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Célia Regina Vitaliano, Josiane Junia Facundo
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Libras no curso de pedagogia: análise de fatores que interferem no processo
de ensino-aprendizagem
Libras in the pedagogy course: analysis of factors that interfer in the teaching-learning process
Libras en el curso de pedagogía: análisis de factores que intereren en el proceso de
enseñanza-aprendizaje
Josiane Junia Facundo
**
Célia Regina Vitaliano
**
Resumo
Este texto é parte de um estudo mais amplo, que buscou avaliar o processo de implementação da disciplina
de Língua Brasileira de Sinais (Libras) na grade curricular do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de
Londrina (UEL). O objetivo do presente artigo é apresentar as análises dos fatores que envolveram o processo de
ensino-aprendizagem e que contribuíram ou dicultaram o desenvolvimento dessa disciplina. Os dados foram
coletados por meio de uma entrevista semiestruturada com a docente da disciplina de Libras e da aplicação de
um questionário junto a 90 estudantes de Pedagogia, após cursarem a referida disciplina. A análise dos dados se
pautou, em especial, no Decreto nº 5.626/2005, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002 – lei de reconhecimento
da Libras. Os resultados evidenciaram que as maiores diculdades em relação ao ensino da Libras foram: a carga
horária da disciplina; a quantidade de alunos por turma; o excesso de atividades paralelas à disciplina; e dicul-
dades especícas como coordenação motora e memorização. Quanto aos aspectos positivos, destacam-se o
apoio didático e os recursos visuais que auxiliam nas aulas e facilitam a compreensão dos estudantes. Avaliamos
que as análises apresentadas contribuem para identicação das condições que facilitam e dicultam o desen-
volvimento da disciplina de Libras.
Palavras-chave: Disciplina de Libras. Pedagogia. Ensino-aprendizagem. Decreto nº 5.626/2005.
*
Mestre em Educação, docente do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Tocantins. Doutoranda no Pro-
grama de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina/PR. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9102-
8281. E-mail: josiane.almeida@yahoo.com.br
**
Doutora em Educação, professora Doutora Assistente da Universidade Estadual de Londrina. Docente do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina/PR. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8757-4204.
E-mail: reginavitaliano@gmail.com
Recebido em 20/03/2020 – Aprovado em 10/10/2020
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v27i3.12388
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Abstract
This text is an excerpt from a larger study, that sought to evaluate the Libras major implementation process in
the Pedagogy Course curriculum in Londrina State University- UEL. The purpose of these paper is presenting the
factors analysis that involved the teaching-learning processes and contributed to or hindered the major pro-
gress. Data were collected through a semistructured interview with the professor and questionnaire to 90 Peda-
gogy students, after they attended that major. The data analysis was based, in particular, on Decree 5.626/2005,
which regulates Law 10.436 of 2002 – Libras Recognition Law. Results showed that the greatest diculties in
relation to the Libras teaching were timeload; amount of students per class, parallel activities excessive to the
major one, and specic diculties such as motor coordination and memorization. As for the positive aspects,
we highlight the didactic support and the visual resources that aid in the classes and facilitate the students
understanding. We evaluated that analyzes presented could contribute to identify conditions that make Libras
progress easy or dicult it.
Keywords: Libras Major. Pedagogy. Teaching-learning. Decree 5.626/2005.
Resumen
Este texto es parte de un estudio más amplio, que buscó evaluar el proceso de implementación de la asignatura
de Libras en el plan de estudios del curso de Pedagogía de la Universidad Estatal de Londrina-UEL. El objetivo de
este artículo es presentar el análisis de los factores que involucraron el proceso de enseñanza-aprendizaje y que
contribuyeron o dicultaron el desarrollo de esta disciplina en el referido curso. Los datos fueron recolectados a
través de una entrevista semiestructurada con el docente de la asignatura Libras y la aplicación de un cuestiona-
rio a 90 estudiantes de Pedagogía, luego de cursar dicha asignatura. El análisis de los datos se basó, en particular,
en el Decreto 5.626/2005, que regula la Ley 10.436 de 2002 – ley de reconocimiento de Libras. Los resultados
mostraron que las mayores dicultades en relación a la enseñanza de Libras fueron: la carga de cursos; el número
de alumnos por clase, el exceso de actividades paralelas a la asignatura y dicultades especícas como la coordi-
nación motora y la memorización. En cuanto a los aspectos positivos, se destaca el apoyo didáctico y los recursos
visuales que ayudan en las clases y facilitan la comprensión de los alumnos. Creemos que los análisis presenta-
dos contribuyen a la identicación de condiciones que facilitan y dicultan el desarrollo de la asignatura Libras.
Palabras clave: Asignatura de Libras. Pedagogía. Enseñanza-aprendizaje. Decreto 5.626/2005.
