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Fragmentos de uma narrativa em curso sobre o profissional de
apoio pedagógico na Educação Especial
Fragments of an ongoing narrative about the pedagogical support
professional in Special Education
Fragmentos de una narrativa continua sobre el apoyo pedagógico
profesional en Educación Especial
Isabel Matos Nunes
*
Márcia Alessandra de Souza Fernandes
**
Resumo
Apresenta reflexões sobre como está estruturado o serviço de apoio pedagógico ao estudante público-
alvo da Educação Especial, no que tange à regulamentação do cargo e da função desse profissional
que atua na sala de aula comum, com o professor regente. Para tanto, questiona sobre aspectos rela-
cionados a nomenclatura, criação do cargo e especificação da função desse profissional no quadro de
vagas do serviço público. Parte da rede municipal de educação de São Mateus, Espírito Santo, e
utiliza dados da pesquisa qualitativa realizada por Fernandes (2016) em que analisou a definição de
diretrizes para a oferta da Educação Especial no Sistema e outra que investigou as tensões da gestão
municipal na garantia da escolarização de alunos com deficiência múltipla (NUNES, 2016), desta-
cando trechos de entrevistas e números sobre matrícula de estudantes e profissionais da modalidade.
As reflexões elaboradas consideram que os governos, ao deixarem de instituir políticas de Estado
(OLIVEIRA, 2011), além de normalizar o desvio de função, de impossibilitar o vínculo permanente
do profissional com o fazer pedagógico, fere o direito do estudante e, no caso específico da Educação
Especial, reforça e perpetua o estigma outsider (ELIAS; SCOTSON, 2000) da modalidade.
Palavras-chave: educação especial; profissional de apoio pedagógico; bidocente.
Recebido em: 19/09/2021 Aprovado em: 29/08/2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i1.12979
ISSN on-line: 2238-0302
*
Professora do Departamento de Educação e Ciências Humanas e do Programa de Pós Graduação em Ensino na Educação
Básica da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: isabel.nunes@ufes.br. Orcid: https://orcid.org/0000-
0001-9127-6384.
**
Mestra em educação, PPGE/Ufes, professora da Rede Municipal de São Mateus e da Rede Estadual do ES. E-mail:
marciaalessandra.sou@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6280-7991.
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Abstract
It presents reflections on how the pedagogical support service to the target public student of special
education is structured, regarding the regulation of the position and the function of this professional
who works in the common classroom, with the regent teacher. Therefore, it questions about aspects
related to the nomenclature, creation of the position and specification of the role of this professional
in the public service vacancy framework. Part of the municipal education network of São Mateus,
Espírito Santo, and uses data from the qualitative research carried out by Fernandes (2016) in which
he analyzed the definition of guidelines for the provision of Special Education in the System and the
other that investigated the tensions of municipal management in ensuring the schooling of students
with multiple disabilities (NUNES, 2016), highlighting excerpts from interviews and numbers on
enrollment of students and professionals in the modality. The reflections elaborated consider that
governments, by failing to institute State policies (OLIVEIRA, 2011), in addition to normalizing
the deviation of function, preventing the professional's permanent link with the pedagogical practice,
violates the student's right and, in this case specific to Special Education, reinforces and perpetuates
the outsider stigma (ELIAS; SCOTSON, 2000) of the modality.
Keywords: special education; pedagogical support professional; bidocente.
Resumen
Presenta reflexiones sobre cómo se estructura el servicio de apoyo pedagógico al público destinatario
alumno de educación especial, en cuanto a la regulación del puesto y la función de este profesional
que trabaja en el aula común, con el docente regente. Por tanto, cuestiona aspectos relacionados con
la nomenclatura, la creación del puesto y la especificación de la función de este profesional en el
marco de la vacante del servicio público. Forma parte de la red de educación municipal de São Ma-
teus, Espírito Santo, y utiliza datos de la investigación cualitativa realizada por Fernandes(2016) en
la que analiza la definición de lineamientos para la provisión de Educación Especial en el Sistema y
la otra que investiga la tensiones de la gestión municipal en asegurar la escolarización de estudiantes
con discapacidad múltiple (NUNES, 2016), destacando extractos de entrevistas y cifras sobre matrí-
cula de estudiantes y profesionales en la modalidad. Las reflexiones elaboradas consideran que los
gobiernos, al no instituir políticas de Estado (OLIVEIRA, 2011), además de normalizar la desviación
de función, impidiendo el vínculo permanente del profesional con la práctica pedagógica, viola el
derecho del estudiante y, en este caso específico de Especialidades. La educación refuerza y perpetúa
el estigma del outsider (ELIAS; SCOTSON, 2000) de la modalidad.
Palabras clave: educación especial; profesional de apoyo pedagógico; bidocente.
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Apresentação para uma narrativa em andamento
Partindo do pressuposto de que qualquer fenômeno social compõe o que Nor-
bert Elias (1897-1990) compreendeu como parte do processo civilizador que a todos
envolve e que a todos escapa, buscamos neste texto refletir sobre como está estruturado
o serviço de apoio pedagógico ao estudante público-alvo da educação especial, no que
tange à regulamentação do cargo e da função desse profissional que atua na sala de aula
comum, com o professor regente.
