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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 737-740, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Metacognição no ensino de física: da concepção à aplicação
Camila Boszko
*
Se aventurar com a leitura deste livro de Cleci deveria ser tarefa obrigatória a
todos aqueles interessados em pesquisar ou mesmo desenvolver o pensamento meta-
cognitivo efetivamente. O livro foi publicado em 2014, pela Editora da Universidade
de Passo Fundo, e tem como cerne a pesquisa construída pela autora em seu processo
de doutoramento em Ensino Científico e Tecnológico pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Objetivando construir subsídios teóricos na área de ensino de
Física, ainda que o produto final se expanda à ciência em geral e também possa ser
adaptada à todas as áreas do conhecimento, esta obra constrói uma discussão e defende
a metacognição como favorecedora da aprendizagem. Organizado em sete capítulos
compostos por 175 páginas, o livro apresenta desde a raiz teórica do termo até possibi-
lidades de aplicabilidade em contexto real de sala de aula.
A apresentação da obra é feita pelo professor doutor José Otero, da Universidade
de Alcalá, Espanha. O professor é um pesquisador reconhecido no que tange à meta-
cognição e, em suas palavras, reforça a importância e o potencial do livro construído
por Cleci. O autor inicia contextualizando o papel da metacognição nas concepções
educacionais e o costura com o potencial da referida obra, dando destaque para a “im-
portancia que tiene la metacognición para la comprensión y la mejora de los procesos de
aprendizaje escolar” (p. 8).
O primeiro capítulo discute a origem, a definição e a polissemia da metacogni-
ção. Quanto à origem destaca que, ainda que tenha sido um processo lento e gradual e
que haja diversas fontes teóricas e históricas, o termo foi cunhado por John Flavell e
teve sua primeira aparição em textos científicos oficialmente em 1976 (mesmo que o
autor já tenha sinalizado sua existência em textos anteriores). A autora reconstrói com
cuidado os objetivos dos estudos e os autores envolvidos diretamente na definição feita
por Flavell. Além disso, a autora também discute que as primeiras definições foram
mais limitadas e gradualmente a metacognição foi se expandindo e atingindo horizon-
tes maiores de percepção.
Recebido em: 26/10/2022 Aprovado em: 26/10/2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13922
ISSN on-line: 2238-0302
*
Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus de Cerro Largo - RS
(2016). Mestra (2019) e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade de Passo Fundo
(UPF). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4257-622X. E-mail: camila.boszko@gmail.com.
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Para definir metacognição, Cleci se utiliza da versão clássica proposta por Flavell
e interpreta as componentes do conceito utilizando-se de outros estudos e referenciais.
A saber, Cleci adota a concepção de metacognição como um processo de “tomada de
consciência do sujeito sobre seus conhecimentos, sobre seu modo de pensar” (p. 17) o
que “favorece a regulação de ações, possibilitando maior êxito nesse processo” (p. 17).
Essa grande concepção é mobilizada a partir de duas grandes componentes, as quais são
mediadas, cada uma delas, por três elementos. A primeira componente é a Conheci-
mento do conhecimento, a qual é composta pelos elementos: pessoa, tarefa e estratégia.
Para além do texto clássico de Flavell, nesta componente Cleci também se apoia em
um estudo de Flavell e Wellman para caracterizar cada elemento. A componente Con-
trole executivo e autorregulador é constituída pelos elementos: planificação, monitoração
e avaliação. Cleci discute que nos estudos de Flavell não há muita ênfase nesta parte da
metacognição, logo se utiliza os trabalhos de Brown para caracterizá-la.
Para fechar o primeiro capítulo, a autora destaca que essa concepção de metacog-
nição não é a única, mas sim a que ela, no momento, julga ser a mais pertinente para
o seu contexto de aplicabilidade. Porém, discute ainda que com a expansão e popula-
rização do termo, a metacognição vem atingindo outros horizontes e sendo incorporada
em pesquisas de outras áreas do conhecimento. Claro que este é um processo positivo,
devido à importância do pensamento de ordem metacognitiva, todavia, essa expansão
desenfreada acabou gerando uma polissemia do termo e, por vezes, uma nebulosidade
teórica. Ainda, destaca que, apesar deste processo polissêmico, na acadêmica em geral
existe um consenso quanto ao núcleo do termo ser um processo de controle cognitivo,
o que a leva ao próximo capítulo.
No capítulo 2 a discussão centra-se nas influências e fundamentos da psicologia
cognitiva. A autora inicia caracterizando e defendendo a importância das pesquisas na
área e fazendo relação direta com a aprendizagem, tendo em vista que ambas se centram
no processo de apuração da informação - cada qual com suas especificidades. A partir
desta relação, introduz-se a metacognição como meio de consciência e controle da in-
formação e ainda como potencial de aprendizagem. Dois teóricos da área da psicologia
cognitiva e que construíram grande reconhecimento e influência na educação são Pi-
aget e Vygotsky. Estes autores trouxeram possibilidades para o desenvolvimento da
cognição humana e, consequentemente, influenciam os processos de aprendizagem,
por isso Cleci destina a maior parte deste capítulo para mostrar que a metacognição
está presente em suas teorias, ainda que sem o uso direto do termo. Discutindo as duas
perspectivas teóricas e baseando-se na metacognição, a autora aponta um caminho em
comum: associação à concepção construtivista, a qual relata no próximo capítulo.
