Centro
Universitário do Maranhão; Mestre em Economia pela universidade Federal e de Pernambuco; Doutora em Linguísti-
ca e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho - Unesp - Araraquara. Professora
no programa de pós-graduação em Educação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-gran-
dense. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4949-0023
**
Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel); Licenciada em Formação Docente para a Educa-
ção Básica - Letras pela Faculdade Educacional da Lapa; Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade
Anhanguera Pelotas; Mestre em Educação e Tecnologia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-
-rio-grandense (IFSul); Doutoranda em Educação e Tecnologia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Sul-rio-grandense (IFSul). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1128-3857
***
Graduado em Matemática pela Universidade Federal de Pelotas; Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universi-
dade Federal do Rio Grande do Norte; Doutor em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista Julio
de Mesquita Filho - Unesp - Bauru. Professor no programa de pós-graduação em Educação do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3294-3711
Recebido em 25/02/2020 – Aprovado em 05/10/2020
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v27i3.12384
ões armativas: uma análise do acesso e da permanência dos alunos
cotistas do IFSul
Positive actions: an analysis of admission and permanence of IFSul balancing students
Políticas de acción armativa: un análisis de la admisión y de la permanência de los estudiantes
titulares de cuotas del IFSul
Márcia Helena Sauaia Guimarães Rostas
*
Maria Cecília Isaacsson
**
Rafael Montoito
***
Resumo
O presente trabalho é resultado de uma dissertação que analisou o ingresso por cotas nos cursos técnicos de
nível médio da forma integrada do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul),
campus Pelotas, e o quadro geral dos alunos cotistas no que tange às políticas de ações armativas de perma-
nência e ao êxito escolar. Para tal, utilizamos como metodologia o estudo de caso e a análise de categorias refe-
rentes ao recebimento ou não de benefícios oferecidos pela instituição, com abordagem qualitativa (estudo dos
referenciais teóricos acerca da temática) e quantitativa (análise dos dados sistêmicos). Quanto à coleta de dados,
usamos pesquisa bibliográca, extração de dados sistêmicos e aplicação de questionário ao universo de alunos
que ingressaram em 2014/1. Ao nal, concluímos que as cotas podem promover uma “pseudo mobilidade social
e que o aluno que ingressa por este sistema não vincula a isso sua permanência ou êxito escolar.
Palavras-chave: Educação. Êxito escolar. Ingresso por Cotas. Permanência. Políticas Armativas.
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Abstract
This study originated in a dissertation that analyzed racial balancing through the high school technical program
integrated modality admission at Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul),
Pelotas Campus, and the racial balancing student general Picture regarding positive action policies of atten-
dance and academic achievement. For such, case study methodology and the analysis of categories referring to
the receipt or not of benets oered by the institution were used with both qualitative (theoretical references
studies on the subject) and quantitative (systemic data analysis) approaches. As for data collection, bibliogra-
phic research and systemic data extraction were used, as well as a questionnaire was applied to the universe of
students who joined the institution in 2014/1. At the end, it was concluded that racial balancing can promote a
"pseudo" social mobility, and that joining the institution through this system does not necessarily
guarantee attendance or academic achievement.
Keywords: Education. Academic Achievement. Racial Balancing Admission. Attendance. Positive Policies.
Resumen
El presente trabajo es el resultado de una tesis de maestría en la que se analizó la admisión por cuotas en los cur-
sos técnicos de la forma integrada a la enseñanza media del Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Sul-rio-grandense (IFSul), campus Pelotas, y el panorama general de los estudiantes titulares de cuotas con res-
pecto a las políticas de acción armativa de permanencia y éxito escolar. Para ello, utilizamos como metodología
el estudio de caso y el análisis de categorías relacionadas con la recepción o no de los benecios ofrecidos por
la institución, con enfoque cualitativo (estudio de referencias teóricas sobre el tema) y cuantitativo (análisis de
datos sistémicos). A respeto de la recopilación de datos, utilizamos la investigación bibliográca, la extracción de
datos sistémicos y la aplicación de un cuestionario al universo de estudiantes que ingresaron en 2014/1. Al nal,
concluimos que las cuotas pueden promover una “pseudo movilidad social y que el estudiante que ingresa a
través de este sistema no vincula su permanencia o éxito en la escuela a eso.
Palabras clave: Educación. Éxito escolar. Admisión por Cuotas. Permanencia. Políticas Armativas.
Introdução
As políticas sociais adotadas no Brasil objetivam assegurar a todos os cidadãos
o acesso à melhoria de qualidade de vida, o que inclui aí diversos aspectos como
saúde, segurança, seguridade social e educação. Tais políticas vêm promovendo,
desta forma, a inclusão dos cidadãos de todas as esferas sociais e, em especial, os
menos favorecidos que, independente do motivo, não foram inseridos no contexto
em decorrência de algum “artifício” de exclusão social.
Nessa linha, a reserva de vagas para acesso à educação pública, discutida na
pesquisa cujos resultados aqui trazemos, bem como a implantação de políticas de
permanência na escola, serviram de parâmetro para a análise das políticas afirma-
tivas adotadas pelo governo, por meio das instituições públicas de educação, com
intuito de garantir a educação, prevista constitucionalmente. Os relatos e análises
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que comentaremos a seguir, sobre esta temática, tiveram como cenário o campus
Pelotas do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul).
Nosso escopo principal era verificar o alcance de algumas políticas educacio-
nais, tendo em vista que o simples ingresso na instituição pública de ensino não
garante o efetivo acesso e permanência do cidadão na escola, como mostra o ele-
vado índice de evasão escolar. A partir dessa observação, questionamo-nos sobre a
importância da implementação do programa de assistência estudantil e se, para os
alunos que o recebem, é este um diferencial que os auxilia a permanecer na insti-
tuição e concluir o curso de sua opção.
O Departamento de Gestão de Assistência Estudantil (DEGAE) do IFSul
possui dados
1
que nos remetem ao pensamento de que as políticas públicas estão
obtendo resultados: 80% dos alunos beneficiários dos auxílios estudantis consegui-
ram superar os desafios encontrados na trajetória educacional. No entanto, sem
desconsiderar a importância e relevância dos auxílios prestados pela AE (Assis-
tência Estudantil), ressaltamos que não é necessário que o aluno tenha ingressado
por meio da política de reserva de vagas para dela ter direito, embora acreditemos
que dificilmente o aluno que ingresse pela reserva de vagas não se utilize desses
auxílios.
Considerando que a última pesquisa sobre os impactos dos auxílios estudantis
realizada no IFSul, pelo DEGAE, se deu em 2015, os dados coletados nessa pesqui-
sa por meio de dados sistêmicos e questionário podem servir de subsídios para nova
pesquisa referente aos auxílios e análise dos impactos institucionais dos auxílios
nas questões de permanência e êxito no IFSul.
