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Pierre Dardot, Christian Laval
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Diálogo com educadores
1
Pierre Dardot
Christian Laval
O primeiro número da Revista Espaço Pedagógico do Programa de Pós-Gra-
duação em Educação (PPGEdu) da Universidade de Passo Fundo (UPF) a ser pu-
blicado no primeiro quadrimestre de 2021 tem como tema Educação e Sociali-
zação. O convite para a colaboração de Pierre Dardot e Christian Laval na seção
Diálogo com educadores justifica-se pela contribuição desses pesquisadores nas
análises sociológicas das transformações mundiais atuais, das múltiplas dimen-
sões do neoliberalismo, na perspectiva política, mas também como cultura (modos
de vida). As importantes contribuições de Dardot e Laval, especialmente nas obras:
A nova Razão do Mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal (2016) e Comum:
ensaios sobre a revolução no século XXI (2018), e de Laval, em A escola não é uma
empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público (2004), têm contribuindo
para estudos e reflexões em cursos, seminários, nos grupos de pesquisa e em teses
e dissertações do PPGEdu. É um prazer para nós, organizadores, bem como a co-
laboração decisiva do doutorando Regiano, podermos estabelecer essa interlocução
mais direta a partir de questões articuladas ao dossiê da revista e a pesquisas
desenvolvidas pelos referidos autores.
Questões:
1. O neoliberalismo produz um conjunto de transformações políticas e individuais.
Como essas transformações interferem nos processos de socialização e de indi-
vidualização?
Durante muito tempo entendemos que o neoliberalismo era, antes de tudo,
uma certa forma de política econômica que consistia no retorno a um tipo de capi-
talismo ortodoxo, em um regime de superexploração dos trabalhadores. Isto não
é falso, mas essa abordagem passava ao lado da originalidade do neoliberalismo
como uma tecnologia de poder podendo ser aplicada à múltiplos domínios, faltando,
Recebido em: 15/09/2021 – Aprovado em: 15/09/2021.
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i1.12804
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assim, uma de suas principais características: sua ubiquidade. O neoliberalismo
como forma de poder estende a lógica capitalista a toda a vida, e, em particular, à
subjetividade, ao domínio íntimo, à representação de si. Não se trata apenas de um
individualismo, uma promoção do indivíduo contra a sociedade, pois isso é muito
geral. Os indivíduos são colocados em situações em que têm que viver em regime
de competição, e são submetidos a todo tipo de pressão afim de que possam ir cada
vez mais rápido, superar-se constantemente, como manda a ideologia do esporte
competitivo. Para alcançar este resultado, a socialização em seu sentido mais geral
de integração de valores coletivos se opera de acordo com uma lógica concorrencial
ao invés de cooperativa, e o indivíduo deve funcionar como um capitalista de si
mesmo, ou seja, deve valorizar-se subjetivamente como se fosse um capital. Neste
sentido, a educação desempenha um papel fundamental na produção destas no-
vas subjetividades. Este era o desafio dos meus trabalhos pessoais: eu desejava
convencer, desde os anos 1990, o maior número possível de pessoas dos meios edu-
cativos e, principalmente, sindicalistas e membros de movimentos pedagógicos, de
que estávamos em processo de grande transformação dos sistemas escolares, em
direção ao que chamei de escola neoliberal, e mais tarde “a nova escola capitalista”.
Mas, obviamente, para isso, era necessário mostrar que o neoliberalismo não se
restringia apenas à economia, mas que era uma norma geral e uma forma de exis-
tência que encontraria cada vez mais suas expressões na esfera educativa.
2. Conceitos como “empresário de si” ou “neossujeito” adentram a linguagem da
educação articulados ao discurso meritocrático. De que modo esses conceitos in-
dicam uma dinâmica ocultadora de contradições sociais, econômicas e culturais
e que tende a acentuar apenas o esforço individual?
Pierre Dardot e eu retomamos de Foucault este conceito muito esclarecedor
de “empresário de si”, e de alguns psicanalistas o de “neosujeito”. Por isso pouco
inovamos em relação ao plano terminológico e conceitual. O que nos pareceu in-
teressante foi a ideia de que uma certa educação, um certo tipo de socialização
e um certo tipo de vida, poderiam conduzir a uma nova forma de subjetividade,
o que chamamos de “subjetividade capitalista”, ligada a uma identificação a um
capital pessoal que necessita ser valorizado ao longo da existência, procurando
constantemente acumular “mais valor”. É como se a lógica do “sempre mais”, tão
sutilmente analisada por Marx na obra O capital, tivesse abandonado o campo
econômico para se estender a todo funcionamento social e a todas as instituições.