As questões que apresentamos neste texto vieram à tona a partir de duas pesquisas
de natureza qualitativa, que tiveram a mesma rede de ensino como campo empírico,
sendo que uma analisou as figurações do Conselho Municipal de Educação (CME) na
definição de diretrizes para a oferta da Educação Especial no Sistema de São Mateus,
estado do Espírito Santo (FERNANDES, 2016), e a outra que investigou as tensões da
gestão municipal na garantia da escolarização de alunos com deficiência múltipla
(NUNES, 2016). Para as reflexões aqui apresentadas, utilizaremos os dados empíricos
dos dois estudos, destacando trechos de entrevistas e números sobre matrícula de estu-
dantes e profissionais da modalidade.
Sob a perspectiva eliasiana de que o processo civilizador segue um fluxo contínuo
e gradual, os dados apresentados neste texto foram conjugados e atualizados a partir
das constantes convocações que o trabalho docente, cotidiano e atual nos confere sobre
o fazer da Educação Especial na interlocução com a escola regular. Nesta seara, algumas
questões nos inquietam, das quais destacamos: de que maneira acontece o apoio peda-
gógico na sala de aula regular aos estudantes que requerem maior intervenção
pedagógica? Como são e onde estão estabelecidas as atribuições dos profissionais en-
volvidos nesta ação pedagógica? Quais as normas que regulamentam e determinam a
contratação desse profissional nos sistemas de ensino?
Sob o convite que as questões nos alcançam, o lócus do estudo é a Rede Municipal
de Educação de São Mateus, município da região Norte do Espírito Santo, com 476
anos de colonização, população estimada em 132.642 (IBGE, 2020) e 16.939 matrí-
culas, das quais, 468 são da Educação Especial (INEP, 2019).
Para nos ajudar a refletir sobre as questões em pauta, recorremos às elaborações
de Norbert Elias, no trabalho empreendido por ele e John L. Scotson na obra “Os
estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena
comunidade” (2000). Com base nas análises do microcosmo da referida obra, compre-
endemos que as relações de poder entre indivíduos e seus grupos, ainda que
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aparentemente homogêneas, apresentam em seus interiores gradientes de poder tão di-
versos quanto sejam as inter-relações estabelecidas entre eles. Sob tal compreensão, um
aspecto que a obra eliasiana nos provoca, considerando a trajetória do segundo profis-
sional de apoio pedagógico aqui analisada, dá-se com relação a uma possível
estigmatização da Educação Especial como modalidade outsider.
Sobre esse aspecto, consideramos o fato de a modalidade passar a compor o ar-
cabouço das diretrizes e bases da educação nacional a partir de 1996 e, desde então,
ainda estar sendo organizada nos sistemas, como é o caso apresentado na rede munici-
pal de São Mateus, em que inexiste definição em lei acerca do segundo profissional
pedagógico que atua na sala de aula comum com os estudantes da modalidade que
necessitam da atuação desse profissional. Vários estudos (MARTINS, 2011; VAZ,
2013; ARAÚJO, 2015; LOPES, 2015) apontam indefinições que a modalidade carrega
em relação à formação, atuação e condições de trabalho do professor de Educação Es-
pecial, evidenciando que a situação não é exclusiva na rede aqui apresentada.
Para organizar nossas reflexões, estruturamos o texto em cinco partes: a primeira
trata das mudanças que, de modo geral, a Educação Especial desencadeou na escola
regular; a segunda, da chegada da modalidade nas escolas da rede municipal; a terceira,
ocupa-se da chegada do profissional de apoio pedagógico na sala de aula comum e os
subsequentes processos de definição da função em normativas do CME Conselho
Municipal de Educação; a quarta parte destaca como a organização federativa do Brasil
e a ausência de um sistema nacional articulado de educação possibilitam a ocorrência
de situações como a destacada no texto; a quinta e última parte traz as reflexões e con-
siderações das autoras.
Fragmento 1: A Educação Especial mudou a escola
Neste trecho, destacamos algumas das mudanças ocorridas na escola a partir da
chegada da Educação Especial e, em seguida, focalizamos as questões referentes ao ser-
viço de apoio pedagógico ao estudante público-alvo da modalidade, no que tange ao
segundo profissional que atua na sala de aula comum, com o professor regente, na rede
pesquisada.
Por compreender, a partir de Elias (1993), que os fenômenos sociais acontecem
seguindo um processo que se constrói lenta e gradualmente, temos a compreensão de
que as mudanças que a Educação Especial desencadeou no interior da instituição edu-
cacional seguem acontecendo e, como um processo lento, ainda não equacionaram
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todos os desafios da escola. Mesmo assim, são mudanças que demarcam importantes
passos na instituição de uma escola mais inclusiva.
Como marca constituinte do processo civilizador, o campo da Educação Especial
vem imprimindo na história educacional os acontecimentos que resultam da “[...] di-
nâmica do entrelaçamento, com seus numerosos altos e baixos, representando a
continuação, no mesmo rumo, de movimentos e contra movimentos de mudanças an-
tigas” (ELIAS, 1993, p. 263). Sobre esse aspecto, compreendemos que a modalidade
de Educação Especial vem transformando a instituição regular de ensino, em decorrên-
cia do público atendido e da natureza do serviço realizado.
