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ESPAÇO
PEDAGÓGICO
EDITORIAL
O volume 28, número 1, janeiro/abril/2021, da Revista Espaço Pedagógico traz
como tema Educação e socialização. Foram muitas as razões para a sua propo-
sição, assim como muitas possibilidades de delimitação para a sua abordagem.
Todavia, no presente número, o enfoque escolhido foi o de problematizar a tensão
produtiva entre as concepções clássicas e as novas formas de socialização das di-
ferentes gerações nos complexos contextos contemporâneos. As contribuições de
autores clássicos que trataram da socialização continuam relevantes e instigando
discussões importantes a esse respeito na atualidade. Nesse sentido, não há como
tratar de educação e socialização sem levar em conta, direta ou indiretamente, te-
matizações como as propostas por Durkheim, Simmel, Elias e Mead, entre outros.
Tais autores, a partir da virada do século XIX para o XX, inauguraram e, pode-se
assim dizer, fundamentaram alguns dos problemas mais cruciais desse campo de
estudos tão importante não apenas à compreensão dos processos educacionais, mas
também das questões relativas à coesão social em sociedades pós-industriais.
Pode-se dizer também que a virada do século XX para o XXI inaugurou, com
crescentes complexificação, pluralismo e desigualdade social, novos agentes socia-
lizadores e novas modalidades de socialização. As sociedades contemporâneas pas-
sam por profundas transformações que incidem tanto sobre suas instituições quan-
to sobre a cultura como um todo. Tais sociedades são marcadas pela aceleração do
tempo e pelo extremo dinamismo que coloca em pauta a apropriação reflexiva do
conhecimento, as novas morfologias do trabalho, um grande, variado e constante
desenvolvimento de tecnologias, a expansão de sistemas abstratos de confiança
dirigidos pelo conhecimento de especialistas, um profundo redimensionamento da
relação espaço-tempo, as sofisticadas formas de dominação social, a primazia do
capital financeiro, os graves riscos à sustentabilidade do planeta, entre outros.
Outro fator importante é que, ao mesmo tempo em que as novas tecnologias e o
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capitalismo neoliberal aceleram e dinamizam interações que influenciam os pro-
cessos de individualização e socialização, multiplicam-se posturas fundamentalis-
tas de várias naturezas (religiosas, científicas, políticas, militares e de mercado),
que, apoiadas em pressupostos dogmáticos e em formas de barbárie, comprometem
experiências de formação humana de cunho democrático. Tratam-se de caracterís-
ticas que se intensificaram nas últimas décadas, sobretudo no início do século XXI,
como é o caso da sociabilidade digital e das mídias correlatas, que cada vez mais
exercem influências tanto sobre as formas de socialização quanto sobre os agentes
socializadores tradicionais, como a família, a escola e as demais instituições sociais.
O presente número da Revista Espaço Pedagógico tem como escopo, portan-
to, aprofundar formas e feições contemporâneas de socialização, trazendo para o
debate os temas e as teorias clássicas sobre esse campo em diálogo com os novos
processos e agentes socializadores. São muitas as questões que orbitam em torno
desse tema na atualidade: quais são as contribuições que as concepções clássicas
de socialização ainda podem oferecer para lançar novas luzes sobre esse tema?
Como se situam hoje as instâncias tradicionais de socialização (como a família e a
escola) diante das profundas transformações que estão ocorrendo nas sociedades
contemporâneas? Como socializar em contextos de sociedades plurais, complexas
e profundamente desiguais, que multiplicam modalidades de processos educativos
e que tendem a acentuar fenômenos como a atomização dos sujeitos, a imposição
da lógica do mercado e da concorrência sobre todas as esferas da vida social, o
enfraquecimento das instituições e de todas as figuras de autoridade? Quais são os
desafios e as possibilidades para avançar na direção de processos de socialização
orientados por valores democráticos e para uma vida em comum?
