ESPAÇO
PEDAGÓGICO
DIÁLOGO COM
EDUCADORES
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Diálogo com educadores
v. 27, n. 3, Passo Fundo, p. 918-932, set./dez. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Diálogo com educadores
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Carlos Rodrigues Brandão
O dossiê da Revista Espaço Pedagógico (REP) “Pedagogia do oprimido – 50
anos” tem tudo a ver com Freire e Brandão. São personagens que se encontram,
dialogam, militam, educam, por uma educação capaz de reconhecer o potencial ine-
rente às práticas populares, tão desprezadas pelos grupos dominantes. Os depoi-
mentos de Brandão vêm carregados de emoção, sentimentos, força transformadora
e anseios por libertação dos oprimidos. Quem é, então, Carlos Rodrigues Brandao?
Ele é licenciado em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (1965); mestre em antropologia pela Universidade de Brasília (1974);
doutor em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (1980); livre docente em
antropologia do simbolismo pela Universidade Estadual de Campinas. Realizou
pós-doutorado na Universidade de Perugia (Itália) e na Universidade de Santiago
de Compostela (Espanha). Atualmente é professor colaborador no Programa de
Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Uni-
camp), professor colaborador do POSGEO da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU) e professor visitante da Universidade Estadual de Goiás. Desenvolveu pes-
quisas em antropologia, com ênfase em antropologia camponesa, antropologia da
religião, cultura popular, etnia e educação, com foco na educação popular. Doutor
honoris causa pela Universidad Nacional de Lujan (Argentina), professor emérito
da Universidade Federal de Uberlândia e da Universidade Estadual de Campinas.
Ele produziu e publicou dezenas de livros, capítulos de livros e artigos em pe-
riódicos. Suas principais publicações são as seguintes: O que é educação; Pesquisa
participante; Repensando a pesquisa participante; O que é método Paulo Freire;
Educação popular; Os deuses do povo: um estudo sobre a religião popular; A educa
-
ção popular na escola cidadã; O que é folclore?; A pergunta a várias mãos; Identi-
dade e etnia: construção da pessoa e resistência cultural; A cultura na rua; Plantar,
colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano; O educador: vida e morte;
O Divino, o Santo e a Senhora; Reflexões sobre como fazer trabalho de campo; Em
campo aberto: escritos sobre a educação e a cultura popular; Sacerdotes de viola; Os
caipiras de São Paulo; Memória do sagrado: estudos de religião e ritual; Comunida
-
Recebido em 04/02/2020 – Aprovado em 04/02/2020
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v27i3.
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des aprendentes; O trabalho de saber: cultura camponesa e escola rural; Lutar com
a palavra: escritos sobre o trabalho do educador; Ser católico: dimensões brasileiras
– um estudo sobre a atribuição de identidade através da religião; Cultura rebelde
escritos sobre a educação popular ontem e agora; Memória Sertão: cenários, cenas,
pessoas e gestos nos sertões de João Guimarães Rosa e de Manuelzão; Fronteira da
: alguns sistemas de sentido, crenças e religiões no Brasil de hoje; Aqui é onde eu
moro, aqui nós vivemos; Saber e ensinar: três estudos de educação popular; Peões,
pretos e congos; O ardil da ordem: caminhos e armadilhas da educação popular; De
Angicos a Ausentes: 40 anos de educação popular; A crise das instituições tradicio
-
nais produtoras de sentido; Diário de campo; Cavalhadas de Pirenópolis: um estudo
sobre representações de cristãos e mouros em Goiás; Pensar a prática: escritos de
viagem e estudos sobre a educação; Da educação fundamental ao fundamental na
educação; A participação da pesquisa no trabalho popular; A comunidade tradicio
-
nal; De tão longe eu venho vindo: símbolos, gestos e rituais do catolicismo popular
em Goiás; Os Guarani: índios do Sul-religião, resistência e adaptação; A educação
popular na área da saúde; As flores de abril: movimentos sociais e educação am
-
biental; O festim dos bruxos: estudos sobre a religião no Brasil; Círculo de cultura;
A questão política de educação popular; O difícil espelho: limites e possibilidades
de uma experiência de cultura e educação; Crença e identidade: campo religioso e
mudança cultural; Ética e antropologia; Aprender o amor: sobre um afeto que se
aprende a viver; Paulo Freire, o menino que lia o mundo: uma história de pessoas,
de letras e de palavras; Vocação de criar: anotações sobre a cultura e as culturas po
-
pulares; Paulo Freire: educar para transformar; “No rancho fundo”: espaços e tem-
pos no mundo rural; Campesinato goiano; Territórios do cotidiano: uma introdução
a novos olhares e experiências; Os caminhos cruzados: formas de pensar e realizar
a educação na América Latina; A educação como ato político partidário; As faces da
memória; Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espa
-
ços; Participatory research and participation in research: a look between times and
spaces from Latin America; Comunidade tradicional: conviver, criar, resistir; Sobre
a tradicionalidade rural que há em nós; O lugar da vida – comunidade e comuni
-
dade tradicional; Colcha de retalhos: estudos sobre a família no Brasil; Soletrar a
letra P: povo, popular, partido e política a educação de vocação popular e o poder de
estado; Estructuras sociales de reproducción del saber popular; O voo da arara-azul:
escritos sobre a vida a cultura e a educação ambiental.