Garcia (2013) contribui com nossa reflexão ao analisar a década anterior a da
chegada da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva PNEEPI
(BRASIL, 2008) ao destacar as mudanças que, paulatinamente, contribuíram para a
transformação das práticas escolares. Ela observa que a modalidade de Educação Espe-
cial, “[...] se desenvolvia mediante uma série de modalidades de AEE, na perspectiva
inclusiva passou a ter uma modalidade de atendimento privilegiada, qual seja, aquela
referenciada no AEE na SRM” (GARCIA, 2013, p. 108). Destaca também o redimen-
sionamento do público-alvo das políticas de Educação Especial “[…] tornando-se mais
específico e mais dependente de diagnósticos clínicos, centrados em causas relacionadas
a condições orgânicas” (GARCIA, 2013, p. 108). Para a autora, há duas características
que a modalidade assume: a complementaridade para os sujeitos em idade escolar obri-
gatória e a transversalidade que insere a modalidade da educação básica à superior; a
formação de professores que passa a reconhecer o professor do Atendimento Educaci-
onal Especializado como profissional docente, com formação específica, não mais
definido como “especializado” (GARCIA, 2013).
Importa observar, entretanto, que essa autora destaca a não superação de sentidos
que a modalidade carrega “[...] apesar de passar por um momento de investimentos em
torno de sua divulgação, da presunção de uma ‘nova’ perspectiva e da suposta amplia-
ção do atendimento público de educação especial nas redes de ensino” (GARCIA,
2013, p. 107). As mudanças apontadas, embora sejam específicas da modalidade, elas
repercutem na escola, como um todo. É possível constatar que a escola dos dias atuais
já não é a mesma da escola dos anos iniciais em que chegaram as determinações da
PNEEPI (BRASIL, 2008), muito menos da LDB, nos anos de 1996.
No âmbito da rede pesquisada, uma mudança bastante perceptível que a moda-
lidade de Educação Especial desencadeou na educação geral, como um todo, diz
respeito à composição do quadro de servidores das escolas. A partir dos estudos em
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tela (NUNES, 2016; FERNANDES, 2016), é possível afirmar que o quadro de servi-
dores das escolas do município no início dos anos dois mil era composto, basicamente
pelo diretor educacional, professores, coordenador de turno, pedagogo, auxiliares de
secretaria e de serviços gerais. No decurso dos últimos 15 anos, com a ampliação do
leque de serviços educacionais, muitos destes vinculados à Educação Especial, novos
profissionais passaram a compor o quadro de servidores da escola. Nos dias de hoje,
além dos profissionais que atuavam no passado, invariavelmente, as escolas de São Ma-
teus possuem cuidador, mãe social, professor de Apoio Educacional Especializado
(AEE), intérprete de Libras e auxiliar de Educação Especial, ainda que este último sem
regulamentação e criação do cargo.
E, em decorrência da chegada dos diferentes profissionais que passam a atuar nas
escolas, em função dos estudantes da modalidade que passaram a frequen-la, surge a
necessidade de novos redimensionamentos, a fim de garantir o direito à educação desse
público estudantil, de acordo com o que prescreve a Política de Educação Especial na
perspectiva da inclusão escolar (BRASIL, 2008). Deste modo, é preciso rever além da
estrutura arquitetônica da instituição, sua estrutura de pessoal, serviços e sua organiza-
ção curricular.
As questões que discutimos neste texto revelam que ainda há muito a ser, de fato,
efetivado. Sobre esse aspecto, é oportuno valermo-nos, mais uma vez, da perspectiva de
Elias (1993) que descreve o processo civilizador como um processo que se move cons-
tante e incessantemente, envolvendo a todos. Sob tal acepção, é possível compreender
que todos compõem o processo mais amplo e que são impelidos a avançar, ainda que
seguindo e constituindo um fluxo sem saltos abruptos nem grandes rupturas processu-
ais. Isso significa que a escola não se transformará sozinha, muito menos o fato de a
Educação Especial ter reconhecimento de modalidade educacional, por si só, não re-
solverá os desafios enfrentados cotidianamente no interior dos estabelecimentos
educacionais.
Na sequência, apresentamos no segundo fragmento, uma breve contextualização
histórica em torno da modalidade de Educação Especial na rede municipal de São Ma-
teus, Espírito Santo.
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Fragmento 2: A chegada da Educação Especial na Rede Munici-
pal
A Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001, que instituiu as Diretrizes Naci-
onais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), provocou que as
redes municipais de Educação organizassem a gestão dos serviços da Educação Especial.
Em torno disso, aconteceram entre os anos 2001 e 2004, as primeiras experiências que
buscaram considerar as especificidades dos estudantes com alguma deficiência, dentro
de uma instituição de ensino regular da rede municipal de São Mateus.
