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Aprendizagem ativa com significado
1
Meaningful active learning
Aprendizaje activo con significado
Marco Antonio Moreira
*
Resumo
O ensino de ciências tradicional, centrado no professor que “dá a matéria”, tentando explicá-la o
melhor possível, é pior do que ineficaz, é anticientífico (Carl Wieman). O ensino não pode ser mo-
nológico, mas sim dialógico (Paulo Freire), e o aluno deve participar ativamente no processo ensino-
aprendizagem. No entanto, participação ativa não é simplesmente “mão na massa”, pois deve envol-
ver, fundamentalmente, aspectos cognitivos significativos. Por mais ativo que seja o ensino, por mais
tecnológico que seja, a aprendizagem tem que ser significativa (David Ausubel), i.e, com significado,
compreensão, capacidade de explicar, de aplicar conhecimentos adquiridos, declarativos ou procedi-
mentais. Aprendizagem ativa sem significado não tem sentido.
Palavras-chave: Aprendizagem ativa; Significado; Aprendizagem significativa.
Abstract
Traditional science teaching, centered in the teacher that “gives the subject matter”, trying to explain
it as better as possible, is worse than ineffective, it’s unscientific (Carl Wieman). Teaching cannot be
monological but dialogical (Paulo Freire), and the student must participate actively in the teaching-
learning process. However, active learning doesn’t mean simply “hands on” because it must involve,
fundamentally, meaningful cognitive aspects. As much active teaching is, as much technological it
is, learning must be meaningful (David Ausubel), that is, with meaning, comprehension, ability to
explain, to apply acquired knowledges, declaratives or procedurals. Active learning without meaning
doesn’t make sense.
Keywords: Active learning; Meaning; Meaningful learning.
Recebido em: 10.10.2021Aprovado em: 10.10.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13887
ISSN on-line: 2238-0302
*
Licenciado e Mestre em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Ensino de Ciências
pela Cornell University/USA. Atua no Instituto de Física da UFRGS. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2989-619X. E-
mail: moreira@if.ufrgs.br.
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Resumen
El enseño de ciencias tradicional, Con atención en el profesor que “da la asignatura”, intentando
explicarla lo mejor posible, es peor de lo que ineficaz, es anticientífico (Carl Wieman). El enseño no
puede ser nomológico, pero sí dialógico (Paulo Freire), y el alumno debe participar activamente en
el proceso enseño-aprendizaje. Sin embargo, participación activa no es simplemente “manos a la
obra”, pues debe involucrar, fundamentalmente, aspectos cognitivos significativos. Por más activo
que sea el enseño, por más tecnológico que sea, el aprendizaje tiene que ser significativo (David
Ausubel), y, con significado, comprensión, capacidad de explicar, de aplicar conocimientos adquiri-
dos, declarativos o procedimientos. Aprendizaje activo sin significado no tiene sentido.
Palabras clave: Aprendizaje activo; Significado; Aprendizaje significativo.
Introdução
Educação é muito mais do que ensino. Os chamados lugares comuns da educa-
ção são aprendizagem, ensino, currículo, contexto e avaliação (SCHWAB, 1973;
NOVAK, 1981). No entanto, na prática, é comum confundir educação e ensino e dar
quase que total atenção ao ensino. Internacionalmente, o foco do ensino está na pre-
paração para provas, nas respostas corretas a serem dadas nos exames. Já está consagrado
o termo “teaching for testing” e as melhores escolas são aquelas que têm os mais altos
índices de aprovação de seus alunos
2
nas provas nacionais, como o ENEM por exemplo,
ou internacionais, como o PISA.
Essa é uma visão comportamentalista (as respostas corretas são os comportamen-
tos esperados) e mercadológica (preparação para o mercado) que confunde medição
(assessment) com avaliação. Testes de múltipla escolha medem, não avaliam. Avaliação
implica busca de evidências de aprendizagem de conteúdos, declarativos e procedimen-
tais, de habilidades e competências, ..., sempre com significado e criticidade.