As questões que levantamos dirigem, então, um olhar mais específico ao grupo
de alunos que ingressou na instituição por uma reserva de vagas. A reserva de
determinada porcentagem das vagas, especificamente para o ingresso ao ensino
no IFSul, campus Pelotas, garantiu o acesso, permanência e a formação do sujeito/
cidadão que se enquadra nas condições previstas em lei específica? Até onde essa
política afirmativa de reserva de vagas, para ingresso na instituição de ensino,
assegurou a igualdade de direitos prevista constitucionalmente, além de gerar um
índice positivo de permanência e êxito escolar?
Em um país com tamanhas e notórias desigualdades sociais, a política educa-
cional tem buscado medidas compensatórias aos eleitos, por ela, como mais frágeis
em detrimento de outros que, a seus olhos, não preenchem os requisitos necessá-
rios. Nossa discussão parte do momento em que os alunos ganham acesso à escola
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para tentar desvendar se há, e quais, relações entre a reserva de vagas e os índices
de permanência, evasão e êxito dos alunos do IFSul, campus Pelotas.
ões armativas, acesso e permanência escolares: um olhar sobre esses
conceitos
A ideia da pesquisa nasceu a partir de uma inquietação acerca da efetividade e
do alcance da política pública de reserva de vagas para o ingresso no ensino público
(Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, regulamentada pelo Decreto nº 7.824, de
11 de outubro de 2012), em especial nos cursos técnicos de ensino médio na forma
integrada do IFSul.
Passamos a nos questionar se a utilização de cotas para acesso ao ensino téc-
nico de nível médio contribuiu, de alguma forma, além das ações afirmativas pro-
movidas pela instituição, para a permanência e para o êxito do aluno. E, ainda, de
forma suplementar e não menos importante, se há algum reflexo nos índices de
evasão.
Há inúmeras discussões na sociedade, algumas favoráveis e outras não, refe-
rentes ao ingresso por cotas nas instituições de ensino públicas. Dada a essa dico-
tomia que transparece nos discursos da sociedade, percebemos que pesquisar essa
política de ingresso por cotas e suas peculiaridades constituía-se uma temática de
grande relevância que, de alguma forma, merecia uma reflexão mais apurada.
Optamos por realizar a pesquisa no nível médio técnico
2
tendo em vista que
a lei que regulamenta o acesso ao ensino por cotas é do ano de 2012 e, portanto,
em função do pouco tempo decorrido, ainda não teríamos, no ensino superior, alu-
nos egressos para a pesquisa. Desta forma, não seria possível verificar índice de
êxito escolar
3
desses alunos ou, até mesmo, questões referentes à permanência
4
de maneira mais aprofundada. Levamos, para tanto, em consideração as formas
de ensino técnico de nível médio ofertadas no IFSul (Integrado, Concomitante e
Subsequente), observando que o sujeito que ingressa em um curso técnico de nível
médio na forma integrada é proveniente diretamente do ensino fundamental, o que
o faz frequentar tão logo o ensino médio e um curso técnico à sua escolha. Dessa
forma, ele está mais ligado à instituição que os alunos das formas Concomitante
e Subsequente, motivo que justifica a escolha deste grupo de alunos para serem
o sujeito da nossa investigação. Além disso, dentre o grupo de alunos do ensino
técnico de nível médio de forma integrada, interessava-nos olhar aquele que optou
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por utilizar uma forma diferenciada de acesso à escola, o ingresso por cotas, neces-
sitando ou não de ações de permanência para continuar e concluir o estudo de nível
médio/técnico.
Na dissertação Ações Afirmativas em foco: uma análise do acesso e da perma-
nência de alunos cotistas do IFSul – Campus Pelotas, a partir da qual foi feito esse
recorte, existe um estudo mais aprofundado, em um capítulo nominado “Estado da
Questão”, no qual foi feito um levantamento dos trabalhos até então publicados
sobre a temática.
Em um primeiro momento, determinamos os tipos de trabalhos que seriam
mapeados nos bancos de dados, delimitando em artigos, dissertações e teses. Os
repositórios utilizados foram: a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
- IBICT a partir do Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e a Scientific
Electronic Library Online (SciELO), por se constituírem, entre outras, em fontes
com credibilidade e aquiescência na comunidade acadêmica. Utilizamos as pala-
vras-chave conforme Quadro 1, no período dos anos de 2005 a 2016
5
:
Quadro 1 – Resultado da busca em repositórios
Palavras-chave: Cotas;
permanência; políticas
afirmativas; educação.
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Total
Artigos científicos X 2 X 3 X X X 4 1 2 1 X 13
Dissertações 1 X 1 X 1 1 2 X 1 2 2 1 12
Teses X X 1 1 1 1 X X X X X X 04
Total geral 1 2 2 4 2 2 2 4 2 4 3 1 29
Fonte: elaboração dos autores.
Selecionamos, então, alguns trabalhos para uma leitura mais detalhada sobre
o tema. Utilizamos como critérios de seleção a semelhança com o tema abordado.
Assim, os trabalhos que trataram sobre as políticas afirmativas de acesso, e, prin-
cipalmente de políticas de permanência dos estudantes nas instituições de ensino,
se tornaram o foco desta etapa. Os parâmetros de escolha dos trabalhos incidiram
na convergência de abordagem aspirada para esta pesquisa, tendo sido agrupados,
de acordo com o Quadro 2, a seguir:
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Quadro 2 – Resultado final das pesquisas para análise
Anos
Tipos
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Total
Artigos científicos X 1 X 1 X X X 1 1 1 0 X 5
Dissertações 0 X 1 X 1 0 0 X 0 0 1 1 4
Teses X X 0 0 1 0 X X X X X X 1
Total geral 0 1 1 1 2 0 0 1 1 1 1 1 10
Fonte: elaboração dos autores.
A busca e o breve relato das 10 publicações (entre artigos, dissertações e tese)
foram feitos com o intuito de, além de servir de base a esta pesquisa (no campo
metodológico e teórico), situar nós e o leitor na perspectiva e relevância do objeto
que nos propomos investigar.
Ainda existe muita discussão no que se refere às ações afirmativas no campo
da permanência dos alunos cotistas. A maioria delas demonstrou haver restrições
às ações de permanência, sendo vinculadas apenas à assistência estudantil e/ou
bolsas de auxílio. Nesse passo, são poucas ou subjetivas as questões que tratam de
ações afirmativas inovadoras.
Os trabalhos relacionados no Estado da Questão da dissertação deram conta
de trazer à tona a importância dada, pelas instituições, em primeiro garantir o
acesso para, apenas posteriormente, refletir sobre as questões de permanência.
Ademais, demonstraram a relevância de considerar as dificuldades, dilemas, supe-
rações dos alunos que ingressaram pelas cotas.
Trouxeram, também, a importância de verificação das razões de necessidade
de ações para a redução de distâncias sociais, ressaltando as cotas não como meca-
nismo de disparidade, e sim como meio de justiça social.
Quando fazemos a vinculação dos conceitos sobre ações afirmativas, questões
alusivas ao acesso e permanência, com os trabalhos analisados na Dissertação, po-
demos perceber, inicialmente, que a temática de cotas no ensino médio, em cursos
técnicos da forma integrada, não é alvo de muitos estudos. Em verdade, o que mais
vemos são as cotas para acesso e permanência no ensino superior, mas em nada se
opõe a fazermos uma comparação aos cursos de ensino médio.