Introdução
A Língua Brasileira de Sinais (Libras), embora seja a língua da comunidade
de surdos no Brasil desde a existência dessa comunidade, só foi reconhecida como
meio legal de comunicação e expressão muito recentemente, por meio da Lei nº
10.436, de 24 de abril de 2002. Esse reconhecimento se deve à luta da comunidade
de surdos, que, através de lideranças surdas, organizou várias mobilizações pelo
país desde a década de 90. Um ganho ainda maior, contudo, se reflete no Decreto
nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, o qual veio regulamentar a referida lei. Esse
decreto ressalta a oferta de ensino bilíngue para surdos e estabelece algumas dire-
trizes para alcançar tal objetivo.
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Uma das principais medidas previstas no decreto vem ao encontro da forma-
ção de professores para atuar junto aos alunos surdos, que diz respeito à inclusão
da disciplina de Libras como obrigatória nos currículos das licenciaturas, no curso
de Fonoaudiologia e no curso de Pedagogia (BRASIL, 2005). No parágrafo único,
do artigo 9º, do capítulo III, o decreto traz a seguinte determinação: “O processo de
inclusão da Libras como disciplina curricular deve iniciar-se nos cursos de Educa-
ção Especial, Fonoaudiologia, Pedagogia e Letras, ampliando-se progressivamente
para as demais licenciaturas” (BRASIL, 2005, não paginado).
Essa medida exigiu a reorganização dos referidos cursos quanto à adequação
de sua matriz curricular, bem como da abertura de processos seletivos e concursos
públicos para a contratação de docentes para ministrarem a disciplina de Libras.
Depreendemos que a análise de situações de ensino-aprendizagem de Libras é
fundamental para que, por meio do conhecimento dos aspectos favoráveis e desfa-
voráveis ao processo, se encontre as estratégias que facilitem o trabalho do profes-
sor e resulte na aprendizagem efetiva dos graduandos.
Considerando que o Curso de Pedagogia deveria ser um dos primeiros a in-
cluir a disciplina em sua matriz curricular, e ainda o fato de ter sido o primeiro
curso a atender essa determinação na Universidade Estadual de Londrina (UEL),
foi escolhido como campo de estudo para nossas análises.
No que se refere a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, o
decreto determina que, as instituições federais, responsáveis pela educação básica,
para garantir a inclusão de alunos surdos, devem organizar “escolas e classes de
educação bilíngue”, que abriguem tanto alunos surdos como alunos ouvintes, dis-
pondo de professores bilíngues. Para os anos finais do ensino fundamental, para
o ensino médio ou profissionalizante, o decreto prevê “escolas bilíngues ou escolas
comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes” nas quais os
docentes das diferentes áreas tenham conhecimento da “singularidade linguística
dos alunos surdos”, além da presença de tradutores e intérpretes de Libras para
acompanhar esses alunos nesse espaço (Art. 22).
A motivação para o estudo surgiu da necessidade de acompanhar as primeiras
turmas da disciplina de Libras, e, principalmente, por se tratar de uma professora
surda; o que tornava a situação duplamente inédita nessa universidade.
Assim, nossa pesquisa se configurou como um Estudo de Caso, em que foram
analisadas quatro turmas do curso de Pedagogia por meio de questionário, aplica-
do aos estudantes e entrevista semiestruturada junto à professora de Libras.
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O problema que deu origem a essa pesquisa foi: quais fatores contribuem para
o ensino-aprendizagem da disciplina de Libras; e quais interferem nesse processo?
Tais indagações culminaram no seguinte objetivo geral: identificar fatores que
interferem no processo de ensino-aprendizagem da disciplina de Libras no curso
de Pedagogia.
No referencial teórico, a seguir, buscamos analisar o processo do desenvolvi-
mento da Libras até sua inserção nos currículos de formação de professores, por
meio do decreto 5626/05. Na sequência, trazemos as análises do desenvolvimento
da disciplina de Libras, bem como a discussão dessas, ancorada em bases teóricas
referentes aos fatores favoráveis e desfavoráveis ao processo de ensino-aprendiza-
gem da Libras.
A instituição da Libras
Nas referências históricas acerca das línguas de sinais no mundo não encon-
tramos citações que precisem o surgimento dessa modalidade linguística, sendo
consenso o fato de que as línguas de sinais sempre existiram e coexistiram com as
línguas orais. No entanto, os estudos dessas línguas são recentes e têm crescido
significativamente nas últimas décadas.
De acordo com Quadros (2004), os estudos sobre Língua de Sinais no Brasil
se deram a partir do trabalho de Gladis Knak Rehfeldt, “Linguistics bases for the
description of Brazilian Sign language”, publicado no livro “The sign language of
Brazil”, editado por Harry W. Hoemann, em 1981.
Contudo, a publicação do documento mais importante encontrado até hoje so-
bre a Libras, segundo Ramos (2003), é de 1873, o Iconographia dos Signaes dos
Surdos-Mudos, de Flausino José da Gama, um aluno surdo do Instituto Nacional
de Surdos-Mudos (INSM).