Na educação básica é muito difícil fugir do ensino para a testagem porque é
imensa a pressão socioeconômica para que as escolas funcionem mais como centros de
treinamento do que centros educacionais. Certamente, há escolas focadas em uma edu-
cação para a cidadania, assim como há escolas que procuram desenvolver atividades
que não têm a ver com a testagem, mas, ainda assim, o principal objetivo é a preparação
para as provas locais, nacionais e internacionais.
Seguramente há publicações acadêmicas contra o teaching for testing e movimen-
tos como o Beyond Multiple Choice (Além da Múltipla Escolha), cujos congressos
iniciaram em 2017; em 2020 houve 1600 participantes. Mas os avanços ainda têm sido
fracos.
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Por outro lado, na educação superior há muito mais flexibilidade para o ensino,
os professores têm bastante liberdade de escolha sobre como vão ensinar. Paradoxal-
mente, o ensino nas universidades é o mais tradicional possível. O ensino de ciências,
de Física por exemplo, é o clássico “aula teórica e lista de problemas”, ou seja, o pro-
fessor “dá a matéria” expositivamente, monologicamente, e depois “passa” uma lista de
problemas para os alunos. Esse ensino, nas palavras, de Carl Wieman, Nobel em Física
em 2001 e referência internacional no ensino da Física, é pior do que ineficaz, é anti-
científico (WIEMAN, 2013).
Neste texto, o ensino de ciências nas universidades será abordado criticamente,
porém, ao mesmo tempo, construtivamente desde uma perspectiva de mudança desse
ensino a fim de que fique voltado para a aprendizagem ativa de conteúdos, declarativos
e procedimentais, com significado, compreensão e capacidades de utilizá-los.
O comportamentalismo de Skinner e o ensino tradicional
O comportamentalismo é uma corrente psicológica cuja ideia-chave é que o
comportamento é controlado pelas consequências. Quer dizer, dependendo do que
acontece depois de um comportamento frente a um estímulo, o sujeito tende a repeti-
lo, ou não, quando receber outra vez esse estímulo. É um enfoque estímulo (E) - res-
posta (R), que não leva em consideração o que ocorre entre os dois.
No ensino, Skinner (1972) é a referência comportamental básica. O enfoque
skinneriano ao ensino limita-se a comportamentos (objetivos comportamentais) mani-
festos e mensuráveis. Não leva em conta o que acontece na mente do aprendiz
3
durante
o processo de aprendizagem.
Na prática, o que se faz é definir claramente os objetivos do ensino, i,e., o que se
espera que o aluno seja capaz de fazer ou dizer, “depois das aulas”, nas provas. Se o
esperado for atingido, ou seja, se as respostas nas provas forem corretas, o ensino é
considerado exitoso, embora essas respostas não signifiquem compreensão. Provas de
questões de múltipla escolha, por exemplo, medem quantas foram as respostas certas,
mas não avaliam compreensão, captação de significados.
Por sua parte, os alunos anotam ou gravam o que o professor diz; copiam ou
fotografam o que o professor apresenta no quadro de giz ou pedem arquivos eletrônicos
quando a apresentação é em slides. Enfim, querem recursos sobre a matéria que foi
“dada” nas aulas para estudarem na véspera das provas. Nesse contexto, estudar signi-
fica memorizar mecanicamente o que pode “cair nas provas”, ou seja, definições, leis,
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princípios, reações, taxonomias e, sobretudo, fórmulas (pois, em certas disciplinas,
acreditam que para cada problema há uma fórmula).
Saindo bem nas provas, quer dizer, se a consequência do “estudo” for boas notas,
os alunos tendem a continuar “estudando” para as provas. Se a consequência é notas
baixas, acabam se sentindo incompetentes, pensam que não vale a pena “estudar”, bus-
cam outros mecanismos para passar nas provas.