Como se pode ver, Brandão é um autor que pesquisa e publica trabalhos em
sintonia profunda com a vasta produção de Paulo Freire. Além disso, foi um in-
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terlocutor e amigo pessoal de Freire. Com ele, desenvolveu inúmeros projetos e
investigações sobre a cultura popular e a educação libertadora. Tudo isso justifica
a sua indicação para participar deste diálogo com educadores. Além de estar muito
presente com sua produção intelectual, Brandão esteve várias vezes trabalhando
na Universidade de Passo Fundo, particularmente na Faculdade de Educação e no
Programa de Pós-Graduação em Educação.
REP – Contextualize seus vínculos pessoais e profissionais com Paulo
Freire.
Fui colega de universidade, na Unicamp, de duas pessoas notáveis de cuja
amizade aprendi muito. E mais sobre a vida do que sobre teorias. Uma delas foi
Rubem Alves, com quem convivi por mais de quarenta anos. O outro, Paulo Freire,
com quem convivi desde o seu retorno ao Brasil até sua morte. A primeira viagem
dele para uma conferência pública, após o seu retorno, foi em Goiânia, em 1989, e
fomos e voltamos juntos.
Convivi com Paulo Freire na Unicamp e fora dela, entre encontros, congressos
e eventos semelhantes. Viajamos juntos, inclusive para fora do Brasil. Publiquei
alguns artigos de Paulo em livros como: O educador: vida e morte, A questão polí-
tica da educação popular e Pesquisa participante.
Desde a minha convivência com os dois – eles como docentes da Faculdade
de Educação, eu como antropólogo e docente do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas –, prefiro sempre dizer, a quem busca contrapor um ao outro, que Rubem
Alves é o “educador do gesto poético”, enquanto Paulo Freire é o “educador do ato
político”. Como eu procuro viver e aplicar a poesia também na pedagogia, dialoguei
com felicidade com um e com o outro. Em uma ocasião fomos nós três na TV Cultu-
ra de São Paulo, e diante das câmaras dialogamos, sem ninguém nos interromper,
durante três horas. Foi um momento memorável. A fita de vídeo em que nosso
encontro foi gravado perdeu-se e nunca mais foi encontrada. Procurem!
E penso que no momento os educadores que mais fazem interagirem os dois
são Marcos Arruda e Miguel Arroyo.
REP – Como você avalia o contexto e o momento da elaboração da
obra de Freire? Que nexos existiam entre a pedagogia de Freire e os mo-
vimentos de educação popular da época?
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Há alguns fatos importantes, e alguns deles de algum modo andam meio es-
quecidos hoje em dia. Primeiro: Paulo e sua primeira equipe, no Nordeste, elabo-
raram não um “método de alfabetização”, mas todo um “Sistema Paulo Freire de
Educação”, que antecipava em 1960 uma “Universidade Popular”. Ver os escritos
de Paulo Freire, Jarbas Maciel, Jomard Muniz de Brito e Aurenice Cardoso, no
indispensável livro coordenado por Osmar Fávero: Cultura Popular e educação
popular – memória dos anos sessenta. Segundo: eles trabalharam no Serviço de
Extensão Comunitária da então Universidade do Recife durante um tempo ime-
diatamente anterior ao golpe militar (1960/março 1964) envolvidos com a educação
através de algo que nos unia e fazia convergir pessoas e grupos de diversas voca-
ções: a “cultura popular”.
