ESPAÇO
PEDAGÓGICO
RESENHA
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Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Francisco Carlos dos Santos Filho, Luciana Oltramari Cezar
v. 28, n. 3, Passo Fundo, p. 1190-1196, set./dez. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Um lósofo que caminha: sobre educação e formação humana
na sociedade atual”1
Francisco Carlos dos Santos Filho*
Luciana Oltramari Cezar**
Ao fechar a última página desta “simples coletânea”, como o autor costuma
chamá-la, é possível sentir o frescor do campo. É como se, terminada a leitura e
fechado livro, de pronto se abrisse uma fresca manhã de setembro, dessas que a nós
se oferecem pouco antes da primavera, aqui, no interior do Rio Grande do Sul. Um
ar fino dá início ao dia ensolarado e luminoso, a lagoa ainda recoberta por um véu
de bruma branca a guardar-lhe o pudor da nudez que se aproxima. Ali, por entre
ipês e pinheiros, o filósofo caminha. Ousamos dizer que a diferença no modo de
exercer a prática intelectual de Cláudio se dá justamente pelo fato de que ele é um
filósofo que caminha, que se desloca e que se move pelos caminhos que lhe tocam
andar. Enquanto caminha, transmuta cada passo de sua meditação – quase pode-
mos vê-lo andar ao longe – em uma compreensão profunda do mundo e do lugar
que nele tem a educação, entendimento que, generosamente, compartilha com seus
alunos e colegas. A prova está nesta “simples coletânea”, cujos textos transportam
em seu interior um mundo de complexidades que fazem desse livro uma caminhada
em meio à natureza, recheada de reflexões rigorosamente fundamentadas. Aqui,
a filosofia da educação contemporânea mostra sua musculatura e sua delicadeza,
materializando o que nos disse certa vez, numa conversa pessoal, Silvia Bleichmar,
de que o primeiro mundo está, mesmo, no interior do terceiro.
* Psicólogo, psicanalista, doutor em Psicologia Clínica com concentração em método psicanalítico e formações da cultura
pela PUC-SP. Professor titular da Universidade de Passo Fundo, atuando na clínica psicanalítica e no ensino da psicaná-
lise, principalmente nos campos psicanálise, cultura, formação acadêmica em psicologia, psicanálise, clínica, método
psicanalítico e intervenções psicanalíticas. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7868-2003. E-mail: santos@upf.br
** Mestre e doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo.
Diretora do Projeto Associação Cientíca de Psicanálise, exercendo também as funções de Coordenação de semi-
nários para psicanalistas em formação, Coordenação do Núcleo de Infância e Educação, supervisão sistemática dos
alunos que estão em formação em psicanálise e participação na Comissão de Ensino. Atua principalmente na área da
clínica infantil e pesquisa nos temas: infância, intervenção precoce com bebês e crianças pequenas, educação infan-
til, psicologia do desenvolvimento, constituição psíquica, processos de subjetivação na primeira infância, detecção
precoce, estimulação e intervenção precoce, intervenção pais-bebês. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5170-0830.
E-mail: lucianacezar@me.com
Recebido em: 10/10/2021– Aprovado em: 13/12/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i3.13043
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Um lósofo que caminha: sobre “educação e formação humana na sociedade atual”
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Resenhar esse livro é dar um passeio que nos leva desde um diagnóstico de
época da educação, do papel dos clássicos e sua atualização na formação humana
até propostas para os problemas da educação na sociedade atual. Desde a intro-
dução, o livro de Cláudio Dalbosco (2021) é um convite a trilhar o caminho que,
partindo das inquietações educacionais atuais, chega à tradição intelectual dos
clássicos. Já na apresentação, que oferece um panorama dos nove capítulos do li-
vro, o autor revela sua intenção de desenvolver uma posição crítica fundamentada
que amplia no leitor a visão de mundo e o papel da educação. É uma leitura de
caráter formativo, que trabalha na fronteira entre a filosofia e a educação através
do diálogo crítico com os clássicos e enfatiza o papel das humanidades na formação
ética do sujeito.
Os nove textos que compõem a obra, originários de conferências proferidas
pelo autor em distintas universidades brasileiras, estão articulados em torno dos
eixos comuns da educação, da condição e da formação humana em sociedades plu-
rais e complexas. O fio que perpassa os capítulos não desvia do caminho da comple-
xidade nem se perde em reducionismo ou relativismo para pensar o problema da
ética, da formação humana e da educação. O livro oferece recursos robustos para
fazer frente aos problemas educacionais atuais, como a mercantilização utilitarista
da educação, o produtivismo acadêmico, o imediatismo da pressão por resultados
e os desafios da educação no mundo digital. A obra torna acessível ao público em
geral saberes por vezes restritos a discussões acadêmicas e serve como material de
reflexão crítica para professores de escolas públicas ou privadas. É um ato de resis-
tência e um convite para estudar os clássicos e combater a racionalidade simplista
e imediatista que ameaça a formação das novas gerações.
