
Elisa Mainardi, Eldon Henrique Mühl
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v. 29, n. 1, Passo Fundo, p. 110-131, jan./abr. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
O Senhor disse a Moisés: dize à Arão o seguinte: homem algum de tua linhagem, por todas as
gerações, que tiver um defeito corporal, oferecerá o pão de Deus. Desse modo, serão excluídos
todos aqueles que tiverem uma deformidade: cegos, coxos, mutilados, pessoas de membros des-
proporcionados (BIBLIA, Lv., cap. 21, vs. 16-19).
No ideário cristão, mesmo com o surgimento da virtude da compaixão, aos de-
ficientes, também predomina a concepção de que eles são portadores do mal ou
dominados por um espírito maligno, o que justifica sua exclusão da convivência pú-
blica, embora as recomendações que sejam ajudados por caridade. Existem passagens
bíblicas do Novo Testamento que referendam essa compreensão, como esta passagem
do evangelho de Marcos: "E Jesus, vendo que a multidão, correndo, se aglomerava,
repreendeu o espírito imundo, dizendo: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: sai dele,
e nunca mais entres nele"(BÍBLIA, Mc., cap. 9, vs. 25). E conclui o evangelista: "E se
maravilhavam sobremaneira, dizendo: Tudo tem feito bem; faz até os surdos ouvir e os
mudos falar" (BÍBLIA, Mc., cap. 9, vs. 25). Como podemos perceber, a concepção que
se mantém é que a deficiência é fruto de um espírito maligno de que o deficiente é
portador, ainda que não seja considerado culpado pela sua situação. Mantém-se, assim,
a noção de uma culpa coletiva causadora do mal da deficiência.
Na Idade Média, sob a forte influência da concepção religiosa hebraico-cristã,
continua predominando a visão de que deficientes, loucos, criminosos, hereges e os
considerados “possuídos pelo demônio” e “amaldiçoados por deus” deveriam ser afas-
tados do convívio social, desprezados ou, até mesmo, eliminados. Sob o comando da
igreja católica, milhares de pessoas com deficiência foram sacrificadas pela Inquisição,
julgados como seres malignos ou hereges. Sob a predominância de dogmas religiosos,
pessoas com deficiência eram consideradas seres “a margem da condição humana”, não
feitos à imagem e semelhança de Deus (MAZZOTTA, 1996, p. 16).
No início do período do Renascimento alguns pensadores e religiosos começam
argumentar que a deficiência não pode servir de motivo de castigo ou condenação, uma
vez que todo o deficiente é uma criatura criado por Deus e não tem culpa da sua con-
dição. Os deficientes, como “criaturas de Deus”, são merecedores da compaixão
humana e da caridade cristã. Surgem, então, diversas iniciativas voltadas ao atendi-
mento dos deficientes, como as casas de acolhimento, escolas especiais, manicômios,
hospitais, etc. Sabe-se, no entanto, que tais acolhimentos implicavam, muitas vezes, em
nova forma de exclusão e ocultamento, com a reclusão em espaços inapropriados onde
sofriam tratamentos inadequados, reclusões em celas, violência e maus tratos. Poucos
tiveram a sorte de serem bem acolhidos e tratados com alguma dignidade. Ademais,
alguns deficientes passaram a ser acolhidos por comerciantes, pessoas pobres e escravos