Paulo e sua equipe coordenam um Primeiro Encontro Brasileiro de Movimen-
tos de Cultura Popular no Recife, em 1962. O próprio Movimento de Educação de
Base (CNBB/MEC) em que trabalhei identificava-se como um dos MCPs. Tercei-
ro: em embrião ainda, todas as iniciativas emancipadoras reunidas nos MCPs e
realizadas através dos Centros Populares de Cultura foram desarticuladas pelos
militares. Inclusive a grande Campanha Nacional de Alfabetização que seria coor-
denada pelo Paulo. Quarto: Paulo não empregava a expressão “educação popular”.
Mas escrevia: “Cultura Popular”, desde Pedagogia do Oprimido. Um fato essencial
e esquecido é que, tomando como fundamento as ideias geradoras de Paulo Freire,
tendo em Pedagogia do Oprimido um livro fundador, todo o movimento, primeiro
brasileiro e depois plenamente latino-americano, ao redor da educação popular “ex-
plode” e expande-se em toda a América Latina justamente no período em que Paulo
está no exílio e escreve mais sobre e para a África do que para a América Latina.
Toda uma geração de mulheres e de homens intensamente vinculados à educação
popular partem do primeiro legado de Paulo Freire, e são mobilizados, encontram-
-se, escrevem, militam e, enfim, recriam a educação popular, inclusive nos países
do Cone Sul sob ditadura: Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Quinto: ao longo de
todo aquele difícil e muito fecundo período, sobretudo nos sessenta-setenta, é ilusó-
rio imaginar a educação popular freireana “explodindo” sozinha. Tendo surgido no
bojo dos MCPs do Brasil dos anos sessenta (“a década que não acabou”), e seguindo
ativa e insurgentemente crescente nos anos oitenta, somente se pode compreender
em sua integridade “o que aconteceu com a educação popular”, quando ela é coloca-
da em uma sequência interativa de iniciativas e de movimentos sociais populares,
e de assessoria direta a eles.
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A educação popular desdobra-se na investigação ação-participativa, e mobiliza-
-se junto com os sindicatos rurais e, depois, de trabalhadores de fábricas. Ela desen-
volve-se junto com uma fecunda releitura marxista latino-americana; com o teatro
do oprimido; com a música, com a poesia e com outras artes de protesto; ela antece
-
de a teologia da libertação e a política da libertação, assim como outras semelhantes
propostas de ação, frentes e agremiações emancipadoras e descolonizadoras.
Para se ter uma ideia de tudo, quero recordar aqui um pequeno e significativo
fato. Quando o ainda incipiente Partido dos Trabalhadores nos anos 80 é criado, foi
solicitado a uma equipe que elaborasse um documento sobre a educação. A equipe res
-
ponsável foi coordenada por Moacir Gadotti e incluiu Paulo Freire, Demerval Saviani
(que não se reconhecia como um “educador popular freireano e iria criar a sua pedago
-
gia histórico-crítica) e Carlos Brandão. Busquem um dos números dos velhos dos Ca-
dernos do Trabalhador, do PT. Sexto: diferente de Frei Betto, de Betinho, de tantas e
tantos outros, que nos apresentávamos então como “militantes cristãos”, Paulo Freire
nunca se assinou “cristão” ou “marxista”. Há entrevistas dele em que ele comenta
isto. Somente se pode entender o advento de tudo o que listei acima, quando se pensa
que desde o começo dos anos sessenta nunca houve uma filosofia, uma ideologia ou
um projeto político único, tomado e seguido como diretriz da educação popular e de
tudo o que houve junto com ela e depois do advento dela. Tanto ela quanto tudo o mais
surge de uma interação (mas não uma integração) entre pessoas e agremiações que
chamarei aqui de “humanistas laicas” (Paulo Freire); de “humanistas cristão” (Frei
Betto, eu, Leonardo Boff, Rubem Alves, eu); e de marxistas (entre várias tendências).
REP – Você foi um dos principais divulgadores da obra de Freire na
América Latina. Conte um pouco desta sua aventura pedagógica com a
Pedagogia do Oprimido.
Penso que existem outros fatos pouco conhecidos e muito pouco lembrados so-
bre Paulo e o Pedagogia do Oprimido. Paulo Freire escreveu e concluiu o Pedagogia
do Oprimido no exílio, entre a Bolívia, o Chile e os EUA. Escreveu todo o livro a
mão, e em momento algum, repito, escreveu nele a expressão “educação popular”.