O primeiro capítulo, “Educação em sociedades tradicionais e sociedades com-
plexas: o problema da crise de autoridade”, trata “da relação entre educação e
sociedade tomando como referência dois diferentes contextos sociais, um fechado
e outro complexo, profundamente diferentes entre si” (DALBOSCO, 2021, p. 32).
Apresenta, por um lado, através de um relato autobiográfico, um diagnóstico so-
cial, cultural e econômico de um momento histórico da Região Sul do Brasil, de
colonização italiana, que oferece um modelo de sociedade conservadora fechada e
uma educação tradicional. Essa educação tradicional e conservadora apoia-se na
“relação autoritária e hierárquica entre professor e aluno, entre adulto e criança,
entre educador e educando” (DALBOSCO, 2021, p. 40); por outro lado, apresenta
uma sociedade complexa e a necessidade de uma pedagogia nova, de olhar amplia-
do para a diversidade. Os efeitos da passagem de um contexto a outro apontam
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para um aprofundamento da crise de autoridade e revelam que, muitas vezes, “a
educação escolar se enreda em um conflito entre formas tradicionais e atuais de
vida, e isso repercute diretamente na maneira como a autoridade é compreendida
e exercida no interior da escola” (DALBOSCO, 2021, p. 44).
A complexidade social desencadeada pela tecnologia digital acentua a crise
das formas tradicionais de autoridade. Na companhia de Rousseau, Kant e Piaget,
Cláudio enfrenta criticamente o sentido autoritário de educação, propondo um diá-
logo vitalizado com a tradição que enfatiza o que ela tem a dizer às gerações mais
novas, evitando o relativismo radical que esfacela a noção de autoridade. O que
é recusado é o conservadorismo hierárquico e autoritário; os pensadores citados,
mesmo criticando a educação tradicional, não perderam de vista a força formativa
vinda da tradição.
Em íntima relação com o primeiro capítulo e seu diagnóstico de época, está
o segundo, “Espiritualidade e formas urbanas de vida”, que trata do cultivo da
espiritualidade no modo de vida de uma sociedade urbanizada, complexa, já trans-
formada e arrancada de seu estado de organização agrário, simples e tradicional.
Como sobrevive o cultivo da interioridade num meio social urbano contrastante
com as formas tradicionais de vida? O autor nos faz ver o risco da progressiva
perda da interioridade ou o declínio da subjetividade. São profundas as transfor-
mações que a subjetividade humana sofre pela ação de novas formas de subjetiva-
ção desse moderno modo urbano de viver. Num mundo de saberes fragmentados,
não mais centralizados na figura absoluta da autoridade encarnada e claramente
definida, o lugar que detém o saber torna-se cada vez mais vago e representado por
um intangível Grande Outro digital e anônimo, cujo semblante desfigura-se numa
forma abstrata, inacessível e não humana. Assim, indaga Dalbosco (2021, p. 69):
Se vivemos num mundo que se caracteriza pela passagem de formas metafísico-teológicas
de pensamento e de vida para formas pós-metafísicas que desembocam, em grande medida,
na cultura egoísta e na tirania da aparência e da intimidade, que tipo de espiritualidade
ainda é possível sustentar?
Se esse deslocamento na direção de um pensamento falibilista conduz a for-
mas de vida mais democráticas do que aquelas da autoridade inquestionável, qual
é o papel da educação nesse novo contexto? A proposição que nos é feita é de que a
espiritualidade preserva seu sentido clássico de questionamento sobre as formas e
viver, convertendo-se em uma prática que tem repercussões concretas na vida do
sujeito e de seu meio e que deve ser concebida de forma ampliada, como cuidado de
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si, busca da verdade, reconhecimento da verdade de si, escuta do outro e solidarie-
dade, sendo o grupo o espaço genuíno para sua manifestação.
O capítulo três problematiza o tema da tecnologia na sociedade atual, com o
título “Formação humana e sociedade digital”, e “busca compreender as novidades
da sociedade digital e o conjunto de dispositivos tecnológicos a ela vinculado sem,
por outro lado, abrir mão de alguns dos principais ideais de formação humana
formulados no século XVIII” (DALBOSCO, 2021, p. 75). Nessa parte, são debatidas
questões atuais de alta relevância, como o desafio de saber se os ideais iluministas
podem oferecer reflexões indispensáveis para os educadores enfrentarem o desafio
de uma formação humana ética, sólida e ampla, no contexto das inovações tecno-
lógicas que dominam a sociedade e a educação das novas gerações na sociedade
digital. Nesse sentido, um dos desafios atuais é a possibilidade do diálogo vivo
entre gerações, exigindo um esforço das gerações mais velhas para compreender e
se abrir ao mundo das crianças e dos adolescentes nascidos na sociedade digital.