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Isso vai muito além da ideologia meritocrática peculiar aos sistemas escolares mo-
dernos, que incorporaram a moralidade do trabalho, da dor e do sacrifício a fim
de obter uma recompensa. É sempre uma normatividade que coloca em jogo uma
noção de “mérito”, mas aquela da acumulação individual indefinida e não mais
aquela da conquista de uma personalidade autônoma, de acordo com os valores do
humanismo clássico. Poder-se-ia dizer que o indivíduo ideal não é mais o homem
de razão e de dignidade que alguns burgueses, membros das profissões liberais
esclarecidas um dia quiseram incarnar, mas o esportista ou o especulador da bolsa
de valores hiper conectado que tem os olhos fixados nos gráficos de desempenhos
de seus investimentos físicos ou financeiros. Essa forma de operar a instituição
de ensino só beneficia quem tem condições de arcar com esse tipo de investimento
na competição. Esse modelo só pode aumentar as desigualdades entre as classes
sociais perante a escola. No meu modo de ver, no campo da educação, a introdução
de uma competição exacerbada é tanto o efeito setorial de uma lógica normativa
geral e, como também, a resposta da instituição à demanda de igualdade por parte
das classes populares e médias. A competição é uma ideologia de combate e uma
tecnologia de poder que consolida a dominação daqueles que têm todos os atributos
para dominar e que atomizam os dominados, colocados em competição entre si para
conseguir as migalhas do banquete.
3. Os discursos da competitividade e da eficiência estão sendo incorporados por po-
líticas educacionais em muitos países. Como avançar numa crítica qualificada
para descontruir esses pressupostos?
Como sugerido na questão anterior, a competição resulta sempre em maior
desigualdade social. No entanto, devemos, acima de tudo, tentar convencer as fa-
mílias de classe média que aderem em parte a esse sistema competitivo, que ele
será cada vez mais custoso para elas, e que estão perdendo ao jogar um jogo que
está gradualmente destruindo o sistema de educação pública, pois está excluindo
os mais pobres. Porque, no final do processo, há a privatização da educação, e por
conseguinte, o endividamento das famílias e dos estudantes, mas, também, o em-
pobrecimento dos conteúdos culturais, uma vez que somente as disciplinas que são
“rentáveis” para o mercado de trabalho serão ensinadas. Mas não nos enganemos:
a luta para fazer da educação um verdadeiro bem comum não pode ser isolada de
uma luta muito mais geral, para uma sociedade cujo valor central não seria mais
a acumulação, mas o que chamamos de “comum”, entendendo-o como igualdade,
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solidariedade, verdadeira democracia, livre acesso aos recursos coletivos indispen-
sáveis e, em primeiro lugar, à educação. E para isso é melhor pagar impostos do
que pagar taxas de inscrição cada vez mais altas, por retornos financeiros cada vez
mais incertos.
4. A lógica da gestão empresarial capitalista está sendo assumida em múltiplas
instituições sociais e educativas e muito fortemente no Brasil hoje. Quais os
riscos desse modelo para uma educação republicana e para a escola, de um modo
particular?
O risco é obviamente o crescimento da desigualdade nas condições concretas
da educação em diferentes estabelecimentos de ensino. A escola, uma vez atingido
um certo grau de desigualdade, não prepara absolutamente para uma sociedade
que promova um mínimo de integração social, de comunicação, mesmo que míni-
ma, entre as classes. Com o neoliberalismo, vivemos um grande retrocesso em rela-
ção à ideia de escola comum, de escola para todos, de escola inclusiva. Os sistemas
escolares, sob o efeito da lógica do mercado, estão se fragmentando. E a mobilidade
social, mesmo se fosse baixa, é seriamente afetada. A “sociologia da reprodução”
certamente mostrou que a educação republicana, da qual você fala, não questionou
o funcionamento desigual da escola, mas mostrou também que o progresso era
possível. E o simples fato de que nas sociedades com alto nível de escolaridade a
reprodução social passava pela mediação de uma sanção escolar, abria uma brecha
nos mecanismos quase automáticos dessa reprodução quando ela era realizada de
forma exclusivamente familiar. Assim, em muitos países, a escola era de fato a
única oportunidade, mesmo que reduzida, de mudar de posição social. E, sobretu-
do, ela poderia, em certa medida, oferecer ferramentas intelectuais às crianças da
classe popular para se defenderem e conquistarem novos direitos.