Fernandes (2016) observa que nesse período a rede municipal não dispunha de
experiência com os estudantes público da Educação Especial nas escolas comuns e que
em 2005 foi implementado o Núcleo de Educação Inclusiva Municipal (NEIM), que
mesmo sem regulamentação, funcionou até o ano de 2008. O NEIM funcionava como
um centro especializado, com psicólogo, fonoaudiólogo, professor de Libras, de Braille,
para atender aos estudantes e professores, uma vez que as escolas careciam de todo tipo
de apoio para fazerem o atendimento à nova demanda que começava a chegar à escola.
Atendendo aos preceitos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei
9.394/96 (BRASIL, 1996), a qual rege que “os municípios incumbir-se-ão de: I - or-
ganizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de
ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados” (Art,
11), na primeira década dos anos 2000, o município de São Mateus, instituiu seu Sis-
tema Municipal de Educação (SME). A opção pelo SME, segundo Fernandes (2016),
baseou-se na busca de autonomia para elaborar políticas de educação contando com a
participação da comunidade escolar na definição de suas prioridades.
Em 2008, com a aprovação da Política Nacional de Educação Especial na pers-
pectiva inclusiva (BRASIL, 2008), o município em questão passa por grandes
transformações na organização da modalidade de Educação Especial em âmbito local.
Foi publicada a primeira diretriz no âmbito do sistema municipal que estabeleceu nor-
mas para atendimento aos estudantes da Educação Especial a Resolução CME/SM
04/2008. No ano seguinte o governo local determinou o fechamento do NEIM e ins-
tituiu o AEE nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), (FERNANDES, 2016).
Naquele período, tudo era novo para a Escola, principalmente para o professor
regente que passou a receber o estudante público da educação especial na sala de aula
comum. Tais mudanças podem ser visualizadas na tabela 1, na qual demonstramos o
movimento das matrículas da educação especial na educação infantil e no ensino fun-
damental no município, nos anos de 2008 a 2014
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Tabela 1 – Matrículas da Educação Especial na Educação Infantil e no Ensino Fun-
damental em São Mateus
Ano
Educação Especial por
Dependência Administrativa
Estadual Municipal Privada Total
2008
81
201
198
480
2009
34
110
213
357
2010
57
178
16
251
2011
123
240
16
379
2012
101
271
16
388
2013
130
259
28
417
2014
112
272
22
406
Fonte: FERNANDES, 2016.
2
O número das matrículas é bastante irregular: o ano de 2008 foi o ano da publi-
cação do texto da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva em
nível nacional e da aprovação da Resolução da Educação Especial em nível local e tam-
bém do ápice das matrículas na modalidade. Em 2009, segundo ano da Resolução da
Educação Especial, apresenta queda de matrícula, exceto nas escolas privadas que apre-
sentam crescimento em relação às outras dependências administrativas tanto naquele
ano como no anterior. Nos anos seguintes, no entanto, as instituições da iniciativa
privada apresentam redução no número de matriculados.
Em 2014 ano base do estudo de Fernandes (2016) do total de 406 estudantes
matriculados na modalidade, 272 estavam vinculados à rede municipal, equivalendo a
mais de 66% do total. Naquele ano, havia dezessete salas de recursos multifuncionais
equipadas, sendo que apenas 14 estavam em funcionamento na rede municipal; 52
cuidadores e nenhum profissional para a intervenção pedagógica com o estudante que
demandasse maior atenção na sala de aula, além do regente (FERNANDES, 2016).
Na sequência, apresentamos a narrativa sobre a chegada do profissional pedagó-
gico nas salas de aula das escolas comuns para a atuação conjunta com o professor.
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Fragmento 3: Bidocente, profissional de apoio, auxiliar de edu-
cação especial
Com relação ao profissional de apoio pedagógico para atuar na sala de aula co-
mum, com o professor regente, junto ao estudante da Educação Especial, a história da
modalidade na rede de São Mateus está marcada por três tentativas de “crião” de um
termo para nomear o profissional que assumiria o serviço, sendo eles: bidocente em
2010; profissional de apoio em 2012 e auxiliar de Educação Especial em 2014. As três
tentativas são apresentadas nos subtópicos que seguem.
O bidocente
De acordo com Fernandes (2016) e Nunes (2016), a chegada do profissional
denominado bidocente nas escolas da rede de São Mateus tem início no ano de 2010,
quando as escolas começaram a receber estudantes com necessidade de intervenção pe-
dagógica mais direta e constante. As autoras observam que nenhuma providência legal,
a fim de normatizar a função foi tomada pela gestão municipal. Conforme surgia a
demanda em uma escola, a secretaria de educação encaminhava o segundo professor
para atuar na sala de aula comum com o regente. Para melhor explicitar a situação,
apresentamos duas descrições feitas por entrevistados no trabalho de Fernandes (2016).
Na primeira, o conselheiro Altamiro
3
afirma:
A experiência do bidocente começa em 2010 com algumas experiências muito pontuais.
A ideia não era um professor para o aluno, e sim a bidocência, ou seja, estamos eu e você na sala
de aula, enquanto eu estou cuidando do aluno você está cuidando da sala; ou, enquanto você está
cuidando do aluno, eu estou cuidando da sala... [...] essas experiências foram pensadas para casos
mais complexos [...]. Quando se colocava o segundo professor, era para se garantir a acessibilidade
do sujeito àquilo que sozinho ele não conseguia [...] (CONSELHEIRO ALTAMIRO, p. 168).