Ressalta-se a importância de se desfazer tanto dos preconceitos com a tecnologia
como das idealizações, citando estudiosos de ambas as vertentes e guiando o leitor
em uma postura crítica, ampla e profunda sobre a questão da formação humana na
sociedade digital, sem ingenuidades ou oportunismos.
“Educação e formas de conhecimento: do inatismo antigo (Platão) e da edu-
cação natural moderna (Rousseau)” é o quarto capítulo, que inicia pautando a
relação entre educação e formas de conhecimento. Dentre a variedade de teorias
educacionais que descrevem como ocorre o processo de ensino e aprendizagem, Dal-
bosco apresenta duas que são contrastantes e que exibem modos antagônicos de
pensar questões fundamentais da relação pedagógica: o modelo inatista, tomando
como referência o modelo clássico esboçado por Platão, e o modelo socionaturalista,
que tem no pensador suíço-francês Jean-Jacques Rousseau sua maior influência.
O inatismo defende que o “sujeito já traz pronto em sua bagagem hereditária a
estrutura conceitual necessária para compreender o mundo” (DALBOSCO, 2021,
p. 93). Nesse modelo, as ideias nascem com o sujeito e são anteriores à experiên-
cia, competindo ao mestre tão somente fazer o conhecimento brotar de dentro do
educando. Essa concepção contrasta com o segundo modelo – que representa, na
modernidade, a ruptura com a tradição inatista e lhe dirige as principais críticas
– e propõe uma educação diferente, apoiada na experiência dos sentidos através
de uma educação natural e social, conforme demonstra Rousseau em seus livros
do Emílio. Ao ir às origens dos conceitos filosófico-pedagógicos de cada uma dessas
grandes teorias educacionais, as reflexões propostas criam condições para que o
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leitor compreenda como as formas de pensamento influenciam decisivamente a
maneira como se concebe a realidade da relação de ensino e aprendizagem.
O quinto capítulo traz como ideia central o problema do individualismo exa-
cerbado como obstáculo para a construção de um relacionamento cooperativo e
solidário no processo formativo humano. Nesse contexto, que é o modo de vida
contemporâneo, o autor propõe o grupo como recurso formativo indispensável para
o desenvolvimento do convívio recíproco, uma das maneiras de fazer frente à de-
composição das relações horizontais, igualitárias e fraternas, provocada pelo neo-
liberalismo e, sobretudo, pela vertente que funde liberalismo, conservadorismo e
autoritarismo, que grassa atualmente em nosso país. Esse confuso e perigoso amál-
gama impulsiona a mercantilização de toda a vida, bens culturais, saúde, educação
e política, transformando-nos a todos em consumidores. Com isso, o cenário público
se reduz, confundindo-se com os interesses privados, e a política se espetaculariza,
fenômenos que exigem um antídoto eficaz, que nos é apresentado na forma da
reflexão filosófica e na justificação do grupo como recurso filosófico-formativo. O
capítulo apresenta o diagnóstico e o antídoto, apontando as ferramentas concei-
tuais para levar a cabo o trabalho formativo. Além do grupo e, mais amiúde, dentro
dele, o reconhecimento é uma ferramenta conceitual potente. O reconhecimento é
um bem de valor estruturante que o sujeito que busca desde os primeiros tempos
de vida, daí o lugar destacado do grupo no processo formativo. Para que possa de-
senvolver-se autonomamente, o sujeito necessita do reconhecimento de seus pares,
que o fazem sentir-se aceito. Assim, embora constitua um aparente paradoxo, exis-
te uma imbricação entre o processo de autonomia e a socialização, entre a vontade
própria e a força constitutiva e continente do vínculo social de interdependência
oferecido pelo grupo.
O capítulo seis apresenta um título pleno de força simbólica: “A patologia da
repugnância e o respeito pela diferença”. Os autores que servem de apoio à Cláudio
são Martha Nussbaum, Rousseau e Kant. A condição humana se constitui sobre
uma tensão permanente, na qual a fragilidade primordial pode seguir duas dire-
ções, uma construtiva e outra destrutiva. Aqui entram em jogo, conforme Rousseau,
o amor de si – de cunho instrumental-narcisista – e amor próprio, cujo fundamento,
ainda que narcísico, é de um cunho amoroso, que passa pelo reconhecimento do
outro. Nessa tensão, desenvolve-se o ser humano em sua estruturação pessoal e
em sua inserção no laço social. É nessa possibilidade de conversão do amor de
si em amor próprio, via reconhecimento do semelhante, que o papel da educação
ganha relevo. Conforme Dalbosco (2021, p. 132), “o recurso a esses autores permite
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concluir que o ser humano está muito longe de ser uma essência pronta que se
desabrocha a partir do movimento que vai do interior para o exterior”. Nada mais
copernicano e psicanalítico. É o que também ocorre com Nussbaum, que se baseia
fortemente em Winnicott para tratar do decisivo modo como os pais lidam com o
desenvolvimento precoce dos filhos e também a forma como facilitam sua inserção
no estranho que são o mundo e a realidade. Esse estranho pode ser abordado com
mais ou menos fomento da ojeriza. Assim, “quando dinamizada socialmente” – e
nisso a conformação familiar e posição subjetiva, ideológica e política dos pais con-
ta muito – “a repugnância pode tornar-se uma crença irracional, constituindo-se
em mecanismo eficiente de discriminação social” (DALBOSCO, 2021, p. 133).