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A legislação que trata sobre cotas obriga as instituições de ensino a fazerem
uso dessa sistemática. Parece-nos que a preocupação com a educação segue por
parte do governo, tanto que houve ampliação das cotas, agora para incluir as pes-
soas com deficiência, conforme alteração feita pela Portaria Normativa nº 9, de
05/05/2017 do MEC. No entanto, essa preocupação com a inclusão e a universaliza-
ção do ensino esbarra em algumas medidas tomadas pelo governo.
Trazendo à baila o fato de o Brasil passar constantemente por mudanças
bruscas no que diz respeito à Educação, observamos a aprovação da Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) 241/2016, mais conhecida no âmbito da educação
como “PEC da morte”, já que congela gastos com investimentos na educação da po-
pulação Brasileira. Aprovada, passou a ser chamada como Emenda Constitucional
nº 95/2016, e trata especificamente da instituição de um novo regime fiscal, a partir
do qual os gastos com saúde, educação, etc. passam a ter um teto.
Considerando que esse regime fiscal tem o prazo de 20 anos de vigência, sendo
esse o tempo considerado necessário para que a dívida pública fique estagnada ou,
como no próprio texto diz, “permaneça em um patamar seguro”, com a devida vê-
nia, ao limitar os gastos com a educação (que acreditamos já serem insuficientes),
a situação precária das escolas pode ser afetada.
Inferimos, no que diz respeito ao acesso dos estudantes, que poderemos ter
um “caos” quando, por conta dessa falta de investimento, o número de vagas ofer-
tadas for reduzido e, por consequência disso, o ingresso a alunos cotistas passe a
ser limitado.
A própria intenção da criação da cota, no sentido de universalizar o acesso à
educação, fica prejudicada na medida em que não há interesse que a população
que mais precisa tenha acesso à educação pública quando não se tem investimento
nessa área.
Concordamos com Charlot (2005, p. 131), que o modo de articulação entre a
escola e a sociedade se tornou um meio de garantir uma boa carreira profissional:
[...] a possibilidade de encontrar um “bom emprego” (interessante, bem pago, bem situado
na hierarquia social) depende do nível de êxito na escola. Por consequência, esse êxito é
um ponto de passagem obrigatório para se ter uma vida “normal” e, ainda mais, para se
beneficiar de uma ascensão social. Em outras palavras, é sua vida futura que os jovens
jogam na escola”.
Arriscamos dizer que um sistema educacional, como o do Brasil, que funciona
de forma gradual e progressiva, que passa por inúmeras e constantes dificuldades
e barreiras impostas pela falta de investimento do Estado, principalmente com as
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limitações orçamentárias em decorrência da EC 95/2016, não se sustenta. Como
um país, sem incentivo financeiro, fiscal e orçamentário à educação pode propor
um ensino integral sem sequer suprir as deficiências básicas das escolas? Inferimos
que as políticas de ações afirmativas podem vir a sofrer cortes prejudicando uma
educação pública, de qualidade, tornando ineficaz a universalização da educação,
deixando aos jovens pouco espaço para uma formação continuada e de qualidade,
que não seja pura e simplesmente para torná-lo uma mão de obra barata com um
“sucesso” inverídico.
A própria ideia da cota, no sentido de universalizar o acesso à educação, fica
prejudicada na medida em que não há interesse que a população que mais precisa
tenha acesso à educação pública quando não se tem investimento nessa área.
Não obstante, temos que a questão da permanência como uma política afirma-
tiva é um processo em construção, sendo necessário realizar um estudo específico
em um universo determinado. Nesse sentido, nossa pesquisa buscou levantar da-
dos e discutir a questão do acesso e, principalmente, da permanência dos alunos
cotistas no IFSul, para que, ao final, possamos refletir sobre ações que previnam a
evasão e/ou retenção. Para esta análise, usamos por parâmetro os alunos ingres-
santes no IFSul campus Pelotas, na forma integrada, com matrícula referente ao
período letivo 2014/1.
Para entender esse cenário sobre como vem acontecendo o acesso aos cursos
técnicos da forma integrada do IFSul campus Pelotas, via reserva de vagas (cotas),
bem como para aprofundar uma reflexão acerca das relações entre as políticas de
ações afirmativas e permanência desses alunos, julgamos necessário, neste mo-
mento, trazer à tona alguns conceitos e problematizações.
Sobre ações armativas e políticas públicas
Para Gomes (2002, p. 128-129), as ações afirmativas definem-se como:
[...] políticas públicas (e privadas), voltadas à concretização do princípio constitucional da
igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de
idade, de origem nacional e de compleição física. [...] a igualdade deixa de ser simplesmente
um princípio jurídico a ser respeitado por todos e passa a ser um objetivo constitucional a
ser alcançado pelo Estado e pela sociedade.
Sob a ótica do autor, as ações afirmativas podem ser de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, e são concebidas com vistas a combater diversos tipos
de discriminação (racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional) e a
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corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação herdada do passado, com
o objetivo principal de concretizar do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens
fundamentais como a educação e o emprego. Gomes (2003) ainda afirma que é
preciso conscientizar a sociedade e a classe política para que trabalhem no intuito
de minimizar as desigualdades, levando em consideração que “a marginalização
socioeconômica a que são relegadas as minorias, especialmente as raciais, resulta
de um único fenômeno: a discriminação” (GOMES, 2005, p. 52).
Conceitos parecidos trazem Piovesan e Fonseca. Para o primeiro, as ações
afirmativas são medidas especiais e temporárias que, “buscando remediar um pas-
sado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance
da igualdade substantiva por parte de grupos socialmente vulneráveis, como as
minorias étnicas e raciais, entre outros grupos” (PIOVESAN, 2005, p. 41); já para o
outro, elas são “destinadas a atender grupos sociais que se encontrem em condições
de desvantagem ou vulnerabilidade social em decorrência de fatores históricos,
culturais e econômicos” (FONSECA, 2009, p. 11).
É importante discorrermos sobre o conceito de políticas públicas também, já
que as ações afirmativas nada mais são do que um tipo de política pública adotada
pelo Estado. Nesse espaço, tomamos por definição de política pública a trazida por
Amabile (2012, p. 390), que estabelece como sendo:
[...] decisões que envolvem questões de ordem pública com abrangência ampla e que visam
à satisfação do interesse de uma coletividade. Podem também ser compreendidas como
estratégias de atuação pública, estruturadas por meio de um processo decisório composto
de variáveis complexas que impactam na realidade.
Com base nesses conceitos, podemos afirmar que as ações afirmativas se cons-
tituem em um instrumento de correção por meio de condutas e normas propostas
pelo “Estado”, no sentido de recuperar direitos fundamentais de pessoas que se
encontram em desvantagem e/ou desigualdade social por decorrência de algum
tipo de discriminação (econômica, racial, política, etc.). Desta forma, toda ação afir-
mativa – que em nossa pesquisa é a reserva de vagas para ingressar na institui-
ção – objetiva garantir a igualdade e a isonomia entre as pessoas. Comentaremos
adiante, mais detalhadamente, se estes objetivos foram alcançados para um grupo
diferenciado de estudantes, foco do nosso trabalho.