A conselheira Cristina informa que
[...] O bidocente nunca existiu regulamentado, mas na prática, sim. Aquela prática: eles colocam
um profissional pra trabalhar e depois... sem existir o cargo. [...] Qual era o entendimento do
bidocente? Que ele era o profissional daquele aluno... Na verdade, era para ele ser o coopera-
dor do professor regente: dois professores na mesma sala. Houve uma interpretação
equivocada sobre o bidocente. “Ó, seu aluno faltou hoje, então você poderia ajudar na coorde-
nação, ou você poderia ajudar a imprimir.” Assim, acabava fazendo outras coisas, substituir um
professor que faltava... Não havia o entendimento da colaboração entre o professor regente e o
bidocente [...] (CONSELHEIRA CRISTIANA, p. 169).
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De acordo com as declarações acima, a chegada do segundo professor evidenciou
a falta de entendimento sobre a atuação do profissional regente, do bidocente e demais
envolvidos no processo pedagógico, no que diz respeito ao trabalho colaborativo, como
evidenciou também a ausência de definição da atuação e competência de cada profissi-
onal. O termo “bidocência” adotado não trouxe a ideia da colaboração; pelo contrário,
vigorou a concepção de que havia um professor exclusivo para o estudante público da
Educação Especial. Tal concepção reforçava-se a partir da compreensão de que “[...]
o era justo que os dois profissionais tivessem a mesma condição salarial”, como
registrou Fernandes (2016, p. 167).
A situação do segundo professor na sala de aula comum adentrou o CME/SM
nos trabalhos de revisão da Resolução 04/2008, nos anos 2011 e 2012, como apresen-
tamos no próximo tópico.
O profissional de apoio (pedagógico)
Com discussões em torno da nomenclatura do segundo professor em sala de aula,
a nova normativa do CME/SM empregou o termo “profissional de apoio” no lugar de
“bidocente”. Fernandes (2016) apresenta a situação, a partir da narrativa em que a en-
trevistada afirma:
[...] a não aceitação desse profissional foi mesmo a questão financeira. O professor regente era o
responsável por manter o diário em dia e as atividades cotidianas, como planejamento, correção
das atividades e demais coisas atribuídas ao regente, enquanto o bidocente só ficava com aquele
aluno e tinha lá a pasta de acompanhamento das atividades (CONSELHEIRA CRISTIANA, p.
169).
Como relatado acima, as atas do CME têm registrado que muitos docentes
4
con-
sideravam que o bidocente não deveria ter o mesmo status do professor regente, por
entenderem que sobre este último recaía a maior responsabilidade. O argumento era
de que o regente trabalhava com maior número de estudantes, diferente do outro pro-
fissional, que tinha o trabalho com apenas um (FERNANDES, 2016; NUNES, 2016).
Vale observar que a Nota Técnica MEC/SEESP/GAB 19/2010 (BRASIL, 2010)
que trata dos profissionais de apoio para alunos com deficiência e transtornos globais
do desenvolvimento matriculados nas escolas comuns da Rede Pública de Ensino, des-
taca que é aquele profissional indicado para os trabalhos de “[...] promoção da
acessibilidade e para atendimento a necessidades específicas dos estudantes no âmbito
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da acessibilidade às comunicações e da atenção aos cuidados pessoais de alimentação,
higiene e locomoção” (BRASIL, 2010).
Independente da orientação da Nota Técnica, a nova normativa, a Resolução
CME/SM 11/2012, inaugurou o termo profissional de apoio no lugar do conhecido
bidocente.
Esta nova resolução, mesmo homologada pelo secretário de educação, não foi
publicada, permanecendo sem nenhum poder (FERNANDES, 2016; NUNES, 2016).
Ainda assim, a secretaria de educação manteve a oferta do segundo profissional até o
final do ano letivo de 2013 (FERNANDES, 2016; NUNES, 2016). No ano seguinte,
não mais autorizou o segundo profissional (com função pedagógica) e as escolas rece-
beram apenas o cuidador profissional de ensino médio para atuar nas atividades de
higiene, alimentação e locomoção.
Naquele ano (2013), diante da situação, um grupo de pais acionou o Ministério
Público e este, além de determinar a oferta imediata do segundo profissional, recomen-
dou que o Executivo encaminhasse à Câmara Municipal, projeto de lei para
regulamentar o cargo e estabelecer as normatizações necessárias. Sob tais circunstâncias,
é elaborada a Resolução 12/2014 que traz à tinta o termo “auxiliar de educação espe-
cial” no lugar do profissional de apoio. Essa normativa do CME/SM foi transformada
na Lei Municipal 1.517/2015 que repete todo o texto da resolução sem, contudo, pos-
suir nenhuma outra lei que regulamente os cargos e funções que a diretriz do CME
menciona (FERNANDES, 2016)
O auxiliar de educação especial
Na normativa de 2014, a Resolução 12/2014 (SÃO MATEUS, 2014), mais uma
vez, o serviço ganhou outra denominação e o “profissional de apoio” que tinha entrado
na história para substituir o controverso “bidocente” também foi substituído pelo
termo “auxiliar de educação especial”. Na Tabela 2 trazemos os parágrafos das duas
normativas que descrevem o perfil desses dois profissionais, sendo adotado na primeira
o termo profissional de apoio e na segunda, auxiliar de educação especial.
