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Socializando o pesquisador a observar a socialização dos sujeitos:
notas sobre pesquisas com as elites
Socializing the researcher to observe the socialization of the subjects:
notes on research with the elites
Socializar al investigador para observar la socialización de los sujetos:
apuntes sobre la investigación con las élites
Maria da Graça Jacintho Setton
*
Ce point devrait là aussi faire objet d’une réflexion collective
interrogeant la capacité d’une profession à produire un
point de vue sur le fonctionnement des élites qui ne soit
tributaire ni d’une revanche de classe, ni d’une forme
d’admiration, ni même enfin d’un tropisme scolastique
1
.
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar informações preliminares acerca da pesquisa intitulada Pensamento e prá-
ticas culturais da elite paulistana
2
. A intenção é problematizar e circunstanciar questões de ordem metodológica
e teórica observadas no decorrer do trabalho de investigação. Mais especicamente, serão expostas as dicul-
dades e as estratégias utilizadas para contornar as difíceis relações com um grupo social seleto – as elites da
sociedade paulistana. Articuladas a esta questão, serão analisadas algumas impressões das frações estudadas,
suas idiossincrasias a partir do pertencimento neste grupo e setores da economia que representam. Trata-se de
uma primeira explanação de dados mais gerais da pesquisa, que busca compreender as formas de justicação
da dominação e as representações sociais das elites a partir de suas trajetórias sociais, tendo como perspectiva
teórica a sociologia da socialização.
Palavras-chave: socialização; elites; desigualdade social; camadas sociais.
*
Graduada e mestra em Ciências Sociais pela PUC-SP e doutora em Sociologia pela USP. Professora Titular em Socio-
logia da Educação na Faculdade de Educação da USP. Livre-Docente em Sociologia da Educação na Faculdade de
Educação da USP. Entre 2010 e 2013, coordenou o GT 14 - Sociologia da Educação da Anped. Coordena o GPS - Gru-
po Práticas de Socialização Contemporâneas, desde 2003. Tem pós-doutorado pela USP (1997) e pela EHESS – Paris
(2000) e na Unicamp (2012-2013). Em 2008, atuou como professora convidada no Groupe de Recherche sur la Sociali-
sation, na Université Lumière 2, em Lyon, França, e na Universidade de Coimbra, Portugal. Em 2012, participou de um
estágio de pesquisa na Université Paris-Descartes, Sorbonne, em Sciences Humaines et Sociales. Orcid: http://orcid.
org/0000-0001-7306-9293. E-mail: gracaset@usp.br
Recebidoem: 30/07/2020 – Aprovado em: 13/01/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i1.12972
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Abstract
The purpose of this article is to present preliminary information about the research entitled Thought and Cul-
tural Practices of Elite Paulistana. The intention is to problematize issues of methodological and theoretical
order observed during the research work. More specically, the diculties and strategies used to overcome
the dicult relationships with a select social group - the elites of São Paulo society. Linked to this issue, some
impressions of the fractions studied will be analyzed, their idiosyncrasies based on belonging to this group and
the sectors of the economy they represent. It is a rst explanation of more general data from the research that
seeks to understand the forms of justication of domination and the social representations of elites from their
social trajectories with the sociology of socialization as a theoretical perspective.
Keywords: socialization; elites; social inequality; social strata.
Resumen
El propósito de este artículo es presentar información preliminar sobre la investigación titulada Pensamiento
y prácticas culturales de la élite Paulistana. La intención es problematizar cuestiones coyunturales de orden
metodológico y teórico observadas durante el trabajo de investigación. Más especícamente, se expondrán las
dicultades y estrategias utilizadas para sortear las difíciles relaciones con un grupo social selecto, las élites de
la sociedad paulista. Vinculado a este tema, se analizarán algunas impresiones de las fracciones estudiadas, sus
idiosincrasias en función de la pertenencia a este grupo y los sectores de la economía que representan. Es una
primera explicación de datos de investigación más generales que busca comprender las formas de justicación
de la dominación y las representaciones sociales de las élites desde sus trayectorias sociales con la sociología de
la socialización como perspectiva teórica.
Palabras clave: socialización; élites; desigualdad social; capas sociales.
Introdução
A epígrafe alerta a pesquisadora e a todos que estudam empiricamente as fra-
ções privilegiadas. Trata-se de um desafio constante em investigações que refletem
as concepções de mundo das elites e suas representações políticas em sociedades
tão desiguais.
Desde o início, antes mesmo de formalizar a proposta da pesquisa em tela, de-
senvolveu-se um anseio de que, devido a algumas relações, tinha-se o compromisso
de desvelar os modos de justificação da dominação das elites, suas interpretações
sobre as desigualdades sociais e responsabilidades em relação a este estado social.
Convivendo e circulando em um grupo em que muitos agentes se destacavam por
um protagonismo em suas áreas de atuação, estava convencida de que um ou dois
contatos fariam com que se chegasse a estes sujeitos tão pouco acessíveis a uma
boa parcela de pesquisadores das ciências sociais.
A intenção era obter mais informações sobre este grupo raramente estudado até
então. Em aulas e palestras nas universidades, eram sempre frequentes a impressão
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de que, ao apresentar a obra de Pierre Bourdieu, tinha acumulado mais conhecimen-
tos sobre as camadas médias e populares do que sobre as elites brasileiras. Tal per-
cepção sucessivamente esteve presente pois fazendo uso de uma sociologia relacional,
ou seja, partindo de uma leitura em que se compreende as relações de aproximação
e ou de distanciamento entre os grupos através do jogo simbólico das distinções so
-
ciais, apresentou-se forçoso a imposição de um novo objeto de pesquisa (BOURDIEU,
[1979]2007). Como se reproduzem os grupos de elite? Como estes setores privilegia
-
dos reproduzem e justificam a dominação? Quais as estratégias de dominação que
fazem uso? Qual a leitura que fazem sobre a desigualdade social em nosso país?
3
Ainda que o escopo da investigação em questão seja maior, neste artigo só irão
ser discutidos três aspectos: o tipo de pertencimento a frações das elites, os setores
da economia a que estão relacionados e suas justificativas acerca da desigualda
-
de social no Brasil a partir da teoria da socialização.
4
Concordando com Berthelot
(1983), as teorias da socialização compreendem um conjunto de investigações que
possuem foco nas instituições, nos valores, na história e na vida dos indivíduos.
Uma perspectiva capaz de associar, simultaneamente, quatro elementos essenciais
para a análise de qualquer fenômeno social. Dessa maneira, tais teorias, ainda que
não perceptível a todos, possui potencial analítico singular, na medida em que serve
para interpretar aspectos da reprodução social, a origem social dos grupos e suas
representações em várias dimensões socioculturais (SETTON; BOZZETTO, 2020).
Dando encaminhamento a esta ordem de questões, propus uma investigação
sobre nove setores representativos das elites. Embora tenha como pressuposto de
que as elites se compõem de muitas frações (KHAN, 2012), inicialmente investi-
gou-se os seguintes domínios: a) políticos/ex-ministros/assessores; b) celebridades
intelectuais; c) empresários da agricultura/pecuária; d) empresários do comércio;
e) empresários industriais; f) empresários das finanças; g) profissionais liberais; h)
empresários da comunicação; i) altos executivos.
