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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Maria Celeste Reis Fernandes de Souza, Miria Núbia Simões Lourenço
v. 27, n. 3, Passo Fundo, p. 876-900, set./dez. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
convenção. O autor destaca que prefere usar o termo “relação com o saber” que,
inclusive, como ele afirma, já foi apropriado pelas ciências humanas, fazendo parte
do seu vocabulário (CHARLOT, 2000).
Em outras palavras, se o saber pode ser a apropriação de um conteúdo, em
sentido estrito, a aprendizagem vai além, englobando todas as possibilidades de
conhecimento em todas as relações que se tem. Relação com o saber é, pois,
[...] relação com o mundo, com o outro, e com ele mesmo, de um sujeito confrontado com a neces-
sidade de aprender. [...] conjunto de relações que um sujeito mantém com um objeto, um ‘con-
teúdo de pensamento’, uma atividade, uma relação interpessoal, [...] relação com a linguagem,
relação com o tempo, relação com a ação no mundo e sobre o mundo. [...] a relação com tudo
que estiver relacionado com ‘o aprender’ e o saber (CHARLOT, 2000, p. 80-82, aspas do autor).
O autor destaca em seus estudos quatro figuras do aprender que ele denomina
de objetos, atividades, dispositivos e formas que passam por diferentes processos
para que o aprender aconteça. O aprender, segundo o autor, envolve relações epis-
têmicas, identitárias e sociais com o saber. Por sua vez, as relações epistêmicas
desdobram-se em três. Aprender pode ser: apropriar-se de um objeto virtual (o
saber); dominar uma atividade; e aprender a ser (CHARLOT, 2000, 2001, 2009).
No que se refere ao primeiro desdobramento, aprender é apropriar-se de um
saber que está contido em pessoas, livros, lugares. No segundo desdobramento,
aprender é ter domínio sobre algo, como usar uma máquina, ou praticar uma ati-
vidade física. E, finalmente, aprender uma relação que consiste no relacionar-se
consigo e com o outro de maneira reflexiva para ser capaz de fazer as aproximações
e afastamentos necessários nas relações sociais (CHARLOT, 2000, 2001, 2009).
Considerando que o sujeito está sempre em uma perspectiva de aprender, toda
relação com o saber é uma relação epistêmica. No entanto, por ser de cunho pessoal,
subjetiva, é também identitária. Há um porquê de aprender e então as relações se
estabelecem, ou não. Charlot (2000, p. 37) indaga: “Quais são as relações de saber
que o indivíduo tem com os mais diversos saberes, porque as tem, com quem, onde,
ou ao contrário porque não as tem”?
Assim sendo, as relações epistêmicas e identitárias coexistem em todas as apren-
dizagens, requerendo tempos-espaços para se estabelecerem, e nesse quando e onde
encontram-se outras pessoas (amigos, familiares, professores...). Essas relações acon
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tecem nas trocas sociais, em um lugar, e tem-se, assim, a tríade indissolúvel da re-
lação com o saber proposta por Charlot – relações epistêmicas, identitárias e sociais.
Charlot (2000, p. 74) afirma que do ponto de vista metodológico é preciso estar
atento para o fato de que a análise da relação com o saber deve ser compreendida