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Tabela 2 – Perfil do professor de apoio e do auxiliar de educação especial
Resolução CME/SM 11/2012
Resolução CME/SM 12/2014
DA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS
Art. 28. A formação de profissionais para a edu-
cação especial processar-se-
á em conformidade
com o estabelecido pela lei 9.394/96, artigo 59,
incisos i e iii, artigo 62, e com as diretrizes curri-
culares nacionais para a formação de docentes.
[...]
§ 8º. Entende-se por professor(a) de apoio, o/a
profissional com licenciatura plena em pedago-
gia e curso de formação na área da deficiência
intelectual e/ou surdocegueira, de no mínimo
120 horas, que atuará na sala de aula, junto aos/às
professores/as de ensino comum, garantindo a
permanência na escola e a apropriação de conhe-
cimentos aos/às alunos/a
s em situação de
deficiência, cujas condições de aprendizagem de-
mandam intervenções pedagógicas mais
específicas, intensivas e sistemáticas. (SÃO
MATEUS/CME, 2012, grifo nosso)
DA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS
Art. 26. A formação de profissionais para a edu-
cação especial processar-se-á em conformidade
com o estabelecido pela lei 9.394/96, artigo 59,
incisos i e iii, artigo 62, e com as diretrizes curri-
culares nacionais para a formação de docentes.
[...]
§ 8º. Entende-se por auxiliar de educação espe-
cial, o/a profissional com licenciatura plena e
curso de formação na área da deficiência intelec-
tual, de no mínimo 120 horas, que atuará na sala
de aula, junto aos professores e às professoras de
ensino comum, garantindo a permanência na es-
cola e a apropriação de
conhecimentos aos/às
alunos/as em situação de deficiência, cujas condi-
ções de aprendizagem demandam intervenções
pedagógicas mais específicas, intensivas e sistemá-
ticas, a saber: a) deficiência múltipla; b)
deficiência intelectual severa; c) autismo infantil
(SÃO MATEUS/CME, 2014, grifo nosso).
Elaborado pelas autoras
Os dois parágrafos das duas normativas, embora apresentem pequenas alterações,
não diferem muito em seu teor; em uma, traz como requisito a formação em pedagogia
na outra, amplia a possibilidade de formação, desde que seja uma licenciatura plena.
Isto significa que de uma forma ou de outra, havia o entendimento que o profissional
deveria ter conhecimento pedagógico. Sobre ser exigido que o auxiliar de educação
especial tenha licenciatura plena, ainda que sem o status de professor, uma vez que está
na condição de auxiliar, destacamos as palavras de outra entrevistada de Fernandes
(2016, p. 174) que afirma:
A discussão na [Resolução] 12 partiu do seguinte: primeiro, se você colocar um professor para
aquele aluno, isso não é inclusão. Não justifica você colocar um professor para aquele aluno por-
que ele fica isolado, ele não vai participar da sala, o professor regente não vai se sentir professor
dele, não vai sentir o peso da responsabilidade que tem sobre ele. Precisava tirar a figura de um
professor para aquele aluno. Mas não se discutia a necessidade de alguém dentro da sala auxili-
ando; esse foi o consenso (CONSELHEIRA JAQUELINE).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Fragmentos de uma narrativa em curso sobre o profissional de apoio pedagógico na Educação Especial
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Pelo visto, as discussões tentaram conciliar a necessidade do segundo profissional
na sala de aula, com a garantia do processo inclusivo e a responsabilização do professor
regente por tal processo.
Fernandes (2016) observa que a referida resolução determina sobre a atuação do
auxiliar de educação especial na rede municipal, no entanto, destaca que o mesmo con-
tinua sendo contratado temporariamente. Observa também que concursos públicos
foram realizados para contratação para outros cargos, mas não houve nenhuma vaga
para esse profissional, apesar da demanda, visto que ainda não fora criado o cargo na
lei que o estabeleceria no quadro de vagas e estrutura da prefeitura.
No item seguinte, refletimos sobre o que torna possível que fenômenos como os
apresentados acima aconteçam.
Fragmento 4: O contexto que facilita
Sobre a narrativa acima, destacamos alguns elementos que tornam tais fenôme-
nos possíveis. Um deles relaciona-se à dinâmica da organização federativa do Brasil
(ARAÚJO, 2013) em que estados e municípios possuem alguma liberdade para orga-
nizar os seus sistemas de ensino, dentro dos limites determinados pela Constituição
Federal (BRASIL, 1988). O fato de os entes disporem de certa autonomia para defini-
rem as ações políticas no âmbito de suas atuações, pressupõe a constituição de um
Sistema Nacional de Educação (SNE) que articule “unidade da variedade”, mas que o
país ainda não conseguiu organizar. A autonomia dos entes federados, desarticulada de
uma instância que os integre, no caso o SNE, tende a isolá-los, deixando-os entregues
à própria sorte (SAVIANI, 2010, p. 381).