Mas há ainda outro risco, que é mais profundo em certo sentido, e que toca o
que o sociólogo alemão Max Weber chamou de “o tipo humano”. Fazer entrar as no-
vas gerações em empresas educativas, difundir uma cultura empreendedora desde
a infância, como recomendam as grandes organizações econômicas e financeiras do
mundo, é acelerar a transformação do ser humano em um ser puramente econômi-
co, um homo oeconomicus que raciocina apenas em termos de custos/benefícios e
que perdeu todo o sentido dos valores de solidariedade, de cultura e de dignidade.
Não é, portanto, apenas uma forma mais eficiente de administrar escolas, mas
também uma cultura que se difunde e modela as subjetividades capitalistas. A
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escola se torna, então, não apenas um anexo do sistema econômico dominante, mas
uma verdadeira matriz do capitalismo generalizado.
5. Como é possível avançarmos política e educativamente diante da tensão entre
individualização e socialização marcada, no contexto atual, pelo neoliberalismo
“hiperautoritário”?
Os professores devem resistir a esta transformação com toda as suas forças e
defender os valores humanos mais fundamentais, que hoje são desvalorizados pelo
espírito do capitalismo escolar. Começando, talvez, pela recusa de falar a lingua-
gem do capitalismo escolar, ou seja, a linguagem da gestão: “objetivos”, “cultura
de resultados”, “rendimento”, “capital humano”, “empregabilidade”, “competên-
cias” etc. Ater-se ao vocabulário clássico e normal da educação humanista já seria
muito. Pois como disse Freud, se você cede à palavra, você cede à coisa. Diríamos,
então, que é unicamente “defensivo”. Sim, mas neste momento, os educadores es-
tão sofrendo ataques de todos os lados e devem se defender contra formas sutis
de invasão linguística e conceitual. Elas são sutis porque esta cultura capitalista
conseguiu usar muitas das contribuições dos movimentos pedagógicos, na Europa
e nos Estados Unidos, para utilizá-los em benefício próprio. Se existe uma atitude
mais construtiva a ser adotada, acredito que ela deve consistir em rever a tradição
progressista da educação e em considerar com um olhar mais crítico as formas
ideológicas que caracterizaram certas correntes ou certos autores considerados
como os fundamentos da pedagogia progressista. Com isto quero dizer que existe
uma heterogeneidade ideológica em muitas destas correntes que não foi suficien-
temente analisada, o que levou a muitas confusões que beneficiaram o capitalismo
escolar. Educadores progressistas, involuntariamente, tornaram-se portadores de
conteúdos individualistas, utilitários e psicológicos, em detrimento da sociologia
crítica e do espírito cooperativo. O trabalho, tanto teórico, quanto prático, é imenso,
ou seja, refundar uma educação democrática para além dos pressupostos neolibe-
rais das chamadas novas pedagogias. E nesta tarefa considerável, a dificuldade
consiste em manter estreitamente ligadas quatro dimensões: a) a criação de si-
tuações educativas genuinamente iguais; b) a construção de uma cultura escolar
comum, uma base sólida a ser construída antes de especializações posteriores; c) o
desenvolvimento de uma pedagogia cooperativa desde a mais tenra idade; c) e uma
organização democrática escolar em que todos, qualquer que seja seu lugar como
educador, aluno ou pai, possa participar conjuntamente das atividades.
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6. A educação tem um papel fundamental na formação do sujeito democrático. Por
que a educação não está conseguindo, em parte, formar para a democracia e,
sim, sujeitos indiferentes, autoritários ou, mesmo, “fascistas”?
Inicialmente, a escola não pode tudo. É a sociedade que educa primeiro. Se
o fascismo está muito presente em uma sociedade, é porque ela produz muitos
sujeitos fascistas, e é a mesma coisa para o racismo ou machismo. Temos que pa-
rar de esperar muito da escola. Em segundo lugar, os sistemas escolares, quando
foram criados, não tinham o objetivo de formar sujeitos democráticos. Tratava-se
de formar cristãos e, após, cidadãos obedientes ao Estado-nação. Esquecemos de-
masiadamente que a ideia de emancipação do Iluminismo não foi concretizada nas
instituições realmente existentes. Foi a Igreja e o Estado que fizeram a escola, e,
esta última, permaneceu profundamente marcada por isso, assim como todas as
instituições das sociedades europeias ou as resultantes da colonização europeia.
E, hoje, é a Empresa que quer modelar a Escola. Assim, esta ideia segundo a qual
“a educação tem um papel fundamental na formação do sujeito democrático” tem
sido muito pouco ou muito mal incorporada às estruturas efetivas da instituição.