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Sobre o acesso à educação na legislação brasileira
Para começarmos a falar do acesso à educação a partir de políticas afirmati-
vas, é necessário fazermos a distinção entre os termos acesso e ingresso, visto que a
legislação e a literatura que trata das políticas inclusivas utiliza-se ora de um ter-
mo, ora de outro. O ingresso do aluno se concretiza com a matrícula na instituição
após o processo seletivo. Já o acesso, uma designação que consideramos mais am-
pla, abrange tanto o ingresso na instituição quanto a participação deste indivíduo
nas ações promovidas pela e na escola. Seria, nesta perspectiva, o sentir-se incluído
no ambiente educacional, como parte do processo de formação. Em outras palavras,
além do simples ingresso por algum tipo de cota, o acesso é o reconhecimento deste
indivíduo como integrante daquele lugar.
Com relação ao acesso à educação, consta na Constituição Federal (CF) de
1988, lei maior do país, que ela é um direito e garantia fundamental do cidadão. O
artigo 6° descreve que são direitos sociais “a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a pro-
teção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição” (BRASIL, 1988, não paginado).
Com base nesse direito, garantido pela CF, é que se sustenta toda a legislação
que rege o acesso à educação, sendo dever do Estado, como declarado no artigo
208, garantir a educação básica obrigatória e gratuita assegurando, inclusive, sua
oferta gratuita “para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; [...] O
acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo” (BRASIL, 1988,
não paginado).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394/1996
6
– estabelece as diretrizes e bases da educação no Brasil e, portanto, disciplina a
educação escolar, a partir de então. Dentre os seus princípios aponta, no artigo 3º
inciso I, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. A garan-
tia de acesso e permanência passou a ser regida por dispositivos legais e, assim,
objetiva a universalização da educação.
O termo universalização da educação nos remete à ideia de tornar a educação
mais acessível às classes populares, ao alcance do povo, da maioria da população,
não se confundindo com o conceito de Educação Popular, o que poderia indicar uma
educação de menor qualidade. Fernandes e Luft (2005) tratam o termo “universa-
lizar” como um sinônimo de “generalizar, espalhar-se, difundir-se”. Partindo desta
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terminologia podemos acrescer, de forma complementar, a ideia de universalismo,
defendida por Ivo (2013, p. 528), que o caracteriza como:
[...] [um] paradigma [...] segundo o qual se considera que todos os cidadãos, sem distinção
de classe ou posição no mercado, têm direito a serviços sociais que respondam aos princí-
pios democráticos de igualdade de direitos e de status e que garantam os mesmos benefícios
sociais e os mesmos padrões de qualidade a todos e cada um dos cidadãos no âmbito dos
sistemas de bem-estar.
Desta forma o dispositivo legal subsidia o princípio de popularizar a educação
possibilitando o alcance a um número maior de pessoas. A LDB, por conseguinte,
garante o ingresso por meio da criação de formas de acesso alternativas, com a in-
tenção de garantir o ensino a todos, de democratizar a educação propriamente dita.
Porém, na prática, reconhecemos a dificuldade no atendimento à totalidade das
pessoas em idade escolar. A lei, em seu art. 5º, estabelece que o acesso à educação
básica obrigatória é direito público subjetivo.
Por se tratar de uma instituição federal de ensino, o acesso a todos os cursos
ofertados pelo IFSul ocorre por meio de processo seletivo. Estes se dão, de forma
distinta, pelo nível de ensino: processo seletivo próprio, para ingresso nas formas
integrada, concomitante e subsequente ao ensino médio e pós-graduação; e Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) ou Sistema de Seleção Unificada (SiSU), para
ingresso nos cursos superiores. Realizado duas vezes ao ano, uma no inverno e
outra no verão, o processo seletivo próprio é gratuito a todos os candidatos. A dis-
ponibilidade das vagas é apontada pelo plano de vagas disponibilizado por cada
campus.
O ingresso dos candidatos pode se dar pelo Acesso Universal (AU) ou, ainda,
pela Reserva de Vagas para Egressos de Escolas Públicas (RVEEP), sendo que, em
todos os cursos ofertados na instituição, 50% das vagas são destinadas à RVEEP,
atendendo o IFSul à implementação de políticas de ações afirmativas.
O candidato que deseja ingressar via reserva de vagas/cotas deverá se decla-
rar integrante de um dos quatro grupos descritos no edital nº 191/2013 do IFSul,
baseado na Portaria Normativa nº 18/2012, que consideram a renda bruta fami-
liar, sua etnia e onde realizaram seus estudos do ensino fundamental. Na nossa
pesquisa, colhemos os dados dos alunos que se encaixavam no grupo L4, ou seja,
os candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas que, independente da
renda, tenham cursado integralmente o ensino fundamental em escola pública
7
(IFSUL, 2013).
820
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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O amparo legal dessa forma de ingresso (reserva de vagas) fundamenta-se,
além dos direitos e garantias constitucionais, na Lei nº 12.711, de 29 de agosto
de 2012. Pauta-se, ainda, na portaria normativa nº 18 de 2012, do Ministério da
Educação (MEC), que dispõe sobre a implementação dessa reserva de vagas em
instituições federais de ensino, bem como no Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de
2012, que a regulamenta.
Sobre a permanência escolar
A legislação estabelece, em seu artigo 206, inciso I, que não basta garantir o
acesso para que o aluno alcance a efetiva educação, mas é necessário que lhe seja
oportunizada a permanência na escola (BRASIL, 1988), assim, poderá vir a ter
êxito no ensino. Para entendermos melhor essa questão trazemos, primeiramente,
o conceito de “permanência” que, segundo o do dicionário on-line Michaelis é o “ato
de permanecer; o estado ou a qualidade de permanente; constância, perseverança”.
Entendemos, portanto, como conceito básico de permanência escolar o ato do aluno
perseverar, continuar e não desistir de seus estudos. Compreendemos, ainda, a
“permanência e êxito” escolar, como o ato de ingressar, acessar e permanecer na es-
cola até concluir, com êxito, o curso no qual o aluno ingressou, ressaltando o caráter
temporal do prazo estipulado para integralização do seu estudo.
Logo, não há como seguir discorrendo sobre permanência sem entendermos,
também, o conceito de evasão, já que os alunos que não permanecem estudando
são considerados evadidos. O mesmo dicionário on-line define evasão como sendo
a “ação ou processo de evadir, de deliberadamente fugir” e isso, por conseguinte,
conduz à compreensão de que a evasão é um processo de desistência, por parte do
aluno, da escola.
De acordo o artigo 74 da Organização Didática da Educação Básica, Profissio-
nal e Superior de Graduação do IFSul (OD)
8
, é considerado evadido o estudante que
estiver em um destes dois grupos: ou ele apresenta índice de frequência inferior
a 50% do total da carga horária do período e nota zero (ou conceito equivalente
em todas as disciplinas na última etapa de avaliação, caso a avaliação não se dê
numericamente), ou ele não efetua a renovação de matrícula nos prazos definidos
no calendário acadêmico. Em qualquer um destes casos, o estudante evadido perde
o direito à sua vaga.