5
Durante praticamente dois anos, teceu-se uma rede de relações, solicitações
e agradecimentos de porte razoável. Para chegar aos 48 sujeitos entrevistados foi
necessário falar com mais de uma centena de pessoas. A ideia inicial de que um
entrevistado poderia apresentar a mais um não se realizou. Sempre muito cuida-
dosos, raras as vezes um ou outro se dispôs a indicar um possível contato. Nem
sempre havia clima para fazer esta solicitação. De contínuo muito ocupados, com
tempo contado no relógio, sempre se privilegiou a condução do encontro a fim de
dar conta de tudo que estava contemplado no roteiro da investigação. Vale destacar
que houve exceções. Nas últimas entrevistas, no final de 2019, já tentando fechar
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o quadro de sujeitos participantes, um grupo de mulheres contatadas auxiliou na
relação com outras empresárias.
Na maioria das vezes, conseguia-se o telefone celular do possível entrevista-
do/a e fazia o contato pelo WhatsApp. Em outras ocasiões, contatava-se secretárias
e por último o recurso do e-mail. As respostas nunca foram imediatas. De dois a cin-
co dias para obter algum tipo de resposta. Alguns deles ainda se espera retorno. De
maneira cuidadosa iam sendo feitas cobranças ou lembretes de comprometimentos
já anunciados. A intenção em realizar as entrevistas em um semestre, tornou-se
absolutamente imprópria. Imaginou-se também que a etapa da pesquisa de entre-
vistas iria finalizar-se em novembro de 2018. Contudo, em função das dificuldades
encontradas no decorrer dos agendamentos alguns sujeitos só foram abordados no
decorrer do ano de 2019. Como foi verificado, o acesso a este grupo é um processo
moroso, exige paciência e determinação (GENÉ, 2014; LAURENS, 2007; PINÇON;
PINÇON-CHARLOT, 1989, 2007). Tudo leva a crer que o período e o clima tenso
das eleições para cargos do executivo e legislativo de 2018 dificultou os encontros.
Isso porque alguns setores estavam bastante envolvidos com a discussão da pauta
dos candidatos como os políticos e os profissionais da comunicação.
Os setores em que os contatos foram mais fáceis foram as celebridades inte-
lectuais, os profissionais das finanças e sobretudo as mulheres empresárias. Altos
executivos foi um setor que a própria leitura teórica impôs dado que a bibliografia
aborda tais personalidades como uma das responsáveis pela manutenção de uma
ordem social e econômica. Eles também foram bem acessíveis. Mesmo não sendo
proprietários de grandes empresas, eram e são com frequência detentores de muita
influência em seus âmbitos de trabalho.
É notável a coincidência de localização dos escritórios ou residências dos en-
trevistados. Um ou outro se destacou por sair do circuito Vila Nova Conceição,
Itaim-Bibi e Jardins, bairros nobres e de ricas construções imobiliárias da cidade.
Vale ressaltar uma curiosidade – a denominação dos prédios em que muitos pos-
suíam escritórios. Central Park, Tower Pinheiros, Metropolitan, entre outros, são
exemplos de nomes dos imóveis numa conexão explícita com negócios no exterior.
O tempo necessário para o trajeto e a realização de cada encontro não era menor
do que quatro horas. Um deslocamento de ida e volta de aproximadamente uma hora
e meia e mais o próprio tempo da entrevista, no mínimo 50 minutos e no máximo
duas horas, comprometiam toda uma manhã ou mesmo uma tarde inteira. Poucas
entrevistas se realizaram na residência dos sujeitos, apenas 10 de um total de 48.
Tudo leva a crer que, na tentativa de agilizar a solicitação, grande parte dos conta
-
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tados agendava o encontro para os momentos livres em seus escritórios. A espera no
lado de fora na recepção ou em salas de reunião ou mesmo a expectativa de atraso
da pesquisadora sempre faziam emergir certa tensão a cada encontro. A procura de
estacionamentos em ruas movimentadas e a consulta de que não havia sido esqueci
-
do nenhum item para a realização do encontro mobilizavam uma atenção constante.
O maior tempo de espera foi de três horas, mas isto não se deu de forma constante.
A grande maioria respeitou os horários. De duração de aproximadamente uma hora,
as entrevistas variaram de 3 horas a 40 minutos. Uma parcela reduzida tinha curio
-
sidade sobre o destino das informações. Um dado de pesquisa parece importante ser
declarado. Nunca chegar atrasada. Nas ocasiões em que os encontros se davam na
residência do entrevistado, procurou-se ser o mais pontual possível. Nas entrevistas
em sede das empresas, a chegada com alguns minutos de antecedência sempre foi
importante, dado que a apresentação de credenciais e a passagem por muitos me
-
diadores (porteiros, secretárias, espera de elevadores) exigiam uma folga de tempo.
O roteiro de entrevista foi se modificando ao longo da pesquisa. Algumas ques-
tões foram deslocadas da ordem inicial e outras foram suprimidas devido a uma
confusão de entendimento feita pelos entrevistados, o que alongava as explicações.
6
Na verdade, não fizeram falta, pois, no transcorrer dos encontros, as respostas
eram dadas de maneira espontânea.
Definida inicialmente a partir de um corte setorial, a investigação tinha como
preocupação realizar um corte geracional (32 a 40; 41 a 50; 51 a 65; mais de 66
anos) e um corte de gênero.
7
No entanto, uma certa margem de flexibilidade foi
necessária. Isto é, foi difícil encontrar sujeitos do sexo masculino ou feminino com
sucesso profissional com menos de 40 anos. Grande parte deles começam a se des-
tacar no meio empresarial a partir de 50 anos ou mais. É possível afirmar ainda
que o sexo feminino se mostrou mais evidente em alguns setores, como finanças,
comunicação, profissionais liberais e altos executivos, do que em outros, como in-
dústria, comércio e política. Pelo menos, em cada um dos setores investigados, pro-
curou-se um sujeito que se destacasse dos demais devido a uma herança invejável
e ou mesmo uma trajetória de sucesso que o alçou a um posto cobiçado de muita
influência e poder. Foram entrevistados 25 homens e 23 mulheres.
Primeiras impressões
Ter as elites como objeto e ou sujeito de pesquisa é um assunto absorvente.
Como não se deixar levar pela proximidade entre o entrevistador e o entrevistado,
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como objetivar o objeto impondo um estranhamento necessário e cientificamente se-
guro? Incorporar uma vigilância epistemológica é estar em constante autoavaliação
na procura de uma permanente autocrítica ao se deparar com sujeitos de pesquisa
que convivem, são coniventes e eventualmente se importam com as desigualdades
sociais brutais do Brasil. Fenômeno multidimensional, a desigualdade não se es
-
gota nas diferenças de renda, mas nas diferenças de oportunidade, escolaridade,
moradia e saúde, que por certo encerram uma subjetividade eivada de dificuldades
e marcada por um futuro desqualificado de difícil retorno (THERBORN, 2001).
Como diria Bourdieu, em seu conhecido jogo de palavras, entende-se objeti-
vação participante como uma objetivação do sujeito da objetivação, objetivação do
próprio pesquisador analisando ele mesmo, aquele que deve observar observando a
observar o observador no seu trabalho de observação ou de transcrição das obser-
vações no e por um retorno sobre sua experiência de campo.
8
O fato de ser apresentada como professora titular da Universidade de São Pau-
lo abriu muitas portas e uma certa proximidade entre pesquisadora e pesquisado já
se estabelecia facilitando o desenrolar da conversa. Em tom despretensioso e infor
-
mal as entrevistas foram conduzidas com tranquilidade. No final de cada uma delas
observou-se certa descontração entre os sujeitos já que as questões não versavam
sobre dados financeiros e sim sociais e culturais. Cada encontro e cada entrevista
foram comemorados com entusiasmo. Tendo feito uma breve pesquisa sobre cada
investigado, acabou-se por construir certa convivência com eles mesmo antes dos
encontros. Na tentativa de criar um ambiente de empatia, logo no início, estabele
-
cia-se certa informalidade chamando-os pelos nomes, sem nenhum título de senhor,
senhora, doutor ou doutora. Poucas foram as ocasiões em que isso não ocorreu.
