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ESPAÇO
PEDAGÓGICO
EDITORIAL
Cláudio Almir Dalbosco*
Odair Neitzel**
Telmo Marcon***
Este número da revista Espaço Pedagógico tem como dossiê Educação e fi-
losofia em Johann Friedrich Herbart, pedagogo alemão (1776-1841). Tem por
objetivo, entre outros, ampliar a compreensão desse grande clássico da pedago-
gia para além do universo didático e das ciências da educação. Por muito tempo,
Herbart foi recebido, também por influência dos próprios neoherbartianos, como o
pai da formalização moderna dos passos didáticos de ensino: clareza, associação,
ordenação e ordem. De outra parte, também foi considerado o inventor moderno
das ciências da educação, oferecendo argumentos decisivos para que a pedagogia
pudesse ser tratada sob essa perspectiva. Por fim, neste mesmo âmbito diversifica-
do de recepção de seu pensamento, Herbart não tardou a ser enquadrado no rol da
pedagogia conservadora. Ao aceitar que suas ideias pedagógicas seriam conserva-
doras, os “progressistas” passaram a criticá-lo, porque teria secundarizado o papel
do aluno em nome da centralidade intelectual e pedagógica do professor. Segundo
tal interpretação atribuída a Herbart, o professor seria o soberano do processo
* Doutor em Filosoa pela Universidade de Kassel. Professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção da Universidade de Passo Fundo (UPF). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3408-2975. E-mail: vcdalbosco@hot-
mail.com
** Doutor em Educação (UPF/Universität Kassel). Professor Adjunto na Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS) – Cam-
pus Chapecó. Docente nos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Filosoa (PPGE/PPGFIL). Líder do Grupo
de Pesquisa Educação, Filosoa e Sociedade (GPEFS). Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8121-1149. E-mail: odair.neit-
zel@us.edu.br
*** Doutor em História Social pela PUC-SP, com pós-doutorado em Educação Intercultural pela UFSC. Professor e pes-
quisador na Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado) da UPF.
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-9110-3210. E-mail: telmomarcon@gmail.com
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pedagógico, não deixando lugar para a participação do aluno. Como se pode ver,
muitos são os problemas a serem aprofundados e esclarecidos.
Há uma vasta literatura internacional atualizada que auxilia a desfazer os
supostos didaticismo, cientificismo e conservadorismo autoritário do pensamento
pedagógico de Johann Friedrich Herbart. É preciso reconhecer o trabalho investi-
gativo pioneiro empreendido por Dietrich Benner e Wolfdietrich Schmied-Kowar-
zik na década de 1960, no âmbito da filosofia da educação (BENNER; SCHIEMI-
D-KOWARZIK, 1967). Ao investigar a interdependência entre filosofia prática e
pedagogia, os autores inserem Herbart na mais antiga tradição da pedagogia da
práxis, mostrando o quanto a teoria educacional herbartiana possui um fundo ético
indispensável, que fundamenta seus principais conceitos pedagógicos. Esse traba-
lho pioneiro foi levado adiante pelo próprio Benner nas décadas seguintes, desta-
cando-se, entre outros, seu renomado livro: Pedagogia de Herbart (Die Pädagogik
Herbarts). Com este trabalho, Benner consolidou-se como um dos principais intér-
pretes atuais do pensamento de Herbart, oferecendo uma interpretação original da
Pedagogia geral (Allgemeine Pädagogik), considerada a principal obra de Herbart
(BENNER, 1993). Sua originalidade interpretativa repousa, entre outros aspectos,
na defesa da unidade tensional sistemática entre o pensar e o agir pedagógicos que
se desdobra em três âmbitos distintos da ação pedagógica, mas profundamente
interligados entre si: governo, ensino e disciplina.1
Outro passo decisivo na atualização crítica do pensamento de Herbart foi a
fundação, no início do século XXI, da Sociedade Internacional Herbart (Internatio-
nale Herbart Gesellschaft), com a realização de um congresso anual voltado especi-