Assim, com intuito de cumprir disposições legais, o ministério da Educação criou
o Programa de Acolhimento, Permanência e Êxito (PAPE), instituído pela portaria
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interministerial nº 04, de 06 de maio de 2016. Neste programa são expressos direitos
e garantias constitucionais, como o dever do Estado com a educação em todas as
etapas da educação básica, as formas de colaboração para assegurar a universaliza
-
ção do ensino obrigatório, o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação
(PNE), a importância de ações integradas entre educação, assistência social e saúde,
e a intersetorialidade na execução de programas como o Saúde na Escola, o Bolsa
Família e o Benefício de Prestação Continuada na Escola, dentre outros.
O PAPE tem por finalidade “desenvolver ações [...] que promovam a busca
e o retorno às escolas das crianças, adolescentes e jovens que, em idade escolar,
não foram matriculadas nas redes públicas”, e prevê o desenvolvimento de ações
integradas “como forma de reduzir a evasão escolar e ampliar as possibilidades de
conclusão com êxito da educação básica” (MEC, 2016).
Ao buscarmos as ações de permanência que já existem no campus, nos depa-
ramos, primeiramente, com a previsão, no regimento interno do campus Pelotas,
da responsabilidade de “fomentar e promover, em conjunto com os demais profis-
sionais da educação, ações para permanência e êxito do estudante” da Coordenado-
ria de Assistência Estudantil (COAE). Esta coordenadoria obedece ao disposto no
regimento interno do campus.
Ao aprofundarmos um pouco mais a busca sobre a autoria da responsabilidade
de ações que promovam a permanência dos estudantes, encontramos, no Regimen-
to Geral
9
do IFSul, o Departamento de Políticas Educacionais como o responsável
pela proposição de estratégias e projetos institucionais para permanência e êxi-
to dos estudantes; a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura como a responsável pela
contribuição para o acesso e permanência e êxito de pessoas com deficiência e de
grupos sociais que são alvo de políticas públicas afirmativas; e o Departamento de
Educação Inclusiva que tem como uma de suas atribuições divulgar os objetivos
das ações inclusivas, motivando o acesso, a permanência e o êxito de pessoas que
se encontram em situação de vulnerabilidade social. Verificamos, ainda, que a Polí-
tica de Assistência Estudantil (PAE)
10
vem sendo implantada desde 2010 no IFSul.
Este documento nos traz um conjunto de princípios e diretrizes que norteiam a
implementação de ações que tem como objetivo promover o acesso, a permanência
e o êxito dos alunos sob a ótica da equidade entre outras.
Identificamos, também, a Câmara de Assistência Estudantil
12
como um órgão
consultivo e propositivo com o objetivo de cooperar para a integração dos campi do
IFSul. Este órgão busca o aperfeiçoamento e desenvolvimento dos temas relaciona-
dos à Assistência Estudantil.
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Ainda, embora sua publicação (2017) tenha sido posterior à esta pesquisa,
trazemos, para conhecimento do leitor, o Plano Estratégico Institucional de Per-
manência e Êxito dos Estudantes do IFSul
12
, que possui como objetivo geral pro-
mover, por meio de ações sistêmicas e locais articuladas, a permanência e o êxito
dos estudantes do IFSul. Dentre seus objetivos específicos estão os de fomentar a
problematização da qualidade e efetividade das diversas ofertas educativas dos
variados campi do IFSul, com vistas ao controle e à gradual redução dos fatores de
evasão e retenção do Instituto; construir diagnóstico quali-quantitativo acerca dos
fenômenos “evasão” e “retenção” no âmbito dos diferentes campi e cursos do IF-
Sul; planejar e implementar estratégias de redução e controle das interveniências
individuais, institucionais e socioculturais que impactam os índices de evasão e
retenção nos diversos cursos e campi do IFSul; e deflagrar ações sistêmicas e locais
para a promoção da permanência e êxito dos estudantes, tendo em vista os fatores
convergentes detectados nos variados cenários de evasão e retenção diagnosticados
nos campi do IFSul.
Além desses supracitados, verificamos a implementação de programas assis-
tenciais para a permanência neste ambiente, como é o caso do Plano Nacional de
Assistência Estudantil (PNAES), previsto no Decreto nº 7.234/2010, o qual objeti-
va melhorar as condições de permanência e êxito dos estudantes em situação de
vulnerabilidade social a partir da alocação de recursos financeiros para atender as
demandas da Assistência Estudantil.
O campus Pelotas, espaço no qual foi desenvolvida a pesquisa, atualmente
conta, no que tange a ações que visam o acesso e a permanência dos estudantes,
com políticas adotadas pela Coordenadoria Assistência Estudantil (COAE), a qual
oferece benefícios aos alunos, tais como transporte urbano, transporte intermuni-
cipal, alimentação (almoço e/ou jantar), auxílio moradia e auxílio material escolar.
A estes benefícios, que são oferecidos por meio de Editais, publicados com periodici-
dade semestral, soma-se a oferta da COAE, estendida a todos os alunos do campus,
de acompanhamento psicológico. Segundo consta na descrição do serviço de psico-
logia
13
, este é um instrumento importante que “visa promover ações nas áreas de
saúde; desenvolver atividades de orientação profissional; e fomentar e promover,
em conjunto com os demais profissionais da educação, ações para a permanência e
êxito dos estudantes” e seus ecos perpassam ações vinculadas ao ensino (incluídas
aí questões ligadas à aprendizagem), à pesquisa e à extensão.
Dentro deste ambiente da COAE há, ainda, o Núcleo de Apoio às Pessoas com
Necessidades Específicas (NAPNE), responsável pela preparação da instituição
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no acolhimento de pessoas cegas, surdas-mudas, deficientes físicos, dentre outros.
Sendo assim, é um núcleo que trabalha com políticas inclusivas para garantir o
acesso, a permanência e o êxito do estudante.
Outras ações relevantes do campus que repercutem na permanência discen-
te, no combate à evasão e na retenção são os editais para processos seletivos de
alunos para bolsas de monitorias para Cursos Técnicos de Nível Médio e a oferta
de atendimento médico e odontológico (o que também se estende aos servidores).
Embora esta segunda não esteja vinculada diretamente à COAE, estando este se-
tor ligado diretamente ao Gabinete do Diretor Geral do campus, ela não pode ficar
de fora daquilo que chamamos de benefícios, já que a consideramos um auxílio aos
alunos que, se por vezes não têm condições de arcar com os custos desses serviços
essenciais à saúde e ao seu bem-estar, têm acesso a eles na escola. Reconhecendo
que tais serviços são imprescindíveis para o bom andamento acadêmico dos alunos,
analisamos sua importância no questionário aplicado.