Ele falava de pedagogias (“do oprimido”, “da esperança”, “da autonomia”, etc.). E
falava de educações, que ele opunha à “bancária”: “educação libertadora”, “emanci-
padora”, “problematizadora”, “conscientizadora”, etc.
De acordo com uma exaustiva pesquisa sobre a educação popular na América
Latina, realizada por Oscar Jara para a sua tese doutoral defendida na Universi-
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dade de Costa Rica, a primeira vez em que em termos mais atuais (anos sessenta-
-setenta) esta expressão aparece escrita com todas as letras em um livro, será em
um livro meu, escrito entre o final dos sessenta e começos dos setenta. Foi quando
em nome do movimento: Igreja e Sociedade na América Latina, eu saí viajan-
do por países do continente, a partir de julho de 1969, difundindo ideias freireanas
e o “Método de Alfabetização Paulo Freire”.
O livro que escrevi saiu inicialmente em Espanhol, e, somente dez anos mais tar-
de, em Português. Saiu pela Editora Siglo XXI, da Argentina. Por razões de minha se-
gurança, em tempos de ditadura no Brasil, saiu com o nome de um teólogo uruguaio,
Júlio Barreiro, já falecido. Ele se chama: Educación popular y proceso de concientiza
-
ción. Há algum tempo atrás estava na 16ª edição, publicado agora na Espanha.
Relembro que Paulo escreveu o seu livro fundador de tudo o que veio a aconte-
cer depois, a mão. Ele o enviou por correio a Jaques Chonchol, no Chile, com uma
humilde carta. Recentemente o Instituto Paulo Freire e outras agremiações
publicaram a versão fac-símile do manuscrito. Está em segunda edição e fora de
comércio, por decisão da família.
Na versão original há um esquema de Paulo. O único que ele desenhou. E
um dos seus lados esquematiza e representa a “teoria da ação revolucionária”. Os
esquemas desenhados por ele nunca saíram nas edições impressas.
Lembro que desde outros países nos chegavam cópias mimeografadas do Pe-
dagogia do Oprimido. Elas eram lidas às escondidas por nós, e se tornaram a base
de tudo o que veio a acontecer e começou a ser difundido entre nós, antes de serem
reunidas em um livro.
Penso que tudo o que veio a ser criado e partilhado depois, em todo o Conti-
nente, não teria existido sem as ideias germinais do Pedagogia do Oprimido e do
desdobramento das ideias de Paulo, a partir de seus outros escritos, inclusive.
Vale a pena recordar que antes de sair como livro, o Pedagogia do Oprimido
saiu em grande parte desdobrado em artigos, na revista latino-americana Cristia-
nismo y Sociedad, do ISAL. Procurem, é um documento histórico.
REP – Que concepções pedagógicas você considera centrais na Peda-
gogia do Oprimido?
Um dos pontos de convergência entre Paulo Freire e nós, militantes cristãos
da Ação Católica, que antecede o movimento ecumênico militante (ISAL na Améri-
ca Latina e o Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI, e outros,
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no Brasil), assim como a teologia da libertação, é que nós partíamos de uma muito
próxima “concepção dialógica” da comunicação humana, do processo da história, da
ação política e da atuação pedagógica.
Os companheiros marxistas partiam de uma “concepção dialética”, entre di-
ferentes versões, de acordo com cada tendência (Tanto Althusser, quanto Antô-
nio Gramsci e Mao Tse-Tung eram muito lidos e citados, inclusive por militantes
cristãos). A própria ideia de “dialética”, que nos vem da Grécia, e que depois do
marxismo foi assumida, pensada e proposta por Paulo Freire, em direção a um
distante horizonte de algum modo comum com o marxismo, inclusive a partir de
uma proximidade no que tocava classes sociais e seus enfrentamentos no processo
da história. No entanto, política e pedagogicamente ele buscava chegar a este hori-
zonte por caminhos diferentes.
Creio que sem descer a profundidades pedagógicas, podemos pensar que mais
próximo a educadores e militantes cristãos-freireanos do que dos marxistas, suas
ideias poderiam resumir-se assim:
Cada pessoa é uma fonte original e única de uma forma própria de saber, e
qualquer que seja a qualidade deste saber ele possui um valor em-si, por represen-
tar uma experiência individual e irrepetível de uma vida e de sua partilha na vida
social. Este é o fundamento humanista e mesmo ontológico do diálogo.