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Seguindo o fio da meada apontado anteriormente, o terceiro capítulo centra a
discussão na aproximação construtivista com a metacognição. Cleci discute o que ca-
racteriza a abordagem construtivista e defende que a metacognição, justamente por sua
aproximação com o construtivismo, envolve o processo de mudança conceitual decor-
rente de um conflito cognitivo. Seguindo essa discussão, a autora destaca que a
metacognição é necessariamente um processo individual, mas que é mediada constan-
temente por processos e entornos sociais e culturais. Logo, essa mediação externa
também é guiada por aspectos para além do cognitivo, ou seja, envolve questões afeti-
vas. Essas questões são dissertadas na última parte do capítulo, ficando cristalino que a
afetividade tem influência na construção, mobilização e operacionalização do pensa-
mento metacognitivo.
O capítulo quatro começa a direcionar a discussão para a sala de aula. Na opor-
tunidade, a autora defende que para estimular a metacognição faz-se necessário que se
mobilizem estratégias de aprendizagem específicas. Para tanto, a autora inicia caracte-
rizando o que são estratégias de aprendizagem para que, em seguida, as situe em
situações envolvendo a metacognição. O capítulo encerra com a defesa da necessidade
de construção de um novo modelo de contrato didático. Esse novo modelo deve ser
explícito, com funções claras e objetivas de forma que o professor seja o sujeito que vai
mediar o conhecimento e o aluno o sujeito promotor de mecanismos favoráveis para a
sua aprendizagem. Pressupõe-se uma quebra de paradigmas, a responsabilidade recai
sobre o aluno, isto, pois, a metacognição é um processo do sujeito sobre a sua cognição
(ora, como poderia outro sujeito se não ele próprio mediar a construção de seu saber?).
Porém, como já apontado, o processo também envolve influências externas e, para que
o professor consiga mediar a construção do conhecimento, seguindo uma abordagem
metacognitiva, é necessário guiar sua ação com ferramentas didáticas que abranjam seu
objetivo de ensino.
Sendo assim, o quinto capítulo discute justamente as ferramentas didáticas me-
tacognitivas. Para tal intuito, a autora apresenta algumas ferramentas já utilizadas,
embasando-se em pesquisas da área de Ciências que tiveram sucesso na ativação da
metacognição. Destaca-se que as estratégias de aprendizagem são mobilizadas a partir
das ferramentas didáticas, por isso torna-se importante e necessário aplicar diferentes
estratégias sob diferentes objetivos, possibilitando que o aluno se mobilize diante de
tais movimentos e regule seus processos (atuais e futuros) diante da respectiva situação.
Seguindo a discussão, constrói-se no capítulo 6 um diálogo sobre as ações didá-
ticas associadas ao ensino de Física e suas respectivas relações com a metacognição.
Nesse espaço, dá-se ênfase à importância de guiar as ações docentes de acordo com os
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objetivos de ensino e aprendizagem tornando-as situações organizadas pelos professores
para favorecer a construção de determinado conhecimento. Essas situações podem ser
mobilizadas a partir das ferramentas discutidas no capítulo anterior. Apresenta-se,
como forma de relato de experiência, algumas pesquisas envolvendo ações didáticas
pautadas no pensamento metacognitivo.
O sétimo e último capítulo é o pote de ouro no fim do arco-íris. Como encerra-
mento da obra, Cleci propõe uma estruturação para atividades experimentais
metacognitivas. De maneira mais direta, a autora sugere uma aplicação didático-meto-
dológica da metacognição como instrumento de aprendizagem (e também ensino) em
um contexto real de sala de aula. Assim, reiterando que é possível estimular a promoção
do pensamento metacognitivo nas escolas, sem necessitar de ferramentas ou recursos
que já não possuamos à disposição. Ou seja, a promoção da metacognição pode ser
estimulada a partir de ações didáticas, guiadas por ferramentas específicas, que não ne-
cessitam mais do que um professor disposto e um aluno motivado. Todavia, faz-se
necessário conhecer a metacognição para tomar consciência de como promovê-la.
Como a metacognição é uma temática relativamente nova, o livro de Cleci é um
oásis em meio ao mar de teorias desconhecidas. Isto, pois, apresenta objetivamente as
teorias que embasam a metacognição, fazendo também o movimento de apontar para
outras possibilidades. E, além disso, discute como essa teoria se desenvolve na prática,
de forma efetiva. Sendo assim, esse é um livro importante para iniciantes no estudo da
temática, por apontar os referenciais clássicos e como foram sendo interpretados; mas
também para aqueles que adotam a profissão docente a partir de uma perspectiva de
formação e aperfeiçoamento constante. As propostas e relatos de experiência são cen-
tradas no ensino de Física, porém todo aluno e todo professor pode transpor as
discussões para os seus processos formativos. A discussão feita por Cleci nesta obra, nos
convida a refletir sobre os processos de ensino e aprendizagem, e mais do que isso, nos
estimula metacognitivamente - uma vez que nos põe a questionar nossas mobilizações
cognitivas a partir dos relatos e teorias discutidos. Poderíamos afirmar que o próprio
livro se converteu em uma ferramenta didática metacognitiva? O livro cumpre seu ob-
jetivo: justifica a metacognição como favorecedora da aprendizagem. E mais que isso,
nos mostra que ser metacognitivo faz-se humanamente cada vez mais essencial.
Referência
ROSA, Cleci Teresinha Werner da. METACOGNIÇÃO NO ENSINO DA FÍSICA: da
concepção à aplicação. Passo Fundo: Editora Universidade de Passo Fundo, 2014. 175 p.