Descrição da pesquisa: da coleta de dados à interpretação dos resultados
Nosso intento de pesquisa versou sobre a forma como vem ocorrendo o acesso
aos cursos da forma integrada do IFSul campus Pelotas, por meio de reserva de
vagas (cotas) e quais são as políticas de ações afirmativas de permanência desses
alunos. Ainda, de qual forma são propostas e como o estudante se utiliza dessas
ações e se tem alguma contribuição na sua elaboração. No tocante ao índice de
evasão, nos disponibilizamos a verificar se é alto entre os cotistas e quais motivos
ensejaram a evasão.
Para situar o leitor, trazemos um pequeno histórico da instituição pesquisada:
o Instituto Federal de Ensino, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense faz parte de
uma Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, proveniente do antigo
CEFET-RS, e instituído pela Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Atualmen-
te, o IFSul é composto por 14 campi, conforme Figura 1, a seguir, e pela Reitoria,
que se localiza também em Pelotas (RS), juntamente com os campi Pelotas e Pelo-
tas-Visconde da Graça.
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Figura 1 – Distribuição dos campi do IFSul
Fonte: Instituto Federal Sul-rio-grandense
14
.
O espaço de nossa pesquisa ficou, então, delimitado ao campus Pelotas, situa-
do na cidade de Pelotas (RS), pela proximidade e consequente facilidade na coleta
de informações, sendo que utilizamos também como balizador a forma integrada
de nível médio, restringindo o período ao primeiro processo seletivo em que foi
disponibilizada a reserva de vagas no IFSul.
Ainda, para a percepção do leitor de como ocorreu a aplicação do sistema de
cotas no IFSul, ressaltamos que o debate sobre a questão iniciou em 2012, quando
a Lei que rege o tema passou a vigorar. Logo, em 2013, quando lançado o Edital
para ingresso via processo seletivo no IFSul para o ano letivo de 2014, a instituição
aderiu à proposta legislativa fazendo, com isso, valer o dispositivo legal.
Estando definida a investigação, optamos pela pesquisa qualitativa com
nuances quantitativas no que se refere aos percentuais a serem levantados. Sobre
a pesquisa qualitativa, Denzin e Lincoln elucidam que “é uma atividade situada
que localiza o observador no mundo” e nos permite compreender as questões en-
volvidas no universo da pesquisa com maior profundidade (DENZIN; LINCOLN,
2006, p. 17).
As nuances quantitativas a que nos referimos anteriormente se deram com a
coleta de dados no sistema Q-acadêmico
15
a partir dos quais, tabulados percentual-
mente, pudemos verificar o desempenho no acesso e no rendimento escolar obtido
pelos alunos.
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A pesquisa desenvolveu-se sob os preceitos de um Estudo de Caso, que é um
“método de olhar a realidade social” (GOODE; HATT, 1968, p. 421), que realiza
uma investigação empírica acerca de um fenômeno contemporâneo, tomado em
profundidade e em seu contexto de mundo real (YIN, 2015), o que nos permitiu
entender algumas questões abarcadas no contexto social dos alunos que acessam
e permanecem, com ou sem êxito escolar, além de verificar as causas da evasão
escolar.
Ressaltamos que a análise dos dados e do questionário foi feita através da
construção de categorias referentes ao recebimento ou não de benefícios oferecidos
pela instituição. Em um primeiro momento, tivemos contato com documentos esco-
lares dos alunos e suas respostas aos questionários para, após isso, refletir sobre o
material e apresentar uma interpretação dos resultados obtidos.
Da coleta de dados e das categorias
Com base no sistema Q-Seleção, também utilizado pelo IFSul, o processo sele-
tivo de candidatos para o período letivo de 2014/01 teve, de modo geral, 3.457 alu-
nos inscritos em cursos técnicos integrados para o campus Pelotas sendo que, desse
total, confirmaram a sua inscrição para participar da seleção 2.495 candidatos.
Dos confirmados, apenas 45 candidatos se inscreveram para concorrer pela cota
L4, e apenas 20 alunos se matricularam como cotistas L4 após o processo seletivo
de ingresso.
Após a coleta de dados no sistema Q-Acadêmico, identificamos o universo de
20 alunos que correspondiam ao nosso interesse de pesquisa. Com as informações
extraídas do sistema, em um primeiro momento, pudemos listar os seus dados
pessoais (e-mail e telefone) e, por meio de comunicação via e-mail, propusemos a
aplicação de um questionário elaborado com dados necessários para a investigação.
Após duas semanas, não obtivemos nenhuma resposta dos alunos que ingressaram
por cotas no ano de 2014/1. Tal situação ensejou que fôssemos em busca desses
alunos de forma mais incisiva e diferenciada, já que suas respostas eram funda-
mentais para as análises e conclusões desta pesquisa.
Desta forma, como estratégia inicial de alcance, buscamos, junto ao Departa-
mento de Ensino da escola, os dados dos 13 alunos que permaneciam matriculados
(07, dos 20 ingressantes, haviam evadido). Depois de localizar as turmas nas quais
teriam aulas, fomos pessoalmente ter uma conversa com eles sobre a importância
da pesquisa e da sua participação e lhes explicamos que os resultados seriam apre-
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sentados à escola como forma de instrumentar mecanismos de melhoria tanto para
o acesso quanto para a permanência dos alunos cotistas. Mesmo assim, apenas 09
alunos nos enviaram, posteriormente, suas respostas.
Em relação aos 07 evadidos, tentamos um novo contato via e-mail. Não obti-
vemos nenhum retorno e, assim, inovamos na forma de abordagem, chamando-os
a responder o nosso instrumento de pesquisa de maneira mais informal, via redes
sociais como Facebook e WhatsApp, mas apenas 01 aluno nos deu retorno.
Nossa amostra, que ao final reduziu-se a um total de 10 alunos (09 regulares
e 01 evadido), representava 50% do universo de ingressantes pela cota L4 sendo,
portanto, um número significativo para subsidiar a pesquisa, pois Marconi e Laka-
tos (2005) alertam que, normalmente, os questionários enviados têm uma taxa de
devolução de, em média, 25%.
Esses 10 alunos pesquisados foram separados, segundo suas respostas, em
dois grupos, “A” e “B”. O grupo “A” foi formado por alunos que, devidamente ma-
triculados, utilizavam ou já tinham utilizado qualquer benefício/auxílio da Assis-
tência Estudantil (AE); no grupo “B” ficaram os alunos que nunca tinham utilizado
nenhum benefício/auxílio da AE. Ficaram no grupo “A” 03 alunos (todos regulares)
e, no “B”, 07 alunos (06 regulares e 01 evadido).
Na sequência, em relação ao grupo “A”, foi aplicado um questionário cujo in-
tuito era verificar as condições de acesso e o perfil destes alunos (renda familiar e
declaração de etnia, bem como o alcance da política de cotas). Concomitantemente,
em relação ao grupo “B”, foi aplicado o mesmo instrumento, haja vista a peculiari-
dade de ingresso por cota e não utilização de benefícios da Assistência Estudantil,
o que por si só caracteriza uma situação excepcional.
A partir disso, alinhavamos as intenções de coletas de dados com categorias
construídas, utilizando-se da Análise de Conteúdo, com a intenção de mapear a
relação entre o ingresso por cotas com a permanência e o êxito dos alunos.