Assim também cada cultura representa um modo de vida e uma forma origi-
nal e autêntica de ser, de viver, de sentir e de pensar, de uma ou de várias comuni-
dades sociais. Cada cultura só se explica desde o seu interior para fora, e os seus
componentes “vividos-e-pensados” devem ser o fundamento de qualquer programa
de educação ou de transformação social.
Ninguém educa ninguém, mas também ninguém se educa sozinho, embora
pessoas possam aprender e se instruir em algo por conta própria. As pessoas, como
seres humanos, educam-se umas as outras e mutuamente se ensinam-e-aprendem,
através de um diálogo mediatizado por mundos de vivência e de cultura entre seres
humanos, grupos e comunidades diferentes, mas nunca desiguais.
Assim, não existem educadores individuais ou coletivos (como “o Partido”). Do
mesmo modo como não é possível pensar ciências da natureza e da história pré-es-
tabelecidas e pedagogicamente passíveis de serem ortodoxamente tomadas como
ponto de partida exclusivo de qualquer docência.
Alfabetizar-se, educar-se (e nunca: “ser alfabetizado” ou “ser educado”) significa
algo mais do que apenas aprender a ler palavras e desenvolver certas habilidades ins
-
trumentais. Significa aprender a ler, crítica e criativamente, “o seu próprio mundo”.
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Significa aprender, a partir de um processo dialógico em que importa mais o
próprio acontecer partilhado e participativo do processo, do que os conteúdos com
que se trabalha, a tomar consciência de si-mesmo (quem de fato e de verdade sou
eu? Qual o valor de ser-quem-sou?); tomar consciência do outro (quem são os outros
com quem convivo e partilho a vida? Em que situações e posições nós nos relacio-
namos? E o que isto significa?); e tomar consciência do mundo: o que é o mundo em
que vivo? Como ele foi e segue sendo socialmente construído para haver-se tornado
assim como é agora? O que nós podemos e devemos fazer para transformá-lo.
REP – A pedagogia da obra Pedagogia do Oprimido é um método de
ensino ou uma concepção de educação?
Vejamos bem. Há pedagogias que partem da educação. E há pedagogias que
chegam à educação. As primeiras formulam esta pergunta fundadora que parte
desde a educação: “o que ensinar e como ensinar para que as pessoas aprendam
bem o que precisam aprender a saber para viverem (produtivamente, segundo a
versão mais “empreendedoras”) as suas vidas?”.
As segundas formulam uma sequência de perguntas encadeadas que deságuam
na educação: “que ser humano e para que vida e destino formá-lo”; “Se este ser é
essencial e existencialmente um ‘ser social’, para que sociedade e para a construção
humana de que sociedades formá-lo?”; “Se a vida em sociedade que ele vive e com
-
parte com os outros é uma vida significativa e significada através de uma cultura,
ou uma pluralidade de culturas, como formar homens para que através de suas
culturas eles criem, consolidem e transformem os mundos sociais em que vivem?”;
“consequentemente, qual pedagogia (ou quais pedagogias (pluriculturalmente) de
-
vem ser praticadas para realizar qual ou quais modalidades de educação?”.
Hoje, mais do que ontem, vivemos um tempo em que algumas “pedagogias di-
retas” pretendem erigir-se como um sistema de educação. E o fazem pelo caminho
mais perverso. Não por outro motivo profeticamente Paulo Freire as denominou
“educação bancária” em Pedagogia do Oprimido. Elas submetem tanto o ser hu-
mano em sua essência e em sua existência, quanto a comunidade social em que ele
vive a sua vida e o seu destino, a algo a cada dia mais imposto como uma realidade
social e, mais ainda, como a própria instância fundadora, ordenadora e gestora da
vida social.
Lembrei linhas acima que já em 1960, nos escritos da “equipe nordestina” de
Paulo Freire, o que foi proposto não era um “método de alfabetização”, mas todo
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um “sistema de educação”, com várias fazes ou etapas, chegando uma delas a uma
Universidade Popular.
Paulo, como alguém que partilha uma educação humanista associada a va-
riantes de uma pedagogia crítica, vai além de um “método” ou mesmo de uma
“concepção” de educação. Ele parte de uma concepção da pessoa humana como
criadora, construtora e transformadora do mundo social em que vive. E como um
ser situado não em uma história em que ele vive, mas desde uma história que cabe
a ele coletivamente construir.