Por fim, ao apresentar a pesquisa, nunca foi usada a palavra elite. Sempre
se apresentaram as razões do contato como um estudo de natureza acadêmica, no
campo da sociologia da educação, sobre a trajetória social e profissional de indiví-
duos que possuíam uma posição de destaque em sua área de formação. A preocupa-
ção era de que a palavra elite poderia despertar certa conotação negativa podendo,
em certos casos, embaraçar os sujeitos entrevistados.
Como apresentar os participantes
A amostra não representativa de 48 participantes foi constituída de persona-
lidades de nove setores econômicos. É possível afirmar que entre eles revelou-se
um corpo expressivo de individualidades notáveis que compõem o leque variado e
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diversificado das frações da elite paulistana. No campo dos 1) profissionais liberais
contamos com a presença de três homens e uma mulher, sócios-proprietários de
escritórios de advocacia de expressão nacional e internacional. No âmbito dos 2)
alto-executivos tivemos a participação de dois homens, um deles homossexual e
duas mulheres vinculados a multinacionais de duas indústrias farmacêuticas, uma
instituição financeira norte-americana, uma empresa multinacional de consultoria
de gestão e pesquisa de executivos e uma instituição patronal do setor industrial.
Na esfera do 3) comércio e serviços, fizemos contato com três mulheres e dois
homens, proprietários de empresas de grande porte, entre elas distribuidoras de
doces, remédios/ cosméticos, material de papelaria e editora de livros. Por outro
lado, tivemos a participação de uma proprietária/produtora de bens de luxo, uma
das herdeiras de um complexo fabril gigantesco. No domínio da 4) indústria, con-
tou-se com três proprietários e um ex-proprietário de empresas de médio e gran-
de porte do setor têxtil, siderúrgico, automobilístico e de bebidas. Três homens
e quatro mulheres. No setor das 5) finanças, a participação de duas mulheres e
dois homens representaram a seção de empresas brasileiras de gestão de recursos
familiares patrimoniais. Entre os homens destacam-se um ex-banqueiro e um dos
maiores colecionadores de arte no Brasil.
No campo das 6) comunicações, tivemos a presença de oito representantes.
Duas proprietárias de empreendimentos publicitários responsáveis por contas de
grandes empresas nacionais e internacionais. Ainda no campo da difusão cultural
quatro homens e uma mulher na função de cronistas, articulistas e editores dos
maiores veículos jornalísticos do Brasil. Dois deles responsáveis pela introdução de
inovações neste setor nos anos 1980 e 2000 sendo ambos proprietários de editoras e
ou revistas. Por último, salienta-se a presença de uma das herdeiras do maior com-
plexo editorial do país. No âmbito da 7) política, observa-se uma maior diversifica-
ção. Dois deputados federais, dois ex-ministros de Estado, um ex-senador da Repú-
blica, que passou experiências como deputado e vereador, e a única mulher, uma
das herdeiras de uma das maiores fortunas do Brasil. No setor das 8) celebridades,
buscamos uma variedade de personalidades na área da cultura e comportamento.
Aqui se apresentam três mulheres de atividades bem distintas. Uma voltada para
a área de bem-estar comportamental e a outra atuando no mundo das belas artes
como colecionadora e patrona de museus e a última a maior ícone de tendências e
moda no país. Entre os homens, destaca-se um colunista, intelectual, que escreve
crônicas sobre o Brasil contemporâneo.
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Por último, no 9) agronegócio, destacam-se homens e mulheres proprietários
de grandes extensões de terra e gado, ganhadores de prêmios no mundo da pecuá-
ria e herdeiros que garantiram um enorme sucesso econômico em investimentos no
cultivo da cana. Aqui se destacam dois homens, duas mulheres e uma homossexual.
O pertencimento às elites
No que se refere às formas de pertencimento às elites foi possível classificar
as frações estudadas em quatro grupos. O primeiro deles se refere ao grupo mais
antigo, onde os pesquisados estão há três gerações nesta posição. Ou seja, seus pais
e avós já pertenciam às frações das elites. São herdeiros/as do mercado financeiro,
da indústria, do comércio ou vieram das frações de políticos como governadores e
secretários de Estado.
Os indivíduos que se destacam por estarem há duas gerações na elite her-
daram um ambiente familiar escolarizado e estão no segundo grupo. Hoje dedi-
cando-se à indústria, ao comércio, ao agronegócio são na maioria imigrantes em
uma segunda ou terceira geração que herdaram de seus pais e avós uma expertise
técnica, não universitária, que se fez relevante em uma época de crescimento eco-
nômico no Brasil dos anos 1930 a 1940. Na grande parte das vezes trazendo em
suas bagagens apenas a boa vontade, seus familiares contaram com o auxílio da
família para consolidar os empreendimentos.
O terceiro agrupamento se sobressai por ter uma representação expressiva,
caracterizado por uma herança de capital cultural distintivo no período dos anos
1950 e 1960 e, anterior a ele, bem como uma alta escolarização no Brasil e no exte-
rior. São indivíduos provenientes de famílias intelectualizadas. Isto é, tinham avós
ou pais possuidores de nível superior quando este nível de escolarização ainda era
privilégio de muito poucos no Brasil. Imigrantes, conhecedores de idiomas (alemão,
italiano, espanhol, árabe e francês) e de formação em áreas variadas do conheci-
mento passaram a fazer parte da convivência de frações economicamente mais
abastadas o que os colocou em uma situação relacional privilegiada. Este grupo
que se notabiliza no campo cultural, hoje são intelectuais, jornalistas, colecionado-
res de arte, consultores das finanças, ainda que assegurem para si um confortável
estilo de vida.
Por fim, o quarto grupo chama atenção também pela expressão numérica. Os
sujeitos pesquisados aqui se destacam em função do tipo de conhecimento e ou
capital cultural que acumularam por eles mesmos. Poderíamos denominá-los de
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altamente escolarizados provenientes de frações do comércio, profissionais liberais
numa segunda geração de imigrantes, cujos pais e avós ainda não possuíam nível
universitário, ou se o tinham, não foi suficiente para alcançar os grupos de elite.
Conhecedores de idiomas como o francês e o alemão usufruíram de um capital
internacionalizado já logo cedo se identificando com as novidades empresariais
mundializadas. Ainda no campo da distinção relativa a uma escolarização nota-se
a presença de sujeitos que se fizeram individualmente por estarem up-to-date com
as tecnologias e souberam se relacionar com grupos dominantes a fim de se aloca-
rem em cargos de poder ou mesmo na condução de empresas em que uma expertise
se fazia necessária no campo empresarial nos anos de 1990.
Para os interesses desta discussão, vale destacar que a classificação de tipo de
pertencimento às elites retoma em vários aspectos as teorias da socialização. Indi-
víduos há mais tempo nos ambientes privilegiados tecem subjetividades, relações
e disposições de habitus diferenciadas de outras frações das elites (BOURDIEU,
[1979]2007). Em artigo anterior, foi possível observar quatro elementos que são
recorrentes em processos socializadores destes grupos; espaço, tempo, laços e inter-
nacionalização (SETTON, 2020). Nos grupos mais antigos, verifica-se a presença
marcante dos dois primeiros aspectos – espaço e tempo – o que lhes garantiu certa
segurança de status, uma subjetividade marcada pela superioridade, um senti-
mento de comparação aos outros que lhes confere uma diferenciação real. Ou seja,
são aqueles indivíduos que estão longe das necessidades da sobrevivência, que têm
as vidas marcadas por planos de escolarização longeva e oportunidades de emprego
garantidas por herança ou um capital de relações. Todas situações balizadas por
condições de socialização estabelecidas a priori.