O material reproduzido por Flausino da Gama é um livro de língua de sinais
com ilustrações de sinais separados por categorias (animais, objetos, etc.). Ramos
(2003) observa que, de acordo com o que está impresso no prefácio do livro, a inspi-
ração para o trabalho veio de um livro publicado na França e que se encontrava à
disposição dos alunos na Biblioteca do instituto (atual INES).
Em 1968, a publicação de um artigo de Kakumusu, J. Urubu Sign Language
evidenciou que haveria pelo menos outra língua de sinais no Brasil, utilizada pelos
índios Urubus- Kaapor. A partir desse dado, linguistas brasileiros, como Ferreira
Brito, passaram a se interessar pelos estudos da Libras. A partir de 1982, essa
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linguista começou a documentar os sinais da Língua de Sinais Kaapor Brasileira
-LSKB, como a denominou, diferenciando-a da Língua de Sinais dos Centros Urba-
nos Brasileiros -LSCB (SOFIATO, 2005).
A denominação Libras se deu a partir do II Congresso Latino Americano de Bi-
linguismo para Surdos, realizado em 1993, em substituição à denominação LSCB,
posto que LSCB era o termo utilizado apenas em pesquisas linguísticas e Libras
era o termo utilizado pela comunidade surda. Antes disso, era comum o termo
“linguagem de sinais”, “linguagem dos surdos-mudos”, entre outros.
As línguas de sinais, hoje, são consideradas pela linguística, não mais como
um problema do surdo ou uma patologia da linguagem, mas como línguas naturais
ou como um sistema linguístico legítimo.
Quadros e Karnopp (2004, p. 46) mencionam que embora a denominação Li-
bras seja utilizada para se referir à língua de sinais utilizada no Brasil, existe
também a sigla LSB (Língua de Sinais Brasileira), “utilizada internacionalmente,
seguindo os padrões de identificação para as línguas de sinais”. No Brasil, o pro-
cesso de reconhecimento legal da Libras iniciou-se a partir da década de 1990, com
algumas iniciativas estaduais que antecederam a lei federal.
O primeiro estado brasileiro, cuja legislação incluiu a Língua de Sinais utili-
zada pela comunidade surda, foi Minas Gerais, a partir da Lei nº 10.379, de 10 de
janeiro de 1991, a qual reconhece, oficialmente, no estado de Minas Gerais, como
meio de comunicação objetiva e de uso corrente, a linguagem gestual codificada na
Libras.
Todavia, a Libras só foi reconhecida oficialmente no país onze anos mais tarde,
pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, sendo regulamentada somente três anos
depois pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005.
O reconhecimento da Libras resultou de iniciativas das comunidades de sur-
dos espalhadas pelos diversos Estados brasileiros. Além do mais, o processo de
legitimação dessa língua se deve a outros fatores, tais como: o avanço dos estudos
linguísticos sobre línguas de sinais no mundo; as contribuições dos estudos surdos
que permitem perceber as pessoas surdas como pertencentes a grupos linguístico-
culturais; e às políticas de inclusão educacional a partir da década de 90.
A Libras como disciplina curricular obrigatória
Com a regulamentação da Libras, por meio do Decreto 5.626, de 22 de dezem-
bro, de 2005 surgem medidas significativas para à educação de surdos no Brasil.
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Entre tantas questões contempladas no decreto, encontra-se a instituição da Li-
bras como disciplina curricular nos cursos de formação de professores.
O capítulo segundo desse Decreto traz as seguintes determinações:
Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de for-
mação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos
de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de
ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1º Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal
de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Espe-
cial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o
exercício do magistério.
§ 2º A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de edu-
cação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto
(BRASIL, 2005, não paginado).
Essa medida mexeu, substancialmente, na estrutura dos cursos de Pedago-
gia e demais licenciaturas nas universidades públicas e privadas. Instalou-se um
novo cenário, visto que até esse momento a Libras era desconhecida pela grande
maioria dos professores. A perspectiva de alguns educadores da área se mostra
bem positiva, em relação à implantação de tal medida. Como se pode observar nas
considerações de Strobel (2008, p. 102):
São raros os professores habilitados para trabalhar com os alunos surdos em sala de aula.
Na maioria dos cursos de Pedagogia nas universidades não tinham estas especializações
para esta área- somente agora salvo pelo decreto n. 5626, de 22 de dezembro de 2005 que dá
obrigatoriedade das aberturas de cursos de Libras nestes cursos, as coisas podem melhorar.
O fato de a disciplina de Libras ser obrigatória nos cursos de formação de
professores pode ter dado a entender que o professor regente deverá ministrar suas
aulas em Libras, o que seria tecnicamente impossível (BOTELHO, 2007). Além do
mais apropriar-se efetivamente da Língua de Sinais, assim como de qualquer outra
língua, requer muito mais que um semestre de curso.
