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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Manifesto em defesa do legado de Paulo Freire à educão no ano do centenário de seu nascimento
v. 28, n. 3, Passo Fundo, p. 1197-1199, set./dez. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Manifesto em defesa do legado de Paulo Freire à educação no ano
do centenário de seu nascimento1
Eldon Henrique Mühl*
O Programa de Pós-Graduação em Educação, o Nupefe, o Gepes, os grupos de
pesquisa vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da
Universidade de Passo Fundo (UPF) e a revista Espaço Pedagógico manifestam
seu reconhecimento ao legado à educação do educador Paulo Reglus Neves Frei-
re, por ocasião do centenário de seu nascimento.
Paulo Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, em Recife, PE, e faleceu em
02 de maio de 1997, em São Paulo.
É considerado um dos principais educadores de toda a história da educação
mundial e o educador brasileiro de maior reconhecimento internacional do século
XX. Sua obra, conhecida em mais de cem países e traduzida para mais de vinte
línguas, foi construída com muito esforço em contextos com inúmeras adversidades
provenientes da pobreza, da exploração, da violência, do exílio, de culturas e popu-
lações devastadas por guerras e por diferentes formas de opressão, de colonialismo,
de racismo e de todas as formas de exploração capitalista.
Ao propor uma pedagogia libertadora, Freire manifesta sua confiança no ser
humano e acredita que todas as vidas merecem ser vividas com dignidade e liberda-
de. É um testemunho de fé na humanidade e de esperança no poder transformador
da educação. Para que isso ocorra, a educação tem um papel indispensável, embora
não exclusivo. Como ele mesmo declara, “se a educação sozinha não transforma a
sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.
Freire foi declarado Patrono da Educação Brasileira em 2013, homenageado
com o título honoris causa por universidades de mais de 40 países, condecorado
pela Unesco pelo seu trabalho em prol da educação e em defesa da paz e dos direi-
tos humanos e por títulos de cidadão honorário em cidades de diferentes partes do
mundo.
* Cursou licenciatura em Filosoa na Universidade de Passo Fundo, mestrado e doutorado em Educação pela Univer-
sidade Estadual de Campinas. Professor e pesquisador na Faculdade de Educação e no Programa de Pós-graduação
em Educação (mestrado e doutorado) na Universidade de Passo Fundo.
Recebido em: 10/10/2021– Aprovado em: 13/12/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i3.13716
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Após seu retorno do exílio, que se deu entre 1964 e 1979, participou intensa-
mente no debate sobre a educação brasileira, mas, ao contrário do que seus críticos
dizem, nunca conseguiu implementar nem servir de referência a um projeto de
educação nacional sustentado em suas ideias pedagógicas e políticas. Algumas ini-
ciativas pontuais foram ou estão sendo realizadas por algumas escolas e por alguns
municípios, mas nunca chegaram a extrapolar fronteiras locais.
Em alguns meios, Paulo Freire é responsabilizado pelas limitações que a
educação brasileira apresenta. No entanto, tratam-se de reações decorrentes de
preconceitos e distorções teóricas, sustentadas em visões elitistas sobre educação
e teorias educacionais e que expressam uma visão obscurantista daqueles que pre-
tendem desqualificar toda a manifestação que se apresenta como problematizado-
ra das concepções autoritárias que possuem. Atacam sua obra e questionam seus
títulos e o reconhecimento que teve em muitos países e instituições, alimentando
o ódio e o desprezo à sua luta por liberdade, democracia e justiça social. Podemos
imaginar, diante desse quadro, que, se vivo fosse, ele estaria sofrendo intensamen-
te diante da sofisticação dos modernos meios de opressão e com a crescente malda-
de presente na crítica dos opressores. Entretanto, não ficaria calado e se ocuparia
de mobilizar os oprimidos na luta contra os opressores, buscando pela educação o
fortalecimento da resistência e da luta pela emancipação. O que menos o ocuparia
seria, certamente, a defesa dos seus títulos e de suas comendas.
Uma das preocupações mais importantes da pedagogia de Freire é a formação
de professores e de educadores populares. Tal formação implica na capacidade de
voltar-se para a especificidade cultural de cada indivíduo, de cada grupo e de cada
povo. A compreensão da realidade vivenciada e do universo em que cada educando
se encontra é imprescindível para a formação de novos educadores. Os professores
não são meros técnicos e administradores de um sistema ou de um conjunto de sa-
beres, mas mediadores entre a cultura de cada povo e a cultura humana universal.
Tal mediação não pode ser a imposição de uma cultura sobre outra, a dominação
dos saberes de uns sobre os saberes de outros, mas uma síntese cultural. Todos são
produtores de saberes que precisam ser valorizados no diálogo com os saberes de
outros povos, de outras culturas, de outros indivíduos.
A escola que Freire propõe é a de ser um círculo de cultura, um círculo de
investigação e de formação de indivíduos, de grupos, do povo em luta pela emanci-
pação. É uma escola de práticas concretas sobre o mundo real em que os indivíduos
vivem. A escola deve ser um espaço e tempo de pensar coletivo, de fazer participa-
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tivo, possibilitando o surgimento da responsabilidade comum e de práticas trans-
formadoras coletivas.
Paulo Freire não quer seguidores de sua pedagogia, mas inventores de novas
formas educativas que promovam a liberdade e a autonomia dos educandos. Como
ele mesmo afirma, “para seguir-me, o fundamental é não me seguir”. Ele não quer
que o repitam, mas que cada um aprenda a reinventar-se no confronto com as
situações opressoras que limitam o viver.
O pensamento de Paulo Freire e suas práticas, desenvolvidas em diferentes
contextos e com diferentes sujeitos, são estímulos a quem acredita que a escola e
a educação devem se constituir em práticas de emancipação e de libertação das vi-
sões opressoras e discriminadoras e que o saber de cada povo e de cada indivíduo é
ponto de partida do processo de conscientização e transformação da realidade, algo
que ele provou não só ser possível, mas necessário. Sua luta por uma educação hu-
manitária e sua defesa intransigente da escola pública de qualidade, da democra-
cia, da justiça social, dos direitos humanos e da dignidade de todo ser humano são
apelos que nos conclamam a continuar a sua pedagogia do oprimido, da esperança,
da autonomia. Diante de Freire, não é possível ficar indiferente. Como educadores,
podemos estar com Freire ou contra Freire, mas dificilmente poderemos estar sem
Freire.
Nossa homenagem a um educador que colocou a humanização e a libertação
como princípios fundamentais de sua pedagogia. Depois de Freire, a educação bra-
sileira e mundial assumiu uma nova perspectiva como luta pela libertação. Trata-
-se de uma pedagogia radical em todas as dimensões, uma pedagogia da descoloni-
zação das mentes, e sua prática é permanentemente revolucionária.
Nota
1 Este manifesto foi organizado pelo professor doutor Eldon Henrique Mühl, traduzindo o posicionamento
do PPGEdu-UPF, da revista Espaço Pedagógico, do Nupefe, do Grupo de Pesquisa Teoria e Prática Pedagó-
gica na Formação de Educadores, do Nupepp e do Gepes. O documento foi apresentado durante o encontro
virtual: “100 Anos de Paulo Freire: conversas sobre seu legado”, realizado em 1 de outubro de 2021, trans-
mitido pelo YouTube.