ficamente para dialogar com as ideias de Herbart sob diferentes perspectivas teó-
ricas atuais. O próprio leitor é presenteado, neste número da Espaço Pedagógico,
com uma entrevista inédita que fizemos com o atual o presidente da Internationale
Herbart Gesellschaft, professor Rainer Bolle. O fato é que, desse esforço coletivo
interdisciplinar, tem-se como resultado um amplo trabalho de editoração, abar-
cando vários volumes que contemplam diferentes temas e dimensões do próprio
pensamento de Herbart.2
Para o nosso propósito, interessa destacar, neste momento, o volume “Con-
ceitos próprios e o desenvolvimento interdisciplinar” (“Einheimische Begriffe und
Disziplinentwicklung”), resultado do 7º Congresso Internacional da Sociedade In-
ternacional Herbart, ocorrido na Universidade de Duisburg, na Alemanha, de 20
a 22 de março de 2013 (CORIAND; SCHOTTE, 2014). O referido volume contém
um material precioso de estudo, representado pela voz de muitos especialistas do
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pensamento de Herbart sobre a possibilidade e a importância de a pedagogia se
autocompreender como campo autônomo de investigação da educação e da prática
educativa, em trabalho interdisciplinar com outros campos do conhecimento hu-
mano.3
O diálogo com a literatura internacional atualizada permite ver com olhos
críticos o didaticismo, o cientificismo e conservadorismo autoritário atribuídos a
Herbart. Em primeiro lugar, no que se refere ao didaticismo, a redução do complexo
e profundo pensamento pedagógico de Herbert à esquematização do formalismo
didático desconsidera a ideia de formação (Bildung) que sustenta filosoficamente
as noções de educação e ensino que estão na base de suas ideias pedagógicas. Uma
leitura cuidadosa da Pedagogia geral revela o quanto Herbart busca sustentar
suas ideias do ensinar e do aprender na mais alta tradição pedagógica ocidental,
ou seja, nos ideais da Paideia grega e da Humanitas latina, que desaguam na
Bildung alemã de inspiração kantiana.4 É do diálogo crítico com essa tradição que
Herbart cria e justifica dois de seus conceitos pedagógicos fundamentais, a saber:
a instrução educativa (erziehender Unterricht) e o interesse múltiplo (vielseitiger
Interesse). Isso significa dizer que o ensino, antes de ser didático no sentido de
ser guiado por regras e técnicas impostas de fora ao aluno, precisa ser formativo,
ou seja, organizado e exercitado de tal maneira que possa conduzir os envolvidos
no processo de ensinar e aprender a pensarem por si mesmos. Sob este aspecto,
Herbart recria e amplia, com sua tese do autogoverno ético formativo, o núcleo da
pedagogia esclarecida, colocando a coragem de pensar por si mesmo (sapere aude)
como ponto de partida da formação das capacidades humanas.
No que se refere ao cientificismo, ele brota da tendência pedagógica dominan-
te no século XX de querer reduzir questões teórico-metodológicas do ensino à lógica
das ciências naturais. Tal tendência termina por desaguar, em última instância, na
própria redução da pedagogia em uma ciência da educação, acalentando o sonho
de alcançar o mesmo nível de “objetividade” de outras ciências. Ora, quando Her-
bart foi chamado, nesse contexto, para levar água ao moinho da ciência educativa,
ignorou-se o fundamental de sua própria pedagogia, a saber, que ela não pretendia
igualar-se à ciência experimental de sua época, mas, sim, buscar ser uma pedago-
gia geral, sustentada tanto pela filosofia prática como pela psicologia. Nesse con-
texto, sua obra Die Allgemeine Pädagogik vem novamente nos socorrer, pois, nela,
o pedagogo alemão defende, ainda na introdução, o seguinte:
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Seria bem melhor se a pedagogia pudesse refletir da forma mais precisa possível sobre
seus próprios conceitos (einheimischen Begriffe) e cultivasse melhor o pensamento autô-
nomo. Assim, ela poderia se tornar o núcleo de um campo investigativo e não correr mais
o perigo de ser governada por um estrangeiro, como uma distante província conquistada
(HERBART, 1965, p. 21).
