
Juliana Silveira Mörschbächer, Neusa Kern Hickel
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v. 29, n. 1, Passo Fundo, p. 15-42, jan./abr. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
havia critérios para internar, e os diagnósticos eram padronizados desde o início do
século XX.
Pacientes foram encaminhados por apresentar sintomas como tristeza, alcoo-
lismo e timidez; também desafetos, inimigos políticos, jovens grávidas fruto de estupro
por seus patrões, esposas traídas; homossexuais, mendigos, negros, pobres, pessoas sem
documentos e aqueles nomeados como “doidos”. Daniela Arbex (2013, p. 21) explica:
“A teoria eugenista, que sustentava a ideia de limpeza social, fortalecia o hospital e
justificava seus abusos. [Era preciso] Livrar a sociedade da escória, desfazendo-se dela,
de preferência em local que a vista não pudesse alcançar”.
Como relata a autora, a recepção era feita com corte de cabelo e a troca de suas
roupas por um macacão azul. Deixava-se na entrada sonhos e desejos, usurpados de sua
dignidade, eram mantidos em situações sub-humanas, submetidos à eletrochoques, lo-
botomias, castigos. A administração dos choques e da medicação nem sempre tinham
objetivos terapêuticos, mas, sim, de controle e intimidação. Ignorados pela sociedade,
eram empurrados para a morte.
Os relatos de Daniela Arbex (2013) indicam situações e certas condições que não
diferem das relatadas por Michel Foucault (2005b), na sua obra A história da loucura
na Idade Clássica, senão pela distância temporal. A Colônia paira como uma grande
nau da salvação, justamente, onde “o abandono é a salvação; sua exclusão oferece-lhe[s]
uma outra forma de comunhão”, que, pela via do tratamento moral, é direcionada às
“cabeças alienadas”. Essa nau – a Narrenschiff – é proveniente de composição imaginá-
ria presente na literatura, nas artes plásticas e cênicas, mas que, em sua existência real,
portava o transporte de uma “carga insana” de uma cidade para outra.
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Tal ritual coloca
a loucura em um lugar de passagem, dispõe os loucos à deriva, pois sua “exclusão deve
encerrá-los” (FOUCAULT, 2005b, p. 6-13) até que os antigos leprosários passem a ser
o lugar da exclusão.
Mais que o espaço físico dos leprosários, são os “valores e as imagens que tinham
aderido ao leproso; é o sentido dessa exclusão, a importância no grupo social dessa
figura insistente e temida” (FOUCAULT, 2005b, p. 6). Na Colônia se unem os mo-
vimentos de passagem, através de uma nau-trem, e a experiência do Hospital dos
Loucos em cujo espaçamento a loucura passa a ficar sob controle: “ela representa a
superfície das coisas à luz do dia, todos os jogos de aparência, a trama indefinida que
une e separa a verdade e o parecer” (FOUCAULT, 2005b, p. 43).
Com Daniela Arbex (2013) conhecemos o Hospital de Neuropsiquiatria Infan-
til, localizado em Oliveira, município de Minas Gerais, onde Ronaldo Simões Coelho,