Integra o presente número da Revista Espaço pedagógico um conjunto de ar-
tigos desenvolvidos por estudiosos que buscam atualizar o diálogo com os clássicos
sobre o campo, assim como outros tantos que trazem novas facetas e novos desafios
por ele colocados na atualidade. O artigo que abre este número é de autoria de Ra-
quel Andrade Weiss e Rhuany Andressa Raphaelli Soares e intitula-se A educação
como socialização em Émile Durkheim. As autoras buscam fundamentar a concep-
ção de ciência da educação em Durkheim, assim como o diálogo que a educação
estabelece com a moral e seus elementos constitutivos.
Cledes Antônio Casagrande oferece mais uma de suas contribuições sobre a
obra de Mead, desta vez com o trabalho Da sociedade ao indivíduo e de volta à
sociedade: socialização e individuação em G. H. Mead. Segundo Casagrande, o ob-
jetivo é discutir como Mead compreende e descreve os processos de formação dos
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sujeitos sociais e quais as possíveis correlações desses processos com a capacidade
de viver em comunidade, sob a égide da ética e da democracia.
Cleriston Petry enfoca criticamente o tema da socialização escolar mediante o
texto A atualização da Skholé e a escola contra a socialização. O autor entende que
a socialização implica nos processos de introdução na sociedade e na tarefa da esco-
la de introduzir as novas gerações no mundo. Com base nessas definições, analisa
se há ou não incompatibilidade entre socializar nos contextos em que crianças e
jovens são inseridos e se a socialização contribui ou não para a realização da skholé
(tempo livre) em tensão com o “tempo produtivo” da sociedade atual.
Segue-se com o artigo Socializando o pesquisador a observar a socialização
dos sujeitos: notas sobre pesquisas com as elites, elaborado pela professora Maria
da Graça Jacintho Setton, conhecida por várias pesquisas já desenvolvidas sobre
esse tema no Brasil. Como bem observa, o artigo trata de uma primeira explanação
de dados mais gerais da pesquisa que busca compreender as formas de justificação
da dominação e as representações sociais das elites a partir de suas trajetórias
sociais, tendo como perspectiva teórica a sociologia da socialização.
Carlos Alberto Barbosa traz presente outro clássico no seu artigo: Notas sobre
interação e socialização em Simmel: uma reflexão sobre educação e intolerância.
Barbosa recupera ideias de Simmel, que entende a formação como um processo
de socialização, assim como a diferenciação como elemento basilar de toda essa
dinâmica. Conclui versando sobre a importância da diversidade de ideias, da plu-
ralidade e das diferenças nos ambientes de ensino.
Vanessa Gomes de Castro e Fernando Tavares Júnior contribuem com o ar-
tigo: Percursos escolares exitosos entre alunos de camadas populares: socialização
familiar e trajetórias sociais. Os autores analisam como as socializações primária e
secundária interferem positivamente no sucesso de crianças oriundas de camadas
populares. Através da história de vida de três alunos provenientes de camadas po-
pulares, os autores reconstroem suas trajetórias, desde o ingresso no ensino funda-
mental até a conclusão do ensino médio, e concluem que esses alunos se constituem
em exceção frente a um elevado número de outras crianças provenientes do mesmo
contexto que reprovam e evadem da escola.
Karina Marcon e Cristiane Koehler dão sequência ao presente número discu-
tindo as interfaces da Interação entre mídias sociais e socialização. No artigo, as
autoras discutem diferentes possibilidades de interação pela mediação de mídias e
concluem que a interação social em rede somente acontece em tecnologias digitais
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que disponibilizam recursos tecnológicos nos quais os sujeitos podem estabelecer
conexões sociais.
Rodrigo Pelegrini Ratier desenvolve uma reflexão atual sobre um tema extre-
mamente significativo, que é o uso do WhatsApp de uma forma negativa, no artigo:
Pedagogia da ameaça: uma análise dos padrões comunicativos de socialização no
WhatsApp bolsonarista.