E, agora, ela está sendo empurrada para fora em função da ideia de que é preciso
formar sujeitos econômicos. Mas, sem dúvida, este mito progressista da formação
do sujeito democrático é mais essencial do que nunca para dar aos educadores e
professores um sentido ao seu trabalho, mas é preciso que eles estejam bem cons-
cientes de que esta não é a realidade. A questão prática e politicamente eficaz é,
portanto, a de se questionar como este mito útil pode se tornar realidade. E, então,
como podemos fazer para que a escola não produza mais, ou produza menos futuros
sujeitos fascistas, racistas e machistas? A resposta não pode ser dada em poucas
linhas, mas pode ser dito de uma maneira sem dúvida muito geral que o mais
precioso na tradição democrática são três valores e formas de ser: 1) o sentido de
igualdade real entre todos os jovens, assim como entre jovens e adultos, respeitan-
do funções e lugares diferentes; 2) o sentido de cooperação democraticamente orga-
nizada nas aprendizagens, nas atividades educativas, na vida da classe e da escola;
3) o sentido de autonomia individual e coletiva e, sobretudo, o sentido da relação
que existe entre autonomia individual e coletiva. E tudo isso precisa ser encarnado
em uma organização concreta, que ainda não existe. A educação democrática não
existe, ela é um projeto.
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7. Que novas perspectivas o comum pode abrir, enquanto princípio político, para
pensar processos educacionais emancipadores? Nesse sentido, que tipo de ima-
ginário político a educação ainda pode ou deve ajudar a pensar?
No livro Comum não desenvolvemos a dimensão educativa, e você está certo
ao fazer a pergunta. Atualmente estou trabalhando com um amigo sindicalista,
Francis Vergne, em um novo livro, cujo título provisório é Educação Democrática.
Estamos tentando delinear as grandes linhas de um novo sistema educativo pró-
prio para uma sociedade efetivamente democrática, ou seja, organizada segundo
o princípio do comum. Por “comum” não entendemos uma característica natural
como no Direito Romano, na Teologia ou na Economia neoclássica, mas como uma
ordem jurídico-política que tem como dupla modalidade a participação democrática
em todos os níveis e em todas as atividades coletivas, e o livre e igual exercício dos
recursos coletivos considerados indispensáveis para o desenvolvimento individual e
a vida coletiva. Um dos aspectos mais importantes, entendemos, refere-se à relação
que todos os estudantes e professores devem ter para com o conhecimento em uma
sociedade democrática. Não como um capital pessoal que assegura uma posição de
dominação, mas, como um produto e uma dimensão de inteligência coletiva. Fazer
do conhecimento um bem comum, compreender de forma sensível que a criação
do conhecimento é uma questão coletiva e que a aprendizagem também tem uma
dimensão coletiva, parece-nos essencial. A individualidade só pode se desenvolver
em sua diferença e sua singularidade por meio de trocas e atividades cooperativas.
Neste sentido, o princípio do comum pode servir para restituir a coerência às prá-
ticas pedagógicas e à redistribuição do poder nas escolas.
8. Como tem sido a recepção da obra Comum: ensaios sobre a revolução no século
XX?
Quero responder brincando: o subtítulo do livro antecipou uma recepção em
mais de um século! Então teremos tempo para julgá-lo! Brincadeira à parte, a re-
cepção é bastante curiosa. O termo “comum” é usado em toda parte na França,
na Europa e em muitos países. Há um efeito de moda considerável. Nas últimas
eleições municipais francesas, em março de 2020, muitas listas adotaram um nome
baseado no modelo de “Barcelona em comum”. Foi assim que pude votar para uma
lista chamada “Paris em comum”. Mas isto tem pouco a ver com nossa proposta
política muito mais radical. A questão é saber se nas próximas décadas um novo
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corpo doutrinal será capaz de condensar três tipos de luta que, em nosso modo de
ver, estão ligados na reivindicação do comum: a luta pela democracia, a luta pela
igualdade social e a luta para salvar o planeta. O conceito de comum poderia con-
tribuir efetivamente para esta síntese. Mas isto não depende dos autores do livro,
mas dos atores políticos e sociais, ou seja, se eles sentem a necessidade disso e se o
léxico do comum e dos comuns lhes parecer clarificar os sentidos que eles atribuem
às suas lutas.
Nota
1
Esta entrevista foi concedida aos organizadores da edição 2021/1 da Revista Espaço Pedagógico, Angelo
Vitório Cenci e Telmo Marcon cuja mediação e tradução para o português foi tecida pelo doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo, Regiano Bregalda, que parti-
cipa do Groupe d’études sur le néolibéralisme et les alternatives [Grupo de estudos sobre o neoliberalismo e
alternativas] (GENA) coordenado por Dardot e Laval