Fica estabelecido, então, na breve passagem supracitada, o projeto de tornar
a pedagogia um campo de investigação independente, baseada no pensamento au-
tônomo capaz de justificar seus próprios conceitos, irradiando assim outros campos
investigativos. Contudo, esse projeto fora abandonado nas décadas seguintes, cul-
minando, já no século XXI, na redução quase por completo da pedagogia em curso
de formação de professores, orientada cada vez mais pela noção de aprendizagem
dominada pela linguagem das competências e habilidades.
Por fim, nada mais injusto aos ideais pedagógicos herbartianos do que a acusa-
ção de conservadorismo autoritário. Sob esse aspecto, suas ideias pedagógicas pre-
cisam ser submetidas a uma leitura “não tradicional”, capaz de mostrar o quanto o
aluno, diferentemente do que se pensa, ocupa lugar proeminente no processo peda-
gógico. Sua reflexão sobre o governo das crianças (Regierung der Kinder) destaca
o princípio pedagógico, herdado tanto de Rousseau como de Pestalozzi5, de que o
processo formativo precisa partir do mundo experiencial do aluno, respeitando suas
condições intelectuais e emocionais iniciais, e somente com base nisso pode esten-
der-se para novas experiências, contemplando novas unidades temáticas. Contudo,
e nisso Herbart insiste convictamente, o respeito ao mundo da criança precisa vir
acompanhado pelo trabalho intelectual permanente do professor, sem que este possa
renunciar em nenhum momento ao seu papel de condutor espiritual do processo
formativo. Pois, quando o professor assume com responsabilidade esse papel, além
de respeitar efetivamente seu aluno, termina por se formar ele próprio no processo
educativo. Podemos observar, com isso, que o autogoverno pedagógico defendido pelo
pedagogo alemão vale, reciprocamente, tanto para o aluno como para o professor.
O dossiê Educação e filosofia em Johann Friedrich Herbart inicia com
o artigo do professor doutor Hans-Jürgen Lorenz, que, por longos anos, foi diretor
do Herbartgynasium de Oldenburg, cidade natal de Herbart. Com o título A vida
e a obra de Johann Friedrich Herbart numa nova perspectiva, objetiva principal-
mente desconstruir a imagem de Herbart como pedagogo autoritário e carrancudo.
Lorenz faz uma reconstrução da biografia de Herbart, destacando momentos im-
portantes da vida pessoal e acadêmica do filósofo-pedagogo. O texto traz elementos
da relação de Herbart com a comunidade acadêmica, tanto em Göttingen quanto
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em Königsberg, referindo figuras familiares e os próprios estudantes. O autor bus-
ca resgatar a figura do mestre e do intelectual Herbart, acessível, de bom trato,
humano, sensível e intelectual.
O professor doutor Ignazio Volpicelli, da Università degli Studi di Roma, abor-
da, em seu artigo Complexidade e educação: a pedagogia de Herbart e seus conceitos
próprios, um dos temas mais caros a Herbart: a natureza estatutária da pedagogia
como campo de saber próprio e acadêmico. Trata-se da reflexão sobre a elaboração
de seus conceitos próprios com base na complexa relação que a pedagogia mantém
consigo mesma e com as outras áreas do saber, especialmente com a filosofia práti-
ca e a nascente psicologia. O autor tangencia, assim, a discussão herbartiana que
coincide com o surgimento da pedagogia como ciência ou campo do saber acadêmico
e da defesa de investigação da ação pedagógica para o desenvolvimento da prática
educativa.
A doutora Andrea English, professora da Universidade Edimburgo, na Es-
cócia, nos brinda com seu texto A escuta crítica e o aspecto dialógico da educação
moral: a concepção de J. F. Herbart do professor como guia moral. A autora faz uma
reflexão a partir da obra nuclear de Herbart: Pedagogia geral derivada do fim da
educação (1806), destacando o aspecto da escuta crítica do outro que é inerente à
relação dialógica professor-aluno. English sustenta que a escuta crítica, principal-
mente a partir do papel de docente, é fundamental para o desenvolvimento moral
dos educandos.