Os aspectos linguísticos da Libras são, de fato, importantes, tal como enfati-
zados por Quadros e Campello (2010, p. 37) que ao referir-se a disciplina de Libras
nos cursos de Letras e Pedagogia de uma Universidade, consideram que a pro-
posta da disciplina nesses cursos tem como objetivo proporcionar conhecimentos
básicos de Libras, além de contemplar as especificidades referentes a cada área
de conhecimento no que diz respeito aos sinais. As autoras ainda ressaltam que
“a comunicação básica em Libras e os conhecimentos construídos a partir do curso
possibilitarão uma relação entre professor e os alunos surdos no contexto da edu-
cação regular”.
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Por desconhecimento das características da Língua de Sinais e da lógica nos
“equívocos” de produções escritas de alunos surdos, alguns professores acabam
acreditando que a dificuldade de domínio na língua padrão seja de ordem cog-
nitiva (BOTELHO, 2007, p. 20). Daí a importância de compreender a estrutura
da língua de sinais e especificidades do aluno surdo: para realizar uma avaliação
mais coerente do processo de aprendizagem desses alunos, bem como a intervenção
adequada, que considere a sua singularidade.
Essa singularidade está expressa no Decreto nº 5.626/2005, que, em um dos
perfis de formação, traduz o que se espera do professor que irá atuar junto a outros
profissionais, com o aluno surdo, no que se refere ao “professor regente de classe
com conhecimento acerca da singularidade linguística manifestada pelos alunos
surdos” (CAPÍTULO IV, art. 14º).
Essa condição do aluno surdo justifica a inserção da disciplina de Libras na
formação de professores e deveria nortear os planejamentos da disciplina, princi-
palmente a seleção de conteúdos que serão ministrados, cuidando desse modo para
que a disciplina não se equipare a um curso básico de Libras, mas que vá além do
ensino dessa língua (que é indubitavelmente essencial para a formação de profes-
sores), contemplando aspectos cognitivos e pedagógicos fundamentais ao trabalho
docente. No que se refere ao atendimento ao aluno surdo, Damázio (2007, p. 14)
ressalta que:
Mais do que a utilização de uma língua, os alunos surdos precisam de ambientes educacio-
nais estimuladores, que desafiem o pensamento, explorem suas capacidades, em todos os
sentidos. Se somente o uso de uma língua bastasse para aprender, as pessoas ouvintes não
teriam problemas de aproveitamento escolar, já que entram na escola com uma língua oral
desenvolvida.
Nesse sentido, asseveramos que os aspectos pedagógicos para a educação de
surdos merecem destaque na disciplina de Libras, com conteúdos e estratégias que
vão ao encontro do desenvolvimento cognitivo do aluno surdo.
Além desses, há outros fatores importantes a serem considerados, como os
propostos por Dias, Silva e Braun (2009, p. 107) sobre a “necessidade de maior
colaboração entre professores e especialistas (quando houver) que participam do
cotidiano escolar, para a organização de atividades que apresentem ações e propos-
tas eficazes às necessidades de todos os alunos”.
Consideramos, portanto, que investir na formação de professores, tanto inicial
como continuada é a melhor forma de sanar as deficiências relacionadas à educação
de alunos surdos, seja na escola bilíngue ou em classes comuns, visto que, quase
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todos os fatores que interferem para que o processo de inclusão seja efetivo estão
ligados a atitudes e práticas cotidianas em sala de aula, seja referente à didática do
professor, às relações sociais deste para com os alunos ou as relações que ele pode
mediar entre esses.
Conquanto, algumas questões precisam ser levantadas e discutidas para que
o processo de implementação da Libras nos cursos de Pedagogia tenha maior êxito,
entre as quais podemos elencar o modo pelo qual se tem dado o ensino da disci-
plina de Libras na formação dos estudantes; quais conteúdos são abrangidos; as
dificuldades encontradas no processo de ensino aprendizagem; os fatores que têm
favorecido tal processo, entre outros. Esses últimos são o foco de nosso estudo,
apresentado nesse texto.
A seguir, detalhamos os procedimentos utilizados para a coleta e análise dos
dados, que levaram aos fatores favoráveis e desfavoráveis ao andamento da disci-
plina, enfatizados no estudo.
Método
O estudo apresentado aqui se caracteriza de natureza qualitativa, configu-
rando-se como é “um conjunto de diferentes técnicas interpretativas, que visam a
descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo de significados”
(NEVES, 1996, p. 1). Trata-se de um estudo de caso, em que foram analisadas 4
turmas do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina.
Os participantes foram os estudantes das quatro turmas do 4º ano do curso de
Pedagogia, totalizando cento e dezenove, e a professora de Libras que ministrava a
disciplina em todas as turmas do referido curso.
A disciplina teve duração de um semestre com carga horaria de 60 horas; es-
tava alocada no último semestre do curso de Pedagogia e dividia espaço com as dis-
ciplinas de Estágio Supervisionado, Trabalho de Conclusão de Curso entre outras.