Nesse contexto comportamentalista, de aprendizagem mecânica, baseado na tes-
tagem, o importante é passar nas provas e disciplinas e, quando passam, os estudantes
praticamente apagam de sua mente o que “estudaram”. Pouco resta, “em suas cabeças”,
do foi memorizado para as provas. É a cultura da matéria passada matéria esquecida”,
uma cultura internacional.
Chega-se ao ponto que em certas carreiras os estudantes cursam determinadas
disciplinas somente porque são obrigatórias e só querem passar. Infelizmente, isso
ocorre em disciplinas de Física e Cálculo nas Engenharias.
Cabem aqui, como exemplo, palavras de um estudante (HERAS, 2017) de gra-
duação em Astrofísica, em uma Universidade de Londres, publicadas na revista Physics
Today:
As disciplinas básicas dos meus dois primeiros anos foram desapontadoras. A maioria dos profes-
sores seguiu abordagens de ensino tradicionais baseadas, pesadamente, em resolver problemas
padrão e aprendizagem mecânica, sem possibilidades de questionamentos e discussões. Eles pa-
reciam convencidos que entenderíamos Física através desse método [...] Eu e meus colegas
gastamos muito tempo e esforço resolvendo problemas de livros de texto. Mas não entendemos
Física fazendo isso. Na prática, fomos treinados a usar técnicas de resolução de problemas (Tra-
dução livre do autor).
Que absurdo! Dois primeiros anos de um curso de Astrofísica sem aprender Fí-
sica. É esse ensino que Carl Wieman (2013), caracteriza como pior do que ineficaz pois
é anticientífico. É um ensino comportamentalista que enfatiza a aprendizagem mecâ-
nica, sem significado. Deveria ser abandonado, mas é o que predomina no Brasil e em
muitos outros países. Talvez a proposta original de Skinner aplicada ao ensino não fosse
essa, mas assim foi interpretada e posta em prática.
A dialogicidade de Freire e a negociação de significados no en-
sino
A educação associada ao ensino tradicional comportamentalista descrito na seção
anterior é a “educação bancária” concebida por Paulo Freire (1988). Nessa concepção,
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educação é o ato de “depositar”, transferir, transmitir valores e conhecimentos. O saber
é uma doação dos que se julgam sábios aos que se julgam que nada sabem (FREIRE,
1988, p. 58-59).
A educação bancária é monológica, o professor fala e os alunos escutam. Contrari-
amente a essa concepção, a dialogicidade, a consciência crítica, a criticidade essência
da educação como prática da liberdade (FREIRE, 1988, p. 77) são imprescindíveis.
Nessa perspectiva, a educação autêntica não é do educador para o educando ou sobre
o educando, mas sim do educador com o educando.
Na educação bancária estudar é memorizar conteúdos mecanicamente, sem sig-
nificados. O que se espera do educando, como já foi dito, é a memorização dos
conteúdos nele depositados. A compreensão e a significação não são requisitos, a me-
morização mecânica sim.
Na educação dialógica, estudar requer apropriação da significação dos conteúdos,
a busca de relações entre eles e aspectos históricos, sociais e culturais dos conhecimentos
adquiridos. Requer também que o educando se assuma como sujeito do ato de estudar
e adote uma postura crítica e sistemática.
Dessas concepções freireanas percebe-se claramente que, na prática, o ensino não
pode ser monológico. Se não houver diálogo, se o aluno não externalizar os significados
que está captando, o professor não tem evidências de se o mesmo está aprendendo ou
não. Deve haver uma “negociação de significados”. É um erro ensinar sem participação
dialógica do aluno.
Em uma situação de ensino, o professor deve possibilitar que os alunos tenham
acesso aos significados aceitos no contexto da matéria de ensino. Os alunos devem,
então, externalizar os significados que estão captando. Se forem os significados aceitos
contextualmente pode-se dizer que houve um episódio de ensino-aprendizagem. Caso
não sejam, os alunos devem ter novamente, e possivelmente de outro modo, acesso aos
significados compartilhados na matéria de ensino. Em outras palavras, deve haver uma
“negociação de significados” entre professor e aluno, por meio de materiais e estratégias
instrucionais, cujo objetivo é que o aluno venha a compartilhar significados.