No artigo Complexidade, instrução educativa e formação política, o professor
doutor Thomas Rucker, da Universidade de Berna, na Suíça, realiza um esforço
de atualização do pensamento pedagógico de Herbart, tomando nuclearmente o
conceito de instrução educativa, para refletir sobre a possibilidade da formação
política na atualidade. Busca destacar possíveis relações entre o conceito de in-
teresse múltiplo e a multiplicidade de orientações, perspectivas de pensamento e
saberes que caracterizam a sociedade complexa contemporânea. Nesse sentido, de-
fende, sustentando-se no conceito de interesse múltiplo da pedagogia de Herbart,
a necessidade de formação para a complexidade de orientações como condição da
convivência política democrática nas sociedades contemporâneas.
Nessa perspectiva, também se inscreve o artigo A faceta negativa na ação pe-
dagógica e seu caráter formativo, do professor doutor Odair Neitzel, que intenciona
refletir sobre o aspecto negativo enquanto descontinuidade do habitual na ação
pedagógica. Essa argumentação, sustentada no conceito de disciplina formativa
de Herbart, pretende mostrar que, das inúmeras facetas da ação pedagógica, a di-
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mensão da negação não pode ser negligenciada, sendo esta compreendida como um
momento de descontinuidade da ação habitual, visando provocar uma suspensão
e uma abertura do pensamento para a reflexão. Trata-se da negação como suspen-
são da ação habitual e irrefletida do sujeito, sendo que, precisamente por isso, ela
assume dimensão formativa.
O professor doutor Cláudio Almir Dalbosco contribui com as reflexões sobre
Herbart tocando em um dos conceitos mais controversos e mal compreendidos: a
disciplina formativa. Em Possui a disciplina papel formativo? Um ponto controver-
so das teorias educacionais, o autor lança mão da crítica de Foucault às práticas
disciplinadoras que são perversas à medida que negam os sujeitos, para apresen-
tar, como contraponto, a dimensão formativa atribuída por Herbart à disciplina. O
referido ensaio procura mostrar o lugar arquitetônico ocupado pela disciplina na
tríade da ação pedagógica pensada por Herbart, deixando claro seu papel ético-for-
mativo na difícil e progressiva conquista do autogoverno de si mesmo e dos outros.
O artigo de José Pedro Boufleuer e Franciele da Silva dos Anjos Strohhecker,
Instrução educativa e interesse múltiplo em Herbart: aproximações com a formação
do sujeito ético em Foucault, retoma as noções de instrução educativa e de mul-
tiplicidade do interesse em Herbart, objetivando uma releitura do seu potencial
pedagógico e a “sua articulação com o caráter hermenêutico da condição humana”.
Os autores destacam que há uma “dimensão ética e formativa presente nos sabe-
res/conhecimentos escolares e que tornam possível a constituição de um modo ético
de existir”. O artigo estabelece aproximações entre essas ideias de Herbart com o
sentido formativo do cuidado de si e do saber da espiritualidade a ele vinculado,
em Michel Foucault. Os autores concluem que a formação para a multiplicidade do
interesse amplia o universo simbólico do sujeito, permitindo-lhe compreender a si,
ao outro e ao mundo de modo alargado, o que é fundamental para uma vida ética.
A contribuição de Geise Kelly Alves de Morais e Aparecida Favoreto é o artigo
intitulado A pedagogia herbartiana e a sua inserção no cenário brasileiro: uma
leitura histórica. As autoras problematizam como a pedagogia de Herbart chega ao
Brasil e reconhecem que há controvérsias sobre essa recepção: ora citada como um
modelo que deveria ser incorporado ao ensino, ora como exemplo de uma pedago-
gia conservadora, um psicologismo e um didatismo não recomendáveis. A segunda
parte do artigo analisa, numa perspectiva histórica e dialética, os fundamentos dos
princípios pedagógicos herbartianos e conclui que a obra de Herbart é um docu-
mento extraordinário para pensar a pedagogia e para a tomada de posição frente
ao processo histórico.