No caso específico de nossa discussão, vemos como a ausência de uma política
articulada oportuniza ações de governo em detrimento a políticas de Estado. No que
diz respeito ao profissional de apoio pedagógico que atua junto aos estudantes público-
alvo da educação especial, com o professor regente, na sala de aula comum, observamos
que a falta de orientação em torno da nomenclatura para o mesmo, permite que redes
e sistemas públicos de educação, a partir de iniciativas e experiências próprias “criem”
termos e definam funções para esses profissionais.
Implicados com a situação do profissional de apoio pedagógico na sala, na rede
pesquisada, a fim de ter uma visão sobre a forma como esse profissional tem figurado
em outros trabalhos acadêmicos, realizamos duas buscas no Portal da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, 2020), entre os meses de se-
tembro a dezembro de 2020, com os descritores “educação especial” AND “profissional
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de apoio pedagógico” OR “ensino colaborativo” OR “bidocente” OR “trabalho do-
cente”, sendo uma no Portal de Periódicos e a outra no Catálogo de Teses e
Dissertações. Na primeira, procuramos artigos de periódicos que adotam a revisão por
pares. Definimos as seguintes perguntas para nos orientar na seleção dos textos: Como
a temática acerca do profissional de apoio pedagógico da educação especial figura nos
trabalhos? Quais são os objetivos dos trabalhos? Qual a perspectiva que as discussões
assumem: o didático-pedagógico ou das relações trabalhistas?
Na busca por artigos, apareceram 40 trabalhos dos quais 6 foram selecionados.
Os textos, embora correspondam aos pontos definidos para guiar a seleção, não apre-
sentam a discussão sob a perspectiva das condições de trabalho e da vida trabalhista
desse profissional. De modo geral, os trabalhos tangenciam a temática, mas não a apro-
fundam; abordam limites e dificuldades da prática colaborativa, evidenciando que as
dificuldades estão relacionadas, em grande medida, às imprecisões que circundam o
profissional.
Os trabalhos selecionados possuem algumas aproximações: seus objetivos bus-
cam refletir sobre processos de inclusão escolar a partir do estudo sobre práticas de
colaboração entre docentes e a formação para essas práticas; assinalam a necessidade de
formação e outros aspectos da vida escolar (currículo, acessibilidade arquitetônica, ser-
viços de apoio e colaboração, participação da família e da comunidade) como
indispensáveis à constituição da escola inclusiva, relacionando práticas, profissionais e
ensino colaborativo; apontam o ensino colaborativo como estratégia promissora para a
realização da educação inclusiva, mesmo assim, apresentam situações que desafiam a
colaboração, como a falta de tempo para o planejamento comum entre os professores
da sala (VILARONGA; MENDES, 2014; PINHEIRO; MASCARO, 2016;
CASTRO; MENEZES; BRIDI, 2016; VILARONGA; MENDES; ZERBATO, 2016;
FRANCO; NERES, 2017; SANTOS et al., 2019).
Da busca por dissertações e teses, apareceram 22 trabalhos, sendo selecionados 3
dissertações e 1 tese. Suas questões de análise estão relacionadas à falta de clareza sobre
quem é esse profissional. Cabe ressaltar, entretanto, que o único estudo que discute as
condições de trabalho e emprego desse profissional é a dissertação de Martins (2011)
que analisa como está organizada a atuação dos profissionais de apoio nas classes co-
muns, tendo como campo empírico 9 municípios que constituem a Regional Grande
Florianópolis, em Santa Catarina. Esse estudo identifica sinais de precarização das con-
dições de trabalho a partir da falta de formação, de regulamentação do cargo, baixos
salários, sobrecarga, intensificação e condições inadequadas de trabalho.
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Dentre os achados, apresentamos na Tabela 3 os termos que nomeiam o profis-
sional pedagógico, conforme identificados nos artigos selecionados.
Tabela 3 – Termos utilizados para nomear o profissional
de apoio pedagógico da educação especial
Termo
Onde é adotado
Professor Mediador
Rede Estadual do Acre
(LIMA, 2016)
Segundo Professor de Turma
Rede Estadual de Santa Catarina
(ARAÚJO, 2015)
Auxiliar Pedagógico Especializado
(APE)
Escola pública de Campo Grande,
MS
(FRANCO;
NERES, 2017)
Elaborada pelas autoras
Os termos adjetivados já anunciam que são profissionais de segunda ordem: é
professor, mas é auxiliar, ou é apoio, ou mediador, ou ainda, segundo professor. Vaz
(2019, p. 106) observa que mais importante do que as denominações, são as definições
que eles carregam. Ela questiona se essa situação reflete a dificuldade que o trabalho da
Educação Especial, enquanto campo específico tem em ser compreendido enquanto
trabalho docente.
Além da dinâmica da organização federativa do país, apontado linhas acima, ou-
tra situação a ser considerada dá-se com relação à orientação da Nova Gestão Pública
(NGP), que sob o argumento da racionalidade técnica e maior eficiência do setor pú-
blico, introduziu na organização e gestão escolar, mecanismos que comprometem as
condições de trabalho, carreira e remuneração docente (OLIVEIRA, 2004). De acordo
com essa autora, muitos dos mecanismos caracterizam-se por medidas de flexibilização
da legislação trabalhista, facultando a contratação temporária dos professores, além de
apresentar grande variedade salarial (OLIVEIRA, 2004).