A coleta de dados foi realizada por meio da técnica de entrevista semiestrutu-
rada junto à professora ministrante da disciplina de Libras e da aplicação de um
questionário, junto aos graduandos de Pedagogia, que encontravam- se em fase
de finalização do curso, sendo este aplicado após os graduandos participarem da
disciplina de Libras, disposta na grade curricular no último semestre do curso.
Ao todo foram aplicados 90 questionários, visto que nem todos os alunos es-
tavam presentes no momento da aplicação. Os questionários foram entregues no
início da primeira aula, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
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e recolhidos no final da última aula. Ainda assim, o total de questionários respon-
didos foi 40, devolvidos em branco 17 e não devolvidos 33.
A professora entrevistada era surda, por isso a entrevista se deu em Libras,
sendo filmada e posteriormente traduzida para a língua portuguesa, a fim de faci-
litar as análises.
Resultados e Discussão
Os dados a seguir apresentam as principais dificuldades encontradas no pro-
cesso de ensino- aprendizagem da Libras, bem como aponta alguns fatores que
favoreceram esse processo.
Fatores agravantes e facilitadores no ensino-aprendizagem da Libras
A composição de disciplinas de línguas estrangeiras no currículo de cursos
do Ensino Superior não é novidade, sabe-se que, principalmente a língua inglesa
marca presença em boa parte dos cursos, embora, esse não seja o caso dos cursos
de formação de professores.
No entanto, ao chegar no ensino superior, a maioria dos alunos já possui co-
nhecimentos prévios, ao menos o básico da língua estrangeira cursada no ensino
médio. O êxito de alguns alunos em detrimento de outros se dá pelo maior ou me-
nor contato com o idioma.
Essa realidade não acontece com a Libras, visto que muitos alunos que cur-
sam a disciplina no Ensino Superior nunca tiveram contato anteriormente com a
língua. Isso pode justificar algumas dificuldades encontradas durante o processo
de ensino-aprendizagem, levando em conta o fato de que essa língua possui uma
estrutura sintática diferente da língua portuguesa, além da modalidade gestual-vi-
sual que não é comum às pessoas ouvintes.
Buscamos identificar, assim, por meio do questionário, se os alunos do curso
de Pedagogia já possuíam algum conhecimento acerca dessa língua, de que modo
adquiriram os conhecimentos e quais os conhecimentos que possuíam.
Do total de alunos que participaram da pesquisa, 30% afirmaram possuir co-
nhecimentos prévios sobre a Libras, sendo que destes, 33,3% relataram ter ad-
quirido esses conhecimentos por meio do contato com pessoas surdas, enquanto
16,6% adquiriram por outros meios como livros e realização de cursos, como se pode
observar pelos relatos:
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Tenho um primo de 18 anos que é surdo. Sempre tive muito contato com eles (A4).
Tenho uma conhecida que é surda (A20).
Convivência com alguns surdos (A37).
Dos alunos participantes, 50% especificaram os tipos de conhecimento que
possuíam em relação à Libras, sendo que 33,3% dos alunos se referiram a conhe-
cimentos práticos da língua, 33,3% aos conhecimentos teóricos e 33,3% tanto co-
nhecimentos práticos quanto teóricos. Os outros 50%, embora tenham afirmado
possuir conhecimentos a respeito da Libras antes de cursarem a disciplina, não
especificaram o que conheciam.
Entre os conhecimentos que os alunos afirmaram ter adquirido antes do curso,
temos:
Apenas o alfabeto manual e alguns pontos sobre a educação dos surdos e a conquista da
oficialização da Libras como 1ª língua desses sujeitos (A12).
Apenas que a Libras é uma língua de sinais usada para a comunicação de surdos/mudos
(A32).
Apenas as letras do meu nome no alfabeto manual (A18).
Alguns sinais (A39).
Os conhecimentos prévios apresentados pelos participantes, como pudemos
observar, eram mínimos, sendo que poucos afirmaram ter adquirido por meio do
contato com pessoas surdas, membros da família, conhecidos e outros. Esses co-
nhecimentos se restringiam ao alfabeto manual, em alguns casos apenas algumas
letras do alfabeto (A18) e em outros, apenas sinais isolados. Somente um aluno
afirmou ter feito um curso de Libras, o qual afirma:
Por não praticar guardei poucas coisas (A20).
Em relação às dificuldades que vivenciaram no decorrer da disciplina de Li-
bras, 52,5% dos alunos participantes responderam que não tiveram dificuldades,
45% afirmaram ter alguma dificuldade e 2,5% não se manifestaram.
Entre as dificuldades citadas identificamos dificuldades em função da com-
plexidade dos conteúdos, dificuldades relacionadas à coordenação motora ou me-
morização; dificuldade de aprendizagem devido à carga horária da disciplina; e
dificuldades de comunicação com a professora surda. Esta última justificada pela
falta de intérpretes.