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Na sequência, há um conjunto de artigos que abordam questões diversas, es-
pecialmente relativas à pandemia da Covid-19. O primeiro é de Vânia Lisa Fischer
Cossetin: Solitude e isolamento: o caráter formativo do encontro consigo mesmo.
A autora trata sobre os impactos decorrentes da pandemia em relação à saúde
mental da população e o sofrimento psíquico decorrente do distanciamento físico. A
hipótese norteadora da reflexão é que a pandemia acabou induzindo a uma intros-
pecção que poucos estavam dispostos ou aptos a fazer, intensificando o sentimento
de solidão e o sofrimento dela advindo. Esse processo, no entanto, permitiu que a
pandemia não fosse pensada apenas como “efeito traumático ou patologia”, mas,
sim, “como inerente à condição humana, inclusive como uma experiência de teor
formativo”. Nesse sentido, destacam-se três posicionamentos em decorrência da
pandemia: o sentimento de solidão devido ao isolamento; a solidão compreendida
num sentido positivo; e, por fim, a reflexão sobre o caráter formativo de o sujeito
ficar só.
O artigo de Luiz Gonzaga Lapa Junior, O bem-estar subjetivo de professores:
uma investigação em tempos de pandemia, analisa os impactos nas regras e nos há-
bitos das pessoas devido à pandemia da Covid-19 e as novas realidades sociais e es-
colares que impactaram nas formas de trabalho dos professores. O artigo objetivou
estudar o bem-estar subjetivo em docentes de três municípios de Goiás. Participa-
ram da pesquisa 481 docentes. Os resultados apontaram para a predominância de
afetos positivos e uma indefinição quanto à satisfação com a vida. Conclui que é
importante investigar o bem-estar subjetivo de docentes, visando o planejamento
de ações e a formulação de políticas públicas que levem em consideração a saúde
coletiva e a felicidade dos docentes.
O artigo de Sônia da Cunha Urt, Silvia Segovia Araujo Freire e Adaline Fran-
co Rodrigues, intitulado Falta de empatia ao trabalho docente: os dissabores viven-
ciados pelo professor durante a pandemia, aprofunda a importância do desenvolvi-
mento das funções psicológicas superiores, que são primordiais para possibilitar ao
homem a percepção de si e de suas atitudes na relação com o outro na sociedade,
bem como denuncia a falta de empatia ao trabalho docente emergido durante a
pandemia. As autoras analisam como a empatia pode ajudar a enfrentar o adoe-
cimento do professor em épocas de crises e inseguranças pessoais e profissionais
e criticam, também, o desapreço ao educador e os desafios que ele enfrenta no
trabalho remoto. Ainda, reforçam a importância da escola e da educação escolar na
formação humana.
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Fernanda Antônia Barbosa da Mota e Heraldo Aparecido Silva contribuem, no
contexto da pandemia, com o artigo Práticas de cuidado de si no isolamento social.
Os autores objetivam refletir sobre a contribuição do cuidado de si para a ressigni-
ficação da prática docente no panorama atual de isolamento social ocasionado pela
pandemia do novo coronavírus. Para tanto, recuperam elementos do cuidado de si
do período helenístico e romano, concluindo que as práticas de si podem contribuir
para lidar melhor com a situação pandêmica, pois somente com o cuidado de si
podemos cuidar do outro, ao proporcionar melhores condições físicas e mentais
para o enfrentamento de um contexto adverso, no qual as novas metodologias edu-
cacionais foram subitamente inseridas na vida dos docentes, os quais tiveram que
se reinventar no cenário contemporâneo de crise.
Amanda Pires Chaves e Pedro L. Goergen colaboram com o artigo intitulado
Ética da alteridade: implicações da não presencialidade na educação a distância.