Por outro lado, as frações intelectualizadas e escolarizadas revelam processos
de socialização condicionadas por laços, interações sociais, afinidades no matri-
mônio e oportunidades de trabalho permeadas por uma história social internacio-
nalizada. São imigrantes, conhecedores de expertises e tecnologias ainda novas
no Brasil na ocasião da chegada de suas famílias em solo nacional. Experiências
socializadoras precedidas de muito esforço, uma ambiência cultural propícia em
que se valoriza um capital cultural profissional, técnico e informatizado. Por certo,
todos os elementos acima mencionados fazem parte de uma configuração social
complexa em que a interdependência de todos eles tecem trajetórias diferenciadas
ainda que cada um dos elementos possa ter um destaque (ELIAS, 1999).
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As desigualdades sociais no Brasil
Seguindo certa inspiração sobre o tema em tela, as leituras de artigos, como
os escritos em 1997 por Elisa Reis, em 2000 por Celi Scalon e em 2015 por Graziela
Moraes Silva e Matias López, motivaram a incorporação de questões relativas ao
entendimento das elites sobre os problemas de natureza social no Brasil. Segundo
estes estudiosos, ainda que um grupo de pesquisadores tenha se debruçado sobre
aspectos da desigualdade na sua dimensão econômica, poucos ainda se dedicaram
a se aprofundar nas representações das elites sobre a dinâmica das diferenças
e ou distinções entre as camadas sociais e seus efeitos culturais. É interessante
notar o espaçamento de tempo entre as publicações acima. Com amostras bastante
diferenciadas entre si é notável, contudo, a convergência dos procedimentos e res-
postas.
O artigo de Reis (2000) que trabalha com base em uma pesquisa nacional e
internacional, consulta um conjunto de sujeitos pertencentes às elites.
9
Políticos,
burocratas, líderes sindicais e líderes empresariais foram submetidos a um survey
e depois a entrevistas em profundidade. Para os interesses desta discussão, con-
cluiu-se que para estas frações os principais problemas brasileiros são de natureza
social, entre eles o baixo nível educacional da população, a pobreza e a desigualda-
de. Para dar oportunidade de maior conhecimento sobre este público, perguntou-se
quais as estratégias para sanar estas mazelas. Segundo os pesquisados deveriam
ser prioritárias melhores políticas públicas no campo da educação. Para eles esta
responsabilidade estaria nas mãos dos governantes pois seria um caminho para
garantir oportunidades de mobilidade social.
O artigo de Scalon, de 2007, portanto sete anos depois do de Reis, também se
baseando em um survey internacional,
10
ocupa-se de observar as semelhanças e di-
ferenças de opiniões sobre a desigualdade entre as elites e o povo. Aqui a pesquisa
considerou elites como os 10% mais ricos do país. A intenção dos pesquisadores era
preencher a lacuna de informações sobre aspectos subjetivos das desigualdades,
valores e percepções vinculados à ideia de igualdade e justiça no Brasil e no mundo.
De forma sintética, entre as várias conclusões apontadas na investigação, a que
mais interessa é que tanto as elites como o povo julgam que os encargos sociais
devem estar nas mãos dos governos. Poucos foram aqueles pesquisados que cha-
maram para si a responsabilidade de superar as desigualdades. Perguntados sobre
os maiores problemas nacionais, as elites chamaram atenção para a corrupção e o
povo mostrou preocupação com o desemprego e a pobreza.
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Em 2015, oito anos após a publicação de Scalon, Silva e López, publicam um
artigo na mesma direção interessados em identificar as diferentes categorias - eco-
nômicas, culturais, políticas e morais - utilizadas pelas elites para se distinguirem
ou se aproximarem do povo brasileiro, em especial dos pobres. Baseou-se em um
survey com 238 sujeitos, entre parlamentares, burocratas e empresários. A noção
de elite utilizada na pesquisa apoia-se na seleção dos principais postos e cargos de
lideranças em instituições poderosas. Vale destacar que os dados da investigação
concluíram que a pobreza é um mal gerado pelas estruturas sociais e não conse-
quência de uma ação individual. Para os interesses desta discussão destaca-se que
a má conduta do Estado ou uma ausência de vontade política são os comentários
mais genéricos como explicações para as desigualdades.
Seria preciso afirmar, em um ensaio aproximativo, que os resultados de nossa
consulta se assemelham aos já coletados nas investigações acima mencionadas.
Uma das seções de nosso questionário perguntava: quais as principais razões para
as desigualdades sociais no país?; quais os principais objetivos a serem alcança-
dos?; quais políticas prioritárias ao combate à desigualdade?; cite explicações sobre
o fracasso das políticas sociais. Mais a frente perguntou-se quais os desafios das
camadas populares, camadas médias e camadas de elite no Brasil. Embora encon-
tremos respostas distintas na população pesquisada por nós, tal como um caleidos-
cópio em função do setor da economia a que pertencem ou o tipo de pertencimento
às elites, é um consenso a demanda por mais Educação. Seja como o principal
problema nacional seja como desafio de todas as camadas sociais, a Educação surge
como a grande conquista a ser alcançada.
Embora sem pretensão representativa reitera-se que existe uma tomada de
posição nas elites de hoje, tal como verificado nas pesquisas anteriores, de que o
maior problema da iniquidade social brasileira se assenta nas diferenças de Educa-
ção, na má gestão do Estado e na corrupção. Contudo, tudo leva a crer que existiria
um equívoco nas respostas de todas as pesquisas acima, inclusive nesta inves-
tigação. Ou seja, há um consenso de que os problemas de nossas desigualdades
se encontram em uma herança histórica de ausência de políticas prioritárias no
combate às injustiças entre elas as políticas educacionais de caráter mais popular
(REIS, 2000; SCALON, 2007). Tanto as elites como as camadas populares atribuem
a um outro a competência para ações de justiça econômica, tributária, enfim, social
(SILVA; LÓPEZ, 2015). Além disso, em nossa pesquisa, é geral a opinião de que
se deve diminuir o tamanho do Estado, mas aumentar os gastos sociais. Garantir
o crescimento econômico é também uma orientação. Mas como? O clientelismo, a
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baixa governabilidade e as desigualdades educacionais, em sendo estruturais se
apresentariam, portanto, como obstáculos. Mas como reagir a eles?
Os sentidos da educação enquanto socialização
Todavia, nesta seção, valeria ressaltar que os sentidos apresentados sobre a
educação são de variado espectro nos sujeitos de nossa investigação. Para alguns, a
Educação se refere a um conjunto de elementos de ordem estrutural e instrucional,
como escolas bem equipadas, sistemas de ensino definidos em planos nacionais, mo
-
tivação de professores, alunos em condições de aproveitar os conteúdos através de
ações de ordem comunitária e de políticas públicas. Para outros, Educação significa
um ethos moral, emocional e ético, um pensamento prospectivo, uma ambiência
familiar que promoveria ações e orientações para a disciplina no trabalho. Embora
estes aspectos possam ser convergentes e complementares, eles não são iguais.