A fim de preservar a identidade e os dados pessoais destes 10 alunos, utiliza-
mos a nomenclatura A1, A2 e A3 para os que se encontram no grupo “A” e B1, B2,
B3, B4, B5, B6 e B7 para os do grupo “B”.
Cotas para acesso ao ensino técnico de nível médio e sua incidência na permanência e no
êxito do aluno
Nos dados coletados a partir do instrumento aplicado, 60% da amostra da
pesquisa se autodeclarou pardos e, 40%, pretos. Nenhum indígena foi identifica-
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do quando observamos os dados do sistema ou via respostas do questionário. No
Quadro 3, a seguir, mostramos excertos das respostas que os alunos deram, ao
justificarem a razão por que se autodeclararam pardos ou pretos.
Quadro 3 – Respostas do questionário
Informante Autodeclaração Motivo
B7 Preto “Pela cor da minha pele.”
B4 Pardo -
B2 Preto
“Me considero negro dado às minhas características e também afirmo que
sou por motivos de preconceito que já sofri.”
A2 Pardo “Porque sou uma mistura de cores.”
B3 Pardo “Pois possuo avós pretos, brancos e indígenas.”
B5 Preto
“Meus pais, avós, todos somos dessa etinia [sic], com vários descenden-
te(sic).”
B6 Pardo “Por ter pele mais clara.”
B1 Pardo “Por motivos familiares.”
A3 Pardo “Pois venho de família paterna negra e materna branca.”
A1 Preto “Devido a características físicas, consciência e descendência.”
Fonte: elaboração dos autores.
Ao questionarmos o motivo pelo qual os informantes se inscreveram para a
cota L4, colocamos, junto à pergunta, as condições de acesso pela cota (proveniente
de escola pública, preto/pardo/indígena, independentemente de renda) e percebe-
mos que diversos motivos ensejaram essa participação como cotista. Alguns parti-
cipantes, como “A2”, “B5”, “B6” e “B1” se restringiram a responder que tinham esse
direito, enquanto outros informantes se aprofundaram um pouco mais.
Ao responder a esta questão, nos parece importante ressaltar algumas infor-
mações, como, por exemplo, a de “B7”, que justificou ter utilizado a cota “pelo mo-
tivo de não sentir segurança na efetividade da educação que recebi (pública) e por
julgar válido usar cotas”. Já “B2” declarou por que acha as cotas válidas: “tendo em
vista que além de disputarmos vagas com estudantes que vem de escolas particula-
res onde o nível de ensino é superior também existe o fato de que historicamente o
negro, pardo e o indígena foram tratados como raças inferiores e isso é refletido até
hoje tendo como exemplo a minha turma onde apenas 3 alunos incluindo eu mesmo
são negros”.
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Podemos perceber que para estes informantes a utilização da cota teve um
cunho de mobilidade social.
Ao perguntarmos para os componentes da amostra se acreditavam que sua
permanência na escola ocorreu por causa da utilização da cota (Questão 09), 20%
respondeu que não, 50% que sua permanência é consequência de seus próprios
esforços e não em virtude da utilização da cota. Outros 20%, ao contrário, afirma-
ram que sim, que sua permanência na escola se deu em virtude de ter ingressado
pela cota L4 e 10% que sua permanência se deve à contribuição dos benefícios da
assistência estudantil. A maioria julga que sua permanência no IFSul se deve ao
próprio esforço, o que, por sua vez, nos conduz a acreditar que os alunos superam
as dificuldades, independente da forma de acesso, em busca do êxito estudantil.
Nesse ponto, a cota se configura apenas como uma oportunidade.
Sobre o êxito escolar, 50% dos respondentes afirmam que seu êxito escolar não
é decorrente da utilização da cota de ingresso, mas sim de seus próprios esforços.
Logo, verificamos, através das respostas, que a busca pela superação das dificulda-
des tem contribuído para o êxito escolar já que 40% respondeu de forma afirmativa,
justificando de formas diferentes.
Contudo, percebemos que, embora a maioria tenha ratificado que seu êxito é
decorrente dos seus próprios esforços, grande parte dos informantes (40%) atribuiu
a sua conquista ao fato de ter ingressado pela cota L4, seja pela possibilidade de
oportunidades – “[...] porque a concorrência era grande [...]”, declarou B5 –, seja por
compensar um ensino fundamental (público) deficitário – e “se não tivesse utilizado
cotas, [...] não teria adentrado no instituto devido a [...]antiga escola (pública) ter
o ensino muito fraco”, falou B6 –, seja pela concorrência ou por uma fase de vida
difícil – “porque quando entrei passava por uma fase delicada”, contou-nos A4. Em
nenhum momento os alunos que ingressaram por uma cota que é racial atribuíram
a este fato qualquer circunstância vinculada diretamente a racismo ou qualquer
preconceito explícito ou ainda à reparação social.
A outra pergunta do questionário, que inqueria se a utilização do(s) benefí-
cio(s) da AE contribuía(m) para a permanência na escola, os do grupo “A” (consti-
tuído pelos alunos que utilizam ou já utilizaram algum benefício) responderam que
os benefícios ajudam bastante” (A1) e que “pelo fato de ter uma renda baixa e não
pode conter os gastos com o instituto, tem sido de grande ajuda os benefícios e tem
influenciado na minha permanência no Campus” (A2).
Estas duas respostas que comentamos são extratos que têm paralelos nas
demais declarações, ou seja, todos os integrantes do grupo “A” consideram que
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a utilização dos benefícios da AE contribuiu para a sua permanência na escola.
Desta maneira, é possível inferir que, pelo baixo poder aquisitivo que possuem
e pela percepção do benefício, esses alunos conseguiram permanecer na escola.
De forma contrária, a totalidade do grupo “B”, por não utilizar benefícios da AE,
responderam “não” ao questionamento. Assim, podemos notar a disparidade de
necessidade entre os grupos e também a relevância da prestação desses benefícios
àqueles que possuem menor poder aquisitivo. Disto depreende-se a conjectura de
que, se não fossem esses benefícios, o índice de evasão dos alunos do grupo “A”
poderia aumentar.
A partir disso, pudemos concluir que a incidência da utilização de cotas na
permanência e êxito do aluno merece ser subdividida em duas etapas. Na primei-
ra, no tocante à permanência, observamos que os participantes da pesquisa (dos
grupos “A” e “B”), em sua maioria, atribuem a permanência aos próprios esforços
despendidos nas dificuldades durante a trajetória estudantil. Já em relação à utili-
zação dos benefícios da AE, que a totalidade de alunos do grupo “A” considera como
sendo importante para a permanência na escola, e pudemos inferir que foi quase
fundamental para que continuassem estudando, evitando assim a evasão.
Considerações nais
Em que pese a pesquisa ter sido realizada referente ao ingresso para ao ano
letivo de 2014, a relevância e atualidade da temática é pertinente, já que buscou
verificar como se deu a política de cotas em seu primeiro momento na instituição,
ou seja, tão logo se deu a vigência da lei regulamentadora. Além de elucidar aquele
momento que a instituição vivia, o estudo vem como forma de subsídio para outros
que desejem analisar a temática por completo, realizando uma retrospectiva da
implementação das cotas até a atualidade, bem como as questões de permanência
adotadas.