Nele, os autores discutem as possíveis implicações da não presencialidade na cons-
tituição da alteridade enquanto fundamento da ética nos processos de formação
superior a distância. Fundamentam suas reflexões em Emmanuel Levinas, espe-
cialmente no conceito de alteridade, e dizem, com base no autor, que a relação face
a face entre seres humanos rompe o caráter totalizador da relação de indiferen-
ça e intolerância e abre caminho para uma nova relação eu-Outro, que considera
plenamente a alteridade, respeitando as diferenças. Eles concluem que é possível
verificar que a não presencialidade traz implicações para a constituição da alteri-
dade enquanto fundamento ético dos processos de formação superior a distância,
associados às relações intersubjetivas, entre professores e alunos.
O artigo de Juliana Aparecida Matias Zechi, Loriane Trombini Frick e Ma-
ria Suzana De Stefano Menin, intitulado Educação para a convivência ética: uma
emergência, ressalta a importância de a escola favorecer a construção de valores
na constituição de indivíduos solidários, cooperativos, empáticos e justos. Nesse
sentido, o artigo objetiva reconstruir os princípios da educação para a convivên-
cia ética, mostrando algumas experiências educacionais inspiradoras. As autoras
comparam experiências de escolas brasileiras e espanholas, para observar como
elas desenvolviam práticas de melhoria da convivência e realização de entrevistas
semiestruturadas com professores ou equipe diretiva. Mesmo com as diferenças e
as especificidades das instituições pesquisadas, destacam que elas inspiram refle-
xões frutíferas sobre a urgência da educação para a convivência ética e modos de
organizá-la.
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Por fim, temos a contribuição de Sandro Roberto Cossetin e Marli Dallagnol
Frison, com o artigo O ensino como atividade mediadora no processo de apropria-
ção de conceitos, que objetivou problematizar a atividade de ensino e a formação de
conceitos em ambientes de estudo e suas implicações no desenvolvimento humano.
Ancorados em autores da perspectiva histórico-cultural, Cossetin e Frison con-
cluem que são necessárias mudanças quanto às concepções referentes à formação
de conceitos, na organização curricular, na direção da apropriação do conhecimento
pelos sujeitos a partir da coletividade, nos pressupostos das mediações e da forma-
ção docente para atuar na educação básica e superior.
O Diálogo com educadores traz as contribuições resultantes da entrevista fei-
ta com Rainer Bolle, tratando dos clássicos e da educação atual. O professor doutor
Rainer Bolle é o atual presidente da prestigiosa Sociedade Internacional Herbart
(Internationale Herbart Gesellschaft). Com sede na Alemanha, a referida socieda-
de desenvolve amplas atividades acadêmicas e científicas sobre o clássico autor
da pedagogia alemã. Os interessados que desejarem maiores informações sobre
a referida sociedade, poderão acessar o site: https://www.herbart-gesellschaft.de.
A entrevista contou com a participação dos professores doutores Cláudio Almir
Dalbosco e Odair Neitzel, tanto na formulação quanto na tradução das questões.
Por fim, temos a resenha da obra de Dalbosco: Educação e condição humana
na sociedade atual: formação humana, formas de reconhecimento e intersubjeti-
vidade de grupo (Curitiba: Appris, 2021), que tem como título: Um filósofo que
caminha: sobre educação e formação humana na sociedade atual. A resenha foi
realizada por Francisco Carlos dos Santos Filho e Luciana Oltramari Cezar. Eles
sintetizam o alcance da obra ao afirmar: “Resenhar esse livro é dar um passeio que
nos leva desde um diagnóstico de época da educação, do papel dos clássicos e sua
atualização na formação humana, até propostas para os problemas da educação na
sociedade atual”. A conclusão da resenha é lapidar: “se o reducionismo na formação
acadêmica representa o risco constante do encolhimento das mentes, o encurta-
mento das humanidades significa o encurralamento do sujeito”.