Se me fosse pedido para resumir todo o pensamento fundador de Paulo Freire
em algumas poucas palavras, como breves sentenças de menos de uma linha cada,
eu escreveria isto:
Que ao ser humano seja dado:
Viver a sua vida
Criar o seu destino
Aprender o seu saber
Partilhar o que aprende
Pensar o que sabe
Dizer a sua palavra
Ousar transformar-se
Unir-se aos seus outros
Transformar o seu mundo
Escrever a sua história
REP – Você compara Pedagogia do Oprimido à Paideia Grega. Qual o
paralelo que existe entre estas duas obras?
No que eu considero o mais notável livro sobre a educação, Paideia – a forma-
ção do homem grego, de Werner Jaeger, há uma passagem misteriosamente pre-
sente na edição em Português e em Espanhol, e ausente na edição original em Ale-
mão. Nela Jaeger considera Platão o “primeiro educador popular”. E ele usa esta
expressão: “educação popular”. Duas palavras que, juntas, ao longo dos séculos e
de diferentes nações antecederam a “educação popular” dos anos sessenta-setenta.
A relação mais próxima entre os gregos clássicos e Paulo Freire, e nós, é que
é na Grécia anterior mesmo a Sócrates, por uma primeira vez a educação deixa de
ser uma pedagogia inamovível e reiteradora do consagrado, através de um ensino
pré-estabelecido e vivido mais como catequese do que como questionamento e diá-
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logo, e se transforma em “Paideia”. Em uma questão aberta. Em um território de
diálogos e debates. A educação tem a ver com a “formação da pessoa para a vida
social”, logo as perguntam essenciais não partem dela. Chegam a ela.
Então como Paulo Freire e nós nos anos sessenta, antes de pensar pedagogi-
camente “uma educação”, era necessário questionar antes e criticamente: formar
que pessoas, para ser quem, para o que, e em que mundo social? Razão pela qual
as educações que Paulo antepõe à “bancária”, não podem deixar de ser: “problema-
tizaras”, “questionadoras”, “conscientizadoras”.
REP – Um dos termos centrais da concepção de educação de Freire é
diálogo. Como você avalia a importância do diálogo na educação e qual o
desafio da educação dialógica no atual contexto da expansão da cultura
midiática?
“Diálogo” é uma palavra ao mesmo tempo substantiva e perigosa. Ela serve
tanto a Bolsonaro quanto a Lula. Serve ao pior poder e serve a quem busca liber-
tar-se dele. Serve à TV Globo e ao MST.
Em pedagogias tradicionais o diálogo quase sempre é apenas uma metodolo-
gia. Entre nós o diálogo é a porta de entrada da educação e também a de saída. Não
usamos didaticamente o diálogo para ensinar; ensinamos para que pessoas apren-
dam a se tornar dialógicas. Aprendam a dialogar com elas-mesmas (sem precisar
“fazer psicanálise”), com os seus outros e com o seu mundo.
Entrevejo com preocupação o momento atual dos usos da eletrônica na vida
cotidiana e na educação. E trago aqui um exemplo banal para tornar isto mais
visível. No passado, uma simples carta minha para Paulo Freire, para comunicar
a saída de um livro coordenado por mim com um artigo dele, deveria conter no
mínimo uma página e meia. E deveria conter sempre algo mais do que “uma no-
tícia”. Tenho cartas de pessoas amigas e de educadoras e de educadores, que são
pequenos artigos reflexivos sobre algum tema. Durante um ano e meio de namoro
com minha mulher cheguei a escrever muitas cartas. E algumas cartas com doze
a mais páginas. Páginas que mesclavam palavras de amor com reflexões sobre o
sentido de nossa vida no mundo.
E hoje? O que escrevemos? O que andamos escrevendo e com qual densidade
de memórias, de depoimentos, de pensamentos próprios, de longas confidências,
de “filosofias de vida” nós nos escrevemos hoje em dia? Durante quatro anos pes-
quisamos e escrevemos teses de doutorado com mais de 200 páginas, sabendo que
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bem poucas pessoas lerão o fruto de nosso trabalho (mestrei e doutorei cerca de 80
pessoas, desde 1980!).
Muito bem! E as minhas mensagens às pessoas de minha vida? O que escrevo
a elas? Com qual densidade de sentimentos, de palavras, de confidências nós nos
comunicamos? Quem, dentre as pessoas que estarão agora lendo isto, receberam
em sua vida pelo menos uma carta de amor de pelo menos uma página.