O primeiro entendimento envolve a Educação como uma política pública, como
um processo de longo prazo promovido por ações planejadas tendo em seu bojo a
intenção de fundar bases individuais e sociais sólidas de cultura. Um espaço de
construção de habitus escolares, que segundo a visão bourdieusiana, teria intersec-
ções com oportunidades econômicas republicanas e democráticas, enfim históricas
e culturais. Mais do que isso. Criar-se-ia subjetividades que auxiliaria a vencer
um mal-estar relativo a uma inferioridade tantas vezes recorrente nos cotidianos
escolares, uma autoestima fundada na crença de que superariam as dificuldades.
A segunda percepção sobre a ação educativa não tem um escopo tão aprofun-
dado. Desvelando certo pensamento classista, a educação segundo frações das eli-
tes teria a dificuldade de se fazer valer em função de idiossincrasias das camadas
populares. Ou seja, a necessidade relativa à sobrevivência impediria um envolvi-
mento familiar com um planejamento pedagógico. A inexistência do ajuste de um
habitus para o trabalho, a disciplina, a ausência de um pensamento prospectivo
seriam os entraves para uma população que sempre lutou pela sobrevivência, pelo
aqui e o agora. Percebe-se certo conformismo nas interpretações o que impediria
soluções fáceis na área. Políticas afirmativas ou políticas distributivas apenas re-
forçariam um tipo de conduta paternalista, uma cidadania concedida nas palavras
de Sales (1994). Para muitos a situação de pobreza se perpetuará caso não se ofe-
reça oportunidades de emprego e aumento da riqueza através da produção em-
presarial. Mas o equívoco aqui retorna. Como garantir o crescimento de riqueza e
empregabilidade se não garantirmos as oportunidades educacionais, com políticas
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públicas planejadas, a nível municipal, estadual e federal para os grupos popula-
res? Sabe-se que as leis para investimentos em educação pública tramitaram anos
no Congresso Nacional, entre os anos 1960 a 2020. Sem nos alongar, hoje vê-se um
debate acerca do FUNDEB
11
, que correu o risco de ser eliminado no governo do
Presidente Jair Bolsonaro.
Contudo, é preciso ressaltar que os tipos de educação lembrados pelas elites
não consideram o caráter temporal e relacional dos processos educativos (BOUR-
DIEU, [1979]2007; LAHIRE, 2015). Educar e ou socializar implica em um conjunto
de condições favoráveis que de maneira homeopática e inconsciente permitem que
indivíduos incorporem disposições culturais estruturadas nas mentes. Mas para
serem estruturantes nas formas de ser agir e pensar é necessário que haja uma
correspondência entre as estruturas mentais e as estruturas sociais e objetivas.
Isto é, é necessário criar condições de socialização para que resultados satisfatórios
sejam garantidos. Aspectos institucionais (instrucionais e estruturais) como aque-
les aqui lembrados e aspectos individuais (emocionais e individuais) devem estar
dispostos em sintonia a fim de que os esforços de ambos os lados se retroalimentem
e garantam disposições para o agir. Essa não parece ser uma realidade brasileira.
Ademais, a noção de socialização é um operador analítico que dá conta da
produção, difusão e reprodução dos grupos e sujeitos, permitindo observar a gênese
das formas de compreender o mundo, os habitus individuais e grupais. A noção de
socialização também aborda as relações indissociáveis entre indivíduo e estrutura
social, aproximando-se dos processos de individualização e construção identitária.
Informando sobre a constituição da estrutura social, a noção permite, ainda, desve-
lar os mecanismos de resistência e disputa entre interesses sociais, suas dinâmicas
internas e/ou possíveis transformações. Desta feita, trata-se do entendimento da
noção de socialização em uma perspectiva dialógica e multidimensional (SETTON;
BOZZETO, 2020).
Uma intuição
No decorrer das análises intuições ou hipóteses de pesquisa foram se cons-
truindo ao longo das entrevistas. Ou seja, haveria uma diferença relevante nas
respostas dos sujeitos a partir do tipo de pertencimento às elites? Teríamos dife-
rentes opiniões segundo o setor econômico a que pertencem? Começaremos pelas
diferenças de respostas entre os sujeitos a partir do tipo de pertencimento às elites.
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Sobre as elites
Observou-se que os pesquisados que pertencem às frações de elite há três gera-
ções possuem uma forma específica de ver seu próprio grupo. Para eles, elite significa
um agrupamento seleto pois se destaca pela ética, pelo exemplo, pela possibilidade
de doar-se devido a um conhecimento notável. Desenvolvem argumentos que lem
-
bram a teoria das elites ou do elitismo, entre seus maiores teóricos Vilfredo Pareto
(1848-1923)
12
. Uma forma singular de legitimar uma posição social a partir de uma
subjetividade derivada da superioridade de seu destino e ação emanada de condições
de socialização favoráveis. Eles, sim, esta elite, deveria trabalhar para uma nação,
dedicando-se e participando da condução política e econômica de todo o país.
Por outro lado, as frações das elites que pertencem a ela há duas gerações, de-
claram certa positividade da posição do grupo, contudo não tão intensa como a que
se acaba de comentar. São mais críticos pois creem que ela deveria ter o dever de
conduzir a política, construir um projeto de nação, administrar a res-pública com
sabedoria. Para ambas frações, as elites governamentais atuais e a dos últimos
anos de nossa história, aqui incluindo os governos do PT, são corruptas. Elas não
são elites. São despreparadas e incapazes de levar o país para uma modernidade
sociocultural que se anuncia nos negócios do século XXI. Elas deveriam sair da
bolha na qual se encontram e precisariam se preocupar com a organização dos
interesses de todas as classes. Para estas frações o Brasil não está sendo induzido
a participar dos desafios de uma sociedade global. Verifica-se aqui uma cobrança
a nível de uma melhor organização e planejamento da parte dos governantes. Por
ora, segundo eles, temos apenas um desgoverno, a falta de espaço e ambiência para
uma governabilidade benéfica para o futuro de todos os brasileiros. Cumpre ressal-
tar que alguns deles, na maioria mulheres, se ocupam de atividades filantrópicas,
de grande vulto, todas voltadas para a área social da educação e arte. Vale lembrar
ainda que a positividade das elites desta fração é marcada por trajetórias de vida
em que imperativos da gestão são mais salientes. Ou seja, sentem-se responsá-
veis pela vinda de tecnologias para o país. Possuem experiências socializadoras
adquiridas em viagens, estudos, em seus espaços de trabalho o que lhes garante,
por certo, um sentimento de distinção em relação aos outros menos privilegiados
(BOURDIEU, [1979]2007).
As frações intelectuais são as mais críticas entre os grupos. São aquelas que
repercutem, quase na totalidade, que as elites são inconsequentes e inconscientes
ao optar pela prática da corrupção e do clientelismo. Seriam eles, os governan-
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tes, responsáveis pela situação de desigualdade social no Brasil. Não se mobili-
zando, não se sentindo afetados pela pobreza e separação abissal entre as classes
fecham-se em seus interesses, sentindo-se alheios à situação econômica e cultural
dos mais vulneráveis. Não possuiriam consciência de um coletivo ou motivações
solidárias com os mais fracos. Uma minoria neste grupo, e novamente aqui as
mulheres se destacam, ocupa-se de atividades filantrópicas de expressão variada
e, novamente, no campo da educação e das artes. Tudo leva a crer, que as experiên-
cias de socialização deste grupo lhes garantiram um ambiente reflexivo. Leituras
diversas, escolas de ponta, relações de amizade e de matrimônio permitiram o de-
senvolvimento de disposições de cultura capazes de ampliar horizontes e de um
pensamento crítico menos endógeno.