Se não há captação, compartilhamento, de significados, não há aprendizagem. Se
não há aprendizagem não houve ensino. Não tem sentido dizer que algo foi ensinado,
mas o aluno não aprendeu.
Significados são compartilhados dentro de um contexto, ou seja, o mesmo sím-
bolo ou signo pode ter um significado dentro de um contexto e outro fora dele. A
mesma palavra pode ter significados diferentes em distintos contextos, Por exemplo,
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‘trabalho’ na Física é um produto escalar de dois vetores, no cotidiano é emprego, ser-
viço, tarefa e outros significados. Outro exemplo, dentro da própria Física, a mesma
palavra pode ter um significado em uma área e outro em outra área como é o caso da
palavra ‘cor’ que tem significados diferentes na Ótica e na Física de Partículas.
Não se trata de dizer que um certo significado está correto em um contexto e
errado em outro. Como foi dito, se são contextos diferentes os significados podem ser
outros para o mesmo signo, símbolo, processo. Por isso, a dialogicidade, o intercâmbio,
a “negociação de significados” é fundamental no ensino. E nesse processo a pergunta é
essencial, o aluno deve ser estimulado a perguntar, a questionar, sem que isso signifique
que o professor necessariamente tenha uma resposta, nem que seguramente já exista
uma resposta. Perguntar é essencial no progresso da ciência. Portanto, deve fazer parte do
ensino de ciências.
O cognitivismo de Ausubel e a aprendizagem significativa
Diferentemente da corrente psicológica comportamentalista que não leva em
consideração o que ocorre na mente do aprendiz entre o estímulo e a resposta, a visão
cognitivista de David Ausubel (1963; 2000; 2003) tem como pressupostos básicos que
os conhecimentos existentes na estrutura cognitiva do aprendiz constituem a variável
que mais influencia a aprendizagem significativa de novos conhecimentos e, além disso,
deve haver de sua parte uma predisposição para aprender, uma intencionalidade, um
querer aprender.
Aprendizagem significativa é aprendizagem com significado, com compreensão,
com capacidades de explicar, descrever, aplicar, transferir conhecimentos, inclusive a
situações novas.
Não é saber a resposta correta. Aprendizagem Significativa e “resposta correta” não
são sinônimos. Se o aluno dá a resposta correta a uma questão em uma prova isso não
quer dizer que aprendeu significativamente o conteúdo envolvido nessa questão. No
ensino tradicional, voltado para a testagem, é comum que os alunos decorem respostas
corretas, para perguntas que poderão “cair nas provas”, sem entenderem essas respostas.
Na visão ausubeliana, se fosse possível identificar uma variável como a que mais
influencia a aprendizagem de novos conhecimentos seria o conhecimento prévio de
quem aprende. Mas conhecimento prévio não é o mesmo que pré-requisito. É o co-
nhecimento que o aprendiz tem em sua estrutura cognitiva e pode servir de
ancoradouro para novos conhecimentos ou funcionar como obstáculo epistemológico.
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A interação cognitiva entre conhecimentos novos e prévios é a característica
chave da aprendizagem significativa. Nessa interação um novo conhecimento deve re-
lacionar-se de modo não-arbitrário (i.e., não com qualquer conhecimento) e não-literal
(i.e., não ao pé da letra) com aquilo que o aprendiz já sabe.
Quando o novo conhecimento é armazenado na estrutura cognitiva, usualmente
na memória de trabalho, sem relacionar-se com conhecimentos prévios, a aprendiza-
gem é mecânica, sem significado, e serve apenas para respostas corretas a curto prazo.
Uma vez utilizado nas provas esse conhecimento é esquecido, como se fosse “apagado”
da mente.