Paulo Freire, eu e tantas pessoas de nossos círculos convivemos tempos em
que algumas palavras que hoje parecem estranhas, como “ideias fora do lugar, ou
“palavras de outros tempos”, “velharias”, eram para nós palavras e semeaduras de
ideias para conversas até em uma mesa de bar. Palavras como: “compromisso com
a realidade”; “engajamento político”; “vida interior”; “visão de mundo”; “filosofia de
vida”; “ideal histórico”; “consciência histórica”. E por aí vai.
Afinal, nós, as pessoas do século XXI, estamos fazendo o quê? Pensando o
quê? Dizendo umas para as outras o quê? Amando o quê? Como? Com quais afetos?
Em nome de que devaneios, sonhos, propósitos? Através de que mensagens? Quem
ainda larga a “telinha” e ao longo de dias e dias se debruça sobre o Grande Sertão,
Veredas? Quem ainda não ouve, não digo Beethoven, mas Edu Lobo?
E mesmo Paulo Freire. Quem ainda lê “Paulo Freire por inteiro”? Em tempos
passados nós nos debruçávamos horas e horas sobre os seus livros. Longas e refle-
tidas leituras pessoais. Depois, debates e diálogos intermináveis. Hoje eu recebo
pela internet um Paulo Freire dissolvido em repetidas citações pequeninas, quase
sempre das mesmas passagens de algum livro seu. Para onde estamos indo nessa
pressa dispersiva toda? Para que lugar? Para que vida? Para que mundo?
REP – Em seus escritos e suas falas, três instâncias da ação humana
aparecem sempre entrelaçadas na educação: cultura popular, memória e mi
-
litância. Qual a influência da Pedagogia do Oprimido nesta sua concepção?
Creio já haver respondido antes. Aprendemos a pensar a educação como uma
dimensão da cultura destinada a transformar pessoas que transformem seus mun-
dos sociais de vida e de destino. Não apenas Pedagogia do Oprimido, mas tudo o
que se criou ao seu redor e depois de sua escrita e sua divulgação.
Ademais, trabalhei no Movimento de Educação de Base, o mais criativo e in-
teligente movimento de educação que conheci e conheço. Lá alfabetizávamos com
método e com arte, com palavras e com música. Uma de nossas cartilhas era toda
escrita em “Cordel do Nordeste”. Seu nome: “Mutirão”.
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Carlos Rodrigues Brandão
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Lembro que eu suas origens o trabalho pedagógico emancipador era vivido nas
salas de aulas, ao redor de um círculo, nas reuniões à sombra de uma árvore, num
teatro, em um palco com “música de protesto”. Militávamos cantando. Educávamos
poetando.
REP – Como você avalia as posições do governo Bolsonaro sobre Pau-
lo Freire e o que cabe aos educadores diante das críticas que são feitas ao
patrono da educação brasileira?
Tenho me preocupado pouco com o que o “governo Bolsonaro” (ou o desgoverno
daqueles que exercem de fato o poder no Brasil, tendo em Bolsonaro um pálido e pa
-
tético emissário oficial do governo). Uma razão é que eu sou antropólogo e justamente
agora estou, na beira dos 80 anos, deixando mais fora do foco a educação, e voltando
mais para o foco da cultura. Assim, como um velho peregrino que no fim da vida
retorna à casa de onde saiu, estou voltando da educação popular, a que me obriguei
por vocação política de presença e de militância, e estou me voltando para a cultura
popular, que é minha origem (inclusive no que toca à educação) e a minha vocação.
Outra, porque estou menos preocupado com “o que eles estão fazendo com a gen-
te” e mais ocupado com “o que a gente deve fazer com o que estão fazendo com a gente”.
Atravessei todos os anos da “ditadura militar”, parte como estudante e parte
como professor, mas, ao longo dela toda, como um pesquisador de culturas populares
(negros e camponeses) e um militante da educação popular, desde janeiro de 1964, vivi
e vivemos momentos muito difíceis, e para algumas e alguns de nós, terríveis mesmo.
Hoje recordo que tanto aqui no Brasil, como no Chile, na Argentina e no Uru-
guai sob ditaduras, nunca fomos tão criativos. Nunca lutamos tanto, nunca enfren-
tamos tanto, nunca fomos tão insurgentes e aguerridos, nunca cantamos, teatrali-
zamos, filmamos e poetamos tanto. Nunca resistimos, inventamos e criamos tanto.
É hora de voltar a isto! Menos crítica teórica boa para encontros acadêmicos,
e mais ação concreta junto ao povo e nas ruas. Menos mera resistência eletrônica e
mais respostas criativas por escrito ou nos círculos insurgentes.