Os sujeitos que participam do quarto grupo, ou seja, aqueles que alçaram pos-
tos de comando e poder em função de sua escolarização cobram dos governos, a
elite, uma vontade política mais expressiva, uma atuação igualmente eficiente dos
serviços públicos e ao mesmo tempo com gastos sociais de maior monta. Para eles
as elites são compostas pelos governantes corruptos, clientelistas e são expoentes
exemplares do jeitinho brasileiro. Executam e planejam mal as políticas públicas
prioritárias básicas como educação e saúde. É interessante notar que este grupo é
marcado por difíceis condições de socialização tanto nos espaços familiares como
escolares. Nem sempre estudando nas melhores escolas, tiveram que se esforçar e
tecer relações interessadas para conquistarem posições de destaque, sendo aqueles
que mais se privaram de privilégios de nascença.
Sobre as camadas populares
Sobre a percepção das elites acerca das camadas populares observa-se ainda
variações. Entre os sujeitos há mais tempo nas elites, há três e há duas gerações,
verifica-se um olhar positivo, contudo marcado por um entendimento condescen-
dente. Ou seja, os setores populares são, segundo eles, trabalhadores, bem-inten-
cionados, mas mal preparados. Parece que enxergam os menos privilegiados mar-
cados por uma ordem fatalista, um círculo vicioso de mal preparo na educação, nos
dois sentidos acima elencados. Ou seja, o aspecto instrucional e emocional. Vulne-
ráveis por não terem acesso ao que a sociedade capitalista pode oferecer em termos
de políticas públicas, precisariam se organizar, ter oportunidades de expressão de
suas demandas para poderem disputar o poder com as elites. Aqui a solução se
encontra na mão das próprias camadas populares. Elas deveriam saber aproveitar
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as oportunidades. Se a solução não vem dos setores governistas ou da própria elite,
as camadas populares contariam apenas com elas mesmas.
As frações intelectualizadas e mais escolarizadas, o terceiro e quarto agru-
pamento, respectivamente, partilham de opiniões semelhantes acerca das cama-
das populares. Isto é, destaca-se o medo de políticas públicas populistas pois o
comodismo poderia ser maléfico. Políticas afirmativas como Bolsa Família e cotas,
por exemplo, seriam ações fronteiriças para a acomodação do povo pois a elas se
somariam um despreparo moral para o trabalho. O esforço pessoal, a dedicação aos
estudos, a abdicação de prazeres, a abdicação de outras tarefas como a maternida-
de, a renúncia aos cuidados consigo mesmo deveriam vir em primeiro plano. Não
adiantaria ter estudos, conhecimento e ou diploma. Para fazer a diferença seria ne-
cessário dar o melhor de si. Observa-se aqui uma leitura individualista, meritocrá-
tica e moralista do sucesso de cada um abstraindo-se completamente de um quadro
estrutural marcado por desigualdades históricas. Um contrassenso de pensamento
que leva novamente a um certo fatalismo (SETTON; MARTUCCELLI, 2015).
Contudo, eles mesmos creem que seria preciso maior eficiência dos serviços
públicos e maiores gastos no social. São adeptos também de uma maior distribuição
de renda como se olhassem as desigualdades econômicas como os maiores gargalos
de oportunidades democráticas de saúde e educação. São os que mais recriminam
a corrupção e o clientelismo em crítica aos governantes como dito.
Sobre as camadas médias
No que se refere às camadas médias, os dois primeiros agrupamentos (há três
e duas gerações nas elites) desenvolvem uma leitura de boa vizinhança. Em outras
palavras, foi comum a interpretação de que as camadas médias estão espremidas
entre os dois agrupamentos sociais acima e abaixo delas. Teriam sofrido com as
últimas políticas econômicas, perdendo estabilidade e confiança em um futuro me-
lhor e, portanto, são as camadas mais sofridas. Perderam espaço de mobilidade,
necessitam de uma educação mais especializada, gastam com educação e saúde
e possuem pouco espaço de manobra para melhorarem. Estes dois agrupamentos
nada dizem respeito sobre uma maior organização política por parte das camadas
médias. Contudo, elas deveriam também desenvolver maior civilidade, modos em
espaços públicos bem como deveriam estar mais ambientadas com a produção eco-
nômica moderna, novas tecnologias, conhecimento de línguas e cursos no exterior.
Pesquisas na área sociologia da educação vem demonstrando exatamente estas
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estratégias de conquistas e segurança por parte das camadas médias com mais
investimentos em MBA fora e dentro do Brasil ou mesmo mais investimentos em
escolas prestigiadas e bilíngues (BRANDÃO; PAES DE CARVALHO, 2011; AL-
MEIDA; NOGUEIRA, 2003; NOGUEIRA, 2014).
Para os setores intelectualizados e aqueles que precisaram de uma longa es-
colarização, para poderem dividir posições com frações da elite poder-se-ia fazer
algumas aproximações. Segundo os pesquisados as camadas médias são algozes
de si mesmas. Construindo castelos de consumo exagerado, gastos acima de suas
possibilidades, vivem reféns de um estilo de vida que não pertence realmente a
elas. Sonhando se assemelhar às camadas mais abastadas, creem poder desfrutar
das benesses do capitalismo de consumo. Não possuem a cultura da poupança.
Defrontando-se com saúde e educação de má qualidade seus maiores desafios se-
riam sobreviver, obter empregabilidade e maior acesso a cultura. Neste sentido, as
elites não depositam o fiel da balança de um projeto social nos ombros das camadas
médias. Elas deveriam estar mais atentas a si mesmas e às dificuldades de um país
que aceleradamente desponta entre os mais desiguais no mundo.
Em síntese, existiria uma pequena convergência de opiniões sobre os desafios
das camadas de elite, camadas médias e populares nas frações das elites. O tipo
de pertencimento aos grupos privilegiados parece ter sido responsável por esta va-
riação. Mais tempo subjetivados com o modus vivendi das camadas mais elevadas
poucos são aqueles que são críticos a si mesmos (SETTON; MARTUCCELI, 2015).
Todavia, os setores mais intelectualizados e altamente escolarizados parecem se
desgarrar desta subjetividade, sendo capazes de cobrar das elites maior envolvi-
mento nas políticas de mudanças das prioridades sociais.
Veremos agora se estes sujeitos pesquisados também diferem segundo o setor
econômico a que pertencem.
Uma segunda intuição
A classificação dos sujeitos pelo setor de atividade a que pertencem derivou
de uma intuição não original. Segundo a bibliografia das teorias da socialização
(BOURDIEU, [1979]2007; ELIAS, 1999), a posição social e a formação necessária
para o desempenho de atividades em domínios econômicos distintos levam a toma-
das de posição diferenciadas. Nesse sentido, buscou-se observar essas diferenças
acerca das questões sobre desigualdade e desafios das camadas sociais.
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Vale iniciar a explanação considerando que os sujeitos que compõe os vários
setores não são coincidentes com o tipo de pertencimento às elites. Isto é, a compo-
sição destes grupos é bastante heterogênea
13
.
Lembramos que é unânime entre os investigados, de todos os setores, uma
crítica ao governo. As entrevistas começaram a ser realizadas em 2018, ano em que
o debate sobre corrupção e as eleições presidencial, governamentais e do legislativo
ativaram um debate acirrado e violento entre as partes envolvidas. Nas questões
relativas às razões da desigualdade social no Brasil e as dificuldades de superá-las,
todos, sem exceção, culpam a corrupção, a má governabilidade, a baixa eficiên-
cia dos serviços públicos, a transformação das prioridades sociais em carreirismos
e clientelismo. Desigualdade para todos os setores tem o sentido de baixo nível
educacional e deficientes serviços de saúde. É uma constante, mas não de forma
generalizada, a cobrança por uma postura mais ativa das elites. Elas poderiam
conduzir melhor o processo político com cobranças no ordenamento administrativo.