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O Gráfico 1, a seguir, retrata as principais dificuldades encontradas pelos
alunos, em percentual.
Gráfico 1 – Dificuldades encontradas pelos estudantes na disciplina de Libras
complexidade dos conteúdos
cordenação motora ou
memorização
carga horária insuficiente
comunicação com a professora
surda
40%
33%
17%
10%
Fonte: elaboração dos autores.
Elencamos entre as respostas dos alunos participantes as que melhor justifi-
cam a dificuldade citada:
Falta de coordenação motora. Dificuldade em memorizar os sinais (Aluno 1).
A linguagem de sinais é bastante complexa (Aluno 2).
Porque requer um estudo mais profundo em relação a Libras, tivemos no último ano da facul-
dade e isso deixou a desejar muito conteúdo para todas (Aluno 3).
A questão da carga horária tem sido bastante questionada, tanto por alunos
como professores. Sabemos que a aquisição de uma língua requer muito mais tem-
po do que um semestre. A esse respeito Martins (2008, p. 195) salienta que não se
pode tornar “superficial o ensino da língua de sinais, tomando uma única disciplina
semestral, como manual de inclusão dos surdos na escola e na sociedade”.
Entendemos, contudo, que a disciplina de Libras não se restringe ao ensino da
Libras, tendo em vista o contexto educacional em que esses pedagogos irão atuar, é
imprescindível a abordagem de conteúdos relacionados à educação de alunos sur-
dos. Não podemos negar que o tempo da disciplina é insuficiente para adquirir
fluência em Libras, porém, a formação de intérpretes de Libras exige um curso em
nível de graduação próprio. Além disso, há questões que permeiam a educação de
surdos, que não podem ser ignoradas na formação de professores e pedagogos.
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A pesquisa de Pereira (2008), acerca da implementação da disciplina de Li-
bras no Ensino Superior, demonstra, a partir do relato de coordenadores de alguns
cursos de pedagogia, que a única disciplina que aborda a temática da educação de
surdos nos referidos cursos é a Libras. Desse modo, é inegável o papel da discipli-
na de formar professores regentes que conheçam a surdez e suas especificidades,
que envolvem questões linguísticas, culturais, cognitivas e pedagógicas, além de
conhecimentos básicos da língua, considerando a importância de “professores com
formação adequada para o trabalho pedagógico, o qual possui como condição bási-
ca, a comunicação” (TAVARES; CARVALHO, 2010, p. 8).
Vale ressaltar que, alguns alunos, mesmo tendo afirmado não encontrar di-
ficuldades na disciplina, acabaram apontando-as na justificativa, como podemos
observar nos relatos a seguir:
Não. Mas os colegas sim, pois a apostila utilizada não dava conta de me apoiar nos conteúdos
ministrados em sala (Aluno 4). [grifo nosso]
Não. Dificuldade não, porém é muita coisa para aprender em apenas 1 semestre (que foi o
tempo que tivemos) (Aluno 5).
O aluno 4, embora tenha negado dificuldades na disciplina, deixa explícito que
não conseguia acompanhar o conteúdo, mesmo tendo a apostila como apoio.
A maioria dos alunos que respondeu não apresentar dificuldades na disciplina,
também não apresentou justificativa de sua resposta, tendo em vista que a questão
não exigia justificativa, no caso do participante assumir que não teve dificuldades
em realizar a disciplina.
Quadros e Campello (2010) ressaltam que a proposta da disciplina de Libras
no Curso de Pedagogia é de oferecer conhecimentos básicos dessa Língua. Depreen-
demos que o nível de aquisição da língua de sinais esperado e trabalhado na dis-
ciplina de Libras do curso analisado, tenha sido o básico, tendo em vista o tempo
da disciplina e os conteúdos teóricos abordados. Este, provavelmente tenha sido o
motivo pelo qual 52,5% dos participantes relataram não encontrar dificuldades,
pois a aprendizagem de qualquer língua é complexa. Pensar que a língua de sinais
seria diferente é banalizá-la. Além do mais não se pode ignorar que boa parcela dos
alunos, mesmo em relação aos conhecimentos básicos da língua de sinais, admitiu
encontrar dificuldades.
Reily (2008) comenta sobre o mito de que “é fácil aprender a língua de sinais”,
pois, assim como não é fácil para o surdo aprender a língua portuguesa, o inverso
também ocorre.
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Em relação à aprendizagem da Língua de Sinais, além das questões estrutu-
rais ou gramaticais, comuns à aprendizagem de outras línguas, são necessárias ha-
bilidades motoras e expressivas, o que dificulta ainda mais a aprendizagem dessa
língua. Além disso, a memorização dos sinais é também destacada como uma das
principais dificuldades. Por isso, o ensino de Libras, tanto como primeira língua
(L1) quanto como segunda língua (L2), parece fundamental o uso de recursos vi-
suais, visto que se trata de uma língua visual. Como considera Damázio (2007, p.