Assim, em um cenário onde os sistemas de educação operam isolados, criando
suas próprias regras para os novos cargos, sob a égide da eficiência e da eficácia do
serviço público, inferimos que, mesmo dentro do Magistério, com as condições de tra-
balho já muito deterioradas, os “novos” profissionais da Educação Especial são
atingidos de maneira muito mais severa, visto que suas ocupações não possuem tradição
no mundo do trabalho. Como apresentado nos estudos mencionados na Tabela 3, via
de regra, são profissionais contratados temporariamente ou, em outros casos, são pro-
fessores que migraram para a “nova” função, demonstrando que não há concurso e que
o serviço é executado por profissional sem estabilidade no cargo.
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Faltam-nos estudos para atualizar os dados dos trabalhos de Fernandes e Nunes
(2016). Mesmo assim, a partir de nossa vivência e atuação profissional na rede pesqui-
sada, sabemos que a situação continua a mesma: o cargo ainda não foi criado na lei de
estrutura, os profissionais são contratados temporariamente, como professores e em
desvio de função.
Considerações sobre uma narrativa em curso
Sob o desafio de refletir sobre como está estruturada a vida do profissional de
apoio pedagógico que atua na sala de aula comum, com o professor regente, observa-
mos que a ausência de uma política de Estado (OLIVEIRA, 2011) oportuniza o desvio
de função, compromete a oferta do serviço e negligencia direitos.
Os dados analisados apontam que a chegada do profissional pedagógico na sala
de aula dá-se pela via do improviso, ainda que na tentativa de minimizar o impacto
ocasionado pela inadiável chegada dos estudantes da Educação Especial, até então, fora
da escola comum.
De acordo com Fernandes (2016), a história da Educação Especial na rede pes-
quisada está marcada por projetos que existiram por um tempo sem nenhuma
regulamentação e, com a mudança dos gestores, deixam de existir, como é o caso do
NEIM que funcionou por 3 anos sem nenhuma regulamentação. Há também o oposto:
leis municipais e normativas do CME que determinam a oferta de um serviço, mas que
necessitam de outras normas para existirem de fato (como é o caso do cargo do atual
auxiliar de educação especial), que mesmo desenhado na lei e na resolução, ainda não
existe na estrutura dos serviços do município.
A situação do profissional de apoio pedagógico na sala de aula está a nos revelar
muito da fragilidade do serviço prestado e da opção dos gestores públicos, que ao assu-
mirem implementar as políticas públicas, também reforçam estratégias de controle na
correlação de forças entre profissionais de carreira e os contratados temporariamente.
Tal situação evidencia o que Elias e Scotson (2000, p. 23) denominam de sociodinâ-
mica da estigmatização, definida como, “[...] a condição em que um grupo consegue
lançar um estigma sobre outro”, fazendo com que eles não mais se identifiquem nas
suas batalhas comuns. Sem se identificarem coletivamente, se dividem, e divididos,
mais frágeis se tornam.
Assim argumentamos por compreender que muitas das transformações na edu-
cação decorrem das lutas assumidas pelos profissionais, seja em defesa de melhores
condições de trabalho, seja em defesa de um serviço específico. De um modo ou de
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outro, entendemos serem os tensionamentos assumidos pelos profissionais junto às ad-
ministrações que têm impulsionado avanço na garantia do direito à educação, ao
instituírem um “equilíbrio instável de poder” (ELIAS; SCOTSON, 2000). Sobre esse
aspecto, compreendemos que a negativa por parte da administração em organizar a
situação do profissional de apoio pedagógico do estudante público-alvo da Educação
Especial faz parte de um conjunto de intenções a fim de manter demarcado, numa
correlação de forças, o limite e o controle dos outsiders (ELIAS; SCOTSON, 2000).
Para Oliveira (2004, p. 1138), o aumento dos contratos temporários; salários
abaixo da média equivalente a outras profissões; desrespeito ao piso da categoria; planos
de cargos e carreias inexistentes ou inadequados; perda de direitos e garantias trabalhis-
tas e previdenciários são alguns dos sintomas que evidenciam os efeitos da flexibilização
das leis trabalhistas, agudizando a instabilidade e a precariedade do emprego no magis-
tério público. Para nós, todos esses sintomas recaem sobre o profissional de apoio
pedagógico da Educação Especial que ainda não possui nem mesmo um termo para
nomeá-lo, tornando-se quase imperceptível.
Notas
1
Os números apresentados circunscrevem-se a 2014 porque este é o ano de alcance pesquisa e por estes
dados serem suficientes para as reflexões que pretendemos elaborar.
2
Dados adaptados pelas autoras.
3
Para manter o sigilo sobre os conselheiros entrevistados, optamos por nomes fictícios, sem descrever
função ou segmento ocupado no colegiado.
4
Nos trabalhos de revisão da Resolução 4, o CME realizou plenárias abertas à comunidade escolar.
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