Por fim, o Manifesto em defesa do legado de Paulo Freire, elaborado pelo pro-
fessor-doutor Eldon Henrique Mühl, em nome do Programa de Pós-Graduação em
Educação, do Nupefe, do Gepes, do Nupepp e demais grupos de pesquisa vincu-
lados ao programa, bem como da revista Espaço Pedagógico, ao grande educador
Paulo Freire, que continua inspirando pesquisas e intervenções pedagógicas eman-
cipadoras e alimentando esperanças de vida e cidadania para todos.
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Notas
1 Ocupamo-nos, recentemente, cada um ao seu modo e sob a forte influência do trabalho de Dietrich Benner
(1993), com a interpretação da Pedagogia geral de Herbart. Ver, a esse respeito, Dalbosco (2018a, 2018b) e
Neitzel (2019).
2 Para os interessados, segue o link da Sociedade Internacional Herbart, no qual consta também a relação
de todos os volumes publicados, com o respectivo resumo de cada um: https://www.herbart-gesellschaft.de.
3 Chamamos a atenção principalmente para a terceira parte do referido volume, que trata dos “conceitos
próprios” da pedagogia em sua relação com disciplinas próximas. Para exemplificar, essa parte do volume
contém um ensaio muito interessante, escrito por Steffen Schlüter, sobre a liberdade da criança segundo
Herbart (SCHLÜTER, 2014, p. 257-269).
4 Cabe referir que Herbart, além de ser um profundo conhecedor da filosofia crítica de Immanuel Kant, foi
seu sucessor na famosa cátedra de Lógica e Metafísica na Universidade Albertina, de Königsberg.
5 Logo depois de seus estudos e com apenas 21 anos de idade, Herbart muda-se para a Suíça, assumindo lá,
por vários anos, o trabalho de preceptoria na casa de famílias nobres. Um dos objetivos que o moveram
para lá foi conhecer de perto as experiências pedagógicas e os escritos de Pestalozzi. Sobre isso, ver Walter
Asmus (1968).
Referências
ASMUS, Walter. Herbart. Band I: Der Denker. Heidelberg: Quelle & Meyer, 1968.
BENNER, Dietrich. Die pädagogik Herbarts: eine problemgeschichtliche Einführung in die
Systematik neuzeitlicher Pädagogik. Weinheim/München: Juventa-Verlag, 1993.
BENNER, Dietrich; SCHMIED-KOWARZIK, Wolfdietrich. Prolegomena zur Grundlegung der
Pädagogik: Herbarts praktische Fhilosophie und Pädagogik. Ratinger bei Düsseldorf: A. Henn
Verlag, 1967. v. I.
CORIAND, Rotraud; SCHOTTE, Alexandra (Hrsg.). “Eiheimische Begriffe” und Disziplinent-
wicklung. Jena: Garamond Verlag – Edition Paideia, 2014.
DALBOSCO, C. A. Condição infantil e pedagogia da autoridade amorosa em Johann F. Her-
bart. Educação e Realidade, Porto Alegre: UFRGS, v. 43, p. 1131-1148, 2018a.
DALBOSCO, C. A. Uma leitura não-tradicional de Johann Friedrich Herbart: autogoverno
pedagógico e posição ativa do educando. Educação e Pesquisa, São Paulo: USP, v. 44, p. 1-18,
2018b.
HERBART, Johann Friedrich. Pädagogische schriften. Zweiter Band: Allgemeine Pädagogik,
aus dem Zweck der Erziehung abgeleitet (1806). Herausgegeben von Walter Asmus. Düssel-
dorf/München: Verlag Helmut Küpper Vormals Georg Bondi, 1965.
NEITZEL, Odair. A pedagogia como autogoverno em Johann Friedrich Herbart. Ijuí: Editora
Unijuí, 2019.
SCHLÜTER, Steffan. Über die Freiheit des Kindes nach Herbart. In: CORIAND, Rotraud;
SCHOTTE, Alexandra (Hrsg.). “Eiheimische Begriffe” und Disziplinentwicklung. Jena: Gara-
mond Verlag – Edition Paideia, 2014.