Paula Alexandra Reis Bueno e Roberto Eduardo Bueno debatem, no atual
contexto da pandemia da Covid-19, o tema das socializações, tomando por foco
a questão do distanciamento físico e do ensino remoto no artigo: Distanciamento
físico e ensino remoto: socialização em tempos de pandemia. Através de uma pes-
quisa de campo com entrevistas, incluindo alunos e professores da educação básica,
bem como mestrandos e doutorandos, os autores analisam as implicações do ensino
remoto decorrente da Covid-19 e suas consequências, especialmente em relação à
concentração e à aprendizagem.
Rafaela Vilela discute, no artigo Literatura infantil digital: leitura na tela e
novas formas de socialização na escola, como os recursos tecnológicos influem na
leitura de textos de literatura infantil e como a leitura na tela implica novas for-
mas de socialização na escola. O artigo é resultante de uma pesquisa de doutorado
e discute a leitura contemporânea e as novas formas de socialização na escola em
diálogo com a literatura infantil digital.
Maurício Perondi analisa, no artigo Juventudes e participação social: proces-
sos de socialização na contemporaneidade, uma importante faceta dos processos de
socialização na contemporaneidade, que é a participação da juventude em quatro
espaços institucionais. Com base na pesquisa, conclui que as instituições anali-
sadas contribuem significativamente para a socialização dos jovens, a partir das
relações que estabelecem com outros sujeitos da mesma idade.
Patricia Ketzer e Ana Paula Scheffer analisam as contribuições de Pizan (1364-
1430) no texto Socialização feminina, protagonismo humano e educação: uma análi-
se a partir de Christine de Pizan. Recuperam dessa autora reflexões fundamentais
sobre os processos de socialização e as questões de gênero. Destacam que Pizan
defendia uma educação de qualidade como ferramenta potencial para impulsionar o
protagonismo humano, além de promover a igualdade, e afirmava a necessidade de
se educar meninos e meninas igualmente, no processo de socialização.
Nathalye Nallon Machado e Anderson Ferrari contribuem com o artigo Dis-
positivo de feminilidade, juventudes e imagens de si como processos educativos e
de socialização. O texto é resultado de uma pesquisa realizada com sete mulheres
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jovens e estudantes de escola pública. O estudo tomou por base o grupo focal e ob-
servações do Facebook e do Instagram e concluiu que os dispositivos vão atuando
sobre elas (as mulheres), ao mesmo tempo que apresentam linhas de visibilidade,
de força e de subjetivação.
O artigo Experiências narrativas de professoras iniciantes: movimentos de so-
cialização no cotidiano escolar, de Inês Ferreira de Souza Bragança e Joelson de
Sousa Morais, ocupa-se com o tema da socialização no cotidiano escolar, enfocando
experiências narrativas de professoras em início de carreira. Por meio de narrativas
autobiográficas, analisam as experiências de três pedagogas atuantes no 5º ano do
ensino fundamental. Os autores concluem que as narrativas das professoras inician-
tes apontam, ao mesmo tempo, para aprendizagens importantes na consolidação do
campo profissional e, paradoxalmente, para aspectos de desprofissionalização do
magistério das docentes em sua inserção no cotidiano institucional das escolas.
Na sequência, o artigo de Simone Lucena, Gersivalda Mendonça da Mota e
Sandra Virginia Correia de Andrade Santos, intitulado Produzir e compartilhar: a
produção de professores da educação básica no YouTube, é resultado de uma pesqui-
sa que buscou compreender as possibilidades de utilização do YouTube na educação,
envolvendo uma proposta de criação e cocriação de vídeos, junto aos professores da
educação básica. A conclusão é de que nem todos os professores conseguem se apro-
priar das dinâmicas de criação ou cocriação de vídeos e nem compartilham suas pro-
duções, por dificuldade de imersão na cibercultura, por insegurança ou resistência.