Muitos advogam a diminuição do Estado, mas ao mesmo tempo querem aumentar
os gastos sociais. Como visto acima, observa-se uma inconsistência nas respostas.
Cobram de si mesmos, as elites, uma atuação mais direta, mas parecem não obede-
cer suas premissas. Lembram que o mal planejamento e execução, o clientelismo e
a corrupção são as causas do fracasso das políticas sociais, mas pouco fazem para
mudar. Relatam pouco envolvimento ainda que digam que as elites precisariam
estar mais implicadas. Apenas um sujeito demonstrou ativa atuação na promoção
de um novo partido político. Como foi dito, uma gama variada de ONGs de gran-
de vulto na área da educação e das artes e outros poucos trabalhos filantrópicos
de pequena monta fazem parte das atividades de alguns. Tudo leva a crer que
estamos diante de um círculo vicioso que engessa uma mudança vinda por parte
deles, pela classe política ou pelas camadas populares, já que a filantropia, ainda
que humanitária, não resolve as questões estruturais da desigualdade. Cada grupo
preso a interesses relativos à sua reprodução mergulhados em um sentimento de
distanciamento cultural.
Antes de dar encaminhamento às questões expostas acima, valeria comentar
que existiria uma recorrência nos dados relativos à filantropia. Observou-se que o
setor do agronegócio apresentou o maior número de sujeitos envolvidos com esta
atividade. De 5 representantes, 3 dedicam-se quase exclusivamente a esta prática,
todas elas de grande monta e um dedica-se esporadicamente a ações do tipo. Por
outro lado, os setores que menos se envolvem com a atividade da filantropia são
os dos altos executivos, profissionais liberais e celebridades intelectuais. No setor
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da indústria tem-se a presença de 2 sujeitos envolvidos em ações beneficentes de
grande vulto e entre os políticos tem-se um representante de organizações do ter-
ceiro setor, internacionalmente reconhecida, pelo envolvimento de sua diretoria;
no setor das finanças, 2 deles se envolvem em formação de políticos e artistas, com
dedicação de dinheiro e tempo. Em síntese, de todos os sujeitos entrevistados 9 de-
les se dedicam quase exclusivamente a atividades de filantropia e 9 consagram seu
tempo esporadicamente, assim que solicitados, para este fim. Por último, se classi-
ficarmos os indivíduos por tipo de pertencimento às elites, com fins caritativos na
esfera da educação e arte, verifica-se certa pulverização. Quatro deles estão entre
os que alçaram postos de destaque pela escolarização, 3 estão há três gerações e 2
vieram de famílias intelectualizadas.
Sem dúvida, a segunda intuição de pesquisa não se realizou de forma sufi-
ciente. Tudo levava a crer que haveria distinções acentuadas nas respostas dos
diferentes setores. Todavia, isto não se confirmou inteiramente. O que se observou
foi uma certa generalidade nas respostas que podem indicar dificuldades no tipo
de questões postas. Como não corroborar os problemas da desigualdade? Como jus-
tificar as desigualdades educacionais e de saúde? Por ser um assunto consensual
presente nas mídias, cotidianamente, seria esperado um posicionamento crítico
acerca deles. Entretanto, o que desperta atenção é a cobrança às políticas governa-
mentais, seu modus operandi, e a exigência por uma maior atitude do grupo a que
pertencem. É possível afirmar que a amostra utilizada não refletiria parte do em-
presariado que apoiou o governo conservador e neoliberal que ganhou as eleições
em 2018? Uma outra hipótese, os entrevistados teriam feito cobranças retóricas e
críticas às elites pois estariam diante de uma entrevistadora socióloga e professora
da USP?
Em busca de uma conclusão
O objetivo deste artigo foi apresentar informações preliminares acerca da pes-
quisa intitulada Pensamento e práticas culturais da elite paulistana. A intenção
foi problematizar e circunstanciar questões de ordem metodológica e teórica obser-
vadas no decorrer do trabalho de investigação. Para desenvolver o argumento foi
necessário dialogar com iniciativas de estudos acerca das elites. Se de um lado, o
campo da educação já se dedicou aos processos de suas escolarizações, por outro,
pouco se sabe sobre suas representações acerca da realidade social brasileira.
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O presente estudo colabora para uma agenda de pesquisa em que se tem como
foco a oportunidade de conhecimento sobre este grupo de difícil acesso. Julga-se
que a maior contribuição científica e social da discussão seja a produção de infor-
mações acerca das frações das elites, suas formas de socializar homens e mulheres,
em quatro gerações, suas práticas de cultura e representações sociais, bem como
apreender as formas como interpretam a atual realidade nacional. Este artigo deu
ênfase a apenas às representações sobre desigualdade e a visão sobre os desafios
das camadas sociais
14
.
Esta discussão se insere ainda no escopo de preocupações sobre socialização
ao se propor desvelar as formas de ser, agir e pensar dos grupos dominantes que
possuem o poder de conduzir políticas de equidade social. Segundo o relatório da
OXFAM Brasil/DATAFOLHA (2019), desde 2014, tem crescido o número de pobres
no Brasil. 86% da população acredita que o progresso do país está condicionado
à redução de desigualdades entre ricos e pobres. 84% julgam que é obrigação dos
governos diminuir a diferença entre os muitos ricos e muitos pobres e, a melhor
forma para sanar este prejuízo seria a aumentar a tributação.
Do material apresentado neste artigo, concluiu-se, pois, que as experiências
socializadoras das elites marcaram posicionamentos diferenciados. Um achado de
relevo pois deriva de condicionamentos vividos em espaços e tempos de instâncias
da socialização distintos. Todavia, cumpre ressaltar que tudo leva a crer que exis-
tiria uma falta de entendimento acerca da Educação enquanto Socialização no
grupo investigado. Ou seja, uma Educação em um sentido mais largo. Trata-se da
incompreensão dos processos educativos e ou socializadores relativos a um povo
que demanda tempo, esforço, dedicação e sobretudo dinheiro, impedindo ações
mais incisivas e prospectivas. Ações benemerentes resultam em produtos locali-
zados. Talvez uma resposta inicial para as inconsistências das falas dos entrevis-
tados se encontre aqui. Ou seja, cobram viciosamente a conduta governamental
e a deles mesmos, mas pouco compreendem a temporalidade longeva de esforços
socializadores e educativos necessários. Por fim, tendo como base a obra de Pierre
Bourdieu, o artigo se insere em uma vertente das teorias do poder e da dominação
simbólica, largamente estudadas pelo autor. Aqui evidenciou-se um sentimento de
superioridade destas frações, uma percepção distintiva entre eles e os outros o que
as impedem de compreender os processos vividos como estruturais e históricos. Por
certo, a teoria sobre habitus e práticas de cultura permite a identificação da gênese
desses processos desiguais, ou seja, os processos socializadores que os forjaram.