A aprendizagem mecânica é o resultado mais comum do ensino para a testagem. Os
alunos passam anos “estudando”, mecanicamente, para as provas e pouco resta desse
“estudo” após as provas. Infelizmente, esse ensino é o que predomina na Educação
Básica, particularmente no Ensino Médio, e na Superior.
É preciso esclarecer que a estrutura cognitiva é dinâmica e a aprendizagem signi-
ficativa não é do tipo “sim ou não”, ou seja, a aprendizagem é significativa ou mecânica.
A aprendizagem significativa é progressiva, a interação cognitiva é permanente, os co-
nhecimentos prévios vão servindo de “ancoradouro” para novos conhecimentos e vão
ficando mais ricos, mais diferenciados e mais capazes de dar significados a outros novos
conhecimentos.
Mas se o conhecimento é tão importante para dar significados a novos conheci-
mentos, o ensino monológico tem que ser repensado. Não tem sentido ensinar,
qualquer conteúdo, sem ter uma ideia dos conhecimentos prévios dos alunos e como
estão captando significados de novos conhecimentos. O ensino tem que ser dialógico,
como foi destacado na seção anterior. Se o aluno não “fala” (i.e., não externaliza os
significados que está captando) o ensino está sendo feito às cegas.
Identificar conhecimentos prévios pode ser uma tarefa difícil mas deve sempre
ser levada em conta, ainda que minimamente. No entanto, a dialogicidade no ensino
é uma questão de mudança na concepção monológica predominante.
A outra variável fundamental para a aprendizagem significativa é a predisposição
para aprender, mas essa predisposição não deve ser confundida, simplisticamente, com
motivação. É uma intencionalidade, um querer aprender, um interesse que vai muito
além de motivação.
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Aprendizagem ativa, metodologias ativas e aprendizagem signifi-
cativa
Aprendizagem ativa pode ser entendida como oposta à aprendizagem passiva,
aquela do ensino tradicional em que os alunos apenas escutam e anotam o que o pro-
fessor diz. Os alunos passam a ser ativos na sua aprendizagem em decorrência de
metodologias ativas de aprendizagem que os colocam como centrais no processo en-
sino-aprendizagem.
Metodologias ativas são metodologias de ensino centradas no aluno, mas o papel
do professor não é minimizado, ou desmerecido, é modificado isso sim. Como dizia
Paulo Freire, o ensino deve ser do educador com os educandos, envolvendo a partici-
pação ativa de todos em contextos que lhes façam sentido.
Essas metodologias devem estimular que o aluno se sinta como o principal res-
ponsável por sua aprendizagem. Devem também incentivar a colaboração entre colegas,
o questionamento, a criticidade, a “negociação de significados”. A aprendizagem base-
ada em projetos, a instrução por pares, a gamificação, são exemplos de metodologias
ativas, mas existem várias outras.
Um outro exemplo, ainda não muito utilizado, mas promissor, é a prática deli-
berada (WIEMAN, 2013):
O que funciona melhor do que aulas teóricas e problemas de casa, segundo numerosos estudos,
é ter os estudantes trabalhando em pequenos grupos com instrutores que podem ajudá-los a
aplicar conceitos científicos básicos em situações de vida real. Mas qual é a melhor maneira de
implementar aprendizagem ativa centrada no estudante? É fundi-la com a concepção de prática
deliberada, a qual envolve o aprendiz na resolução de um conjunto de tarefas ou problemas que
são desafiadores mas factíveis e que incluem explicitamente o uso de pensamentos e desempenhos
apropriados. O professor oferece incentivos apropriados para manter os estudantes ativos e lhes
dá contínuos feedbacks para que se mantenham nas tarefas e desenvolvam as habilidades neces-
sárias (Tradução livre do autor).