38), “a qualidade dos recursos visuais é primordial para facilitar a compreensão do
conteúdo curricular em Libras”.
O uso da apostila também parece indispensável quando se trata do ensino de
Libras, pois, como mostram as pesquisas de Gesser (2006), existe uma necessidade
de registrar os sinais por parte dos alunos ouvintes, que sentem dificuldade de
memorizá-los depois, se não houver um registro. A ausência do registro os deixa
inseguros e o professor, por outro lado, se sente incomodado por não ter a sua aten-
ção. A autora comenta que:
A maioria dos alunos é unânime quanto à necessidade de escrever durante as aulas de
LIBRAS. Embora reconheçam que o ato da escrita pode incomodar o professor – já que
mostra uma desatenção por parte delas –, além de estar em jogo a questão de ele precisar
do contato visual para ratificar e ser ratificado na interação[...] (GESSER, 2006, p. 146).
Outro apontamento feito por Gesser (2006) é que em alguns momentos das
aulas de Libras (do curso pesquisado por essa autora), o professor surdo pede aos
alunos que parem de escrever e olhem para ele. Os alunos atendem ao pedido na-
quele momento, mas em seguida um grupo de alunas volta a fazer anotações.
Podemos constatar que existe de fato a necessidade do registro dos sinais,
tendo em vista que entre as dificuldades apontadas pelos participantes de nossa
pesquisa está a de memorizar esses sinais, especialmente pela metodologia que a
professora utiliza ao introduzir a prática de Libras, ou seja, de sinais por grupo
semântico, como relatou ao citar os conteúdos trabalhados. Para evitar a tensão
que envolve a necessidade do registro por parte dos alunos e a condição de atenção
que a modalidade de língua exige para sua aprendizagem, o uso da apostila parece
ser um recurso considerável.
Apontamos como um dos aspectos positivos a utilização desses recursos didá-
tico-visuais durante as aulas de Libras, enfatizado pela professora, nos seguintes
termos:
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Eu tenho todo o tipo de apoio didático, recursos de multimídias como projetores e laptops
que auxiliam nas aulas e são ótimos. Se não tivesse esses recursos à disposição seria muito
difícil. Mas, normalmente tenho tudo isso disponível para as aulas. Bem como impressões de
materiais, xerox, sempre que deixo na pasta, são providenciadas as cópias. (PL).
A professora de Libras citou vários recursos que considera importantes para
o bom andamento das aulas e que a Universidade dispõe de muitos para o uso em
suas aulas. Percebemos que estes recursos são previstos desde a organização de
suas aulas, quando descreve que:
Primeiro, organizo a parte teórica, os slides com muitos recursos visuais, depois explico o
conteúdo e atividades em Libras. Algumas propostas estão nas apostilas que entrego para
eles. Depois eles praticam em grupos, a partir de textos ou figuras (PL).
Embora tenha à disposição tantos recursos, a professora colocou a necessidade
de um intérprete em sala de aula, visto que sente falta desse apoio durante as suas
aulas “para atender as dúvidas dos alunos que às vezes têm receio de perguntar
alguma coisa”.
A utilização da língua oral, normalmente é requerida nas aulas mais teóricas.
Neste momento é que seria necessária a presença do intérprete. Como destacamos
anteriormente, as questões teóricas que envolveriam os aspectos pedagógicos da
educação de Surdos são indispensáveis e não podem ficar de fora do programa da
disciplina de Libras. Tais aspectos foram encontrados no programa da disciplina de
Libras da universidade pesquisada.
No que se refere ao apoio de um intérprete nessas aulas teóricas, quando o
professor é Surdo, acreditamos que auxiliaria muita na interação dos alunos com
esse docente. Pela fala da professora surda, entrevistada, parece que a dificuldade
maior está na insegurança dos alunos diante da necessidade de tirar dúvidas acer-
ca dos conteúdos durante as aulas, como coloca:
[...] então sinto falta desse profissional para que os alunos possam se abrir mais, fazer pergun-
tas, de modo que haja uma troca e uma maior interação (PL).
A professora de Libras, por sua vez não mencionou dificuldade em comunicar-
-se com os alunos, ou passar o conteúdo. Acreditamos que essa dificuldade, no es-
tudo de caso em questão, não se apresentou, pelo fato de a professora ser oralizada
e possuir bom domínio da Língua Portuguesa em suas modalidades oral e escrita,
além dos diversos recursos citados.
Sobre o uso da Língua Portuguesa pela professora nas aulas, comentou:
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Eu uso mais a oralidade para me comunicar. No início falo mais com eles. Depois que eles já
sabem um pouco de Libras aproveito para utilizar os sinais que eles já conhecem como cum-
primentar, “oi, tudo bem? ”E eles tentam entender, então começo a introduzir mais a Libras no
diálogo com os alunos” (PL).