O baixo número de candidatos que optou por concorrer por esta forma de in-
gresso nos indicou, em um primeiro olhar, a pouca divulgação dessa forma de in-
gresso. No entanto, destacamos que o IFSul foi um dos precursores no oferecimento
de ingresso via cotas, já que a legislação do ano de 2012 permitia que as institui-
ções de ensino se valessem do prazo de 04 anos para implementação e o IFSul, tão
logo na abertura do processo seletivo seguinte ao da vigência da lei, já adotou esta
prática, enquanto outros aguardaram o implemento do prazo para então oferecer o
ingresso por meio das cotas.
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As ações afirmativas são consideradas um instrumento de correção pelo “Es-
tado” no sentido de recobrar direitos fundamentais de pessoas que se encontram
em desvantagem e/ou desigualdade social, e, por isso, concluímos que objetivam
garantir a igualdade e a isonomia entre as pessoas. No caso do IFSul, campus
Pelotas, com base na análise das ações promovidas pela escola e com aporte nas
respostas da amostra referente ao questionário aplicado, concluímos que as cotas,
como meio de acesso, podem promover uma “pseudo” mobilidade social. Isso porque
alguns informantes se veem com a necessidade de tratamento diferenciado para
conseguir ter acesso a uma educação de melhor qualidade. Assim, a utilização da
cota não vem como estrutura que aponte disparidade social
16
, e sim como um ele-
mento essencial à promoção de um “direito constitucional”.
No tocante à permanência, verificamos que, no campus Pelotas do IFSul, na
época da pesquisa, as ações afirmativas se restringem às adotadas pela assistência
estudantil e também, com base nas informações coletadas da amostra, à assistên-
cia médica, psicológica e odontológica, que constituem medidas que promovem a
manutenção dos alunos no espaço escolar. Não nos deparamos com contribuição,
durante a pesquisa, dos alunos na criação, elaboração ou melhoramento dessas
ações, o que poderia ser uma temática a ser levantada pelo campus na medida em
que traz para perto aqueles que necessitam de alguma ajuda para permanecer
estudando. No entanto, observamos que em 2017 foi divulgado o Plano Estratégico
Institucional de Permanência e Êxito dos Estudantes do IFSul, o qual auxilia nas
medidas que evitam a evasão e fracasso escolar.
Assim, a cota de acesso, pura e estritamente como ação afirmativa, não é fa-
tor vinculante à permanência desse indivíduo. Em que pese toda a amostra ter
ingressado pela cota L4, a maioria entende que sua permanência é decorrente de
seu esforço como estudante, sendo esse meio apenas uma oportunidade de acesso,
mas não de permanência na escola ou que enseje tratamento diferenciado para a
sua manutenção.
Neste caso, a permanência segue atrelada a fatores como serviços de saúde
prestados pela instituição e aos benefícios da assistência estudantil que, por sua
vez, está intimamente ligada ao baixo poder aquisitivo dos sujeitos que os utilizam.
Logo, esses indivíduos não se enxergam como ocupantes da posição social que ne-
cessita da cota para permanência, e sim, apenas para o acesso.
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Notas
1
Informação obtida através do sítio do IFSul. Disponível em: http://portal2.ifsul.edu.br/index.php?option=-
com_content&view=article&id=1387%3Aassistencia-estudanil-e-tema-de-capacitacao-&catid=9%3Ainsti-
tuto-federal-sul-rio-grandense&Itemid=1. Acesso em: 28 nov. 2016.
2
O Instituto Federal Sul-Rio-Grandense, por ser uma instituição da Rede Federal de Educação Técnica e
Tecnológica, dispõe de uma educação híbrida, ofertando ensino de nível médio Técnico, Superior e de Pós-
-Graduação stricto e lato sensu.
3
Entendido, nesta pesquisa, como conclusão de etapas: por disciplina, por semestre e por curso.
4
Entendido, nesta pesquisa, como apenas não evadido ou concluinte. Seria o ato de o aluno perseverar,
continuar, não desistir de seus estudos, obtendo êxito ou não.
5
Optamos pela busca em um período longo, de 2005 a 2016, tendo em vista que, ao realizarmos busca em
períodos mais breves e próximos a 2016, encontramos poucos trabalhos e, como consideramos a temática
da pesquisa importante, vimos, por bem, aumentarmos o período para que conseguíssemos mais trabalhos
que pudessem subsidiar nossa pesquisa.
6
A Lei nº 9.394/1996 surge para estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional. Estabelece que a
educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana,
no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais. A lei em questão disciplina a educação escolar, que se desenvolve, pre-
dominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias (BRASIL, 1996).
7
Art.14, II, Portaria Normativa nº 18/2012.
8
A da Organização Didática da Educação Básica, Profissional e Superior de Graduação do IFSul está dispo-
nível em: http://www.ifsul.edu.br/regulamento-da-atividade-docente/item/113-organizacao-didatica. Aces-
so em: 19 set. 2016.
9
O regimento interno e o regimento geral do IFSul estão disponíveis em: http://www.ifsul.edu.br/regimen-
to-geral. Acesso em: 02 ago. 2016.
10
A Política de Assistência Estudantil do IFSul está disponível em: http://www.ifsul.edu.br/assistencia-estu-
dantil-ifsul/documentos-assistencia/item/101-assistencia-estudantil. Acesso em: 17 set. 2016.
11
O Regimento da Câmara de Assistência Estudantil está disponível em: http://www.ifsul.edu.br/assisten-
cia-estudantil-ifsul/documentos-assistencia/item/101-assistencia-estudantil. Acesso em: 22 set. 2016.
12
O Plano Estratégico Institucional de Permanência e Êxito dos Estudantes do IFSul foi publicado em 2017,
e está disponível em: http://www.ifsul.edu.br/component/k2/item/download/14547_39ae8a4a058847c5a9d-
3d8f377cf4181. Acesso em: 01 out. 2020.
13
Disponível em: http://pelotas.ifsul.edu.br/ensino/servico-de-psicologia. Acesso em: 15 maio 2017.
14
Disponível em: http://www.ifsul.edu.br/mapa. Acesso em: 08 abr. 2017.
15
O sistema Q-Acadêmico, de propriedade da Qualidata, conforme http://www2.qualidata.com.br/q_acade-
mico.htm, é uma ferramenta de gestão acadêmica que possibilita, em um universo de informações e base
de dados, que sejam produzidos de relatórios e estatísticas. Além disso, fornece diversos dados relevantes
para a Instituição com o cadastro dos alunos e informações acadêmicas destes. Acesso em: 16 maio 2017.
16
Entendida nessa pesquisa como desigualdade social e/ou econômica, podendo ser decorrente de má distri-
buição de recursos, escassez de investimentos em políticas sociais, falta de educação básica de boa quali-
dade, etc.
Referências
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