As críticas a Paulo e a tudo o que gira ao redor de suas teorias e profecias de-
veriam ser previstas. Terrível seria se ele não fosse tão criticado por este governo,
e tão tentativamente (sem sucesso real algum) desconsiderado e posto à margem.
Acho que uma das maiores homenagens que um governo culturalmente re-
trógrado e imbecilizado, religiosamente fideísta, regido por princípios de crença e
prática do século XVII e politicamente servil ao extremo ao capitalismo em seu 4º
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Diálogo com educadores
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tempo de predomínio e hegemonia, está justamente no que estão buscando fazer
com a sua memória, ao invés de ignorar Paulo Freire ou, pior ainda, considerá-lo
até mesmo um aliado.
Vocês que me entrevistam sobre Paulo Freire são uma parcela da prova de que
quanto mais acusações a Paulo e tentativa de apagamento de seu nome aqui no
Brasil, tanto mais a sua presença é insurgente e assertivamente ativada em todo
o mundo. E não tanto a pessoa de Paulo, pois não se trata de defender um “mártir
injustiçado”, mas o seu inatacável legado. Não a pessoa de um alguém que morreu
e se foi, mas a memória do que ele criou. E, penso, trata-se de não tanto manter
“vivo e aceso o seu pensamento”, mas de sobretudo recriar, reinventar, superar
desde o seu legado e em seu nome.
REP – Quais são suas críticas acerca dos limites e das potencialidades
atuais da Pedagogia do Oprimido?
Conta Moacir Gadotti que quando ele e um grupo de educadores amigos re-
solveram criar o Instituto Paulo Freire, foram em grupo propor a ideia a ele. Paulo
teria ouvido, pensado e respondido: “Vejam, se for para me repetir, não vale a pena;
mas se for para me superar, então criem”. Foi criado.
Pedagogia do Oprimido foi escrito no final dos anos sessenta. Estamos no ano
2020. Paulo sempre foi um “homem conectivo”, como Moacir Gadotti sempre gostou
de lembrar. Nunca, em momento algum, ele criou algo que não fosse “em equipe”, e
a partir de ouvir os outros e acolher ideias pessoais ou coletivas, ditas ou escritas.
Isolar Paulo Freire como um pensador e um educador único e absolutamente
original é justamente conspirar contra a sua pessoa e as suas ideias. Desde os seus
primeiros escritos, ele esteve sempre situado dentro de uma equipe que pensava
e criava junco com ele. A partir da SEC da Universidade do Recife. Depois, no seu
exílio, quando ele criou com outros e outras exiladas o IDAC, e viveu a sua ação
intensamente desde esta equipe de pensamento e trabalho. Depois, as suas turmas
de alunos e equipes (bem mais na PUC de São Paulo do que na Unicamp). Final-
mente, até o fim de sua vida, nas equipes do Instituto Paulo Freire.
Penso que existe tanta ousadia e criatividade ao “redor de Paulo”, desde o co-
meço de tudo até sempre, do que “apenas em Paulo Freire”. Não existiria a educação
popular e todo o seu desdobramento sem Paulo Freire. Não existiria apenas com ele.
E seu apelo deverá continuar ecoando entre nós. Só seremos fieis a Paulo
Freire e a seu legado, se ao longo do tempo e no curso da história ousarmos dialogar
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Carlos Rodrigues Brandão
v. 27, n. 3, Passo Fundo, p. 918-932, set./dez. 2020 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
com ele, ousando ir até para além dele. Era isto o que ele pedia a nós. É bem isto o
que ele espera de nós!
Deixo vocês com uma antiga e querida imagem. Um grande encontro de apoio
à Revolução Sandinista na Nicarágua. Terá sido em 1980 ou 1981. Nela está Paulo
Freire como ele sempre gostava de estar. Cercado de pessoas com quem dividia a
vida e os trabalhos como educador. Na foto somos todas e todos educadoras e edu-
cadores populares de diversos países da América Latina. Sentado, o que resolveu
abaixar a cabeça, sou eu.
Carlos Rodrigues Brandão, verão de 2020
Nota
1
O diálogo com Carlos Rodrigues Bandão contou com a colaboração do professor doutor Eldon Henrique
Mühl, professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universida-
de de Passo Fundo. Em nome da Revista Espaço Pedagógico (REP), o reconhecimento e o agradecimento
por esta importante contribuição.