
O cuidado com a escrita e a leitura para uma educação filosófica na escola
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v. 29, n. 3, Passo Fundo, p. 901-920, set./dez. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Kant, no século XVIII, enfatizará, em Sobre a Pedagogia, o perigo da falta de
disciplina e instrução, que constituirão a formação, assim como chamava já a atenção
para as diferenças entre educação pública e educação privada. Já a psicologia experi-
mental do final do século XIX e início do século XX falará sobre o problema de a
criança não ser o centro do processo educativo e de uma crescente necessidade de ob-
servação e registro de seu desenvolvimento (Ó, 2003).
Trata-se, pois, de diversos enunciados que vinculam leitura, escrita e perigo, de
diferentes perspectivas. Com esses deslocamentos na noção de perigo aliada à leitura e
à escrita, especificamente em nosso país, no início do Brasil Colônia, temos o enunci-
ado do perigo de um povo sem lei, sem fé e sem rei que deveria ler e escrever em
português como forma de colonização. Com as reformas pombalinas, ocorre a expulsão
dos jesuítas, com a acusação da inutilidade de seus métodos, também de leitura e es-
crita. No final do século XIX e início do século XX, quando o país buscava modernizar-
se, vemos uma grande escassez de materiais impressos no Brasil e a necessidade de pro-
duzir textos da escola e para a escola, começando no início do século o investimento
modesto em livros didáticos (SCHULER, 2017).
Assim, somos herdeiros de um país que teve a proibição da tipografia no século
XVIII e que ainda condenava escritos, tipificando-os como crime no século XIX, sendo
que “[…] os principais crimes deste tipo eram a blasfêmia, ataques à religião católica,
violação da moral cristã, difamação do ministro-chefe e incitamento à rebelião”
(HALLEWELL, 1985. p. 42). Já no período da ditadura na Era Vargas e na ditadura
civil-militar a partir de 1964, tivemos diversos livros proibidos. Na ditadura Vargas,
houve perseguição e prisão de autores, e incineração de livros. Na ditadura cívico-mi-
litar, ao longo dos dez anos e 18 dias de vigência do AI-5, em torno de 200 livros foram
alvos da censura (VENTURA, 1988, n.p.). Segundo Heleno Cláudio Fragoso (apud
GASPARI 2014, n.p.), aproximadamente 17 mil exemplares de 35 obras foram apre-
endidos ao longo desse período, além de autores terem sido perseguidos, torturados,
presos e mortos. O decreto lei n.º 1.077 de 1970 trazia a ideia de não tolerar publica-
ções “contrárias à moral e aos costumes”, para proteger a instituição da família e seus
valores e garantir uma “formação sadia e digna da mocidade”, criminalizando as publi-
cações que servissem “a um plano subversivo que põe em risco a segurança nacional”.
Com a abertura democrática no Brasil, tivemos um incremento das políticas de
fomento à leitura, destacando-se o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)
como o maior programa em aportes financeiros, que atravessou três diferentes gover-
nos, tendo sido criado em 1997 (CORDEIRO, 2018). O Programa contava com a
distribuição de acervo literário, material de apoio didático e atualização profissional