Metodologias ativas, por princípio, estão voltadas para a aprendizagem ativa, par-
ticipativa, dos alunos, mas nem sempre geram aprendizagem significativa. Se o
conhecimento prévio, já existente ou em construção, não for levado em conta e se o
aluno não externalizar os significados que está captando, o professor não sabe se o aluno
aprendeu, ou está aprendendo, significativamente, novos conhecimentos, novos con-
teúdos, novos procedimentos.
Metodologias ativas não implicam necessariamente o uso de tecnologias digitais
nem a “mão na massa” (hands on). É claro que as TDICs (Tecnologias Digitais de
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Informação e Comunicação) fazem parte da vida contemporânea, é claro também que
atividades experimentais são importantes no ensino de STEAM (Science, Technology,
Engineering, Arts, and Mathematics). Mas seu uso não implica que a aprendizagem seja
significativa.
Por exemplo, um aluno pode construir um modelo computacional para uma
situação física, matemática ou da engenharia e não entender o modelo feito, não con-
seguir explicá-lo teoricamente. Pode fazer um experimento de laboratório “achar uma
reta” ou “encontrar uma cor” e não entender a Física e a Química que estão por trás
desses “achados”.
É importante não confundir aprendizagem ativa e metodologias ativas com aprendi-
zagem significativa, pois esta é a aquisição de conhecimentos, declarativos e
procedimentais, i.e., de saber dizer e fazer, com significado, com compreensão, o que
está sendo feito ou enunciado.
Algumas recomendações, em busca de outro ensino
Tudo que foi dito até aqui fez referência ao ensino de ciências porque esta é a
área do autor, mas, seguramente, vale para outras áreas. Houve também referências ao
ensino superior porque nele há mais possibilidades de mudança, contrariamente ao
ensino na educação básica que é voltado, prioritariamente, para a testagem. Mas isso
não significa perder a ilusão de um ensino, na educação básica, para a cidadania.
A modo de conclusão serão apresentadas a seguir algumas asserções, ou recomen-
dações, dirigidas a um “outro ensino”.
Abandono da narrativa, da educação bancária, do ensino treinador. O modelo da narrativa
(FINKEL, 2008) é aquele em que o professor narra, os alunos escutam, anotam e decoram. A
educação bancária (FREIRE, 2007) é aquela em que o professor “deposita”, transfere, conheci-
mentos para a cabeça do aluno. Ensino treinador é o que “prepara” o aluno, mecanicamente,
para a testagem. Tudo isso deve ser abandonado em busca de um ensino com participação ativa
dos estudantes e aprendizagem com significado.
Considerar o estudante como o principal agente de sua aprendizagem. Estimular a colaboração entre
estudantes com a mediação do professor. Incentivar a dialogicidade, o questionamento, a critici-
dade, nas aulas. Usar metodologias ativas.
Buscar evidências de conhecimentos prévios. Promover atividades iniciais, sem objetivo de testar,
que levem os alunos a externalizar conhecimentos prévios, sem se sentirem testados. Mapas men-
tais, por exemplo. Ao longo do processo de ensino-aprendizagem, buscar evidências de aprendizagem
significativa. Testes não dão essas evidências, apenas medem a quantidade de acertos. Se o ensino
for dialógico o professor terá muitas oportunidades de colher evidências de aprendizagem signi-
ficativa, ou seja, se está havendo captação de significados e compreensão dos conteúdos que estão
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sendo trabalhados. Metodologias ativas favorecem uma aprendizagem ativa com significado e facili-
tam essa busca de evidências.
Utilizar situações que façam sentido para os alunos. São as situações que dão sentido aos conceitos
(VERGNAUD, 1990). Usar a prática deliberada (WIEMAN, 2013) propondo tarefas desafia-
doras, mas viáveis e que tenham sentido para os alunos. Explorar a relevância dos materiais
instrucionais na vida profissional e cotidiana dos estudantes.