Nos dois capítulos finais, a arguição se volta para o ensino superior, apon-
tando os “desafios postos à educação superior no contexto das sociedades plurais,
marcadas pelo mercado globalizado e por formas pós-metafísicas de pensamento”
(DALBOSCO, 2021, p. 157), e a tendência da formação de profissionais voltada
apenas para atender às demandas do mercado global e do lucro maximizado, com o
risco de formar sujeitos cada vez mais individualistas. No capítulo oito, “Educação
superior e os desafios da formação para a cidadania democrática”, Dalbosco de-
fende a ideia de que uma formação cultural ampla (Bildung) e uma universidade
pública e democrática é que poderão dar condições aos sujeitos de dialogarem com
a diversidade cultural e terem respeito pelo outro, consolidando formas democrá-
ticas de vida e de organização social e política. Para tanto, é necessário incluir,
no olhar dirigido para a universidade, o viés da filosofia e dos fundamentos da
educação, apesar da crise que enfrenta o ensino das humanidades no mundo acadê-
mico, com reiteradas tentativas de apagamento. Não resta dúvida de que é preciso
desenvolver humanitariamente os alunos e que isso se dá por “dimensões mais
amplas da cultura, como os aspectos artísticos, literários, pedagógicos e filosóficos”
(DALBOSCO, 2021, p. 163), num compromisso irrenunciável com a formação das
novas gerações, que deve vir atrelado ao conhecimento técnico especializado que a
universidade oferece para o exercício profissional. A ciência somente emancipa e
humaniza quando associada a processos dialógicos, solidários e cooperativos, tare-
fa primordial da educação.
No último capítulo, o autor se ocupa da realidade da universidade e recupera
a necessidade do ensino das humanidades para que o acadêmico tenha acesso à
formação alargada que lhe permite – além do desenvolvimento das competências
que preparam para exercício profissional – a aquisição do pensamento crítico. Dal-
bosco sustenta que, para enfrentar a pecha comum de que a defesa do ensino das
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humanidades é uma prática corporativista, a preocupação deve recair sobre a qua-
lificação do professor que vai assumir essa tarefa e para as condições de trabalho
que ele vai ter para desenvolver seu ensino. Para tanto, é necessário um amplo co-
nhecimento de sua disciplina; uma postura indagativa apoiada na sólida formação
como pesquisador; o reconhecimento da falibilidade de todo o saber, traduzida na
posição de abertura ao diálogo, que permite reconhecer as necessidades da outra
área e de seus estudantes; uma continuidade temporal desse contato, possibilitan-
do estreitar laços e aprofundar as questões oriundas desse diálogo.
Existe uma tendência mundial de encurtamento e ataque ao ensino das hu-
manidades na universidade. Isso ocorre em países díspares, como Brasil, Estados
Unidos e Alemanha, por exemplo. Em todos, o mesmo diagnóstico: a universidade
deixa-se curvar às exigências do mercado global, acumulando riscos para a forma-
ção do pensamento crítico e para a possibilidade de pensar por si. Segundo Dalbos-
co (2021, p. 184):
As humanidades devem assegurar, em primeiro lugar, a enorme diferença que existe entre
conhecimento e informação e, em segundo lugar, mostrar, formativamente, em que termos
o próprio conhecimento tem a ver, em seu sentido legítimo e originário, com o ato de dar
razões e de levar os envolvidos no processo formativo, tanto professor como aluno, a pensar
por conta própria.
Afinal, se o reducionismo na formação acadêmica representa o risco constante
do encolhimento das mentes, o encurtamento das humanidades significa o encur-
ralamento do sujeito.
Nota
1 Resenha da obra Educação e condição humana na sociedade atual: formação humana, formas de reconhe-
cimento e intersubjetividade de grupo, de Dalbosco (2021).
Referência
DALBOSCO, C. A. Educação e condição humana na sociedade atual: formação humana, formas
de reconhecimento e intersubjetividade de grupo. Curitiba: Appris, 2021.