Outro aspecto positivo a destacar, se refere a presença de professores sur-
dos como docentes da disciplina de Libras. Houve expectativa por parte de alguns
alunos ao saber que teriam uma professora surda, entre as quais elencamos as
seguintes considerações:
Na verdade, houve muitas descobertas, a começar pelo fato de encontrar com a professora
surda. É surpreendente descobrir outras formas de comunicação, principalmente a Libras que
favorece tanto a educação dos surdos (A18).
Minha professora é surda e a experiência foi riquíssima, visto que além do conteúdo tivemos
contato com os pontos de vista, dificuldades e superações dela (A12).
Nota-se, que os alunos participantes atribuem ao professor surdo a importân-
cia para a experiência de vida, como representante da própria língua e cultura, tal
como argumenta Wilcox e Wilcox (2005, p. 31) ao dizer que a melhor maneira de
os alunos conhecerem a cultura Surda, e também a própria língua de sinais, é com
um professor que seja Surdo, o que Rebouças (2009, p. 97) chama de “legitimidade
natural” do professor surdo.
Além dessa “legitimidade natural” do professor surdo, acreditamos que o con-
tato dos alunos com esse profissional, o conhecimento de suas experiências como
surdo, bem como das dificuldades que esse profissional enfrenta, seja pela falta de
acessibilidade ou pelo preconceito, possibilita maior sensibilização dos alunos, o
que refletirá certamente em sua prática profissional com alunos ou colegas surdos.
Gesser (2009) salienta que a maioria dos cursos universitários que preparam
os profissionais para atuar com alunos surdos tendem a dar um enfoque clínico,
utilizando-se da narrativa da deficiência, promovendo concepções geralmente
simplificadas, construídas a partir de traços negativos como, por exemplo, a falta
de língua(gem). Sendo assim, conhecer o surdo como um profissional, docente do
ensino superior, contribui para afastar concepções estigmatizadas em relação às
pessoas surdas.
Vale ressaltar que o fato de considerarmos o contato com a professora surda
como um fator favorável no ensino da Libras não desmerece o trabalho de profissio-
nais ouvintes fluentes em Libras e conhecedores da cultura surda.
Vimos, portanto, vários fatores a serem considerados no ensino da Libras, que
podem contribuir com a formação de professores mais capacitados para atuarem
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junto a alunos surdos que vão além do domínio da língua ou conhecimento da cul-
tura surda. No que se refere aos fatores favoráveis e os que interferiram no desen-
volvimento da disciplina de Libras em nosso estudo de caso, trazemos, a seguir
essas e outras conclusões em nossas considerações finais.
Considerações nais
Entre as principais dificuldades encontradas no decorrer da disciplina, desta-
caram-se: a carga horária ; a quantidade de alunos por turma no período noturno
e a consequente dispersão dos alunos; a falta de um intérprete como apoio durante
as aulas; o excesso de atividades paralelas pelos alunos; a ausência de referências
práticas, que seria proporcionada pelas visitas e/ou estágios em Instituições de En-
sino ou outras; e dificuldades relacionadas à aprendizagem da Libras pelos alunos
devido a habilidades específicas.
No que diz respeito à insatisfação dos alunos e da professora sobre a carga
horária da disciplina, sugerimos que nas turmas posteriores, se colocasse, inicial-
mente, o objetivo da disciplina aos graduandos para que não criem expectativas
com relação ao domínio da língua, mas que haja incentivo por parte de docentes
da disciplina para que os alunos busquem uma formação continuada, tal como
procedeu a professora de Libras, indicando meios para que os alunos aprofundem
os conhecimentos na área.
Quanto à quantidade de alunos por turma há que se reorganizar junto à coor-
denação do referido curso o modo de atendimento aos alunos, dividindo a turma,
se possível para que haja melhor aproveitamento desses alunos, principalmente
em relação à prática da língua de sinais. Desse modo, outras dificuldades também
poderiam ser sanadas, como a necessidade de intérpretes durante as aulas, tendo
em vista que a comunicação fica prejudicada quando se tem muitos alunos em
sala, especialmente em se tratando da Libras que é de natureza visual. Nesse caso
há restrição à visualização da língua de sinais e as orientações apresentadas pela
professora, bem como as oportunidades de interação professor aluno.
Entre os aspectos mais positivos destaca-se a própria didática da professora
surda, que utiliza recursos auxiliares, visuais, facilitando o entendimento do con-
teúdo e possibilitando maior interação entre docente e estudantes; e o contato com
a professora surda que favoreceu o conhecimento da cultura surda e experiências
de vida comuns entre pessoas surdas, sensibilizando assim os estudantes para o
trabalho com alunos surdos.
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Esperamos que tais resultados possam contribuir para elucidar aspectos im-
portantes a serem pensados na organização do ensino-aprendizagem de Libras
como segunda língua no ensino superior, a fim de que se alcance maior êxito no
processo.
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