Não acreditar que o uso das TDICs (Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação) vai neces-
sariamente gerar aprendizagens ativas significativas. É natural que essas tecnologias sejam
incorporadas ao ensino, pois fazem parte da vida contemporânea, do mundo atual, mas isso não
significa que vão, automaticamente, melhorar a aprendizagem em termos de significado e com-
preensão. É comum imaginar as novas tecnologias como “poderosas”, mas pesquisas feitas com
aprendizagem personalizada (personalized learning), aprendizagem alternada (blended learning) e
aprendizagem profunda (deep learning) até agora não apresentaram resultados altamente favorá-
veis (HEROLD, 2016). Aprendizagem personalizada é aquela em que o estudante pode seguir um
caminho individualizado de aprendizagem, coerente com seu perfil de aprendizagem. Aprendiza-
gem alternada é a que mantém o estudante alternando entre atividades online e atividades
presenciais em distintos momentos das metodologias de ensino. Aprendizagem profunda é o pro-
cesso de aquisição de seis competências globais (FULLAN; QUINN; MC EACHEN, 2018):
caráter, cidadania, colaboração, comunicação, criatividade e pensamento crítico. Todas essas
abordagens são promissoras mas ainda carecem de pesquisas sobre seu efeito na aprendizagem
ativa significativa.
Despertar o interesse dos alunos. Talvez esse seja o maior desafio para promover essa aprendizagem
ativa com significado. Como dizia Ausubel (1963), além do conhecimento prévio como variável
isolada que mais influencia a aprendizagem há uma outra variável fundamental, a predisposição
para aprender. Mas essa predisposição vai muito além de motivação. É melhor pensar em termos
de interesse. Segundo Dewey (1916/2018), o interesse significa que quem está aprendendo se
identifica com os objetos de estudo que definem a atividade e provêm meios e obstáculos para
sua realização (p. 147). Interesse tem características e fases de desenvolvimento (RENNINGER;
NIESWANDT; HIDI, 2018), tem a ver com autorregulação, auto-observação, autodetermina-
ção, autoeficácia (BANDURA; AZZI; POLYDORO, 2008). Não cabe aqui definir todos esses
conceitos, pois foram mencionados somente para chamar atenção que interesse é uma variável
complexa que merece total atenção no ensino. Sem despertar o interesse dos alunos é pouco
provável que as atividades didáticas, sejam quais forem, resultem em aprendizagens ativas signi-
ficativas e quando isso não ocorre não se pode dizer que houve ensino e os alunos não aprenderam”.
Isso não tem sentido.
Conclusão
Este texto foi escrito desde uma perspectiva crítica ao ensino tradicional, baseada
na grande experiência do autor, como professor e pesquisador, na educação básica e
superior, em ensino de ciências, particularmente de Física. Ao longo dessa perspectiva,
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várias vezes foi destacada a necessidade de mudanças em busca de outro ensino, cen-
trado no aluno e na aprendizagem ativa com significado. Contudo, embora seja um
ensino centrado no aluno, o papel do professor é fundamental. Ao invés de atuar como
“narrador” passa a ser mediador na implementação de metodologias ativas. Por outro
lado, abandono da narrativa não implica nunca dar aulas ao estilo tradicional. Implica,
isso sim, inserir essas aulas em metodologias ativas, sem ficar falando sozinho e “dando
a matéria”.
Mudanças no ensino tradicional enfrentarão muitas dificuldades porque na edu-
cação básica o importante é a preparação para as provas, o ensino para a testagem, e na
educação superior o que vale é a pesquisa, as publicações, o ensino é dar aulas teóricas
e passar listas de problemas.
Mas fica aqui uma pergunta! Em termos de aprendizagem, para que serve esse
ensino se não leva a aprendizagens ativas com significado?
Notas
1
Palestra na série Diálogos da Ilum Escola de Ciência no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e
Materiais (CNPEM), Campinas, São Paulo, em 24 de junho de 2021.
2
Neste texto os termos aluno e professor serão usados sem nenhuma alusão a gênero.
3
O termo aprendiz está sendo usado neste texto com significado de ser humano que aprende.
Referências
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