103
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Por fim, verificou-se que o tecido social brasileiro vivencia climas de consen-
sos, insatisfações e distanciamento entre os grupos, mas não consegue ultrapassar
uma zona em que se saia da inércia e avance em práticas socializadoras de cultura
mais contundentes e duradouras. Ou seja, praticas institucionais, instrucionais,
morais e emocionais em um todo educativo mais complexo. Em outras palavras, as
representações das frações das elites acerca da desigualdade social descortinaram
um ambiente que se repete desde os primeiros estudos sobre o assunto. Talvez a
inércia dos procedimentos em busca de uma solução derive de uma incompreensão
da natureza cultural, temporal e histórica dos processos educativos e ou socializa-
dores. Mais estudos na área podem vir a colaborar. Ainda é tempo.
Notas
1
“Este ponto de vista deveria ser também objeto de uma reflexão coletiva ao interrogar a capacidade que
um profissional tem ao produzir um ponto de vista sobre o funcionamento das elites que não seja tributá-
rio nem de uma revanche de classe, nem de uma forma de admiração, nem mesmo enfim de um tropismo
escolástico” (LAURENS, 2007).
2
Trata-se de uma pesquisa realizada desde 2017, no GPS – Práticas de Socialização, grupo de Pesquisa da
Faculdade de Educação da USP, sob minha coordenação.
3
Este artigo é o terceiro de uma série de outros que estão sendo escritos e já foram publicados acerca da
pesquisa em tela. Já foram publicados Setton e Bozzeto (2020) e Setton (2020).
4
Algumas hipóteses desta investigação a) nossas elites, de forma genérica, são voltadas para o próprio
interesse. Ou seja, trabalham com a lógica gerencial/empresarial e a compreensão política que mobiliza
suas ações não chega a tocar as questões sobre desigualdade social e/ou direitos sociais equânimes. Con-
tudo, todas essas frações pensariam igual? Ambas as gerações, homens e mulheres, pensariam de forma
semelhante (SCALON, 2007)? b) nossas elites se pensam diferentes e superiores dos outros segmentos
sociais. Vivendo em espaços circunscritos ao grupo de pares, longe das exigências materiais, se subjetivam
e constroem uma percepção de si e de grupo como superiores. O entendimento é que seriam merecedores
do que conquistaram. Esforço, dedicação em termos individuais parecem aspectos que legitimam esta
superioridade (SETTON; MARTUCCELLI, 2015); c) as elites não julgam as trajetórias sociais em termos
estruturais. A dimensão societária, a dimensão da concentração de renda e oportunidades como responsá-
veis pela perpetuação das desigualdades sociais parecem não ter eco em seus entendimentos e atitudes; d)
as distintas frações da elite possuem trajetórias diferentes, não possuem as mesmas práticas de cultura,
embora possuam os mesmos valores e estratégias de manutenção da dominação. Em função do tipo de
disposição cultural acumulada em espaços de socialização profissional diversos seria esperado tal desse-
melhança; e) nossas elites estão voltadas para o exterior. O mundo europeu e sobretudo norte-americano
seriam os modelos a seguir. Uma certa limitação do pensamento em que não se vê a condição histórica
das mazelas do Brasil e a necessidade de um esforço conjunto para a sua superação. Tal perspectiva seria
generalizada? Todas as frações teriam esta mesma compreensão? Tal complexo de vira-lata impediria uma
crença maior nas nossas instituições sociais (SOUZA, 2015)?
5
Entende-se elite como aqueles que ocupam o topo de organizações e movimentos poderosos, podendo in-
fluenciar a vida política, econômica, social e cultural. Mais detalhes sobre a discussão ver Setton (2020).
6
Por exemplo, a qual grupo social se sentiam pertencer.
7
Um artigo está sendo escrito sobre as questões geracionais e de gênero.
8
Par objectivation participante j´entends objectivation du sujet de objectivation, objectivation du sujet ana-
lysant bref du chercheur lui-même celle qui consiste à observer observant à observer observateur dans son
travail observation ou de transcription de ses observations dans et par un retour sur expérience du terrain
(BOURDIEU, 2003).
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Maria da Graça Jacintho Setton
v. 28, n. 1, Passo Fundo, p. 83-105, jan./abr. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
9
Pesquisa realizada no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, intitulada Elites estratégicas
e consolidação democrática, no período de 1993 a 1995.
10
Pesquisa que fez parte de investigações do Internacional Social Survey (ISSP), programa de colaboração
internacional acerca de estudos na área da Ciências Sociais, a partir de análises comparativas, em 2000.
11
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério é um
conjunto de fundos contábeis formado por recursos dos três níveis da administração pública do Brasil para
promover o financiamento da educação básica pública. A maior inovação do FUNDEF consiste na mudan-
ça da estrutura de financiamento do Ensino Fundamental no País (1ª a 8ª séries do antigo 1º grau), ao
subvincular a esse nível de ensino uma parcela dos recursos constitucionalmente destinados à Educação.
A Constituição de 1988 vincula 25% das receitas dos Estados e Municípios à Educação. Com a Emenda
Constitucional nº 14/96, 60% desses recursos (o que representa 15% da arrecadação global de Estados e
Municípios) ficam reservados ao Ensino Fundamental. Além disso, introduz novos critérios de distribuição
e utilização de 15% dos principais impostos de Estados e Municípios, promovendo a sua partilha de recur-
sos entre o Governo Estadual e seus municípios, de acordo com o número de alunos atendidos em cada rede
de ensino. Disponível em: http://mecsrv04.mec.gov.br/sef/fundef/funf.shtm.
12
Trata-se de uma categoria mobilizada para a observação de todos os grupos dispostos na sociedade. A
premissa dessa ideia é que, em qualquer ramo da atividade humana, alguns homens são melhores do
que outros e alcançam maior destaque no desempenho de seus ofícios. O que define as elites, assim, é um
princípio de eficiência, e não um critério moral (PARETO, 1989).
13
Por exemplo, no setor do agronegócio, com 5 sujeitos, 2 deles alçaram postos no grupo das elites pela es-
colarização, quase todos herdeiros de propriedades em função de laços matrimoniais ou filiais. Entre os
altos executivos, todos dependeram de uma escolarização qualificada em expertises que se destacam no
mundo dos negócios internacionais. No grupo das celebridades intelectuais, tem-se 3 sujeitos que fizeram
carreira pela escolarização em instituições estrangeiras, 1 deles herdeiro de um lar já intelectualizado e
o último pertencente há três gerações nas elites. Entre os pesquisados no setor do comércio, todos vieram
de lares de imigrantes libaneses, espanhóis e alemães. Ressalta-se que 2 sujeitos estão há duas gerações
nas elites e um há três gerações. Dois dependeram da escolarização e 1 veio de meios intelectualizados. No
setor de comunicação, 4 são de famílias estrangeiras, sendo que todos vieram de lares já intelectualizados.
Ainda neste setor, um sujeito pertence às elites há três gerações e um único pela escolarização. No grupo
das finanças, 2 herdeiros de um capital cultural distintivo, 2 pela escolarização e um há três gerações nas
elites. Na indústria, 4 são imigrantes, espanhóis, italianos e da Europa Oriental. Dois estão nas elites há
três gerações, 3 pela escolarização e um pertencente ao grupo de famílias intelectualizadas. Entre os polí-
ticos, 4 estão nas elites há três gerações e 2 pela escolarização. Por último, entre os profissionais liberais,
3 alçaram posições de destaque pela escolarização e 1 pelo capital cultural intelectualizado de sua família.
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Este artigo é o segundo de uma série de outros que estão sendo escritos acerca da pesquisa em tela. O
primeiro deles é Setton (2020).
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Socializando o pesquisador a observar a socialização dos sujeitos: notas sobre pesquisas com as elites
v. 28, n. 1, Passo Fundo, p. 83-105, jan./abr. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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