Mais três artigos de fluxo contínuo compõem o presente número da Revista
Espaço Pedagógico. O primeiro é de autoria de Ireno Antônio Berticelli, intitulado
Família e propaganda – imagem restaurada: um exercício de leitura de imagens,
e enfoca o modo como uma propaganda de automóvel voltada à família carrega
sentidos profundos, mas nem sempre explícitos. Conclui que, na propaganda em
questão, é possível identificar um padrão cultural de família através de um mo-
delo de automóvel. O artigo seguinte, de Marta Regina Paulo da Silva, intitula-se
Criança, infância e cidadania: diálogos de inspiração em Paulo Freire e tem como
foco pensar a criança, a infância e a cidadania com base em Freire, autor que con-
cebe a criança como sujeito de direito à palavra e à participação. A autora chega
à conclusão de que a epistemologia freireana nos remete à compreensão de que
educação, cidadania e infância não são apenas conceitos abstratos, mas dimensões
de uma práxis crítica e criativa, que nos possibilita reconhecer as crianças como
cidadãs e construir, com elas, práticas pedagógicas emancipadoras. Por fim, o ar-
tigo de Isabel Cristina Machado de Lara e José Ricardo Barbosa Cardoso trata de
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um tema relevante e complexo para a escola: Resolução de algoritmos e de proble-
mas de adição e subtração: uma análise de estratégias utilizadas por estudantes
com diagnóstico ou prognóstico de discalculia. A pesquisa objetivou analisar as
estratégias utilizadas pelos participantes para resolver problemas convencionais,
comparando-as com as utilizadas para resolver algoritmos. Os autores concluem
que, para a resolução de algoritmos, as únicas estratégias utilizadas são o cálculo
mental e o uso dos dedos e mostram que os estudantes, embora possuam diagnós-
tico ou prognóstico de discalculia operacional, apresentam um número maior de
erros na execução dos algoritmos de subtração. Contudo, o desempenho na resolu-
ção de problemas é satisfatório, apontando que possuem compreensão do conceito
de adição e subtração, portanto, a discalculia ideognóstica não está vinculada ao
treinamento do algoritmo.
Na seção Diálogo com educadores, contamos com as preciosas contribuições de
dois pesquisadores franceses muito conhecidos e muito estudados entre nós: Pierre
Dardot e Christian Laval. Com a mediação de Regiano Bregalda, doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo, que
até setembro de 2020 realizou doutorado sanduiche em Paris, foi possível a concre-
tização de um diálogo extremamente produtivo com esses dois pesquisadores. As
questões propostas para o diálogo tratam de um conjunto de temas sobre educação
e mercantilização; socialização; as transformações do neoliberalismo e como seus
pressupostos interferem na socialização e na individualização; a desconstrução do
conceito de meritocracia, do empresário de si mesmo ou do neossujeito; a perspec-
tiva da competitividade e da eficiência nas políticas educacionais; o modelo em-
presarial capitalista adentrando as instituições educativas; o papel da educação
na formação do sujeito democrático; a socialização em sociedades desiguais; novas
formas de sociabilidade mediadas pelas tecnologias digitais; o princípio do comum
para pensar as políticas educacionais emancipadoras. São muitas questões desa-
fiadoras para os educadores nesse contexto. Visando o maior acesso possível a essas
contribuições, a seção conta, nesta edição, com duas versões: francês e português.
Por fim, a resenha Socialização em contextos de violência e desconfiança: re-
flexões sobre a obra República das milícias – do esquadrão da morte à era Bol-
sonaro, elaborada por Telmo Marcon e Daniela dos Santos. A resenha parte da
obra: República das milícias: do esquadrão da morte à era Bolsonaro, do jornalista
Bruno Paes Manso, lançada pela Editora Todavia (SP) em 2020, para refletir sobre
o conceito de socialização em contextos complexos, conflitivos e de desconfianças.
Os autores da resenha tratam de como é possível a socialização em contextos de
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violência, disputas e desconfiança. O desafio que fica é de não apenas ler a resenha,
mas de ler toda a obra para melhor entender o papel que as milícias assumem no
contexto da cidade e do estado do Rio de Janeiro e de como as novas relações de
poder daí emergentes comprometem a sociabilidade.
Desejamos que o presente número da revista possa desafiar nossos leitores
na busca por novos aprofundamentos, particularmente da temática do dossiê e das
demais questões problematizadas.
Prof. Dr. Ângelo Vitório Cenci
Prof. Dr. Telmo Marcon
Organizadores